Transtorno do Déficit de
Atenção e hiperatividade TDAH
Dra. Mary Yoko Okamoto
Departamento de Psicologia
Clínica– UNESP- Assis
O contexto social
Sociedade centrada na produção material,
individualista e fortemente marcada pelas
diferenças econômicas e exclusão.
Sucesso é sinônimo de bom desempenho
individual, que desconsidera as condições
da história de vida.
Importância de valorização da
escolarização das crianças em idade cada
vez mais precoce
Contexto familiar
Mudanças no contexto da formação
da família
Séc. XVII: a família não existia como
sentimento ou como valor; a vida era
pública e sem intimidade.
Função da família: transmissão da vida,
dos bens e do nome (geração física e
instituição jurídica).
Séc. XVI e XVII: intensa preocupação
com a educação da criança, com a
substituição da aprendizagem
tradicional pela escola.
Escola: influenciada pelos moralistas
e pela Igreja iniciou-se uma
verdadeira moralização da sociedade,
através de colégios vigiados e
reservados.
“Os pais, diz um texto de 1602, que se
preocupam com a educação de suas
crianças merecem mais respeito do que
aqueles que se contentam em pô-las no
mundo. Eles lhes dão não apenas a vida,
mas uma vida boa e santa. Por esse
motivo, esses pais têm razão em enviar
seus filhos, desde a mais tenra idade, ao
mercado da verdadeira sabedoria, onde
eles se tornarão artífices de sua própria
fortuna...” (ARIÈS, P., 1981:277)
Séc. XVIII: presença de um amor
obsessivo que passa a dominar a família,
unida pelo sentimento e pela identidade,
deixando de funcionar apenas como
transmissão da vida e como célula
produtiva. Necessidade de intimidade, da
separação de cada gênero num espaço
reservado e intolerância diante da
diversidade.
Séc. XV ao XVII: nascimento e
desenvolvimento do sentimento de família
vivida na intimidade, em detrimento da
sociabilidade existente na antiga
sociedade.
Séc. XIX: Medicina Social reduziu a família
a um estado de dependência, invadindo a
intimidade das vidas das pessoas através
das políticas higiênicas.
Com o aumento dos índices de
mortalidade infantil, a família foi definida
como incapaz de proteger a vida das
crianças. (Donzelot, 1980)
Tutela familiar: presença constante de
intervenções disciplinares de agentes
normalizadores (Medicina, Psicologia,
Serviço Social, Direito)através de
atividades educativas e terapêuticas.
Algumas consequências
Criança: é vista como despreparada para a
vida adulta, necessitando de um regime
especial para ter acesso à vida adulta.
Grandes movimentos migratórios em
busca de melhores condições de vida e de
uma identidade.
Institucionalização do cuidado das crianças
e jovens, em idades mais precoces.
Distanciamento entre família ideal e real
Enfraquecimento e culpabilização do
indivíduo.
A criança
Início da escolarização: 0 a 17 anos.
Desenvolvimento de habilidades e
competências é realizada na família
ou na escola??
O desenvolvimento infantil está
diretamente relacionado às
características da família, das
instituições e portanto, da sociedade.
Demanda crescente de crianças que
procuram os serviços de saúde com
queixas que englobam os transtornos
do comportamento, em idades cada vez
mais precoces.
Pesquisa em UBS em São Paulo:
76,9% dos casos apresentavam queixas
escolares, tanto relacionadas a
dificuldades de aprendizagem quanto de
problemas de comportamento.
70, 2%, dos casos são do sexo
masculino (Braga e Morais, 2007).
Sintomas: agressividade, falta de atenção
e concentração,
irritabilidade,desobediência, raiva,
impulsividade...
A generalização de vários sintomas sob o
termo “Transtornos do Comportamento”,
resulta num agrupamento de uma mesma
categoria, de indivíduos extremamente
diferentes para os quais os tratamentos
deveriam ser diversificadostz. (Thevenot e
Metz, 2007).
Os encaminhamentos surgem
principalmente através da escola.
Qual o peso do discurso escolar sobre a
produção da subjetividade infantil?
Quais as expectativas com relação à
criança, instituídas na família e na escola?
OMS: estima-se que cerca de 10 a 20% da
população infanto-juvenil poderá
desenvolver algum tipo de transtorno
mental. (Brasil, 2005).
Patologização e medicalização
da infância
De acordo com os critérios diagnósticos do
DSM-IV, o TDAH é uma doença, e como
tal, o principal tratamento é a
medicalização.
“toda criança que apresenta dificuldades
de atenção, que é hiperativa ou impulsiva,
pode ser englobada na classe de TDAH. E
passa a ser TDAH”. (Eidt e Tuleski, 2010)
A venda de ritalina triplicou no Brasil, nos
últimos 5 anos:
em 2002, eram 356.925 caixas; em 2003,
547.779; em 2004, 701.303; em 2005, 886.958;
e em 2006, 1.042.480.
Nos Estados Unidos, mais de 9% das
crianças são medicadas devido ao
Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade – TDAH.
Na Argentina, estima-se que cerca de 200
mil estudantes vão medicados à escola, o
que preocupa o Ministério da Educação e
da Saúde. Prevalência do uso de ritalina.
(Eidt e Tuleski, 2010)
Critérios diagnósticos – DSM-IV
A. Ou (1) ou (2)
1) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram por
pelo menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível
de desenvolvimento:
Desatenção:
(a) freqüentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros
por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras
(b) com freqüência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou
atividades lúdicas
(c) com freqüência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra
(d) com freqüência não segue instruções e não termina seus deveres
escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não devido a
comportamento de oposição ou incapacidade de compreender instruções)
(e) com freqüência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades
(f) com freqüência evita, antipatiza ou reluta a envolver-se em tarefas que
exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de
casa)
(g) com freqüência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por
ex., brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais)
(h) é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa
(i) com freqüência apresenta esquecimento em atividades diárias
(2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade
persistiram por pelo menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e
inconsistente com o nível de desenvolvimento:
Hiperatividade:
(a) freqüentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na
cadeira
(b) freqüentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou
outras situações nas quais se espera que permaneça sentado
(c) freqüentemente corre ou escala em demasia, em situações nas
quais isto é inapropriado (em adolescentes e adultos, pode estar
limitado a sensações subjetivas de inquietação)
(d) com freqüência tem dificuldade para brincar ou se envolver
silenciosamente em atividades de lazer
(e) está freqüentemente "a mil" ou muitas vezes age como se
estivesse "a todo vapor"
(f) freqüentemente fala em demasia
Impulsividade:
(g) freqüentemente dá respostas precipitadas antes de as
perguntas terem sido completadas
(h) com freqüência tem dificuldade para aguardar sua vez
(i) freqüentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros
(por ex., intromete-se em conversas ou brincadeiras)
B. Alguns sintomas de hiperatividade-impulsividade ou desatenção que
causaram prejuízo estavam presentes antes dos 7 anos de idade.
C. Algum prejuízo causado pelos sintomas está presente em dois ou mais
contextos (por ex., na escola [ou trabalho] e em casa).
D. Deve haver claras evidências de prejuízo clinicamente significativo no
funcionamento social, acadêmico ou ocupacional.
E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro
Transtorno Psicótico e não são melhor explicados por outro transtorno
mental (por ex., Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade,
Transtorno Dissociativo ou um Transtorno da Personalidade).
Codificar com base no tipo:
F90.0 - 314.01 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo
Combinado: se tanto o Critério A1 quanto o Critério A2 são satisfeitos
durante os últimos 6 meses.
F98.8 - 314.00 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo
Predominantemente Desatento: Se o Critério A1 é satisfeito, mas o Critério
A2 não é satisfeito durante os últimos 6 meses.
F90.0 - 314.01 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo
Predominantemente Hiperativo-Impulsivo: Se o Critério A2 é satisfeito, mas
o Critério A1 não é satisfeito durante os últimos 6 meses.
Nota para a codificação: Para indivíduos (em especial adolescentes e
adultos) que atualmente apresentam sintomas que não mais satisfazem
todos os critérios, especificar "Em Remissão Parcial".
www.virtualpsy.locaweb.com.br
SNAP IV
1. Não consegue prestar muita
atenção a detalhes ou comete erros
por descuido nos trabalhos da escola
ou tarefas
2. Tem dificuldade de manter a
atenção em tarefas ou atividades de
lazer
3. Parece não estar ouvindo quando
se fala diretamente com ele
4. Não segue instruções até o fim e
não termina deveres de escola,
tarefas ou obrigações
5. Tem dificuldade para organizar
tarefas e atividades
6. Evita, não gosta ou se envolve
contra a vontade em tarefas que
exigem esforço mental prolongado
7. Perde coisas necessárias para
atividades (p. ex: brinquedos, deveres
da escola, lápis ou livros)
8.Distrai-se com estímulos externos
9. É esquecido em atividades do diaa-dia
10. Mexe com as mãos ou os pés ou
se remexe na cadeira
11. Sai do lugar na sala de aula ou
em outras situações em que se
espera que fique sentado
12. Corre de um lado para outro ou
sobe demais nas coisas em situações
em que isto é inapropriado
13. Tem dificuldade em brincar ou
envolver-se em atividades de lazer de
forma calma
14. Não pára ou freqüentemente está a
“mil por hora”
15. Fala em excesso
16. Responde as perguntas de forma
precipitada antes delas terem sido
terminadas
17. Tem dificuldade de esperar sua vez
18. Interrompe os outros ou se intromete
(por exemplo: intromete-se nas conversas,
jogos, etc.)
Como avaliar:
1) se existem pelo menos 6 itens marcados como
“BASTANTE” ou “DEMAIS” de 1 a 9 = existem
mais sintomas de desatenção que o esperado
numa criança ou adolescente.
2) se existem pelo menos 6 itens marcados como
“BASTANTE” ou “DEMAIS” de 10 a 18 = existem
mais sintomas de hiperatividade e impulsividade
que o esperado numa criança ou adolescente.
O questionário SNAP-IV é útil para avaliar apenas
o primeiro dos critérios (critério A) para se fazer o
diagnóstico. Existem outros critérios que também
são necessários.
http://www.tdah.org.br/br/sobre-tdah/diagnostico-criancas.html
Perspectiva histórica
Década de 50 – 60: lesão cerebral
mínima – quadros nos quais
associavam alterações de
comportamento (hiperatividade) com
lesões do sistema nervoso
central.(Distúrbio neurológico).
Disfunção cerebral mínima: não
confirmação da hipótese anterior leva
à criação de nova modalidade
patológica.
Depois da década de 60: DSM II –
Reação Hipercinética (hiperatividade
como síndrome da conduta e
atividade motora excessiva).
Década de 70: CID-9: Síndrome
Hipercinética.
Década de 80: DSM III – Distúrbio do
Déficit de Atenção (aspectos
cognitivos, déficit da atenção e
impulsividade).
1987: DSM-III – revisado – Distúrbio
de Hiperatividade com Déficit de
Atenção (hiperatividade).
1993: CID-10 – Transtornos
Hipercinéticos.
1994: DSM-IV – Transtorno de Déficit
de Atenção/Hiperatividade (2 grupos
de sintomas). ( Collares e Moisés,
1992).
Polêmicas no diagnóstico
Relativização do conceito de patologia,
pois muitas manifestações de condutas
não são patológicos em determinados
momentos evolutivos. P.e.: oposição,
rebeldia, agressividade.
Referência social na caracterização da
patologia.
Caráter subjetivo e situacional dos critérios
Patologização
“(...) consiste na busca de causas e
soluções médicas, a nível organicista
e individual, para problemas de
origem eminentemente social”
(COLLARES & MOYSÉS, 1986, apud
LUENGO & CONSTANTINO, 2005,
p.123)
Desconsideração do contexto social e
institucional implicados na produção
do comportamento.
Medicalização
“... ao processo de transformar questões nãomédicas,eminentemente de origem social e
política, em questões médicas, isto é, tentar
encontrar no campo médico as causas e soluções
para problemas dessa natureza. A medicalização
ocorre segundo uma concepção de ciência
médica que discute o processo saúde-doença
como centrado no indivíduo, privilegiando a
abordagem biológica, organicista. Daí as questões
medicalizadas serem apresentadas como
problemas individuais, perdendo sua
determinação coletiva. (COLLARES & MOYSÉS,
1994, apud LUENGO & CONSTANTINO, 2005,
p.124)
Referências Bibliográficas
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LTC, 1983.
BRAGA, Sabrina Gasparetti; MORAIS, Maria de Lima Salum e.
Queixa escolar: atuação do psicólogo e interfaces com a educação.
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10 Ago 2010.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos
para uma política de saúde mental infanto-juvenil / Ministério da
Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. Brasília: Editora do Ministério da
Saúde, 2005.
COLLARES,C.A.L. e MOYSÉS, M.A.A. O sucesso escolar: um
desafio pedagógico. Caderno Cedes, 28. Campinas: Papirus, 1992.
LUENGO, F. C; CONSTANTINO, E. P. A vigilância punitiva: a
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n.2, p. 122-126, 2009.
DONZELOT, J. A. A polícia das famílias. Rio de Janeiro: Graal,
1980.
GUARIDO, R. A medicalização do sofrimento psíquico:
considerações sobre o discurso psiquiátricos e seus efeitos sobre a
educação. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.33, n.1, p. 151-161,
jan./abr. 2007.
MARCELLI, D. Manual de psicopatologia da infância de
Ajuriaguerra. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
THEVENOT, A e METZ, C. Instabilidade psicomotora ou
hiperatividade? Riscos dos deslizamentos dos discursos sobre a
psicopatologia infantil. Epistemo-Somática, Belo Horizonte, v.IV, n.
02, p. 49-61, ago/dez 2007.
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