APOSTILA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O ACESSO À JUSTIÇA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – CAMPUS DOURADOS PROF. NILTON MARCELO DE CAMARGO ANO 2011 DO ACESSO À JUSTIÇA Trata-se o acesso à justiça de princípio constitucional solidificado no artigo 5º, incisos XXXV e LXXXIV da Magna Carta, em que assegura aos cidadãos a defesa de seus direitos, garantindo-lhes o devido processo legal e alcançando tais garantias até os economicamente desprovidos de recursos, para satisfação de sua pretensão frente ao Estado. 1. DO ACESSO À JUSTIÇA NA ANTIGUIDADE: 1.1. Do Código de Hamurabi, datado do século XVIII a.c. Na humanidade, o relato mais antigo da existência de acesso à justiça está consubstanciado no Código de Hamurabi, Rei da Babilônia, datado do século XVIII A.C. Esse Código era baseado no aspecto religioso, no qual o rei era a personificação da justiça, incumbido, portanto, de solucionar as lides a ele trazidas, com poderes para erradicar o mal da terra, através da exclusão dos maus; esses poderes eram conferidos por uma ordem sobrenatural, divina. O Código de Hamurabi possuía o objetivo de proteger e impedir a opressão dos mais fracos pelos mais fortes; assegurava, também, os direitos da viúva e dos filhos órfãos, e todo aquele que se sentia oprimido era estimulado a procurar a via judicial na figura do Rei, para discutir seu direito. Há que se observar que, no Código de Hamurabi, não havia o Estado como ente de aplicação do direito e resolução de conflitos, pois tudo era resolvido pela convicção do Rei que, segundo a cultura da época, era munido de poder divino. 1.2. Na Grécia Antiga: A Grécia foi o berço da Democracia, e era conferido a todo aquele considerado cidadão grego o direito de acessar a justiça, caso assim necessitassem. A figura do magistrado era apenas de mero auxiliar, pois quem decidia as lides era o povo. E, a respeito desse assunto, ensina Eduardo Borges de Mattos Medina (2004, p. 23): A democracia em Atenas garantia aos cidadãos o exercício da função legislativa. Os integrantes da elaboração da Ekklesia (assembléia popular), tinham o poder e o dever de participar da elaboração das leis que regulavam a vida e os destinos da cidade. No entanto, o regime democrático impunha também aos atenienses o encargo obrigatório de defender, como juízes, as leis que eles mesmos votavam, pois, na condição de membros das cortes populares, assumiam o compromisso – por meio juramento heliástico – tanto de fazer cumprir o ordenamento jurídico quanto o de decidir o que seria legítimo e o que seria ilegítimo, o que serio bom ou o que seria mau para a cidadeEstado e para o seu povo. Nesse momento histórico foi criada a assistência judiciária aos necessitados, dando ao pobre o direito de se defender, passo significante para o acesso à justiça. 1.3. Da Roma Antiga (imperador Constantino) Em Roma, o Imperador Constantino (288-377 A.C.), pela primeira vez dispôs em lei que o Estado tinha o dever de dar assistência advocatícia àquele que não pudesse pagá-la, isso para que houvesse equilíbrio na relação processual. Anos mais tarde, essa lei foi incorporada ao Código de Justiniano (483-565). Como demonstra Francisco das Chagas Lima Filho (2003, p. 111): Inúmeros institutos jurídicos, especialmente no que concerne ao direito e à justiça, como patrocínio em juízo, a necessidade da assistência de um advogado para que houvesse um equilíbrio entre as partes, e tantos outros, terminaram por levar Constantino a ordenar a elaboração de lei que viesse assegurar o patrocínio, de forma gratuita, aos necessitados a que, mais tarde, terminou por ser incorporada ao Código de Justiniano. Nota-se, assim, no Direito Romano, uma clara evolução da urisdição. Os romanos preocuparam-se com a elaboração do direito positivo, que influenciou todos os outros sistemas jurídicos posteriores, principalmente o sistema romanogermânico. Contudo, o direito romano contribuiu para o acesso à justiça, pois discutiu o direito de forma justa e ética e almejou tutelar os menos favorecidos economicamente. 1.4. Da Idade Média (direito canônico): A Idade Média foi o período regido pela ideologia cristã. As leis, como em todas as sociedades, eram baseadas em fundamentos divinos e o homem era valorado pela sua fé. Através da Igreja houve a criação de uma esfera jurídica própria, assim denominada “Direito Canônico”. Havia também a doutrina do amor ao próximo, através do qual advogados tinham o dever de não cobrar dos necessitados por seus serviços, nem magistrados cobravam as custas. 1.5. Da Revolução Francesa: A conquista mais expressiva da Revolução Francesa foi a criação do Estado Nacional que foi instituído pela Constituição, a qual regulava a vida em sociedade, surgindo, pois, a fase liberal individualista. As Constituições, apesar de assegurar a igualdade aos indivíduos, não significava dizer que asseguravam também o acesso à justiça, já que nesse período houve uma grande crise do Poder Judiciário, conforme explica Francisco das Chagas Lima Filho (2003, p.118): Tal desprezo para com o judiciário evidencia que o Estado liberal não tinha qualquer preocupação com a idéia nem com a prática do acesso à justiça. Surge, pois, uma situação inusitada: ao mesmo tempo em que a Constituição do Estado assegura, ainda que formalmente, a igualdade entre as pessoas, o que também em tese deveria assegurar um igual acesso à justiça, no plano prático a realidade era diversa. 1.6. Na Idade Contemporânea: Entre os séculos XVII e XIX, o acesso à justiça nos Estados liberais, era considerado um direito natural, portanto o Estado permanecia inerte com relação à forma pela qual a pessoa utilizaria esse direito, pouco se importando com a condição financeira do agente. Em suma, a justiça era um bem, só acessado por quem tivesse dinheiro. Até então nos Estados Liberais, o acesso à justiça era simplesmente concebido como um “direito natural” do cidadão, enfim, como um direito inerente do homem e, que por assim ser, não necessitava da proteção do Estado para resguardá-lo, já que era considerado até anterior ao Estado. Porém, quando surgiam conflitos de interesse e pretensão resistida, não havia mecanismos eficazes para tutelar esses direitos, pois o Estado mantinha-se passivo, inerte, no campo da prática processual, eximindo-se de sua responsabilidade por acreditar que não era seu papel tutelar ou proteger tal direito. Com a grande expansão capitalista e, por conseqüência, a evolução dos direitos sociais ocorridos a partir do século XX, cresceram as desigualdades sociais e surgiram as discussões sobre o acesso à justiça no âmbito do trabalho, dando enfoque, principalmente, aos direitos individuais. A atuação do Estado, nesse período, visava assegurar a igualdade de forma material e efetiva. Já na década de sessenta, intensificaram-se os movimentos de acesso à justiça no mundo, buscando meios para viabilizar as soluções de litígio de forma justa. Dessa forma, foram utilizados alguns mecanismos, como reformas legislativas, com o intuito de diminuir as desigualdades sociais, já que o não acesso à justiça, em muitos casos, estava ligado à condição econômico-cultural do agente. Vários países que aderiram ao movimento, mudaram suas Constituições para garantir o alcance da justiça a todos, com a implantação da assistência judiciária gratuita ou justiça gratuita para àqueles que não possuem recursos para litigar. Portanto, o acesso à justiça, evoluiu através dos tempos, caracterizando-se pelo momento histórico de cada época, mas sempre com um mesmo propósito: proporcionar o acesso a uma ordem jurídica justa e eficaz. 1.7. Para compreender melhor os fatos históricos - distinção entre Positivismo e Jusnaturalismo: Para o jusnaturalismo: o acesso à justiça é concebido como um “direito natural” do cidadão, enfim, como um direito inerente do homem e, que por assim ser, não necessitava da proteção do Estado para resguardá-lo, já que era considerado até anterior ao Estado. Para os positivistas: perceberam a necessidade de criar mecanismos e formas de atuação para, não só criar leis de maneira pura e simples, como também efetiválas. E, hoje, a atuação do Estado se perfaz de forma positiva, elevando o acesso à justiça à ordem constitucional 2. DO ACESSO À JUSTIÇA COMO AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: 2.1. A definição de “acesso à justiça”: Garantir o acesso à justiça significar dizer: “Empregar esforços na construção de um sistema jurídico pelo qual as pessoas possam reivindicar seus direitos/e ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Tem, estruturalmente, duas finalidades: a) o sistema deve ser igualmente acessível a todos; b) deve produzir resultados que sejam igualmente e socialmente justos e satisfatórios, tempestivamente. 2.2. O princípio universal do acesso à justiça está previsto até mesmo na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo X, in literis: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. Referido princípio também encontra respaldo nas diversas convenções internacionais que disciplinam direitos, deveres ou combatem formas de discriminação aos direitos humanos, por exemplo: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis; Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Convenção sobre os Direitos da Criança; Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência; Estatuto dos Refugiados; Estatuto dos Estrangeiros; 2.3. O amplo acesso à justiça compreende assegurá-lo às minorias. O acesso à justiça pelas minorias é, na essência, combater toda e qualquer forma de discriminação. Isto porque, entre os direitos básicos das minorias, está o de poderem existir, o de poderem dissentir e exprimir sua dissenção, o de verem-se representadas nas decisões que interessam a toda a sociedade, o direito de fiscalizarem os atos da maioria e o de, eventualmente, um dia tornarem-se maioria. Enfim, o direito de não serem discriminadas. Ex: religião, orientação sexual, classe social, raça, sexo, deficientes. ANOTAÇÕES COMPLEMENTARES 3.1. DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: Em apertada síntese aos fins desse estudo, na essência, deve-se compreender Estado Democrático de Direito a reunião de elementos componentes da sociedade de forma harmoniosa e respeitosa a ordem jurídica. Assim, “democrático” qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, pois, também sobre a ordem jurídica. 3.2. O Princípio do Acesso à Justiça no Direito Brasileiro: fundamento: a) a lei não poderá excluir do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; b) o acesso à justiça como exercício da cidadania O integral acesso à justiça compreende os seguintes pontos: a) garantir o acesso à justiça a todos os indivíduos (nacionais e estrangeiros); b) redução dos obstáculos jurídicos, econômicos e sociais; c) a necessidade da distribuição da justiça chegar a todas as regiões do país e aos lugares mais remotos do território brasileiro; d) a distribuição da justiça seja feita em tempo razoável. 3.3. Obstáculos ao acesso à justiça: Pode-se enumerar duas ordens de obstáculos, que devem ser superados para que haja respeito ao direito de acesso à justiça: a) aspecto econômico: quando o cidadão deixa de tutelar um direito seu por não ter acesso à informação mínima e à assistência jurídica adequada; b) aspecto organizacional: ineficiência das estruturas do Poder Judiciário diante de uma crescente complexidade de demandas c) a necessidade de simplificação do acesso à justiça com redução de recursos processuais e otimização da informação com o fim atender a prestação jurisdicional em prazo razoável (morosidade processual e formalismo jurídico) Pode-se afirmar que a as dificuldades jurídicas são enfrentadas pelo Judiciário e sua estagnação com recursos em questões pacificadas; As dificuldades econômicas, podem assim ser classificadas: em relação a estrutura da Defensoria Pública: a) sua ausência nos Estados (SC) b) municípios: - com número insuficiente de defensores públicos para atender a demanda - sem defensores públicos c) municípios: - a minoria tem assistência judiciária própria - muitos não têm assistência judiciária em relação ao Poder Judiciário: - falta de investimento tecnológico - ter que lidar com uma estrutura administrativa complexa As dificuldades sociais estão na falta de conscientização do indivíduo de seus direitos. Infelizmente, o conjunto de dificuldades jurídicas, econômicas e sociais provocam a exclusão social. Ainda que o Poder Judiciário empregue esforços para otimizar a prestação jurisdicional por intermédio da criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Estadual e da Justiça Federal e distribua sua competência jurisdicional mediante critério ratione materie e ratione personae, como por exemplo: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Militar, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais de Justiça Estaduais, Tribunais Regionais Eleitorais, Justiça Estadual e Justiça Federal de 1º grau, juntas militares, juntas eleitorais, juizados especiais cíveis, juizados especiais criminais, bem como progressivamente promova a estruturação e informatização de seus órgãos, em verdade, toda esta estrutura não atende a crescente e complexa demanda jurisdicional. Estamos, portanto, diante de uma crise institucional do Poder Judiciário. Alternativas legislativas foram criadas para reduzir a potencialidade da constatada ineficiência institucional. São elas, a arbitragem e a mediação. A arbitragem constitui um modo alternativo de resolução de litígio, atuando, assim, de forma extrajudicial, uma vez que não é realizada sob a tutela do Estadojuiz, e, sim, por meio de processo arbitral que as partes previamente convencionam, em contrato, a sua utilização. Este recurso atualmente é utilizado por um grande número de empresas em seus litígios. A mediação também é forma alternada de solução de litígio, já que a sua realização não necessita do Estado como interventor entre as partes: é método autocompositivo em que as partes solucionam o conflito existente entre elas. 3.3. O Princípio do Acesso à Justiça no Direito Brasileiro com a Constituição Federal de 1988: A Constituição de 1988 buscou quebrar todo e qualquer vínculo com as normas ditatoriais antes impostas na sociedade brasileira, sendo assim chamada de “Constituição Cidadã” pelo seu conteúdo vasto de garantias e direitos fundamentais, e teve por intuito restituir novamente o Estado Democrático de Direito, já que há anos não havia democracia no país. Assim, o acesso à justiça foi colocado em nível de princípio constitucional, o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, contido no artigo 5°, inciso XXV da Constituição Federal, que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;“. Destarte, a nova Magna Carta garantiu o acesso à Justiça por um dos mais importantes direitos; o direito de ação, que é a porta de entrada para a instauração do devido processo legal, e ainda foi rechaçada, não só a violação propriamente dita do direito, como também buscou-se fazer a prevenção à ameaça de violação de direito, já que o Brasil vivia em um momento pós-ditadura militar e a nova Constituição quis ser eficaz em todos os sentidos. A Magna Carta de 1988, garantiu como preceito constitucional, não só o direito à ação, mas também o direito ao contraditório e à ampla defesa; estabeleceu a garantia do juiz natural, vedando a criação de tribunais de exceção. Outro ponto importante contido na Constituição de 1988 é o Princípio da Isonomia das Partes, que visa equilibrar a relação processual e, acima de tudo, fazer com que os atos jurídicos sejam realizados com justiça. O acesso à justiça foi fortemente levado em consideração na elaboração da Constituição Federal de 1988, sendo essa considerada “Constituição Cidadã” pela gama de direitos e garantias que trouxe em seu conteúdo, como também por reestruturar a figura do Estado Democrático de Direito e reinstalar a democracia perdida na época da ditadura. A intenção do legislador constitucional foi a melhor possível, já que dispôs sobre a assistência jurídica gratuita e integral, disciplinou que todos os cidadãos são iguais perante a lei, porém, a despeito da intenção do legislador constitucional, há vários empecilhos no sistema judiciário brasileiro que acabam por vedar o acesso à justiça, a exemplo da morosidade processual e da obrigatoriedade do recolhimento das custas judiciárias, o que faz com que as disposições trazidas pela Carta Maior, em muitas situações, tornem-se letra morta, pois, não basta assegurar o acesso ao judiciário, é necessário torná-lo concreto, justo e efetivo. ANOTAÇÕES COMPLEMENTARES 3.4. A qualidade do jurisdicionado: Basicamente pode-se classificar o jurisdicionado em quatro categorias: a) pessoas das classes sociais A e B dotadas de valores econômicos disponíveis; b) pessoas das classes C e D desprovidas, normalmente, de valores econômicos disponíveis; c) grandes empresas detentoras de monopólio ou poder econômico; d) médias e pequenas empresas, comerciantes ou prestadores de serviços, cujo poder econômico, normalmente, é superior ao de uma pessoa física. Quando confrontamos as possibilidades de litígios nos deparamos com certa desproporcionalidade entre as partes. Enquanto uma delas pode ser dotada de grande poder econômico disponível, a outra figura entre as classes sociais mais pobres. Imprescindível, na distribuição da justiça, o equilíbrio de forças, de modo de o Direito possa ser aplicado de maneira justa, igualitária e sem favorecimentos. Para tanto, imprescindível o Estado se valer de recursos que possam assegurar este equilíbrio. Para tanto, algumas legislações específicas protegem, favoravelmente, uma das partes envolvidas no conflito por ser considerada a mais fraca economicamente, como por exemplo o código de defesa do consumidor que contém normas de proteção aos consumidores. Também órgãos públicos são criados com o fim de previamente solucionar litígios, enquanto outros, dotados de mais apuradas técnicas e recursos, obtêm êxito jurídico quando confrontam entes dotados de poder econômico disponível, como por exemplo: PROCON, AGÊNCIAS REGULADORAS, DEFENSORIA PÚBLICA. Desse modo, muitos esforços legislativos e institucionais para obtenção do equilíbrio entre os litigantes por meio de leis protetivas, a distribuição de órgãos de acesso à justiça, a melhoria na estrutura do Poder Judiciário e demais órgãos são realizados para que o acesso à justiça se torne efetivo a todos. 3.5. O papel constitucional da Defensoria Pública na garantia do acesso a Justiça: Conforme prevê o art. 134 da Constituição Federal: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Aristóteles, na obra “A política”, analisando os elementos necessários à existência do Estado, salienta serem os conselhos e tribunais indispensáveis a ele. Nesse sentido, trazendo para os dias atuais a velha observação de Ovídio: “O tribunal está fechado para os pobres”, há que realçar o fato de que há acesso aos tribunais no Brasil, assim a máxima não é aplicável ao nosso caso, mas, de outro lado, há também o fato de os pobres ainda terem um acesso precário à Justiça, carecendo de recursos financeiros para contratar advogado, não sabendo, muitas vezes, nem mesmo como postular suas pretensões em juízo, a quem e como recorrer, havendo também um déficit de profissionais na defensoria pública brasileira. Desse modo, a Defensoria Pública é uma das instituições democráticas de maior importância para a inclusão dos pobres no acesso ao Poder Judiciário. De acordo com o estudo “3º Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil”, elaborado pelo Ministério da Justiça em 2009, houve em 2003 um total de 4.523.771 atendimentos realizados pelas defensorias públicas no Brasil; em 2005 esse número passou para 6.565.616; no ano seguinte foram 6.477.930 atendimentos; em 2007, 8.086.880 atendimentos e, finalmente, em 2008, houve o total de 9.656.161 atendimentos realizados. Verifica-se, assim, que, num período de cinco anos, o número de atendimentos realizados quase dobrou. Isso demonstra a importância da atuação da instituição Defensoria Pública no Brasil, sendo ela de fundamental importância para a consolidação do primado da dignidade da pessoa humana, previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição. No Brasil, há uma perversa confluência de fatores operando no sentido de dificultar o acesso à Justiça e à realização de direitos. Os obstáculos são de natureza econômica, educacional e cultural. Ademais, diferentemente do que se passou nos países de mais longa experiência democrática, para os quais a questão do acesso à Justiça dizia respeito, sobretudo, às minorias, entre nós é fundamentalmente um problema de garantia de acesso ao sistema de Justiça para a maioria da população. A inclusão dessa maioria não significa apenas poder contar com um profissional apto a postular em juízo, significa, antes de mais nada, conhecer e reclamar direitos e assim poder participar como sujeito na arena pública, ou seja, a efetivação de uma democracia radical. E esses são os papéis, por excelência, de uma Defensoria Pública com missão de liderar o processo de construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Nesses termos, o fortalecimento da Defensoria Pública é condição indispensável para que se efetive a igualdade legal e a realização de direitos, sendo uma imposição da própria democracia, uma vez que se trata de uma instituição com a atribuição de garantir a defesa dos direitos daqueles que por si sós não têm acesso aos tribunais. Consequentemente, a existência e o vigor da Defensoria Pública são exigências para o rompimento de importantes barreiras no acesso à Justiça e para a realização da isonomia democrática. ANOTAÇÕES COMPLEMENTARES 4. DA RELEVÂNCIA DE ALGUNS INSTITUTOS, INSTRUMENTOS JURÍDICA E POLÍTICA E CASOS DE ACESSO À JUSTIÇA: DE TUTELA A Constituição Federal de 1988 criou diversos institutos e instrumentos de legitimação do acesso à justiça EFETIVO, assim compreendido em sentido amplo. a) direito de petição aos órgãos públicos: art. 5º, inc. XXXIII e inc. XXXIV, CF “Todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. b) direito de ação: art. 5º, inc. XXXV “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. c) direito ao contraditório e a ampla defesa (duplo grau de jurisdição): art. 5º, inc. LV “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. d) direito de obter assistência jurídica integral (art. 5º, inc. LXXIV), de ser patrocinado por um advogado ou defensor público: art. 133 e art. 134 da CF: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. e) habeas corpus: art. 5º, inc. LXVIII, CF: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. f) mandado de segurança individual: art. 5º, inc. LXIX, CF “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica de atribuições do Poder Público”. g) mandado de segurança coletivos: art. 5º, inc. LXX, CF “O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados”. h) ação civil pública: Lei 7.347/85 “Disciplina a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valores artístico, histórico, turístico, paisagístico, à ordem urbanística, por infração a ordem econômica e da economia popular ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. “Têm legitimidade para propor a ação civil pública: I o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos um ano e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”. i) da ação direta de inconstitucionalidade: art. 103, CF Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional IX – Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional j) da ação popular: art. 5º, inc. LXXIII, CF “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. l) do habeas data: art. 5º, inc. LXXII, CF “Conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo m) o sufrágio universal (plebiscito, referendo): art. 14, CF “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: a) plebiscito; b) referendo; ---------------- n) os representantes legislativos na elaboração de leis dirigidas a uma justiça social, econômica e humanitária: art. 44 e art. 59, CF “O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”. “O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; VII - resoluções A respeito do sufrágio universal e dos representantes parlamentares, podemos afirmar que são formas indiretas de acesso à justiça, na medida em que assegurar ao cidadão o direito de exercer um juízo de valor e escolha sobre determinado tema de relevância nacional (plebiscito ou referendo), bem como o de escolher representantes, dos quais se espera, quando eleitos para o exercício do mandato parlamentar, a elaboração de leis justas, que atendam ao interesse da sociedade e favoreçam o povo. ANOTAÇÕES COMPLEMENTARES 4. O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA EM PROCESSO DE EVOLUÇÃO: Esforços contínuos são empregados para garantir aos indivíduos o acesso à justiça. Contudo, cuida-se de um processo em evolução, em marcha nem sempre acelerada. A seguir seguem algumas necessidades que o Estado deve suprir para o integral acesso à justiça, in literis: - aperfeiçoamento das técnicas de gerenciamento e administração de processos; - aperfeiçoamento de técnicas de gerenciamento e administração de recursos humanos; - capacitação e qualificação dos servidores públicos; - informatização da estrutura administrativa; - criação de uma ouvidoria geral independente para cada ente; - formação e qualificação continuada de membros do Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público e órgãos da Segurança Pública (Polícia Civil, Polícia Militar, Departamentos de Perícias) - ampliação da capacidade de atendimento das Defensorias Públicas, Poder Judiciário, Ministério Público por meio da instalação de varas judiciais, gabinetes e a contínua criação de cargos e realização de concursos públicos para provimento de cargos; - ampliação da estrutura de órgãos de conciliação além da esfera do Poder Judiciário; - ampliação da assistência judiciária integral; - rompimento do monopólio do Poder Judiciário como único mecanismo de pacificação social; - incentivo e fomentação de juízos arbitrais e de mediação para solução de litígios. ANOTAÇÕES COMPLEMENTARES BIBLIOGRAFIA ABREU, Pedro Manoel; Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, V2004. BEZERRA, Paulo César Santos, Acesso à justiça como um problema ético, social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. CAPELETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. CICHOKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Editora Juruá, 2000. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed.; Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. LARA, Rubens; Acesso à justiça: o princípio constitucional e a contribuição prestada pelas faculdades de direito. São Paulo: Método, 2003. LIMA FILHO, Francisco das Chagas. Acesso à justiça e os mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2003. 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