ALIMENTOS ENTRE PARENTES: UMA REFLEXÃO AOS ARTS. 396, 397 E 398 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO O art. 1.964 e ss, todos do CC, dispõem sobre a obrigação alimentar entre os parentes. A ordem elencada na lei, contudo, muitas vezes é mal interpretada e até mesmo incompreendida. 1. FAMÍLIA, ALIMENTOS E A RELAÇÃO COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CÓDIGO CIVIL DE 2002. A pessoa humana nasce inserida no seio familiar, a partir de onde modela as suas potencialidade para harmonizar a convivência em sociedade e alcançar a sua realização pessoal. (NERY JUNIOR, 2005 apud FARIAS, 2005, p.32). A Constituição Federal consagrou a proteção à família no art. 226, tanto a família oriunda do casamento, quanto à oriunda da união de fato, a família natural e a família adotiva. 2. CONCEITO DE ALIMENTOS na doutrina Segundo o ensinamento de Orlando Gomes, "alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si", em razão de idade avançada, enfermidade ou incapacidade, podendo abranger não só o necessário à vida, como "a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação", mas também "outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada". 3. CONCEITO E A CLASSIFICAÇÃO DOS ALIMENTOS NA LEI. O Código Civil de 2002, no seu capítulo destinado aos alimentos (arts. 1.694 a 1.710), não definiu o referido instituto. No entanto, no art. 1.920 é possível detectar o conceito legal dos alimentos quando a lei refere-se ao legado: "O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor". 4. CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. A obrigação alimentar, possui características próprias, quer seja proveniente do casamento, união estável ou originada pelo vínculo de parentesco. As características da obrigação de alimentos, oriundas do parentesco, segundo a doutrina majoritária, são as seguintes: direito personalíssimo, irrenunciabillidade, alternatividade, reciprocidade, impenhorabilidade, irrepetibilidade, imprescritibilidade e transmissibilidade 5. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO À PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS No que se refere à natureza jurídica do direito à prestação de alimentos, verifica-se, mesmo na contemporaneidade, a presença de controvérsia, fruto de posições divergentes de três correntes doutrinárias. A primeira delas defende a natureza jurídica do direito à prestação de alimentos como direito pessoal extrapatrimonial. Não teria o alimentando interesse econômico na prestação de alimentos, já que a verba não objetiva ampliar o seu acervo patrimonial, mas sim suprir o seu direito à vida, que é personalíssimo. Funda-se num conteúdo ético-social. A segunda, em sentido oposto, a entende como direito patrimonial, retratado na prestação paga em pecúnia ou em espécie, em que o caráter econômico não resta afastado. A terceira, defende uma mescla dos entendimentos anteriores. Assim, a natureza jurídica do direito à prestação de alimentos seria um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal. É a posição adotada por Orlando Gomes. 6. FUNDAMENTO DO ENCARGO ALIMENTAR Pelas disposições dos artigos 227 e 230, da Carta Magna, em que é repartido entre o Estado, a sociedade e a família o dever de assegurar à criança e ao adolescente diversos direitos, tais como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação etc, o mesmo ocorrendo com relação ao direito de amparo dos idosos. Conclui-se que é justamente na solidariedade entre os membros que fazem parte da mesma família que se assenta o fundamento da obrigação alimentar. 7. PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR São as disposições dos arts. 1.694 e 1.695, ambos do CC, que fornecem os pressupostos da obrigação alimentar, a saber: existência de um vínculo de parentesco entre o alimentando e o alimentante; necessidade do alimentando; possibilidade econômico-financeira do alimentante; 8. SUJEITOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR Os alimentos são devidos somente nos seguintes casos: a) pelos ascendentes (pais, avós, bisavós, etc.); b) pelos descendentes (filho, neto, bisneto, etc.); c) pelos irmãos; d) pelo cônjuge ou convivente. Assim, em face da lei, verifica-se que há quatro classes de pessoas obrigadas à prestação alimentícia, formando uma hierarquia no parentesco: "1ª) pais e filhos, reciprocamente (art. 229 da CF); 2ª) na falta destes, os ascendentes, na ordem de sua proximidade com o alimentado; 3ª) os descendentes, na mesma ordem, excluído o direito de representação; 4ª finalmente, os irmãos unilaterais ou bilaterais". Isto é, têm direito aos alimentos somente as pessoas que procedem do mesmo tronco ancestral, excluindo-se parentes por afinidade, por mais próximo que seja o grau. O cônjuge ou companheiro "não se encontra nessa ordem sucessiva, porque deve alimentos em circunstâncias especiais" 9. DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE OS COLATERAIS De acordo com o estatuto civil pátrio, os irmãos, tanto os germanos como os unilaterais, foram incluídos no rol de parentes com obrigação legal à prestação de alimentos limitados ao segundo grau de parentesco, com base legal no art. 1.697 do referido estatuto. Inexistindo ascendentes hábeis à prestação de alimentos, a obrigação recai nos descendentes, observada a ordem sucessiva e independentemente da origem da filiação. Na falta de descendentes à obrigação transfere-se aos irmãos, tanto germanos como unilaterais. 10. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E DEVER DE SUSTENTO A doutrina de maneira uniforme, inclusive com respaldo na lei, identifica duas ordens de obrigações alimentares, distintas, dos pais para com os filhos: uma resultante do pátrio poder, consubstanciada na obrigação de sustento da prole durante a menoridade; e outra, mais ampla, de caráter geral, fora do pátrio poder e vinculada à relação de parentesco em linha reta. A obrigação de prestar alimentos repousa no princípio da solidariedade existente entre os membros de um grupo familiar, cujo dever de ajuda mútua é recíproco. Depende, todavia, do estado de necessidade do requerente e das possibilidades do obrigado pela prestação alimentar (binômio necessidade/possibilidade). O dever de sustento resulta de imposição legal dirigida a determinadas pessoas ligadas por vínculos familiares, é unilateral e deve ser cumprido incondicionalmente. 11. ALIMENTOS ENTRE PARENTES Parentes são pessoas ligadas entre si em razão da consangüinidade ou adoção. O parentesco consangüíneo é formado pelos vários indivíduos originados de um tronco comum, ao passo que o parentesco civil é decorrente da criação artificial da lei, fruto de manifestação expontânea das pessoas, comumente caracterizado pela adoção. Notase que a afinidade não se enquadra no conceito de parentes, constituindo-se em um vínculo entre o casal (marido ou mulher) e os parentes do outro, isto é, entre sogro e genro, sogra e nora, cunhados etc. O art. 1.697 do CC expressa que, não havendo parentes em linha reta, serão chamados os colaterais para prestar os alimentos. Cabe destacar, que em relação à linha reta de parentesco não há qualquer limitação de grau, contudo, em relação à linha colateral há limitação ao segundo grau de parentesco. 12. TEM LEGITIMIDADE TAMBÉM O NASCITURO Nesse sentido, confira-se a palavra sempre abalizada de Pontes de Miranda: "A obrigação de alimentar também pode começar antes do nascimento e depois da concepção (Código Civil, arts. 397 e 4º), pois, antes de nascer, existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior à vida, se acaso recusasse atendimento a tais relações inter-humanas, solidariamente fundadas em exigências de pediatria". 13. DIFERENÇAS BÁSICAS ENTRE O DEVER DE SUSTENTO E A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR a) a obrigação alimentar é recíproca entre pais e filhos; já o dever de sustento não é recíproco a benefício dos genitores e cessa com a maioridade do filho; b) a obrigação alimentar do art. 1.696 do Código Civil é proporcional, segundo o art. 1.694, §1º da referida lei, à capacidade econômica de quem os deve e as necessidades de quem os reclamam; trata-se, pois, de uma obrigação de conteúdo variável e contingente, enquanto o dever de sustento dos filhos menores, imposto aos genitores, caracteriza-se como sendo absoluto, sem qualquer consideração às respectivas fortunas. c) o dever de sustento se extingue com a maioridade, ou mesmo com a emancipação do filho: ao romper-se o vínculo do pátrio poder, cessam os efeitos do mesmo, entre os quais o dever de sustento do filho, e surge como única e autônoma a prestação legal de alimentos, condicionada, agora, esta, ao estado de necessidade do filho e à possibilidade do genitor; d) o dever de sustento que pesa sobre os pais (art. 1.566, IV), não se estende aos outros ascendentes, e não é recíproco; a obrigação alimentar (art. 1.696), ao contrário, é recíproca entre todos os ascendentes e descendentes, qualquer que seja o grau de parentesco e qualquer que seja a idade do alimentando, mas não se exime da prova dos pressupostos do art. 1.694, § 1º do Código Civil, e) tecnicamente, a obrigação de sustento define-se como uma obrigação de fazer; enquanto a obrigação alimentar consubstancia uma obrigação de dar. 14. DA TRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE PARENTES O Código Civil de 2002 inovou ao afirmar expressamente em seu art. 1.700 que a obrigação alimentar transmite-se aos herdeiros do devedor. Desta forma, tanto a obrigação oriunda do parentesco como a oriunda do casamento ou mesmo da união estável são transmissíveis à luz do art. 1.700, isto é, todos os alimentos do direito de família estão regulados conjuntamente. Continuemos com os ensinamentos de Santos (2004, p.221): No entanto, a partir dessa nova disposição do art. 1.700, dúvida não há no sentido de que a transmissibilidade passou a ser característica tanto da obrigação oriunda do parentesco como daquela proveniente do casamento ou da união estável. Isso porque a regra insere-se agora no Subtítulo III, que cuida dos alimentos entre parentes, cônjuges ou companheiros. 15. DA OBRIGAÇÃO COMPLEMENTAR DOS AVÓS ALIMENTAR A obrigação alimentar não é solidária. O novo Código, por previsão expressa contida no art. 1.698, autoriza a pensão complementar dos parentes de grau imediato mais próximo, se o convocado em primeiro lugar não tiver condições de suportar totalmente o encargo. Entretanto, contrariando a orientação que se firmava, previu-se a possibilidade de proposta a ação contra um, serem chamadas a integrar a lide todas as pessoas obrigadas, pertencentes ao mesmo grau. CONCLUSÃO O ordenamento jurídico atual é claro no entendimento de que a obrigação alimentar deve ser percebida como um instrumento que possibilite a manutenção da vida em condições dignas de um ser humano, entretanto, um fator crucial na sua aplicação está em como proteger os direitos da pessoa necessitada e manter os direitos, no limite da sua responsabilidade, do responsável pela obrigação alimentar, onde dever vigorar o binômio necessidade-possibilidade. Julgar as diferentes questões envolvendo as mais diversas situações que se apresentar no ambiente jurídico é o grande desafio, neste momento de grandes transformações por que passa a sociedade globalizada.