A justiça
Segundo
Aristóteles
Prof. Railton Souza
Pensamento aristotélico
Depois de quase quatro séculos de
filosofia, Aristóteles apresentou uma
verdadeira enciclopédia de todo o saber
que foi produzido e acumulado pelos
gregos em todos os ramos do pensamento e
da prática, considerando essa totalidade de
saberes como sendo a filosofia.
Denominou-as ciências produtivas, práticas
e teoréticas.
Ciências Produtivas
Aquelas que estudam as práticas produtivas
ou técnicas, isto é, as ações humanas cuja
finalidade está para além da própria ação. A
finalidade é a produção de um objeto, de uma
obra. São elas arquitetura (edificação),
economia (produtos para a sobrevivência),
medicina (cura), pintura, escultura, poesia,
teatro, oratória, arte da guerra, da caça, da
navegação... Toda atividade humana técnica e
artística que resulte numa obra.
Ciências práticas
Ciências que estudam as práticas humanas
enquanto ações que têm nelas mesmas seu próprio
fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela
mesma, é o próprio ato realizado. São duas. A
primeira é a ética. Nela a ação é realizada pela
vontade guiada pela razão para alcançar o bem
(felicidade) do indivíduo, sendo este alcançado
através das virtudes (temperança, coragem,
liberalidade, magnificiência, respeito próprio,
gentileza, agudeza de espírito, amizade, modéstia,
juta apreciação, justa indignação).
A segunda é a política. Aqui a razão
guia a vontade para que a ação tenha
como fim o bem da comunidade (bem ou
felicidade comum). A política é superior à
ética, embora mantendo com ela uma
relação mútua de dependência. Sem a
política não pode haver vida virtuosa
individual e sem a ética não pode haver
vida coletiva feliz. A finalidade da
política, mais geral que a ética, é a vida
justa, boa, bela e livre de todos.
Quadro das virtudes morais
Sentimento ou Paixão
(por natureza)
Prazeres
Medo
Confiança
Riqueza
Fama
Honra
Cólera
Convívio
Conceder Prazer
Vergonha
Sobre a Boa Sorte de Alguém
Sobre a Má Sorte de Alguém
Situação em que o sentimento
ou a paixão são suscitados
(por contingência)
Tocar, Ter, Ingerir
Perigo, Dor
Perigo, Dor
Dinheiro, Bens
Opinião alheia
Opinião alheia
Relação com os outros
Relação com os outros
Relação com os próximos
Relação de si com outros
Relação dos outros consigo
Relação dos outros consigo
Vício (excesso)
(por deliberação e escolha)
Vício (falta)
(por deliberação e escolha)
Libertinagem
Covardia
Temeridade
Prodigalidade
Vaidade
Vulgaridade
Irascibilidade
Zombaria
Condescendência
Timidez
Inveja
Malevolência
Insensibilidade
Temeridade
Covardia
Avareza
Humildade
Vileza
Indiferença
Grosseria
Tédio
sem vergonhoce
Malevolência
Inveja
Virtude (justo meio)
(idem)
Temperança
Coragem
Coragem
Liberalidade
Magnificência
Respeito próprio
Gentileza
Agudeza de espírito
Amizade
Modéstia
Justa apreciação
Justa indignação
Ciências Teoréticas
As ciências contemplativas são aquelas
que estudam coisas que existem
independentemente dos homens e de suas
ações e que, não tendo sido feitas pelos
homens, só podem ser contempladas por
eles. Theoria, em grego, significa
contemplação da verdade. As coisas da
natureza e as coisas divinas. Aristóteles
classifica as ciências teoréticas em graus de
superioridade.
Graus das ciências teoréticas
1º) Ciências das coisas naturais
submetidas à mudança ou ao devir: física,
biologia, meteorologia, psicologia.
2º) Ciências das coisas naturais que não
estão submetidas à mudança ou ao devir: as
matemáticas e a astronomia (no cosmo
aristotélico os atros eram eternos, imutáveis
e geometricamente perfeitos).
3º) É a metafísica que estuda o
puro ser ou substância de tudo o que
existe. Trata-se daquilo que deve
haver em toda e qualquer realidade
para ser realidade - seja ela natural,
matemática, ética, política ou
técnica. Ela utiliza conceitos tais
como acidente, essência, substância,
forma, matéria, categorias, causas,
ato e potência.
4º) Ciência das coisas divinas
que são a causa e a finalidade de
tudo o que existe na Natureza e no
homem. As coisas divinas são
chamadas de theion e, por isso,
esta última ciência se chama
teologia.
A lógica
Para Aristóteles a lógica não era uma
ciência teorética, nem prática ou produtiva,
mas um instrumento para as ciências. Ela é
instrumento do pensamento, ocupando-se
com suas formas gerais e não com seu
conteúdo. Devemos conhece-la antes de
iniciarmos a investigação filosófica por
causa da sua natureza propedêutica. Ela é
quem fornece as normas, princípios, leis e
procedimentos para o pensamento.
Método Lógico/Dedutivo
Gênero
Espécie Geral
Espécie Particular
Espécie Singular
Diferença específica
Animal
vertebrado
invertebrado
Mamíferos ave batráquio réptil peixe
Humanos
bovinos eqüinos
Racional
Conclusão: O homem é um animal ( vertebrado, mamífero) racional.
OBSERVAÇÕES:
1ª) Para Aristóteles a ciência vai do seu gênero mais alto às espécies mais singulares ( a “espécie ínfima”) e cada espécie é um gênero para sua
subordinadas.
2ª) Destaca-se pela distinção entre duas espécies de um mesmo gênero aquilo a que chamamos “diferença específica” (atributos ou propriedades
essenciais próprias e exclusivas).
3ª) Destaca-se nas relações entre indivíduos de uma mesma espécie as “diferenças acidentais”.
Justiça em Aristóteles
É a virtude, compreendida em sua
categorização geral. Como toda virtude, é o justo
meio. Aristóteles parte do gênero justiça, o
sentido mais amplo que se pode atribuir ao termo.
É a justiça total ou integral. As leis valem para
o Bem de todos, para o Bem Comum. Pode-se
afirmar que toda virtude, naquilo que concerne ao
outro, pode ser entendida como justiça. Aquele
que contraria as leis contraria a todos que são por
ela protegidos, e, aquele que as acata serve a
todos esses.
O justo total é a observância do que é
regra social de caráter vinculativo. É o
hábito humano de conformar as ações ao
conteúdo da lei. Nesse sentido justiça e
legalidade são a mesma coisa. Temos o
encontro da ética e da política: um homem
é justo ao agir na legalidade e um homem é
virtuoso quando, por disposição de caráter,
orienta-se segundo esses mesmos vetores,
mesmo sem a necessária presença da lei ou
conhecimento da mesma.
Justiça Particular
O justo particular corresponde a uma parte da
virtude, e não à virtude total, como ocorre com o justo
universal ou total. A justiça particular refere-se ao outro
singularmente no relacionamento direto entre as partes.
Trata-se de uma espécie do gênero justiça total. O justo
particular admite divisões: de um lado, é espécie do
justo particular o justo distributivo; de outro lado é
espécie do justo particular o justo corretivo. O justo
particular corretivo ainda está bipartido para abranger as
relações baseadas na voluntariedade do vínculo entre
as pessoas (negócios) como também as relações
estabelecidas
involuntariamente
(violência
ou
clandestinidade).
Justo Particular Distributivo
O justo particular distributivo realiza-se no momento
em que se faz mister uma atribuição a membros da
comunidade de bens pecuniários, de honras, de cargos,
assim como de deveres, responsabilidades, impostos...
Perfaz-se, portanto, numa relação do tipo público-privado,
sendo que a justiça e a injustiça do ato radicam-se na
própria ação do governante dirigida aos governados. Aqui,
pressupõe-se uma relação de subordinação entre as partes
que se relacionam, aquele que distribui e aqueles que
recebem. A injustiça, nesse sentido, é o desigual, e
corresponde ao recebimento de uma quantia menor de
benefícios ou numa quantia maior de encargos que seria
realmente devido a cada um.
A justiça particular distributiva, nesse sentido,
consiste numa mediania a ser estabelecida entre
quatro termos de uma relação, sendo dois destes
sujeitos que se comparam, e o outros dois, os
objetos. A distribuição, portanto, atingirá seu justo
objetivo se proporcionar a cada qual aquilo que lhe é
devido, dentro de uma razão de proporcionalidade
participativa, evitando o excesso e a falta. A
injustiça na distribuição recai em um dos pólos, seja
quando pessoas desiguais recebem a mesma quantia
de encargos e de benefícios, seja quando pessoas
iguais recebem quantias desiguais de benefícios e
de encargos.
É importante lembrar que essa igualdade almejada é
de acordo com a geometria das desigualdades entre as
pessoas relacionadas (uns conhecem mais, outros agem
mais, outros possuem maior técnica e habilidade
manuais...) e coisas envolvidas (honrarias, impostos,
deveres, obrigações, prestígio, salário, remuneração,
função social, cargos...). Portanto, a justiça distributiva
é igualdade de caráter proporcional, pois é estabelecida
e fixada de acordo com um critério de estimação dos
sujeitos analisados. Esse critério é o mérito de cada qual
que os diferencia, tornando-os mais ou menos
merecedores de tais ou quais benefícios ou ônus social (
desigualdade natural e social).
No sentido estritamente político, ao longo da
história, o critério de avaliação subjetiva varia
segundo as diversas formas de governo. A liberdade
é para o governo democrático o ponto fundamental
de organização do poder ( todos podem ascender aos
cargos públicos e ao poder). Na oligarquia o é a
riqueza ou o nascimento (somente os ricos e
membros de certas famílias ascendem ao poder e aos
cargos públicos). Ou a virtude para a aristocracia. A
igualdade na distribuição visa á manutenção de um
equilíbrio, pois aos iguais é devida a mesma
quantidade de benefícios ou encargos, assim como
aos desiguais são devidas partes diferentes à medida
que são desiguais e que se desigualam.
O justo particular corretivo
Enquanto a aplicação da justiça distributiva
obedece aos critério subjetivo (mérito), o que
implica na repartição a cada qual do que é devido, a
justiça corretiva baseia-se exclusivamente num
critério rigorosamente objetivo de restabelecimento
do equilíbrio rompido entre os particulares: a
igualdade aritmética (garantida pela justiça anterior).
Ela dá às partes o restabelecimento à posição inicial
em que se encontravam.
O justo corretivo encontra aplicação em em dois
âmbitos diversos, o das relações estabelecidas
involuntariamente e das relações estabelecidas
voluntariamente. O primeiro é uma espécie de justo
comutativo aplicável às transações do tipo compra e
venda, da locação, do empréstimo, do depósito, em
resumo,
dos
contratos
estabelecidos
voluntariamente. A injustiça assim se faz quanto, por
qualquer motivo, os bens e serviços trocados não se
correspondem, devendo-se, portanto, recorrer a um
critério de correção baseada na igualdade absoluta
para o equilíbrio da interação voluntária.
O exemplo aristotélico de reciprocidade geométrica:
A = Construtor
B = Sapateiro
C = Casa
D = Sapato
Para que A + C = B + D, quantos sapatos eqüivalem a uma
casa?
Como será a proporção de 1 para 5, de 1 para 10, de um para
50?
A e B devem se igualar, tendo a convenção monetária como
mediadora da interação.
Aristóteles diferencia sua noção de justiça
daquela da reciprocidade (Talião), defendida pelos
pitagóricos e já anteriormente combatida por
Sócrates. Fica claro no pensamento aristotélico que
não se deve responder com injustiça a uma injustiça,
o que reiteraria ad infinitum o conflito. O Estagirita
inaugurou uma nova abordagem, introduzindo outro
tipo de retribuição, a proporcional, e destronando o
velho conceito de retribuição em igual medida. Essa
forma de justiça - reciprocidade proporcional - é
quem deve regular as decisões do juiz, na complexa
malha social das relações sociais.
Temos ainda a justiça reparativa para as impor o devido
sancionamento ao sujeito ativo (causador da injustiça). O
sujeito passivo (sofreu injustiça) vê-se ressarcido pela
concessão de uma reparação ou compensação a posteriori
com relação ao prejuízo que sofreu. A igualdade inicial foi
rompida por causa de: furto, adultério, envenenamento,
lenocídio (corrupção), falso testemunho, engodo para
escravizar, entre outros; por violência, como no seqüestro,
na agressão, no homicídio, no roubo, na mutilação, nos
insultos e injúrias. A injustiça, em qualquer um desses
casos, é desigualdade aritmética, cabendo ao juiz novamente
igualar as partes, aplicando ao causador de uma lesão uma
pena que corresponde - proporcionalmente - ao delito
cometido.
Bibliografia
MORRIS, Clarence (org.) Os grandes filósofos do direito.
São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova
Cultural, 1999 ( Coleção Os pensadores).
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Nova Cultural,
1999 (Coleção Os pensadores).
BITTAR, Eduardo C. B - ALMEIDA, Guilherme Assis.
Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2002.
CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo: Ática,
2000.
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