CAP. 31 – O MÉTODO DAS
CIÊNCIAS DA NATUREZA
O MÉTODO DAS CIÊNCIAS DA
NATUREZA
1. O desafio do método
O problema resolvido é um elo na cadeia
de problemas e suas soluções,
através dos quais a ciência avança.
Uma nova teoria é uma fonte muito
fecunda de problemas, através das
predições que gera.
• Método vem de meta, “ao longo de”, e
hodós, “via, caminho”.
• Para alcançar um objetivo determinado
precisamos agir com método,
desenvolvendo um conjunto de
procedimentos racionais, ordenados, que
nos “encaminhem” em direção à ação
desejada ou à verdade procurada.
• Na vida cotidiana agimos com método
usando o senso comum (planejamento).
• Na Antiguidade e na Idade Média faltava um
quadro unificador dos meios e dos métodos, da
própria ideia do ‘objeto a ser descrito’.
• No séc. XVII, Galileu provoca uma revolução na
ciência ao desenvolver o método da física,
calcado na matematização, observação e
experimentação.
• É comum o interesse pelas questões
metodológicas entre os pensadores daquele
período, tais como Descartes, Francis Bacon,
Locke, Hume e Espinosa.
2.
A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA.
• A classificação das ciências
À medida que as ciências tornavamse autônomas, surgiu a necessidade
de sua classificação.
Atualmente, costuma-se considerar:
• Ciências formais: matemática e lógica;
• Ciências da natureza: física, química, biologia, geologia,
geografia, física, etc.
• Ciências humanas: psicologia, sociologia, ciências
sociais, economia, história, geografia humana,
linguística, etnologia, etc.
• Ciências híbridas: contribuição dos mais diversos
campos do saber.
Especialidades novas reúnem simultaneamente
pesquisadores e técnicos de áreas diversas, como
engenharia, informática, medicina e biologia.
3. O MÉTODO EXPERIMENTAL
• Passa pelas seguintes etapas:
observação, hipótese, experimentação,
generalização (lei) e teoria.
• Claude Bernard (1813-1878), médico e
fisiólogo francês, é conhecido não só por
suas experiências em biologia, mas
também pelas reflexões sobre o método
experimental.
• Exemplo:
Percebe que coelhos trazidos do mercado
tem a urina clara e ácida, característica
dos animais carnívoros (observação).
Como ele sabia que os coelhos tem a urina
turva e alcalina, por serem herbívoros,
supôs que aqueles coelhos não se
alimentavam há muito tempo e se
tranformaram pela abstinência em
verdadeiros carnívoros, vivendo do seu
próprio sangue (hipótese).
Fez variar o regime alimentar dos coelhos,
dando a alguns alimentação herbívora e,
a outros, carnívora; repetiu a experiência
com um cavalo (controle experimental).
No final, enunciou que “em jejum todos
os animais se alimentam de carne”
(generalização).
OBSERVAÇÃO
• A todo momento estamos observando;
mas a observação comum é feita ao
acaso, dirigida por propósitos aleatórios.
• Ao contrário, a observação científica é
rigorosa, precisa, metódica, orientada
para a explicação dos fatos e já
carregada de teoria.
• Há situações em que apenas nossos sentidos
são suficientes para a observação, mas às
vezes torna-se necessário o uso de
instrumentos que lhe emprestam maior rigor,
pois quantificam o que está sendo observado.
Exemplo:
• É mais rigorosa a indicação da temperatura no
termômetro do que a percebida pela nossa
pele.
Primeira dificuldade :
• A observação científica não é a simples
observação de fatos .
Exemplo:
• Duas pessoas que observam a mesma
paisagem não a registram como uma câmara
fotográfica, porque o olhar humano é dirigido
por uma intenção, ele tende para certos
pontos e não outros.
• Os fatos são o resultado de nossa
observação interpretativa.
• A observação científica está impregnada
de teoria. Ao fazer a coleta de dados, o
cientista seleciona os mais relevantes
para o encaminhamento da solução do
problema.
HIPÓTESE
• Hypó, “debaixo de”, “sob”, e thésis,
“proposição” – é o que está sob a tese, o que
está suposto.
• A hipótese é a explicação provisória dos
fenômenos observados, a interpretação
antecipada que deverá ser ou não
confirmada.
• O papel da hipótese é reorganizar os fatos de
acordo com uma ordem e tentar explicá-los
provisoriamente.
• A formulação da hipótese não depende
de procedimentos mecânicos, mas de
engenhosidade.
• Nessa etapa do método científico, o
cientista pode ser comparado ao artista
inspirado que descobre uma nova forma
de expressão.
• Insight – iluminação súbita.
Exemplo:
• Arquimedes ao mergulhar na banheira, teria
descoberto a lei do empuxo (hidrostática).
Incontido em seu entusiasmo, saiu gritando
“Eureca” (em grego, “descobri”).
• Nesse sentido, a construção de hipóteses
pode ser entendida como um processo
heurístico (de invenção e descoberta).
• Não devemos, porém, mistificar a
formulação da hipótese, pois ela é
acompanhada por longa argumentação,
da qual a descoberta representa apenas
o momento culminante.
• É o próprio Newton quem diz:
“ Se minhas pesquisas produziram alguns
resultados úteis, eles não são devidos
senão ao trabalho, a um pensamento
paciente... Eu tinha o objeto de minha
pesquisa constantemente diante de mim
e esperava que os primeiros clarões
começassem a aparecer, lentamente,
pouco a pouco, até que eles se
transformavam em uma claridade plena e
total”.
TIPOS DE RACIOCÍNIO USADOS PELO CIENTISTA
AO PROPOR UMA HIPÓTESE:
a) A indução - generalização de casos
diferentes e particulares;
b) O raciocínio hipotético-dedutivo – quando é
formulada uma hipótese e comprovam-se
as consequências que são tiradas dela;
c) A analogia – estabelecidas relações de
semelhança entre fenômenos.
CRITÉRIOS PARA JULGAR O VALOR OU A
ACEITABILIDADE DAS HIPÓTESES:
a) Relevância
b) Possibilidade de ser submetida a
testes
c) Compatibilidade com outras hipóteses
já confirmadas
EXPERIMENTAÇÃO
• É o estudo dos fenômenos em condições que
foram determinadas pelo experimentador.
• Observação provocada para fim de controle
da hipótese.
• Podem-se repetir os fenômenos; variar as
condições de experiência; tornar mais lentos
os fenômenos muito rápidos; simplificar os
fenômenos.
• Nem sempre a experimentação é simples ou
viável.
• É impossível observar diretamente a evolução
darwiniana, que se processa durante muitas
gerações; mesmo assim é uma hipótese válida,
na medida em que unifica e torna inteligível um
grande número de dados.
• Quando a experimentação refuta a hipótese, o
trabalho do cientista deve ser recomeçado, na
busca de outra hipótese.
GENERALIZAÇÃO
• As análises dos fenômenos nos
levam à formulação de leis, que são
enunciados que descrevem
regularidades ou normas.
• Na generalização estabelecemos
relações constantes.
• As leis podem ser de dois tipos:
1) Generalizações empíricas (ou particulares) – são
inferidas da observação de alguns casos
particulares.
Exemplo:
“Os mamíferos produzem a sua própria vitamina E”.
Nem sempre é possível atingir uma universalidade
rigorosa.
Nesses casos existem leis estatísticas baseadas em
probabilidades.
2) Leis Teóricas – são leis mais gerais e abrangentes
que reúnem as diversas leis particulares sob uma
perspectiva mais ampla.
Exemplo:
A teoria da gravitação universal de Newton, por
exemplo, engloba as leis planetárias de Kepler e a
lei da queda dos corpos de Galileu (Newton reúne
leis referentes a domínios distintos numa só
explicação, donde o caráter unificador da teoria).
• Questão:
1) A teoria da relatividade de Einstein
teria superado a teoria newtoniana
da gravitação universal?
Resposta:
?????????
Ora, Einstein não só parte de pressupostos
diferentes daqueles utilizados por Newton,
como também chega a conclusões
diferentes. Isso não significa que a teoria
newtoniana deva ser totalmente
abandonada, mas sim que é preciso
reconhecer os limites dela, já que a sua
aplicação se acha restrita a determinado
setor da realidade.
• O sucessivo alternar de teorias que se
completam, se contradizem ou são
abandonadas, indica que a ciência não é um
conhecimento “certo”, “infalível”, nem as
teorias são o “reflexo” do real. Por isso, nas
discussões entre filósofos da ciência, a teoria
científica aparece como construção da
mente, como hipótese de trabalho, como
função pragmática que torna possível a
previsão e a ação, como descrição de
relações entre elementos, sem garantia de
certeza definitiva.
A CRISE DA CIÊNCIA
• Filosofias como o positivismo de Comte e o
evolucionismo de Spencer traduzem o
otimismo generalizado que exalta a
capacidade de transformação humana em
direção a um mundo melhor.
• Ainda no século XIX e no início do século XX,
algumas novidades golpearam rudemente as
concepções clássicas, dando origem ao que
se pode chamar de crise da ciência moderna.
GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS
• Os axiomas (verdades aceitas sem provas
mas que servem de ponto de partida para a
demonstração dos teoremas) e postulados da
geometria plana que conhecemos foram
estabelecidos por Euclides no século III a.C.
• Um desses postulados é o das paralelas, que
pode ser formulado como: “por um ponto
situado fora de uma reta pode-se traçar uma e
só uma paralela à reta dada”.
• No século XIX alguns matemáticos
constroem outros modelos de geometria
que partem de axiomas que contradizem
os clássicos de Euclides: surgem então
as geometrias não-euclidianas.
• Na década de 1820, o russo Nikolai
Lobatchevski e, no início de 1830, o
húngaro Janos Bolyai, separadamente,
chegam a enunciados semelhantes:
• Por um ponto fora de uma reta seria possível
traçar infinitas paralelas a essa reta.
• No final da década de 1850, o matemático
alemão Bernhard Riemann constroi sua
geometria em espaço de curvatura positiva, na
qual não existem paralelas.
• Os novos modelos não anulam a geometria
euclidiana, mas desmoronam o critério de
evidência em que os postulados euclidianos
pareciam repousar.
• Como consequência, seria preciso
repensar a “verdade” na matemática.
• É fácil imaginar o impacto das novas
descobertas para os estudiosos,
acostumados com o universo de
percepção imediata euclidiano.
A FÍSICA NÃO-NEWTONIANA
• Até o século XIX, em pleno cientificismo, o ser
humano estava ciente e orgulhoso da sua
capacidade de conhecer o mundo pela ciência.
• A física newtoniana era considerada a imagem
absolutamente verdadeira do mundo.
• Já vimos como a teoria da relatividade de Einstein
veio subverter a concepção newtoniana do
universo, sobretudo devido a descobertas tais como
a curvatura da luz das estrelas.
• Segundo essa teoria, o ritmo da
passagem do tempo não é certo nem
absoluto: tempo e espaço não são
mais entidades separadas, mas são
substituídos pelo conceito de uma
quarta dimensão, o espaço-tempo.
• No início do século XX, Max Planck desenvolve a
teoria quântica, mais tarde aproveitada por Einstein
para o estudo do fóton, e aperfeiçoada por diversos
físicos matemáticos.
• Na década de 20, Werner Heisenberg, formula o
intrigante princípio da incerteza, segundo o qual, se
a energia se move em quanta discretos (ou seja,
descontínuos), como Planck descobrira, isso
significa que “alguns pares de variáveis que
constantemente afetam uma à outra, tais como
tempo e energia, não podem ser determinados com
precisão absoluta.”
NOVAS ORIENTAÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS
• Epistemologia (de episteme “ciência” e
logos, “ teoria”).
• As “crises” da ciência no final do século
XIX e começo do XX exigiram que a
epistemologia contemporânea fizesse
uma revisão da concepção de ciência e
da sua metodologia.
• Henri Poincaré (1854-1912) - afirmando que
“as teorias não são nem verdadeiras, nem
falsas, mas úteis”, quer mostrar que a crença
na infalibilidade da ciência é uma ilusão.
• O que ocorre no início do século XX é a
necessidade de reavaliação do conceito de
ciência, dos critérios de certeza, da relação
entre ciência e realidade, da validade dos
modelos científicos.
O CÍRCULO DE VIENA
• Foi fundado no final da década de 1920
por um grupo de cientistas, lógicos e
filósofos da ciência.
• Sofreram influência de Einstein, Russel e
Wittgenstein, considerados os principais
representantes da concepção científica
do mundo.
• Os filósofos do Círculo de Viena representam
o movimento filosófico do positivismo lógico
ou empirismo lógico, segundo o qual o saber
científico deve ser expurgado de conceitos
vazios e dos falsos problemas metafísicos,
submetendo-se ao critério da verificabilidade.
• As leis científicas são sempre a posteriori,
porque dependem da experiência.
A REAÇÃO DE POPPER
• Karl R. Popper (1902-1994) sofre
inicialmente a influência de Carnap e do
Círculo de Viena, mas depois tece
diversas críticas a eles.
• Para Popper, o cientista deve estar mais
preocupado não com a justificação da
sua teoria, mas com o levantamento de
possíveis maneiras de refutá-la pela
experiência.
• Se não podemos provar que uma teoria
universal é verdadeira, podemos provar
que é falsa.
• Quando a teoria resiste à refutação pela
experiência, ela é corroborada.
• Popper critica a psicanálise e o
marxismo, cujos universos teóricos se
restringem às explicações de seus
idealizadores e não dão condições de
refutabilidade empírica.
A POSIÇÃO DE KUHN
• Para Thomas Kuhn (1922-1996), a ciência progride
pela tradição intelectual representada pelo
paradigma que fornece problemas e soluções
exemplares para a pesquisa futura.
• Ao se alcançar o consenso, na chamada ciência
normal, o trabalho científico desenvolve-se a partir
do paradigma adotado, que dirige a resolução dos
problemas e a acumulação de descobertas.
• Chega, porém, o momento de crise, em que o
paradigma é questionado porque já não
resolve uma série de anomalias acumuladas,
processo que pode levar à revolução
científica.
Exemplo:
• Até Copérnico era aceito o paradigma
ptolomaico; até a teoria da relatividade, a
ciência normal se sustentava pelo paradigma
newtoniano, não questionado.
FEYERABEND: CONTRA O MÉTODO
• Paul K Feyerabend (1924-1994) questiona a racionalidade científica.
• Classificado como anarquista
epistemológico.
• Critica as posições positivistas por
considerar que as metodologias
normativas não são instrumentos
adequados de investigação e defende o
pluralismo metodológico.
• Segundo o filósofo, “A razão e a ciência não
podem excluir pluralidade de ideias, métodos
e formas de vida. Nem a razão nem a ciência
são suficientemente fortes para impor
restrições à democracia, nem para impedir
que as pessoas nela introduzam as tradições
que mais prezem”.
• Famosa afirmação - “o único princípio que
não inibe o progresso é: tudo vale”.
A AMBIGUIDADE DO PROGRESSO CIENTÍFICO
“Entramos no século XX a cavalo. Sairemos dele a bordo de
naves espaciais. Ingressamos neste século morrendo de febre
tifoide e varíola, e nos despediremos dele tendo vencido essas
doenças. Na virada do século XIX, transplantes de órgãos eram
inconcebíveis, enquanto na virada deste século muitos terão
sobrevivido por que o coração ou outro órgão vital de uma outra
pessoa os sustenta. Em 1900, a expectativa de vida humana
era de 47 anos. Hoje é de 75. Adentramos este século
comunicando-nos a curta distância com o recém-inventado
rádio. Hoje enviamos sinais e imagens coloridas através de
bilhões de quilômetros no espaço.”
BRODY, David Eliot e BRODY, Arnold R. As sete maiores descobertas científicas da história. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999. p. 396.
• Contudo, é importante acrescentar: se por um
lado a ciência tem proporcionado maior
conhecimento do mundo e ampliado os
poderes humanos, não há como negar o risco
dos seus efeitos maléficos, como a guerra ou
a poluição.
• Não é excessivo enfatizar que esses
problemas não se devem propriamente à
ciência ou à tecnologia, mas ao uso que delas
fazem as pessoas, seja individualmente ou
por meio de empresas privadas ou do poder
público.
ARANHA, Maria L de Arruda & MARTINS, Maria H Pires. Filosofando: introdução à filosofia.
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Cap. 31 - O método das ciências da natureza