A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO PENAL A PARTIR DO PODER MIDIÁTICO NA FORMAÇÃO DO INCONSCIENTE POPULAR RESUMO................................................................................................................01 INTRODUÇÃO.......................................................................................................02 1 HISTÓRICO........................................................................................................04 1.1 HISTÓRICO DO SISTEMA PENAL..................................................................04 1.2 HISTÓRICO DO SISTEMA PENAL NO BRASIL..............................................06 1.3 HISTÓRICO DA MÍDIA NO BRASIL.................................................................07 1.4 A LEGISLAÇÃO EMERGENCIAL JÁ CRIADA NO BRASIL POR INFLUENCIA DOS ÓRGÃOS MIDIÁTICOS.................................................................................10 2 O PROCESSO LEGISLATIVO E A LEGISLAÇÃO EMERGENCIAL................14 2.1 O PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO E OS LIMITES CONSTITUCIONAIS PARA A INTERVENÇÃO PENAL.........................................14 2.2 CONTROLE SOCIAL E A INTERVENÇÃO PENAL.........................................17 2.3 O PAPEL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA INTERVENÇÃO PENAL....................................................................................................................18 2.4 GARANTIAS E LIBERDADES INDIVIDUAIS X LIBERDADE DE IMPREENSA...........................................................................................................20 2.5 VIABILIDADE DA IMPLANTAÇÃO DE UM PROCESSO PENAL DE EMERGENCIA .......................................................................................................23 3 A QUESTÃO DA CRIMINALIDADE NO BRASIL...............................................27 3.1 CRIMINALIDADE MODERNA..........................................................................27 3.2 FINALIDADE DA POLÍTICA CRIMINAL PARA COMBATER CRIMINALIDADE....................................................................................................28 A 3.3 PAPEL DA MÍDIA QUANDO SE TRATA DE CRIMINALIDADE.......................30 4) A CRIMINALIDADE E AS QUESTÕES RELATIVAS À FORMAÇÃO DO INCONSCIENTE.....................................................................................................33 4.1) A CRIMINALIDADE SOB A ÓTICA DO INCONSCIENTE POPULAR............33 4.2) A RELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO DO INCONSCIENTE E OS INCENTIVOS PÚBLICOS NA EDUCAÇÃO...........................................................34 4.3) A CRIMINALIDADE ANALISADA A PARTIR DA VISÃO SOCIAL..................36 CONCLUSÃO.........................................................................................................39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................00 ANEXOS.................................................................................................................00 INTRODUÇÃO Não restam dúvidas que o sentimento de impunidade no Brasil vem crescendo de maneira voraz, e junto com ele o grito de uma sociedade estarrecida por acontecimentos bárbaros, diariamente divulgados pela mídia, que clama por justiça. E como conseqüência deste sentimento irrompe uma crítica em torno da eficácia e legitimidade do sistema jurídico-penal. Casos brutais de violência corroboram com a dúvida gerada acerca da funcionalidade de Direito Penal Brasileiro. Principalmente, quando o conjunto midiático utiliza-se do conhecido “discurso do pânico” para impressionar uma sociedade educacionalmente carente. E, sem dúvidas, a carência da nação brasileira, funda-se em questões políticas, da falta de investimentos na educação, no conhecimento, até mesmo nos ensinamentos sobre o patriotismo. Então, como exigir de um povo leigo e desacreditado que deixe de acreditar em tudo que lêem ou que assistem nos jornais? Mas, a indignação maior se instala, quando percebemos que os meios de comunicação utilizam-se dessa ignorância popular para instituir as informações que os convém e, assim, determinar as mudanças no cenário político, econômico, social do país. Para tanto, é importante vislumbrar que, as informações sensacionalistas passadas ao espectador está diretamente ligada ao seu inconsciente e, a partir dele, sobrepõe-se o juízo de valor e o desejo de instituir novos castigos como forma de cessar a brutalidade humana. Ocorre que, o inconsciente humano pode também explicar porque muitas vezes o homem faz às vezes de um animal. O que demonstra que nem sempre a violência esta ligada aos crimes em geral, mas sim no animus do agente. No tocante ao tema em questão, é merecedor de análises críticas a influencia da mídia, que usa de relativo sensacionalismo para impulsionar um protesto por parte da população, gerado pelo sentimento de impunidade, para que se implante um processo penal de emergência. Isto porque, o processo de construção de novas leis, principalmente as que tratam da liberdade do indivíduo, deve ser tratado com demasiada cautela. As leis servem para reger a vida em sociedade, de nada adianta criá-las os princípios regentes do país. Na realidade, a implantação deste modelo de urgência, no qual se criam leis a partir de casos isolados, com a direta participação da mídia, dá início a uma grande tensão entre modelos garantidores e modelos nascidos da preocupação com a eficiência e funcionalidade da política criminal. Assim, em um cenário que os meios de comunicação dominam o inconsciente popular, e o debate dos problemas sociais partem de uma premissa imposta, é importante analisar como ocorre esse processo de criação de leis tendo como base a falta de conhecimento sobre os temas a serem legislados. A parte do direito que atinge o presente escrito é pertinente ao que se conhece sobre a reforma da política criminal e a influencia da psicanálise nos estudos criminais. E, como os preceitos de Direito e Processo Penal podem ser objetivados sem que confrontem as normas constitucionais vigentes. Assim, ao longo deste trabalho serão abordados os seguintes temas: etapas do processo legislativo brasileiro, influência da mídia no processo de criação de novas leis, entendimento dos crimes a partir da psicanálise, direitos individuais a serem preservados e os benefícios e as mazelas de um processo penal emergencial regido pelo inconsciente humano. 1. HISTÓRICO 1.1 Histórico do Sistema Penal Sabe-se que cabe ao Estado o direito de punir1, portanto a idéia antiga de que a punição era formulada a partir de regras não escritas, oriundas da moral, costumes, crenças, hábitos e magias, não se encaixa plenamente nos ideais do sistema jurídico penal atual. O direito surgiu para sustentar o status a quo, já que desde os primórdios, o homem, para sobreviver em sociedade, definiu normas para que se fosse assegurada a ordem, as quais estipulavam sanções previamente determinadas caso esta ordem não fosse atingida. Reforçando este pensamento, observa-se o ensinamento de Aristóteles, no qual “o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade, e que aquele que, por instituto, e não porque qualquer circunstância o inibe, deixa de fazer parte de uma cidade é um ser vil ou superior ao homem"2, demonstrando assim, que mesmo diferente dos dias atuais, sempre se buscou um convívio pacífico entre os homens. Mas, mesmo com a busca por uma convivência pacífica em sociedade, através de normas e costumes, o campo do Direito Criminal foi pouco difundido na Antiguidade, isto porque pouco se tinha em relação ao tema, e o que já fora produzido dizia respeito a regras de vingança privada que se definiam pelo extinto natural da própria vítima ou de seu grupo social, que repeliam o mal com o mesmo mal. Neste sentido, prevalecia a idéia de que a violência devia ser retribuída com ela mesma, e conseqüentemente as penalidades para as práticas delituosas ficavam limitadas aos brutais excessos das punições corporais. Como se observa nas 282 cláusulas descritas no Código de Hammurabi3, no qual os artigos destinavam-se a assegurar a justiça na terra, assim como outras legislações (Leis Escritas de Manu), que tinham como essência a concepção ávida por vingança. Nota-se que a sociedade 1 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 8, 106-115. 2 ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes. Liv. I. Cap. I. §9. p. 18. 3 PRADO, Antonio Orlando de Almeida. Código de Hammurabi, Lei das XII Tábuas, Manual dos Inquisitores, Lei do Talião. Ed. São Paulo: Paulistanajur, 2004. primitiva era hierarquicamente organizada, existindo, bem como hoje, a exploração por parte das classes privilegiadas de uma massa dominada. Destarte, não há como negar que o Direito Penal e Processual Penal foi evoluindo em conformidade com as peculiaridades históricas, mas sua consolidação como esfera autônoma de busca pela justiça ocorreu em conjunto com o movimento da Inquisição, que visava resgatar o poder da Igreja Católica em meio a movimentos revolucionários, ocorridos na Europa durante a Idade Média4. Portanto, nesta época o sistema penal se caracterizava por teorias absolutas, retribucionistas, nas quais o mal causado a alguém deveria ser rechaçado em nome da Justiça Divina, pois o fator preponderante para o julgamento das condutas criminosas era a afronta aos preceitos da Igreja. Assim o pressuposto para a aplicação de uma sanção nunca seria a condicional tempo, já que a conduta do agente era irrelevante ao processo, pois o que realmente importava era a sua pessoa, já que se entendia que determinadas pessoas tinham predisposição natural para o crime, como as teorias lombrosianas. Mas com descontentamento social generalizado, guerras e invasões ocorreram nesta época e trouxeram muitas mudanças ao cenário processual penal, pois com o surgimento do contrato social, no qual a liberdade do homem está intimamente ligada a atuação de um soberano, mas que expressa a vontade do povo5, as teorias absolutas foram se transformando adaptaram-se a um ideal de prevenção, que sempre estão sublimadas na utilidade, função, tempo do sistema processual penal. Neste sentido, surgiram três sistemas processuais penais observantes as referidas teorias. O sistema inquisitório vigorou com bastante força no período canônico. Neste sistema era perceptível a supressão das garantias do agente, as funções de acusar, defender e julgar cabia a uma pessoa, a busca de provas se dava por meios de tortura, prisão cautelar, bem como havia hierarquia entre as espécies de prova, sendo a confissão a rainha delas. O sistema acusatório seria segundo Geraldo Prado: “a forma mais democrática de se conduzir o processo”6, no qual os órgãos de acusação, defesa e julgamento são separados, existência dos princípios de ampla defesa e contraditório, livre apreciação 4 SALOMÃO, Gilberto. A Reforma Católica e a Contra-Reforma. Disponível em: < http://educacao.uol.com.br/historia/reformas-religiosas-5.jhtm>. Acesso em: 29 abr. 2010. 5 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2000. 6 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janerio; Lumen Juris, 2001. das provas e estas não hierarquizadas e principalmente, o agente da conduta criminosa, e principalmente, o agente da conduta é tratado como sujeito de direito. O terceiro sistema é conhecido como misto, que se caracteriza por três etapas de realização do processo. A primeira trata da investigação preliminar, a segunda é a instrução preparatória e por último se observa a fase do julgamento. O Brasil adota o sistema acusatório, mas como será visto adiante, a legislação e a prática processual penal no Brasil tem um cunho fortemente inquisitório. Fato este que motiva o presente trabalho, pois é se entende que seria isto que confronta o sistema jurídico penal com as garantias previstas na Constituição da República, e é a partir desta contradição sistemática que se pode traçar o desenvolvimento legislativo emergencial, frente à evolução histórica que deu a mídia o poder de determinar qual a solução para a criminalidade, e da mesma forma convencer uma população carente. 1.2 Histórico do Sistema Penal no Brasil A história do direito processual penal brasileiro tem início com a independência política do país. A Constituição Federal de 1824 trouxe consigo diversas previsões de direitos civis e políticos, e modestamente rezou sobre o processo penal, com a idéia liberalista vigente na época. Contudo, fez-se necessária a elaboração de uma legislação especialmente destinada a este ramo do direito. Assim, editou-se, no ano de 1832, o primeiro código de processo penal brasileiro, conhecido como “Código de Processo Criminal de Primeira Instância”. O traço peculiar deste conjunto de normas é que havia uma intensa concentração de poder nas mãos dos juízes, o que tornava os procedimentos um tanto quanto brutais, devido ao contexto histórico em que foi editado. Novas modificações da legislação processual penal sobrevieram com a edição da Lei n° 261 de 1841 e com a promulgação da Carta Magna de 1891. A partir deste momento, Frederico Marques definiu o sistema processual penal como: Quando a pluralidade processual foi instaurada, era nosso processo penal informado pelos seguintes princípios: oralidade de julgamento e processo escrito para instauração ou formação de culpa; contraditório pleno no julgamento e contraditório restrito no sumário de culpa; processo ordinário para os crimes inafiançáveis e afiançáveis comum ou de responsabilidade, com plenário posterior à formação de culpa; inquérito policial servindo de instrumento de denúncia ou queixa, apenas nos crimes comuns; processo especial estabelecendo desde logo a plenitude da defesa nos crimes comuns; a propositura e titularidade da ação penal, de acordo com o que dispunha o artigo 407, do Código Penal. (...) essa fragmentação contribuiu para que se estabelecesse acentuada diversidade de sistemas, o que, sem dúvida alguma, prejudicou a aplicação 7 da lei penal . Mas, relevante mudança para a legislação processual penal só veio acontecer com a promulgação do Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, o Código de Processo Penal vigente até os dias atuais. É no referido código que encontramos a estrutura acusatória do sistema processual brasileiro, já referido anteriormente, mas que demonstra não conseguir deixar de lado as características fortemente inquisitoriais. Neste contexto, nota-se que muitas vezes há um confronto entre normas constitucionais de garantia do indivíduo, diretamente ligadas aos princípios da igualdade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, estado de inocência, o mais popular deles, princípio da dignidade da pessoa humana, entre diversos outros, como também não proporciona a funcionalidade e eficácia esperada de tal esfera normativa, o que dá margem à discussão de reformas e inovações legislativas, conseqüentemente a idéia de criação de leis emergenciais para tampar buracos, e talvez solucionar a ineficácia do setor em questão. 1.3 Histórico da Mídia no Brasil Os mais antigos indícios da mídia já noticiados, achados na China entre os anos 971 e 983 d.C., mas foi em 1442 que, Johann Gensfleish Gutenberg, conhecido como o pai da imprensa, imprimiu o primeiro pedaço de papel, com onze linhas, dando origem à primeira espécie de veículo de comunicação do mundo8. Nota-se, desde os tempos mais remotos, a necessidade dos meios de comunicação a meio da construção das sociedades como o objeto de congruência entre o Estado e a população. Assim, a busca por informação se tornou indispensável 7 MARQUES, José Frederico. Processo Penal: Evolução Histórica e Fontes Legislativas. 2. ed. São Paulo: IOB. 2004. p. 158-160. 8 LEÃO, Francisco, Cunha. Da Letra de Mão à Letra de Forma. Disponível em: < http://www.ippar.pt/sities_externos/bajuda/htm/opusc/fclcal.htm> Acesso em: 29 nov. 2009. para acompanhar as mudanças políticas, econômicas, culturais e até jurídicas da sociedade em geral. Mas mesmo com a busca incansável por informação, a mídia e os meios de comunicação só tiveram uma real e importante ascensão em meados dos anos 80. Isto porque chegava ao fim o governo militar, que limitava a atuação da mídia e restringia a liberdade de imprensa, comunicação e expressão9. Desta forma, com o fim da censura contra os meios de comunicação, em especial contra os jornalistas, o campo de atuação da mídia e a credibilidade destes perante a sociedade veio crescendo de forma indiscutível, e conjuntamente as liberdades relativas a esta área de atuação tomou tamanha proporção que hoje é conhecida como um “Quarto Poder” da República. Destarte, as liberdades de imprensa, expressão e comunicação, foram amplamente discutidas e democraticamente incorporadas à Constituição da República promulgada em 1988. Primeiramente, cumpre salientar que em seu artigo 5°, inciso IX, aduz in verbis: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (CONSTITUIÇÃO, 1998, p.6). Mas não é só, deu força a esta previsão o artigo 220, também da referida Carta, que expõe in verbis: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1° - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (...)” (CONSTITUIÇÃO, 1988, p. 154). Nesta medida, a Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa), que regulava a liberdade de manifestação do pensamento e informação dos meios de comunicação, inclusive imputando condutas irregulares e sanções, foi considerada não recepcionada pela Constituição de 198810. Até porque a incompatibilidade com a nova Carta Magna seria referente a uma transição histórica do país, que saiu de um regime autoritário para apregoação das liberdades. 9 BEZERRA, Sheila. Expressões Limitadas e Liberdades Tolhidas. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=439CID003>. Acesso em: 29 fev. 2010. 10 ABREU, Diego. Supremo Revoga a Lei de Imprensa. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1104820-5601,00SUPREMO+REVOGA+A+LEI+DE+IMPRENSA.html>. Acesso em: 27 de mar. 2010. Entretanto, mesmo que a busca pela liberdade, em todos os seus entendimentos, seja imprescindível para a consolidação do convívio social, é visível, na maior parte das vezes, o poder que a mídia detém de dominar opiniões, distorcer informações e até mesmo transmitir notícias relacionadas a determinados assuntos que pecam em veracidade, o que produz efeitos paralelos graves e em curto prazo. Como bem explicado no artigo de Eduardo Granja Coutinho: “Com sua grande capacidade de canalizar as “paixões elementares” das massas, o partido da mídia organiza e adequa com extrema eficácia a visão de mundo da sociedade às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas e aos interessados dos grupos de poder”11. Na realidade, a liberdade de imprensa, comunicação e expressão sofreram certa deturpação, excedendo limites legais e morais, e conseqüentemente, confrontando diversos outros direitos12 fundamentais garantidos pela mesma Constituição, como o direito a privacidade, ou até mesmo o princípio do estado de inocência. O fato é: como determinar qual dos direitos fundamentais deve prevalecer? Difícil precisar o que é correto longe de um caso concreto no qual se possa definir, até porque não há como negar a imprescindibilidade das informações prestadas à sociedade contemporânea, mas é importante visualizar os excessos trazidos por estas liberdades frente a uma sociedade carente de educação, que pouco sabe como distinguir a verdade apresentada pelos meios de comunicação e a verdade fática, ocorrida por trás das notícias. Neste contexto, pode-se observar que há um controle relativo às notícias por parte de alguns meios de comunicação e grandes corporações, que em dados momentos se utiliza da credibilidade sedimentada frente à população para manipular informações em favor de quem os interessam. E essa perversão no repasse de tais esclarecimentos, que ocorre por algumas vezes, é o que dificulta a diferenciação por meio do inconsciente humano do que é verdade ou mentira, símbolo ou realidade. 11 COUTINHO, Eduardo G., FREIRE FILHO, João e PAIVA, Raquel. Mídia e Poder: Ideologia, Discurso e Subjetividade. Rio de Janeiro: Mauad X. 2008. p. 51. 12 SOUZA NETTO, José Laurindo. A Colisão de Direitos Fundamentais: o Direito à Privacidade como Limite da Liberdade de Informação. Disponível em: <http://www.tj.pr.gov.br/download/cedoc/ArtigoJuizJos%C3%A9LaurindoSouzaNetto.pdf>. Acesso em: 02 de abr. 2010. 1.4 A Legislação Emergencial já criada no Brasil por Influência dos Órgãos Midiáticos No que se refere à legislação emergencial, a sociedade brasileira demonstra, há algum tempo, clama por uma pronta resposta para situações de caos momentâneo. Para reforçar esta idéia, diversas leis foram criadas a partir da pressão popular desencadeada por algum fato ocorrido e de extensa vinculação nos meios de comunicação. Deste modo, é notável a ligação imediata entre extensa construção de leis emergenciais em matéria criminal e a proximidade da mídia em sua elaboração13. Como também a força que os meios de comunicação exercem sobre o inconsciente de uma população carente de educação e cultura, que acredita piamente que a maior severidade das sanções penais e a criação de leis específicas para casos que já aconteceram, seria a solução para a criminalidade do país. Seguindo esta linha, mesmo com a imensidão de leis emergenciais já criadas, a Lei de Crimes Hediondos14 é, talvez, a mais conhecida e que melhor define essa ligação entre maiores sanções e meios de comunicação. Isto porque, esta lei sofreu diversas alterações e cada uma delas teve relação direta com temas polêmicos divulgados na mídia. A referida Lei 8.072/90, surgiu no mesmo momento que o Brasil era importunado por constantes casos de extorsão mediante seqüestro, que se tornou notícia acessível à mídia devido às pessoas notórias vítimas destes crimes. Veja-se, após uma onda de seqüestros que vitimaram o vice-presidente do Banco Bradesco, Antonio Beltran Martinez15, que permaneceu quarenta e um dias em cativeiro, e foi liberado em 17 de dezembro de 1986 mediante o pagamento de quatro milhões de dólares, também o publicitário Luiz Salles16, que foi seqüestrado em meados de 1989, e, entre outros, o caso mais notório foi o do empresário Abílio 13 MACHADO. Romero da Costa. A Interferência da Globo na Vida das Pessoas. Disponível em: <http://www.fazendomedia.com/globo40/romero24.htm>. Acesso em: 12 de jan. 2010. 14 SALGADO. Gustavo Vaz. Crimes Hediondos – Comentários à Lei. Disponível em: <http://www.nossacasa.net/recomeco/0132.htm>. Acesso em: 24 de abr. 2010. 15 ALZENBERG, Bernardo. Do Dilema ao Impasse. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/voz050920011.htm>. Acesso em: 24 de abr. 2010. 16 CARVALHO, Ana, RODRIGUES, Madi e SIMAS FILHO, Mario. Somos Todos Reféns. Disponível em: <http://terra.com.br/istoe/1666/brasil/1666_todos_somos_refens_capa6.htm>. Acesso em: 24 de abr. 2010. Diniz17, que permaneceu seis dias em cárcere, e foi libertado em 11 de dezembro de 1989. Assim, com respaldo no art. 5°, inciso XLIII da Constituição de 1988, esta lei foi uma maneira de dar à sociedade uma resposta sobre determinados crimes que, perante a opinião pública, deveriam ser punidos com mais rigor. O art. 5°, XLIII da CF assim aduz: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; Ocorre que, mesmo com fundamento na Carta Magna, devida à manifestação popular e o empenho dos meios de comunicação, desencadeou-se grande pressão contra o Poder Legislativo, cobrando leis de eficácia e funcionalidade imediata com base nos crimes cometidos. Por conseguinte, observa-se que a Lei de Crimes Hediondos foi instituída com cunho essencialmente patrimonial, tendo em vista que no rol de crimes taxados na versão original desta lei estavam: latrocínio, extorsão mediante seqüestro e extorsão qualificada pelo evento morte. Como se pode verificar, nenhum crime contra a vida estava incluído nesta relação, mas, em setembro de 1994, a versão original deu lugar ao crime de homicídio praticado por grupo de extermínio, ainda que cometido por uma pessoa, além de todas as formas de homicídio qualificado. Ora, com na sua criação, a referida modificação e as posteriores a esta, também foram motivadas pelo clamor popular fundado em casos específicos e polêmicos, e novamente a mídia interferiu na fase pré-legislativa. O crime de homicídio praticado por grupo de extermínio acrescentou o rol de crimes hediondos após fatos acontecidos no Rio de Janeiro, no ano de 1993, que ficaram conhecidos como a Chacina da Candelária18 e a Chacina de Vigário Geral19. 17 FOLHA ONLINE. Seqüestro Virou Crime Hediondo a Partir de Ação contra Abílio Diniz. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult50520.shtml> Acesso em: 24 de abr. 2010. 18 ARAÚJO, Rogéria. Especial: Chacina da Candelária – 10 anos. Disponível em: <http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod8114>. Acesso em: 26 de abr. 2010. A primeira ocorreu em julho do ano citado, nas proximidades da Igreja da Candelária, onde oito crianças morreram fuziladas por policiais e outras dezenas foram feridas. No segundo caso, a favela de Vigário Geral foi invadida por policiais em agosto de 1993, que mataram vinte e uma pessoas. Outro fato bastante notório, que mais uma vez serviu como base para alterações da Lei 8.072/90, foi o homicídio de Daniela Perez20, que foi esfaqueada até a morte pelo colega de trabalho Guilherme de Pádua, em conjunto com sua namorada Paula Thomaz. Várias versões circularam para justificar o crime, mas o que se sabe é que após este fato, todo homicídio qualificado seria definido como crime hediondo. E, outros casos que seguiram a linha da influência direta dos meios de comunicação sobre a opinião pública, deram ensejo às modificações da Lei de Crimes Hediondos, coagindo o poder legislativo a mostrar que detém o controle durante situações de desordem. Sendo assim, uma legislação que cumpre resgatar uma eficácia desvirtuada do sistema jurídico penal frente aos fatos ocorridos nas épocas determinadas. Todavia, importante é, como já dito, saber que inúmeras leis foram elaboradas a partir da interferência da mídia na realidade social, e não só a Lei 8.072/90. Isto porque, em uma sociedade extremamente carente em educação e conhecimento, os discursos midiáticos, que na maioria das vezes são podres em conceitos técnicos jurídicos, encantam uma população que se vê ameaçada pela criminalidade. Desse modo, sendo o Brasil um país com demasiados problemas políticos, os quais levam ao desinteresse à melhoria de condições de vida da população carente, e conseqüentemente a falta de investimentos básicos como a educação, seria impossível impor à sociedade os rigorismos técnicos que circundam a construção de leis, ou até mesmo, tentar demonstrar que o maior rigor nas sanções penais, como a elaboração de novas leis não solucionam a prática de crimes. O que fazer quando se mora em um país em que a cada dia cresce o número de moradias que um aparelho televisor21, o que possibilita o acesso a todos os tipos 19 JÚNIOR, José. Agosto de 1993: Chacina de Vigário Geral. Disponível em: <http://vivafavela.com.br/publique/cgi/public/cgilua.exe/web/templates/htm/principal/view_0017. htm?editionsectionid=17&infoid=22598&user=reader>. Acesso em: 26 de abr. 2010. 20 BRANCO, Fernanda Castello. Há Dez Anos Morria Daniela Perez. Disponível em: <http://www.terra.com.br/exclusivo/noticias/2002/12/28/000.htm>. Acesso em: 15 de abr. 2010. 21 IBGE. PNAD 2004: Ocupação Cresceu e Rendimento Ficou Estável. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=487&id_pa gina=1>. Acesso em: 26 de abr. 2010. de informação, mas o número de pessoas que não concluem os estudos aumenta de forma dramática?22 Assim, a criação de leis para solucionar problemas momentâneos como: a Lei 9.034/95, que dispõe sobre os meios de prevenção ao crime organizado e suas especificações, e a Lei 9.455/97, que define o crime de tortura e outras providências, que também foram criadas em contextos excepcionais, em nada ajudam a remontar uma esperada paz social. As leis penais e processuais penais devem ser construídas com muito cuidado, levando em conta garantias fundamentais e o processo legislativo, para que a insegurança jurídica não se efetive como regra. 22 TAVARES, Renata. Mais de 40% dos Alunos não concluem o Ensino Médio. Disponível em: <http://www.correiodeuberlandia.com.br/texto/2009/12/05/42135/mais_de_40_dos_alunos_nao _concluem_ensino_medio.html>. Acesso em: 25 de abr. 2010. 2. O PROCESSO LEGISLATIVO E A LEGISLAÇÃO EMERGENCIAL 2.1 O Processo Legislativo Brasileiro e os Limites Constitucionais para a Intervenção Penal O Brasil foi um dos países que introduziu ao texto legal o teor garantista, que impõe o respeito aos direitos individuais. Isso porque, após as duas grandes guerras mundiais diversos países firmaram acordos assumindo o compromisso de respeitar os direitos básicos do indivíduo em seus territórios. Para regular o direito é importante observar os valores dominantes de cada momento histórico, assim os conceitos de institutos fundamentais da esfera processual são relativos. Acerca deste tema, Jorge Figueiredo Dias, analisa como as orientações políticas estimulam a estrutura e o caráter do sistema criminal: a)Numa concepção autoritária do Estado, o processo penal é então dominado, exclusivamente, pelo interesse do Estado, que não concede ao interesse das pessoas nenhuma consideração autônoma e, ligado a uma liberdade inteiramente discricionária do julgador (embora exercida sempre em favor do poder oficial), constitui o único vetor processualmente relevante. O argüido, por seu turno é visto não como sujeito coatuante no processo, mas como mero objeto de inquisição, como algo que é afeito ao processo, mas que dele não participa ativamente. b)No Estado liberal, no centro da consideração esta agora o indivíduo autônomo, dotado com os seus direitos naturais originários e inalienáveis. Do que se trata no processo penal é de uma oposição de interesse (portanto de uma lide, disputa ou controvérsia) entre o Estado que quer punir os crimes e o indivíduo que quer afastar de si quaisquer medidas privativas ou restritivas de sua liberdade. Por seu lado, a lide, supõe a utilização de armas e a disponibilidade, pelos contentores, de meios tanto quanto possíveis iguais. Por isso o indivíduo não pode ser abandonado ao poder do Estado; antes tem de surgir como verdadeiro sujeito de processo, armado com seu direito de defesa e com suas garantias individuais. c)No Estado de direito social, a relação comunidade-pessoa individual não é aqui nem a do absolutismo nem a do liberalismo; onde no processo penal desempenhar-se-á, antes de tudo, uma função comunitária, será ele próprio uma parte da ordenação comunitária. No processo penal se trata primeiramente de um assunto da comunidade jurídica, em nome e no interesse do qual se tem de esclarecer, perseguir e punir o 23 crime e o criminoso. No que tange a limitação constitucional para a implantação de um sistema penal de emergência considera-se o direito como um sistema de garantias, não podendo extrapolar a Carta Magna. Portanto, no processo de produção de normas jurídicas em matéria penal, todos os limites constitucionais devem ser observados, tanto no aspecto formal, que seria a existência da norma, quanto o aspecto material, que dá validade a esta norma, devem ser considerados com muita cautela ao se produzir novas leis. Isto porque, as leis penais estão intimamente ligadas à liberdade do indivíduo, conseqüentemente atingem direitos e garantias fundamentais. Neste sentido, é perceptível que a Constituição traça diversos limites a serem respeitados, como expresso no art. 5°, incisos III, XLVII e LIV, e também faz alusão aos princípios indispensáveis para a produção da lei penal. Assim, a partir da iniciativa para produção da nova lei, seja ela parlamentar ou extraparlamentar (como reza o artigo 61, da Constituição da República), uma determinada seqüência deve ser respeitada, da mesma forma quando se trata de uma norma penal. Sobre este tema Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino apresentaram uma tabela que define didaticamente esta seqüência de atos legislativos24: 23 DIAS, José de Figueiredo. Direito Processual Penal. Vol. 1. Portugal: Coimbra. 1974. p. 5859. 24 PAULO, Vicente, ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 5. ed.São Paulo: Método. 2010. p. 523. Como se vê, o processo legislativo demanda tempo e cautela, e também é onde gera grande preocupação quando se trata de leis de urgência, já que a busca em fornecer uma resposta rápida à sociedade por meio de uma nova descrição normativa, nem sempre atenta à proteção dos bens jurídicos ou da própria ordem social, por falta de estudos aprofundados. Mas é importante lembrar também que em anos eleitorais são muito comuns os discursos políticos que encontram soluções imediatas para solucionar os problemas da criminalidade, e em sua maior parte apresentam aos eleitores novos projetos de lei, nos quais aumentam as penas, criam novos crimes, ou seja, levam a crer que um maior rigor na punição dos criminosos é a chave para o combate a esta guerra, sem ao menos informar como daria o seu funcionamento. Contudo, não há como separar a criação de leis emergenciais dos interesses políticos e da sua repercussão social através dos meios de comunicação, até porque, grande parte destas leis foi elaborada em contexto políticos únicos. Portanto, sendo o direito penal um ramo incumbido de tutelar os bens essenciais e mais valiosos à vida em sociedade, a criação e modificação de leis deve ser dotada de muita cautela, pois caso contrário a lei deixa de ser uma solução para tornar-se o núcleo de todo caos social. Não é a toa que a prima fonte da construção legislativa em matéria criminal é a Constituição da República. Destarte, não há como falar em legislação emergencial, nem mesmo na influência dos meios de comunicação para sua construção, sem antes entender um pouco sobre o funcionamento do processo legislativo brasileiro, previsto na Carta Magna. Até porque, como já dito, a priori, as leis de emergência em matéria penal também passam pelos ditames do Poder Legislativo. Neste sentido, a obra de José Luis Díez Ripollés traz uma visão extremamente didática e adequada no que se refere às fases necessárias à construção de uma lei em matéria penal, que se subdivide em fases pré-legislativa, legislativa e póslegislativa, como se extrai do trecho reproduzido: A fase pré-legislativa tem início quando se problematiza socialmente a falta de relação entre a realidade social e sua correspondente resposta jurídica, e termina com a apresentação de um projeto ou proposta de lei diante da Câmara. A fase legislativa começa com a recepção pelas casas legislativas da proposta legal, e finaliza com a aprovação e publicação da lei. Por último, a fase pós-legislativa se inicia com a publicação da norma e termina, fechando o círculo, com o questionamento pela sociedade em geral, ou por alguns grupos relevantes da mesma, sobre se a lei guarda 25 adequada relação com a realidade social e econômica que pretende regular. ` Veja-se, não há como negar que o momento histórico que vive o Brasil requer inovações legais, assim como alterações do ordenamento já existente, para que a demanda social possa ser acompanhada de perto pelo Poder Judiciário. Entretanto, não é a partir de construções normativas que se dão por força de fatos pretéritos, corroborados pelo poder dos meios de comunicação frente à população, que se poderão prevenir novos fatos criminosos, muito menos extinguir problemas de cunho essencialmente social e econômico. 2.2 Controle Social e a Intervenção Penal O Estado, como dito anteriormente, tem o poder de punir os indivíduos por suas condutas ilícitas, tal poder é oriundo da necessidade de uma força superior à sociedade, que possa gerir os direitos e obrigações individuais em nome da coletividade, isto já fora afirmado por Jean-Jacques Rousseau26. O poder estatal de gerir estes direitos e obrigações se fundou no ideal contratualista, no qual se faz essencial à existência da instituição pública que é o 25 RIPOLLÉS, José Luis Díez. A Racionalidade das Leis Penais – Teoria e Prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 19. 26 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martin Claret. 2002. instrumento pelo qual à vontade dos indivíduos pode ser efetivada, e que também atue como meio controlador, dando fim aos conflitos e divergências que venham a surgir. Portanto, o ius puniendi se origina em um momento histórico que pretende acabar com a vingança privada como forma de sanção, e assim, formou-se a chamada racionalidade moderna, para garantir a manutenção da paz social e da liberdade27. Desta forma, para que o Estado possa cumprir o seu papel de proteger os interesses sociais, deve-se esgotar todos os meios menos lesivos ao indivíduo antes de invocar o direito penal que age de forma subsidiária e mantendo a idéia de sistema jurídico penal mínimo. Deveras, a sociedade brasileira clama por uma solução objetiva para a extinção da criminalidade e das condições diversas que levam os agentes a procurar no crime a solução para problemas sociais e econômicos. E, neste sentido, não há como negar a importância de uma população que luta pela mudança, porque só através da indignação dos brasileiros é que existirão chances de mudanças. Mas a revolta não pode se ater apenas a criminalidade geral, pois a mudança das leis, o aumento de sanções, as alterações no sistema criminal não acabará com problemas de educação, que hoje é apenas um investimento para determinadas classes sociais, dos interesses políticos e a corrupção que mantém o país em total estagnação. E é impossível visualizar qualquer mudança sem que antes haja incentivo na educação, que os jovens desde cedo sejam acostumados a buscar a história de seu país, estudar o núcleo dos problemas sociais e econômicos, e assim, a sociedade em conjunto buscar amenizar os problemas da criminalidade, levando em conta a importância das leis e seu funcionamento. E, mais uma vez, Rousseau analisa bem como era tratada a educação pósrevolução francesa, mas que é plenamente aplicada aos dias atuais no Brasil: “Não se conhece a infância; no caminho das falsas idéias que se têm, quanto mais se anda, mais se fica perdido. Os mais sábios prendem-se ao que aos homens importa saber, sem considerar o que as crianças estão em condições de aprender. Procuram sempre o homem na criança, sem pensar no que ela é antes de ser criança”28. 27 SICA, Leonardo. Direito Penal de Emergência e Alternativas à Prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 25. 28 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio. São Paulo: Martins. 2004. p. 04. Portanto, a função do sistema criminal deves ser mantida, na qual este só será provocado em necessidade última, e para isto a sociedade deve ter em mente o objetivo desta área do direito, para que não proteste por novas leis, que não solucionaram nenhum dos problemas criminais do país. 2.3 Papel dos Meios de Comunicação na Intervenção Penal Os meios de comunicação, como já referido, valem-se dos discursos sensacionalistas para comover a sociedade quando se trata de violência e segurança pública, e assim, patrocina a idéia de que a única forma para combater a criminalidade e obter a eficácia esperada do sistema jurídico penal, seria criar uma nova lei (em caráter de urgência) toda a vez que um crime bárbaro e de repercussão nacional aconteça. Ou seja, a mídia usa do seu poder de influência29 e construção da opinião pública para promover um discurso ultrapassado sobre o sistema penal e o Poder Judiciário. A idéia da intervenção estatal como última opção não existe neste tipo de discurso, pois a prisão e a punição são apresentadas como a única solução para os problemas de segurança pública. E assim, cria-se na população a ilusão que as sanções servem apenas para um criem que já aconteceu, e sua função preventiva se torna inócua. Neste contexto, quando ocorre um crime brutal, como o homicídio da menina Isabela Nardoni30, tem-se a idéia de que quanto mais rigorosa a sanção, maior a eficácia do direito penal e processual penal. Aí está um grande equívoco. John Rawls já havia discorrido sobre a eficácia da justiça em sua obra Uma Teoria de Justiça, e segundo ele: A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou 29 VASSALO, Camila. Poder de Influência da Mídia. Disponível em: <http://portalimprensa.uol.com.br/new_focaonline_data_view.asp?code=612>. Acesso em: 30 de mai. 2009. 30 UCHINAKA, Fabiana. Para criminalistas, defesa não conseguiu reverter vantagem da acusação em caso popular. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2010/03/26/para-criminalistas-defesa-nao-conseguiureverter-vantagem-da-acusacao.jhtm>. Acesso em: 26 de mar. 2010. revisada se não é verdadeira; da mesma forma leis e instituições, por mais cientes e bem organizadas que sejam, devem ser formadas ou abolidas se são injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da 31 liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros. Com base no notável discurso de Rawls, cumpre salientar que a liberdade é uma garantia fundamental de cada cidadão, e criar novas leis com caráter essencialmente sancionador se contrapõe a própria Constituição da República, já que nem todos os crimes devem ser punidos com a privação da liberdade do agente. Obviamente não se podem extinguir as penas privativas de liberdade, até porque elas têm um caráter social que dão força ao poder de punir do Estado, mas que levaria o sistema criminal ao ponto de perder seu objetivo, que como já dito é a última forma de intervenção estatal. Por este motivo é importante frisar que o papel dos meios de comunicação na intervenção penal é de suma importância, pois é sabido que todas as informações oferecidas servem como base para a formação da opinião pública e através da qual influencia diretamente o Poder Legislativo e Judiciário32. Assim, por menor que seja a deturpação de uma informação, seja por interesse próprio, político, ou até mesmo erros cometidos pelos órgãos de comunicação, influencia diretamente a intervenção penal, pois é nela que se busca visualizar o domínio sobre as situações de crise no país. Acerca do tema, o já citado José Luis Díez Ripollés bem define a importância da opinião pública quando se trata de justiça: “A opinião pública, assim considerada, é um estado de opinião, isto é, uma interpretação consolidada de certa realidade social e um acordo básico sobre a necessidade e o modo de influir sobre a mesma”33. Então, compreende-se que todo e qualquer meio de comunicação têm relação direta com a evolução de uma sociedade democrática de direito, pois a mídia é essencial para formar a estrutura de governo, como também serve de base para a legislação. Mas deve este poder que detém a mídia, deve ser utilizado com toda a cautela, se que ultrapasse limite nem passem por cima de garantias individuais. 31 RAWLS, John. Uma Teoria de Justiça. 2. ed.São Paulo: Martins Fontes. 2002. p. 03-04. ERDELYI, Maria Fernanda. Luta Contra o Crime: Congresso Analisa mais Oito Projetos de Leis Penais. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/52994,1>. Acesso em: 12 de nov. 2009. 33 RIPOLLÉS, José Luis Díez. A Racionalidade das Leis Penais – Teoria e Prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 31. 32 Até porque, regressar a um Estado em que se institui a censura para prevenir os abusos dos meios de comunicação seria, não só a decadência das conquistas liberais de um país, como também seria uma forma de cerceamento das liberdades de expressão, comunicação, imprensa previstas na Carta Magna. Portanto, para que não se faça necessária tal censura a própria mídia, ante a sapiência de seu poder, deve observar e respeitar os limites existentes atentando aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como a opinião pública, ao ter acesso à informação deve distinguir a verdade do possível sensacionalismo. Ou seja, com a revogação da Lei de Imprensa, os órgãos midiáticos passaram a ser regulados pela mesma legislação que abrange os demais cidadãos deste país, o que leva a seguir, da mesma forma que os demais limites de razoabilidade mínima a fim de um convívio pacífico de uma sociedade pós-moderna. 2.4 Garantias e Liberdades Individuais X Liberdade de Imprensa Definir a liberdade é algo praticamente impossível, mas logo que falamos dela o que vem a mente são conceitos que demonstram o poder que se tem em reger os próprios atos, mas em coerente equilíbrio com uma sociedade de normas. Ocorre que, em dias atuais, a liberdade pode ser entendida de diversas formas, através de diversas culturas, e, partindo deste pressuposto, a liberdade expressa na Constituição da República do Brasil é completamente diferente da mesma terminologia, vista a partir de uma nação islâmica. Assim, quem teria razão, Arthur Schopenhauer34 ao afirmar que a liberdade não existe devido ao fato do ser humano estar sujeito ao determinismo mundano, ou Jean-Paul Sartre35, que assegura que "não somos livres para deixarmos de ser livres"? Na verdade, há razão em ambas as afirmações, pois não falamos de um mundo no qual apenas se restringe a liberdade de um sujeito porque este infringiu alguma norma, mas também falamos de um mundo em que alguns 34 SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação. Rio de Janeiro: Contraponto. 2001. 35 SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. 13. ed. Rio de Janeiro: Vozes. 2005. grupos são dizimados pela fome, outros que crêem que a forma de conter o crescimento demográfico é limitar o número de nascimentos por família, ou até mesmo que o trabalho infantil é uma forma de manter crianças longe da marginalidade, pois não tem acesso à educação. Vale lembrar que a Constituição de 1988 foi promulgada nos moldes dos ideais de um constitucionalismo social36, e assim codificada através da união das liberdades, que traduzem o anseio social, com as garantias fundamentais do indivíduo, que se identificam pela limitação das liberdades e dos poderes dos governantes. Estas referidas liberdades são o grito reprimido de uma sociedade pósguerra, que padeceu com a ditadura, e no que tange os meios de comunicação instituiu a censura e exibia os profissionais de imprensa como traidores de uma nação no meio de diversos crimes políticos. O suspiro de alívio só chegou com a promulgação da Carta Magna de 1988, que fortificou a luta pela Sociedade Democrática de Direito. “Como muito acertadamente se tem observado, a preservação das liberdades públicas exige a eliminação da concentração de poder e a distribuição de todo o poder que não passa ser eliminado, um sistema de equilíbrio de poderes”37. Esse era o entendimento de Cappelletti, e encaixa-se perfeitamente no contexto das liberdades de imprensa, expressão e comunicação, discutidas de forma bastante democrática pela Constituição da República do Brasil. Ocorre que, junto com o fortalecimento dessas liberdades conquistadas, trouxeram consigo uma expansão sem limites. A Lei de Imprensa fora esquecida, e agora revogada, pois com a proporção que essas liberdades tomaram é possível afirmar que, hoje, os meios de comunicação, tem o poder de criar leis, eleger os representantes do povo, ou, até mesmo, fantasiar que o Brasil não sofrerá conseqüências graves com uma recessão econômica global. Por tais motivos, não há como deixar de criticar a falta de cuidado com que à liberdade vem sendo utilizada, ainda mais quando se trata de um país extremamente carente educacionalmente, no qual qualquer afirmação pode se tornar uma verdade absoluta. 36 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas. 2009. p. 01-07. CAPELLETTI, Mauro. Necesidad y Legitimidad de la Justicia Constitucional. Madri: Centro de Estudios Constitucionales. 1984. p. 633. 37 Há muito a população brasileira convive com altas taxas de analfabetismo e desigualdade no acesso à educação38 e, notadamente, a falta de interesse político em mudar essa realidade. Isto porque, como já dito, uma população deficiente em educação não desenvolve um espírito crítico, e, conseqüentemente, acredita em tudo que lhe é imposto. Dentro deste grave problema, constata-se a manobra midiática, que por vezes incorpora o inconsciente da população. Não é à toa que se visualizou a edição e reedição da Lei de Crimes Hediondos por diversas vezes, como também a polêmica gerada em torno de um referendo no qual se deveria opinar acerca da venda de armas de fogo, mas que tomou proporção de política de desarmamento39. Qual é o critério utilizado por um canal de televisão ou emissora de rádio para afirmar que apenas o desarmamento da população diminuirá a criminalidade? A mídia em geral beneficia o bom pagador, pois sabe que enquanto não houver fortalecimento da educação, a opinião pública ficará a mercê da liberdade mal utilizada, sem capacidade de manifestação contrária. Frente a esta realidade, na qual a liberdade de imprensa é fielmente retratada como princípio constitucional muitas vezes se esquece que diversas outras garantias, também previstas na Carta Magna, colidem com as exposições feitas pelos meios de comunicação. E diante do tema analisado no presente trabalho, a liberdade de imprensa por diversas vezes colide com princípios fundamentais ao indivíduo, como: da presunção de inocência, da culpabilidade, da humanidade, dos fins e proporcionalidade das penas, entre outros que tangenciam diretamente a atuação da lei penal frente às previsões constitucionais. Destarte, o princípio da proporcionalidade é o meio pelo qual se traça os limites constitucionais e garantias individuais pertinentes ao tem em analise, visto que promove a adequação necessária entre o fim de uma norma e os meios que esta se utiliza para atingir a proibição de excessos. Nesta mesma linha, muito bem explana José Laurindo de Souza Netto: 38 IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 10 de fev. 2010. MUNHOZ. César. Desarmar ou Não? Disponível em: <http://www.educacional.com.br/noticiacomentada/050923not01.asp>. Acesso em: 10 de fev. 2010. 39 Em determinadas situações, os direitos fundamentais entram em colisão entre si ou colidem-se com outros bens jurídicos amparados pela Constituição. As colisões de direitos fundamentais ocorrem quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular evita ou dificulta o exercício de outro direito fundamental por parte de outro titular. (...) O princípio da proporcionalidade apresenta-se como critério necessário para a harmonização dos direitos fundamentais em conflito, pois vem dotada de uma força motriz, autônoma e funda-se em valores internos que justificam por sua própria 40 natureza sua importância no próprio sistema. Portanto, quando se trata na influência da mídia, que por intermédio da liberdade que lhe é garantida na Constituição cobra criação de novas leis penais, o princípio da proporcionalidade deve ser invocado para analisar se no caso concreto nenhuma outra garantia constitucional do indivíduo será cerceada, e se o objetivo do direito penal não se perderá. E é dentro deste paradigma que o Direito Penal é conhecido como ultima ratio, já que tutela os bens jurídicos mais preciosos da sociedade, da mesma forma que pune com a privação de liberdade, por isso deve ser a última instância do direito. 2.5 Viabilidade da Implantação de um Sistema Penal de Emergência No ano de 1763, Beccaria já havia exposto sobre a legislação penal da seguinte forma: Freqüentemente os homens deixam às leis provisórias e à prudência ocasional o cuidado de regular os negócios mais importantes, quando não os confiam à vontade daqueles que tem interesse em se opor as melhores instituições e às leis sábias. Além disso, apenas depois de terem pervagado por muito tempo em meio aos erros mais prejudiciais, depois de terem exposto mil vezes a própria liberdade e a própria existência é que, cansados de sofrer, reduzidos aos últimos extremos, os homens se 41 determinam a remediar os males que os atormentam. 40 SOUZA NETTO, José Laurindo de. A Colisão de Direitos Fundamentais: o Direito à Privacidade como Limite da Liberdade de Informação. Disponível em: <http://www.tj.pr.gov.br/download/cedoc/ArtigoJuizJos%C3%A9LaurindoSouzaNetto.pdf>. Acesso em: 25 de fev. 2010. 41 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 15. Frente a tal citação se percebe que desde os tempos mais remotos o homem tem a tendência em escolher remediar os males que os atormentam e não os que irão a atormentá-lo. Isto porque, muitas vezes não se enxerga a lei como um instituto preventivo, mas sim como uma panacéia para todos os males existentes em determinado momento. Diante desta idéia, a implantação de um sistema emergencial deve ser estudada com muita cautela. Isto porque, a legislação de emergência já em vigor no Brasil, foi criada, em sua grande maioria, em virtude de fatos isolados que sofreram a superexposição na mídia, e ante tal sensacionalismo, usado para sensibilizar a população, pressionou os órgãos do Poder Legislativo e Judiciário para que atuassem prontamente nestes casos. Essa pressão em desfavor dos Poderes Legislativo e Judiciário se traduz em projetos de lei elaborados em curto prazo e, na maioria das vezes, sem o necessário cuidado e o estudo aprofundado de sua viabilidade, eficácia e conseqüências de uma nova lei, apenas para pacificar a opinião pública e a mídia, e por vezes garantir um eleitorado quando se trata de manobras eleitorais. Conseqüentemente, a norma criada para legislar sobre um fato isolado perde a originalidade e o objeto quando começa a ser adaptada e modificada para ser encaixada no ordenamento jurídico em vigor, como aconteceu com a Lei de Crimes Hediondos, que desde sua elaboração sofreu diversas adaptações ante os problemas dela recorrentes42·. É totalmente compreensível que casos como o do menino João Helio43, que foi arrastado por alguns quilômetros, preso ao cinto de segurança do carro de sua mãe que foi roubado, gerem uma enorme revolta e o clamor de que a justiça tem que ser feita, e apague o sentimento de impunidade. Mas essa revolta gera, em geral, a cobrança por normas mais severas e a resolução destes casos com uma velocidade que o Poder Judiciário não consegue acompanhar, e tais normas, na maior parte das vezes, ofendem diretamente garantias constitucionais. 42 VEIGA, Márcio Gai. Lei de Crimes Hediondos: Uma Abordagem Crítica. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3637>. Acesso em: 03 de dez. 2009. 43 FREIRE, Aluizio. Família de João Hélio reclama de lentidão da Justiça. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL110121-5606,00FAMILIA+DE+JOAO+HELIO+RECLAMA+DE+LENTIDAO+DA+JUSTICA.html>. Acesso em: 25 de set. 2009. Como já foi mencionada, a criação de normas mais severas, de novas leis sancionadoras, não são suficientes para atingir o núcleo do problema da criminalidade. Até porque, se os crimes do Brasil forem estudados de maneira minuciosa, notar-se-á que uma legislação emergencial não resolveria grandes problemas de cunho essencialmente social, econômico e político. Veja-se, nos dias atuais é incontestável a banalização das drogas e sua propagação entre os jovens brasileiros, e também é notório que as drogas tiveram grande responsabilidade para o aumento da criminalidade no Brasil44. Mas também é sabido que se há intenso tráfico de drogas, há um número incontável, mas muito expressivo, de usuários destas substâncias45. Seguindo este crescimento, de nada serviria a criação de uma lei emergencial para combater a tráfico e o uso de drogas, que muitas vezes leva ao cometimento de crimes, se conjuntamente não houver uma política anti-drogas e de saúde pública. Ou seja, o crime, pode sim ser punido, mas isso não garante que outros delitos deixem de ser cometidos, caso as drogas não sejam efetivamente combatidas, e a responsabilidade por isto não é do sistema penal. Claro que as drogas não são o único fator para o crescimento da criminalidade, isto porque, o Brasil é um país no qual facilmente se visualiza a desigualdade de renda, a falta de oportunidades de trabalhos nos grandes centros urbanos46, entre outros fatores que também corroboram para o aumento dos crimes. Mas, neste contexto, é possível visualizar que todos os fatores citados não podem ser resolvidos através de uma lei penal, muito menos uma norma de caráter emergencial. Não há como negar que o Brasil vive uma situação preocupante, mas ainda não se compara com casos como a operação “Mãos Limpas”47, que implantou um sistema emergencial na Itália. 44 FRANCISQUINHO, Sergio, FREITAS, Solange Pinheiro. A Influência das Drogas na Criminalidade. Disponível em: <http://www.repositorio.seap.pr.gov.br/arquivos/File/artigos/seguranca/a_influencia_das_drogas _na_criminalidade.pdf>. Acesso em: 23 de out. 2009. 45 MURTA. Andrea. ONU relata aumento no consumo de drogas no Brasil. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u307184.shtml>. Acesso em: 23 de out. 2009. 46 SANTOS, Marcelo Justus, KASSOUF, Ana Lúcia. Estudos Econômicos das Causas da Criminalidade no Brasil: Evidências e Controvérsias. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/revista/vol9/vol9n2p343_372.pdf>. Acesso em: 23 de out. 2009. 47 FERNADES, Hélio. O Brasil Precisa com Urgência de uma Operação Mãos Limpas. Disponível em: <http://www.tribuna.inf.br/anteriores/2005/maio/20/coluna.asp?coluna=helio>. Acesso em 23 de out. 2009. Em meados dos anos 80, a máfia italiana atuava em todos os setores do Estado, era um sistema sólido ao qual não era possível resistir, pois se corriam muitos riscos. Neste contexto, o sistema judiciário penal sofreu modificações intensas e, a partir disto, diversos julgamentos, prisões e mortes aconteceram, até que os poderes da máfia forem neutralizados, mas não extintos. No Brasil, o crime organizado se traduz, em maior parte, pelo tráfico de drogas e pelas organizações que dele surgem, o que é bastante grave. Mas observa-se aqui, diferentemente da Itália, que a violência surge nas guerras entre as próprias organizações que comandam o comércio de drogas, e como conseqüência a coletividade é atingida, a fim de manter a existência das coalizões criminosas. Logicamente não é um problema de fácil solução, mas a implantação de uma legislação emergencial, como pregam os meios de comunicação, não é a melhor fórmula para a extinção da criminalidade. Isto porque, trata-se de áreas de anomia, que devem ser tratadas, primeiramente, por uma política social, e após a intervenção política, estudar a reformulação do sistema jurídico penal. Nesta corrente, duas citações de Fauzi Hassan Chouckr, são bastante pertinentes para definir o regime emergencial como uma exceção do contexto normativo, e não com a solução dos problemas jurídicos penais: Nesse particular é de ser ressaltado que a emergência do sistema repressivo difere fundamentalmente do conceito de excepcionalidade empregado em sede constitucional, onde os mecanismos de aplicação que impliquem em derrogação total ou parcial de direitos fundamentais, tem duração definida no tempo e no espaço. Para aquele cenário, a individualização dos fatores que justificaram drásticas medidas, ajuda a compreender que não se pode empregar no quotidiano as mesmas bases valorativas que originaram a supressão dos direitos básicos. Na esfera repressiva, essa ausência de barreiras temporais ou espaciais, torna a emergência, paradoxalmente, algo inerente à normalidade. (...) Se a legislação enfocada não cumpre as promessas que supostamente legitimaram sua edição, em praticamente nada contribuindo para a mitigação do fenômeno criminoso, cumpre enfrentar o custo sistêmico que ela impõe e o grau de 48 desvirtuamento da cultura da normalidade que determina. Assim, a exigência de uma pronta resposta para a criminalidade do Brasil traz outros problemas decorrentes da falta de estudo da situação de fato, que gerou o 48 CHOUCKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2002. p. 59-60, 14-145. caos, situação esta que venha a exigir uma legislação de emergência, bem como, a não conformidade dessa nova criação à legislação já existente, principalmente em consonância com a Constituição da República. 3. A QUESTÃO DA CRIMINALIDADE NO BRASIL 3.1 Criminalidade Moderna Sem dúvida a criminalidade sofreu um aumento considerável nos últimos anos, e fatores como: desemprego, exclusão social, desigualdade de renda, banalização das drogas, e principalmente, falta de investimentos públicos no setor da educação, são causas diretamente proporcionais a este crescimento49. Ocorre que, esta questão não só é importante para exames quantitativos, como também tem relevância redobrada quando se observa que os valores e os direitos fundamentais são colocados em cheque. Partindo deste princípio a criminalidade afeta diretamente a vida de toda a população, pois, além de impor restrições de natureza econômica e social, provoca, e por algumas vezes confirma, o sentimento de insegurança, medo generalizado e impunidade. Pode-se afirmar que esse aumento gradativo da violência é, em suma, conseqüência de um conjunto de fatores e processos sociais que variam conforme a região e a dinâmica social, e não como resultado da atuação única do Poder Judiciário. Até porque, não há como desvincular os elementos estruturais de uma sociedade, como educação, saúde, oportunidades de emprego, do exercício do Poder Judiciário, principalmente quando entra em cena o Direito Penal, que é um reflexo da falta de investimentos, da atuação dos governantes, ou seja, do crescimento desordenado de um país que nunca teve políticas de prevenção eficazes contra a criminalidade. 49 RATTON, José Luiz. Uma Outra Visão. Disponível em: <http://pe360graus.globo.com/especiais/matLer.asp?news=29307>. Acesso em: 12 de fev. 2010. Mas, não menos importante é o processo de globalização em geral, visto que o Brasil não foi único país se desenvolver durante as décadas passadas. Conseqüentemente, a globalização trouxe consigo certa “apologia” à criminalidade, já que se tornou normal ver crianças consumindo drogas, políticos desviando verba pública, empresas sonegando impostos. Crimes como os que se vêem nos dias atuais sempre existiram, mas talvez o que mais assuste hoje seja que os delitos se propagaram tanto, e estão em voga, que deixaram de ser exceção para fazer parte da normalidade. 3.2 Finalidade da Política Criminal para Combater a Criminalidade Dentro do contexto que envolve a criminalidade e as leis criadas para combatêla não se pode deixar de lado o estudo de uma política criminal, a partir da qual se estuda a realidade social e as diretrizes para que o sistema emergencial se traduza em funcionalidade, garantia e eficácia ao ser implantado como um novo modelo. A política criminal propõe uma nova maneira de combate à criminalidade, efetivando o efetivando a função do direito penal como garantia de uniformidade e de justiça na aplicação das leis. Nesta mesma ótica, partindo do núcleo do problema, ou seja, sua raiz essencialmente social, a política criminal une o estudo social à prevenção dos delitos e das sanções injustas. Mas a idéia da política criminal para a elaboração de um processo emergencial não se traduz na pena50, pois a idéia de quanto maior a pena menor a criminalidade nem de perto se mostra como solução deste problema. O que se preza é a utilização de meios alternativos à justiça criminal para a solução da maior parte dos conflitos desta matéria, e só em casos extremos buscar a ajuda do sistema. Assim, os processos fluiriam com maior rapidez e eficácia, pois o Judiciário só demandaria sobre assuntos que não cabe solução alternativa. Corroborando com o pensamento que a solução não é o aumento da pena, nem mesmo o endurecimento das sanções, como pregam os meios de comunicação 50 CARDOSO, Maurício, MATSURA, Lilian. A Lei e a Pena: Direito Penal não é Instrumento de Segurança Pública. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/51866,1>. Acesso em: 12 de fev. 2010. ao anunciar determinados fatos criminosos, já havia declarado Beccaria: “A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo o exercício do poder que deste fundamento se afastar constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação, jamais um poder legítimo”51. Assim, a política criminal tem a função de traçar um panorama da criminalidade do Brasil, e a partir daí descrever quais são as principais causas dessa violência e qual a melhor forma para combatê-la. Segundo o repórter Ronaldo Soares52, em uma reportagem feita para a revista Veja, mencionou algumas soluções para a redução da criminalidade, tendo como base o entendimento de especialistas na área de criminologia e sociologia, como: limitar horários de funcionamento de bares, criar uma rede multidisciplinar de assistência para jovens que começam a se envolver com a criminalidade, priorizar o policiamento comunitário, criar varas especiais que possibilitem o julgamento mais ágil de policiais acusados de corrupção e outros crimes. Mas, logicamente, isso não é suficiente para levar à queda drástica nos números da criminalidade. Para estas mudanças acontecerem é necessária vontade política, o que pouco se vê no Brasil, e incentivo educacional a uma população carente para não se deixe levar por notícias vinculadas na mídia, permitindo a formação da opinião pública sem manipulações, sem interesses políticos e econômicos. Até porque, de que adianta punir policiais que são corrompidos, ou traficantes que vendem drogas às crianças deste país, enquanto grande parte dos políticos brasileiros são, ao mesmo tempo, sujeitos ativos da criminalidade e os maiores beneficiados com a impunidade? A verdade é que a solução da criminalidade não está só nas mãos do Poder Judiciário, mas sim na mudança de problemas sociais que estão enraizados no Brasil, que se configuram pela falta de investimentos, pela excessiva corrupção, a desigualdade entre classes sociais, a má distribuição de renda, a falta de oportunidades e o total desinteresse na melhoria da educação de um país rico em esperança. 51 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 19. SOARES, Ronaldo. Sem Limites para a Barbárie. Revista Veja. São Paulo: Abril. 14 de fev. 2007. p. 50-51. 52 Enfim, não se pode deixar difundir a crença popular de que penas altas, sanções mais severas e prisões em estado caótico são a solução para o crescimento desordenado de um país, que teve como principal efeito da colonização a ampla desigualdade de classes. 3.3 Papel da Mídia quando se trata de Criminalidade A liberdade de imprensa é um assunto muito discutido nos dias de hoje, principalmente porque sua função social foi deturpada. A idéia de busca por informação se transformou em uma grande ameaça à comunicação, isto porque a imprensa vem se valendo de uma prática muito comum para comover a opinião pública em assuntos de seu interesse, o dito sensacionalismo. Os meios de comunicação têm usado deste sensacionalismo para justificar a manipulação das informações, a invasão da privacidade, os excessos em suas notícias, que muitas vezes não são devidamente apuradas antes de sua divulgação, com o argumento de que agem em nome do interesse público. O jornal pode errar. O jornalista pode se equivocar. No dinamismo de uma redação as informações afluem e se sobrepõe uma a outra, exigindo o imediato registro antes que deixem de ser notícia. Tal não ocorre com a maldade (jornalística). Esta é tecida, armada, articulada, para que o leitor encontre vozes de verdade. Ela não objetiva fatos, mas pessoas. Há órgãos de divulgação chamados de “imprensa marrom” que se especializam em atingir pessoas, na intimidade da sua vida, na privacidade do seu lar. Querem fazer o mau sensacionalismo, envolvendo famílias, de preferência as de 53 destaque social e político. Antes mesmo de falar na influência da mídia na banalização da criminalidade, observa-se como o campo político se beneficia deste poder que os meios de comunicação exercem na população. Um dos casos mais notórios que se têm notícias é o impeachment do ex Presidente Fernando Collor54, que foi eleito através de 53 BARROZO FILHO, Roberto. O Erro e a Maldade. São Paulo: Jornal do Estado. 5 de mai. 1983. 54 SANTOS, Arnaldo. Bases para a Compreensão Política do Impeachment do Presidente Collor e seu Significado para a Democracia. Disponível em: <http://conpendi.org/manaus/arqivos/Anais/Arnaldo%20Santos.pdf>. Acesso em: 15 de abr. de 2009. determinados canais de televisão, e após de propor a criação de uma rede nacional de televisão55 e determinar a invasão do jornal Folha de São Paulo56, teve todas as falhas de seu governo rechaçadas em rede nacional. Estes fatos culminaram em um conflito e, a mesma imprensa que criou a imagem de Fernando Collor de Mello, tornando-o o candidato dos sonhos da população mais carente à elite de empresários, tornou-o um vilão que deveria ser abolido da classe política, pois não representava mais os interesses dos meios de comunicação. Outro caso que teve bastante espaço na mídia foi às acusações de desvio de verba, enriquecimento ilícito, tráfico de influencia contra o então senador Renan Calheiros, que em uma entrevista afirmou: “Liberdade de imprensa exige equilíbrio, serenidade, ética e responsabilidade. Sem responsabilidade, abre-se espaço para o excesso, para pirotecnia em desfavor das instituições e a bem do sensacionalismo” 57. Claro que na realidade em que se vive no Brasil, é notório o envolvimento de políticos na prática de ilícitos, mas o que interessa ao presente trabalho é diferenciar o órgão de informação do órgão julgador, separação esta que é difícil visualizar quando os meios de comunicação julgam ao informar, para favorecer uma classe política interessada. Destarte, a afirmação feita por Calheiros não vale somente para o cenário político brasileiro. A super exposição na mídia de alguns casos verdadeiramente bárbaros, provocam tamanho clamor social que a busca pela justiça vem através de projetos de leis e soluções tão incorretas quantos os crimes. Por isso, se a justiça for observada como um princípio que busca estabelecer uma correspondência absoluta entre a realidade social e a norma, e o direito penal como ultima ratio, um a legislação emergencial fundada em um caso isolado, por mai brutal que seja, não tem poder de resolver o problema da criminalidade como um todo. Não se pode negar que o acesso à informação e o trabalho dos meios de comunicação são imprescindíveis para a vida e desenvolvimento da sociedade, mas para que a mídia não se torne um inimigo da população, deve-se respeitar os limites 55 NOVA, Roberto Vila. Viajando no Fiat Elba que Derrubou Collor. Disponível em: <http://www.alagoas24horas.com.br/conteudo/index.asp?vEditoria=&vCod=18664>. Acesso em: 15 de abr. 2009. 56 FOLHA ONLINE. Polícia Federal Invade a Folha. Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_24mar1990.htm>. Acesso em:15 de abr. 2009. 57 CALHEIROS, Renan. Hora de Partir. Revista Veja. São Paulo: Abril. 27 de jun 2007. p. 52. impostos à liberdade de expressão, de imprensa, de comunicação impostos pela Constituição da República, visto que a Lei de Imprensa (5.250/67) foi revogada. Por conseguinte, tendo em vista o Estado Democrático de Direito, a imprensa não deve ser cerceada em suas idéias e opiniões por representar uma violação às liberdades constitucionais a ela garantida, desde que não culmine em uma distorção da realidade e manipulação da opinião pública em função de interesses velados. Por isso, se a imprensa respeitar seus limites de atuação atendo-se à razoabilidade para consolidar sua função social, bem como a atuação ética e profissionalismo de seus profissionais, pode-se estimar a afirmação de Rui Barbosa: “De todas as liberdades é a de imprensa a mais necessária e a mais conspícua: sombreia e reina entre as demais. Cabe-lhe, por sua natureza, a dignidade inestimável de representar as outras”58. 58 BARBOSA, Rui. Introdução. Queda do Império (Diário de Notícias). Obras Completas. Vol. XVI, Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. 4) A CRIMINALIDADE E AS QUESTÕES RELATIVAS À FORMAÇÃO DO INCONSCIENTE 4.1) A Criminalidade sob a Ótica do Inconsciente Popular Partindo-se dos ensinamentos jurídicos seria impossível chegar a uma definição do que é inconsciente. Para tanto, recorre-se à psicanálise, que trata do assunto com especial profundidade e delicadeza, já que no tocante ao tema em questão, entender um pouco mais sobre a mente humana traz respostas também sobre assuntos relacionados à criminalidade. Os estudos ligados à psicanálise nem sempre trazem conceitos objetivos, já que, como toda ciência, estão envoltos por mudanças cotidianas e teorias conflitantes. No que tange os conhecimentos acerca do inconsciente humano não poderia ser diferente, mas alguns conceitos básicos são de suma importância para o entendimento do presente trabalho. Segundo Jacques Lacan: “O inconsciente está estruturado como uma linguagem”59, e desta idéia é possível delinear que tal linguagem que estrutura o inconsciente humano é fundada, principalmente, de conceitos morais, símbolos, construção do meio social em que uma pessoa é criada, e a partir disto é que se modelam as vontades, anseios, atos conscientes da vida em sociedade. Assim, pode-se entender que o homem forma sua consciência através de bases inconscientes, somadas às experiências e informações adquiridas que desencadeiam uma busca por respostas e soluções, inclusive no que tange o sentimento de impunidade. Por seu turno, sustenta o Professor Allan Hobson: Aspectos inconscientes da atividade mental, como rotinas motoras e cognitivas e as chamadas lembranças intenções e expectativas inconscientes, desempenham papel 60 fundamental na modelagem e direcionamento de nossa experiência consciente . Deste modo, sendo o crime um ato de reprovação social que afronta grande parte dos preceitos morais inconscientes e conscientes, os meios de comunicação transmitem informações, muitas vezes distorcidas, a fim de incitar os espectadores a acreditar que a responsabilidade pela criminalidade brasileira é a ineficácia do Poder Judiciário. Portanto, a idéia propagada pelos órgãos midiáticos de que a solução para a criminalidade do Brasil é a elaboração de novas leis, mais severas, com sanções mais intensas, nada mais é do levar os cidadãos a crer que alguns valores sociais coletivos estão em declínio e a resposta estaria apenas na atuação do próprio povo contra o Judiciário. 59 GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. 24. ed. Rio de Janeiro: Zahar. 2009. p. 168. 60 HOBSON, Allan J. Consciousness. Nova York: Scientific American Library. 1999. p. 26. Em um de seus ensinamentos, Freud, corrobora com estas idéias: “Um pensamento pré-consciente é abandonado por um momento à revisão do inconsciente e o resultado disso é imediatamente capturado pela percepção consciente”61. Não há dúvidas de que a sociedade se desenvolve em torno de costumes motivados por valores que transcendem gerações, mas é importante salientar que em um país como o Brasil, de notória desigualdade social, pouco acesso à educação, é fácil manipular uma população que pouco sabe sobre as funções do Poder Judiciário, ou até mesmo, sobre a elaboração de leis, e para tanto buscar no inconsciente coletivo uma forma de distorcer a realidade sobre os problemas e soluções. 4.2) A Relação entre a Formação do Inconsciente e os Incentivos Públicos na Educação Não é de hoje que o Brasil se mostra como um país de grande poder de desenvolvimento, graças à grandiosidade territorial, os variados climas, a riqueza das mais diversas matérias primas. Mas como reza a história, desde a colonização até os dias atuais tais riquezas, territórios, foram sempre mal distribuídos, e como conseqüência muitos problemas sociais acometeram o país. Neste contexto, a maior parte da população teve pouco ou nenhum acesso às escolas, e a baixa escolaridade vem reinando absoluta na sociedade brasileira62. É certo que, em virtude da falta de incentivo à educação, viu-se crescer a criminalidade, mas não é só, é sabido também que incentivos políticos no setor da educação nem sempre é econômico e politicamente interessante, pois uma população com alto grau de escolaridade seria muito mais crítica e seletiva ao escolher os grupos políticos. Sobre isto, muito bem explana o professor Alberto Marques dos Santos: A ignorância somada ao pânico torna a massa refém de uma classe política, cujo fracasso no combate ao crime não se justifica só pela falta de aptidão, mas freqüentemente pela má-fé. Desmistificar os preconceitos e falsas premissas, que hoje formam o senso comum e guiam as ações de governo no tema da criminalidade, é o primeiro passo para vencer a guerra que parece perdida. (...) a vulgarização do conhecimento criminológico pode libertar a sociedade da manipulação 61 FREUD, Sigmund. Os Chistes e a sua Relação com o Inconsciente. Rio de Janeiro: Imago. 2006. p. 157. 62 POCHMANN, Marcio, AMORIM, Ricardo. Atlas da Exclusão Social no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez. 2003. p. 28-29. populista/eleitoreira acerca do tema, habilitando-a a influenciar a classe dirigente na 63 tomada de decisões capazes de reduzir a violência. Mas, mesmo em condições de ignorância, o cidadão mantém valores morais inconscientes, pois lhe são intrínseco. Assim, para a grande maioria da população o crime é totalmente reprovável, e para alguns outros a marginalidade é a solução de problemas sociais em decorrência do meio em que vivem. E sem dúvida, a melhor forma de explicar essa relação entre o inconsciente humano e a falta de incentivos públicos é fazer referência à nota preliminar de um épico literário de Dostoiévski, Crime e Castigo: Raskólhnikov, um ex-estudante universitário, rapaz pobre e inteligente, vive à míngua de todos os recursos num cubículo miserável, ruminando um tenebroso plano: assassinar uma velha agiota, para roubá-la e, com o dinheiro, recomeçar então a sua carreira, libertar a mãe e a irmã da miséria e do opróbrio; enfim, praticar uma má ação para, depois, praticar muitas ações boas; sacrificar um ser inútil e prejudicial à sociedade para, mais tarde, levar algo de útil, benéfico a essa mesma sociedade. (...) Uma teoria própria, que surgira no espírito de Raskólhnikov, serviu de justificativa para o seu plano e para o seu ato, e essa teoria era a que lhe dava precisamente “o direito ao crime”, a permissão de ultrapassar os limites da ética tradicional e de criar para si mesmo uma nova ética, a ética do super-homem, ao qual era permitido esmagar os homens “inferiores”, sacrificar o indivíduo para salvar a sociedade. Mas eis que a consciência do homem forte, que ele julgava ser, treme involuntariamente perante este fato que o espanta: aquela criatura desprezível, a velha agiota, era, apesar de tudo, um ser humano, e o que o rapaz fizera fora derramar o sangue desse ser. Para além da filosofia, atuavam agora a natureza e a realidade espiritual 64 humana . Interessante ressaltar que a história do autor russo muito se assemelha com a realidade social brasileira, pois, diante desta, o inconsciente de determinados cidadãos acoberta o cometimento de algum crime para que se isente a entrada na marginalidade, em contrapartida, a soma da ignorância de grande parte da população com a ânsia na solução dos problemas de criminalidade e do resgate de valores inconscientes, é um prato cheio para os meios de comunicação impor a idéia de que novas leis e mais sanções poderão resolver qualquer problema. Assim o povo se torna objeto das manobras do poder dominante. 63 SANTOS, Alberto Marques. Criminalidade: Causas e Soluções. Curitiba: Juruá. 2007. p. 19/20. 64 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo. Porto Alegre: L&PM. 2010. P. 5-6. A conclusão a que se chega é que a falta de incentivos públicos na educação é de interesse da classe política, já que a escolaridade mais desenvolvida acarretaria no desenvolvimento do senso crítico da população, de outra forma de análise das informações que lhe são passadas, e consequentemente, a cobrança por mudanças, frente ao Poder Público, não giraria em torno das afirmações impostas pelos órgãos midiáticos. E diante deste poder exercido pelos meios de comunicação frente à falta de escolaridade de maior parte do povo brasileiro é que se permite fazer uma alusão à obra de Pierre Bourdieu: O poder simbólico é esse poder invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Poder quase mágico, que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela fora (física ou econômica), só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado 65 como arbitrário. Em suma, a mídia no Brasil, exerce este referido poder simbólico, através do qual as vontades político-econômicas prevalecem ao direito à educação, e consequentemente aos direitos assegurados pelo sistema penal e por uma Constituição dita social. 4.3) A Criminalidade Analisada a Partir da Visão Social Diante da análise feita até agora, é imprescindível se fazer entender que uma sociedade não está livre de crimes, pois são naturais da evolução social condutas diversas àquelas que são estipuladas pelos costumes e normas. E não é só, a necessidade dos meios de comunicação e do acesso à informação é essencial para um convívio social. Mas o que se faz importante saber que a criminalidade tomou uma proporção que ameaça a paz social, e não só pelo seu aumento, mas principalmente pela sensação de impunidade e insegurança que gerou na população, principalmente pela forma de atuação da mídia no Brasil, por isso de ser tratada através de políticas criminais. 65 BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2009. p. 7-8. Dentro deste contexto, vale citar o professor Zaffaroni, que diz em seu livro Em Busca das Penas Perdidas: (...) a realidade operacional de nossos sistemas penais jamais poderá adequar-se à planificação do discurso jurídico-penal, e de que todos os sistemas penais apresentam características estruturais próprias de seu exercício de poder que cancelam o discurso jurídico-penal e que, por construírem marcas de sua essência, não podem ser eliminadas, sem a supressão dos próprios sistemas penais. A seletividade, a reprodução da violência, a criação de condições para maiores condutas lesivas, a corrupção institucionalizada, a concentração de poder, a verticalização social e a destruição das relações horizontais ou comunitárias não são características 66 conjunturais, mas estruturais do exercício de poder de todos os sistemas penais. Destarte, ao analisar a influência da mídia, o inconsciente popular e a construção de leis penais emergenciais, é importante se ater a função principal do Direito Penal em ser a ultima ratio, por muitas vezes citada no presente escrito, ou seja, só deverá ser invocado quando não houver mais nenhuma solução a fim de tutelar determinado bem jurídico. E por tal motivo, mostra-se inviável a construção de leis mais severas, ou até mesmo a criação de novos tipos penais como solução da criminalidade, a fim de conter os ânimos da população e garantir a permanência de determinados grupos políticos. Ademais, vale ressaltar, que o incentivo a educação é indispensável para reconstruir a imagem do Poder Judiciário, e demonstrar que nem tudo está em suas mãos, e através da educação, proporcionar a população leiga os conhecimentos necessários para poder valorar as informações que lhe são passadas, e também entender o quão prejudicial é ao Estado Democrático de Direito, a criação de leis esparsas, que muitas vezes afrontam o ordenamento jurídico atual e promovem a ineficácia da justiça criminal. Além disso, como se pode observar da pesquisa anexada ao presente trabalho, maior parte da população acredita que a criminalidade cresce diariamente, como também ainda dá valor exacerbado às informações obtidas através dos meios de comunicação67. Mas o que ocorre na verdade, é que a opinião formada acerca da segurança pública se baseia exclusivamente pelos fatos veiculados nos órgãos midiáticos, e nada se sabe sobre dados exatos, ou índices mais complexos. 66 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: A Perda da Legitimidade do Sistema Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan. 2001. p. 15. 67 Pesquisa Anexada. E não é só, é possível vislumbrar também a pouca credibilidade dada ao sistema prisional, e o reduzido conhecimento quando se trata do funcionamento do processo criminal. Extrai-se, então, que a conclusão acerca da realidade brasileira se funda em diagnósticos dados ao espectador através de casos isolados e específicos, mas pouco informam sobre como funciona o sistema penal, e até mesmo, como são elaboradas as leis neste país. Outra informação importante extraída desta pesquisa, é que mesmo com alterações legislativas, como a chamada “lei seca”, em nada alteraram o comportamento da população brasileira, que continua conduzindo veículos automotores após a ingestão de bebidas alcoólicas, como também, visualiza-se que os acidentes automobilísticos ocorrem com muita freqüência, e na maior parte das vezes não está relacionado ao uso de substâncias psicoativas. Neste contexto, é interessante refletir sobre um trecho da obra A Sociedade do Espetáculo, de Debord: O movimento de banalização que, sob a diversão furta-cor do espetáculo, domina mundialmente a sociedade moderna, domina-a também em cada ponto em que o consumo desenvolvido das mercadorias multiplicou na aparência os papéis e os objetos a escolher. A sobrevivência da religião e da família – a qual continua sendo a principal forma de herança do poder de classe -, e, por isso, da repressão moral que elas garantem, pode combinar-se como uma só coisa com a afirmação redundante do gozo deste mundo, sendo este mundo produzido justamente apenas como pseudogozo que contém em si a repressão. À aceitação dócil do que existe pode juntar-se a revolta puramente espetacular: isso mostra que a própria insatisfação tornou-se mercadoria, a partir do momento em que a abundância econômica foi capaz se estender sua 68 produção até o tratamento dessa matéria-prima. Portanto, não há como negar que a influência dos meios de comunicação na vida de uma sociedade carente em escolaridade leva à cobrança, e também, na criação de leis a fim de solucionar fatos pretéritos e polêmicos, mas que em nada acrescentam ao ordenamento, ou melhor, por vezes atrapalham a eficácia e o funcionamento do Poder Judiciário, inclusive quando se trata da matéria criminal. 68 DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo: Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto. 2009. p. 39-40. 5. CONCLUSÃO Um Estado Democrático de Direito vive em constante evolução, obrigado a acompanhar cada mudança, no aspecto político, social, econômico, jurídico. Por este motivo surgem novos embates entre as várias idéias do que é natural a uma democracia. Diante destes conflitos é necessário que cada um seja estudado minuciosamente, dentro de suas particularidades, para que se chegue a melhor solução. Os princípios são requisitos essenciais, pautados em valores intrínsecos à ordem social, instituídos como base para toda espécie de ação jurídica, e assim, tornase o fundamento que denota o melhor caminho a ser traçado em busca de soluções eficazes, sem que o fato esteja vinculado a decisões específicas. Portanto, havendo colisão entre princípios basilares, a decisão entre qual deles prevalecerá deverá atentar para a importância de cada um diante do caso concreto, em consonância com o princípio da proporcionalidade. Neste sentido, o presente trabalho monográfico se propôs a analisar e tecer uma crítica a uma realidade em que havendo colisão entre direitos fundamentais, a liberdade de imprensa prepondera de forma inconsciente pela força do seu poder de influência diante a população. E como fonte para o presente estudo foi realizada uma pesquisa de campo na região de Curitiba, da qual se extraiu os seguintes dados: Parte deste escrito foi dedicada ao entendimento do inconsciente do ser humano, e como ele pode ter responsabilidade em algumas cobranças populares quando se fala em soluções para a criminalidade. Como também se mostrou indissociável os valores morais e inconscientes com a realidade social brasileira, não só no que se refere a influência da mídia, mas também no entendimento das informações por ela veiculadas, e de algumas causas da própria marginalidade. Por isso não há como se calar diante da enxurrada de novas novas leis penais, que são elaboradas sob o fundamento de solução para a criminalidade, mas por trás delas estão interesses políticos, econômicos, inclusive dos próprios meios de comunicação, que através de sua alta credibilidade mantém o poder em virtude da d ignorância educacional da população mais carente. Com o intuito de aperfeiçoar o presente trabalho, imprescindível foi a realização da referida pesquisa de campo a fim de elucidar algumas dúvidas e corroborar com a tese em análise. Como ponto de partida partida da referida pesquisa não haveria como deixar de lado uma avaliação numérica acerca do que a população pensa dos níveis da criminalidade e do grau de credibilidade dos meios de comunicação em Curitiba e Região Metropolitana. Diante de um questionário feito feito com cem moradores desta região, de diversas idades e classes sociais, pode-se pode se observar que maior parte das pessoas entrevistadas acredita que a criminalidade na Grande Curitiba está bastante alta, girando em torno das notas sete e oito, ao mesmo tempo, o grau de credibilidade nos meios de comunicação continua alto, como se extrai dos gráficos abaixo: Grau de Criminalidade Nota 2 Nota 4 Nota 5 Nota 6 Nota 7 Nota 8 Nota 9 Nota 10 Grau de Credibilidade dos Meios de Comunição Nota 0 Nota 2 Nota 3 Nota 4 Nota 5 Nota 6 Nota 7 Nota 8 Nota 9 Da mesma forma, é interessante perceber que temas referentes aos órgãos midiáticos e à educação são praticamente de consenso geral entre os questionados, questio já que a grande maioria das pessoas acredita no poder de manipulação da imprensa e no prejuízo que traz a falta de acesso à educação quando se fala em formação da opinião pública. Os Meios de Comunicação Podem Manipular Opiniões? 120 100 80 60 Os Meios de Comunicação Podem Manipular Opiniões? 40 20 0 Sim Não A Falta de Investimentos Públicos e Dificuldade de Acesso à Educação Prejudicam a Formação da Opinião Pública? 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 A Falta de Investimentos Públicos e Dificuldade de Acesso à Educação Prejudicam a Formação da Opinião Pública? Sim Não Como parte final da pesquisa de campo, é importante asseverar assevera que, mesmo com a certeza de que os meios de comunicação podem manipular informações e a pouca escolaridade da maioria da população brasileira, a falta de conhecimento técnico nas áreas do direito ainda é bastante intensa, como se pode ver nas respostas referentes eferentes ao funcionamento do processo criminal: Tem conhecimento de como Funciona um Processo Criminal? 70 60 50 40 Tem conhecimento de como Funciona um Processo Criminal? 30 20 10 0 Sim Não Mas não é só, é interessante visualizar que grande parte dos entrevistados acredita que o sistema prisional brasileiro não é a solução para a criminalidade, mas em contrapartida, o objeto deste trabalho é demonstrar também a ineficácia da maioria das leis emergenciais, que são colaboradoras da superlotação e caos do sistema penitenciário. O Sistema Prisional Brasileiro é Solução para Criminalidade? 90 80 70 60 50 O Sistema Prisional Brasileiro é Solução para Criminalidade? 40 30 20 10 0 Sim Não Por seu turno, a pesquisa aplicada se utilizou de uma lei de repercussão nacional, a alteração no Código de Trânsito Brasileiro que ficou conhecida como Lei Seca, principalmente após alguns acidentes automobilísticos notórios que veicularam com muita freqüência na mídia, para demonstrar a ineficácia e a falta de cuidado tomado por estas leis elaboradas às pressas, pressas, a fim de satisfazer o clamor público. O que se pode concluir através desta parte da pesquisa foi que, mesmo com alterações da referida lei, tornando-a tornando a mais severa, e tentando coibir determinadas condutas que colocariam em risco bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, a consciência da população não mudou com a lei. Já Dirigiu Alcoolizado? 60 50 40 30 Já Dirigiu Alcoolizado? 20 10 0 Sim Não Ou seja, as pessoas continuam dirigindo sob efeito de substâncias entorpecentes, colocando em risco vidas, e até mesmo conhecendo os crimes que provavelmente podem incorrer, mas como se sabe que a falta de fiscalização e os incentivos públicos destinados a coibir a infração desta lei, são praticamente escassos, seria correto dizer que fica fácil burlar a lei. Já foi Parado por Policiais por Causa da Lei Seca? 100 90 80 70 60 50 Já foi Parado por Policiais por Causa da Lei Seca? 40 30 20 10 0 Sim Não 70 60 50 40 Já se Envolveu em Acidente Autombilístico? 30 Estava Alcoolizado? 20 10 0 Sim Não Então, é imprescindível destacar que diante do poder exercido pela mídia mí frente à maior parte da população deste país, as leis emergências são criadas apenas para suprir lacunas momentâneas. Assim, dão uma resposta política aos cidadãos, que se sentem mais seguros, e em contrapartida se mostra ineficaz na solução dos problemas mas sociais intrínsecos ao desenvolvimento do Brasil. Mas não deixa de ser interessante, porque com o passar do tempo as leis emergenciais se tornam cada vez mais ineficazes até que caem no esquecimento do mesmo povo que acreditava ser ela a solução para todos os seus problemas.