Professora: Lorena Braga Raposo Responsabilidade penal e capacidade civil Para que alguém possa ter capacidade penal e civil e, consequentemente, responder pelos seus atos, é necessário que apresente saúde mental e maturidade psíquica. penal – imputabilidade RESPONSABILIDADE civil – capacidade A imputabilidade penal implica ter o agente pleno discernimento dos seus atos ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. A possibilidade de responsabilização penal aparece como consequência dos atos praticados diante desse entendimento. A capacidade civil, por outro lado, pode ser definida como a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações por conta própria, sem a necessidade de representação legal. Prevê o art. 26 do Código Penal: Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento. E o Código Civil em seus arts. 3º e 4º determinam que: Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Note-se que o atual Código Civil alterou significativamente o Código de Civil de 1916, com relação ao absolutamente incapazes, suprimindo as expressões “loucos de todo o gênero”, “surdos-mudos” e “ausentes, declarados tais por atos do juiz”. No que toca aos relativamente incapazes, reduziu a maioridade civil para 18 anos e acrescentou “os ébrios habituais, viciados em tóxicos e excepcionais” como passíveis de semiresponsabilidade. LIMITADORES E MODIFICADORES DA CAPACIDADE CIVIL E IMPUTABILIDADE PENAL Vimos que o indivíduo pode ser considerado normal quando não é portador de qualquer das patologias mentais conhecidas e consegue conviver de forma harmônica na sociedade, tais como: DOENÇAS MENTAIS retardos mentais; epilepsias neuroses psicopatias psicoses (inclui a esquizofrenia) Com base nesse conceito é possível afirmar que será normal e, portanto, responsável toda pessoa que não apresentar limitadores ou modificadores da capacidade civil ou imputabilidade criminal. ETILISMO E LEI DE DROGAS Um estudo realizado na Suécia, acompanhou 15.117 indivíduos, do nascimento até os 30 anos. Foi avaliada a relação entre crime, doença mental e/ou retardo mental. Os achados apontaram que homens com transtorno mental maior tiveram 2,5 vezes mais chances de ter cometido um crime e 4 vezes mais chance de adotarem conduta violenta que os não portadores desta patologia. Já as mulheres com transtorno mental maior tiveram 5 vezes mais chance de cometimento de crime e 27 vezes de conduta violenta. Os índices para portadores de retardo foram de 3 vezes mais chance para delito e 5 vezes mais para conduta violenta em homens. As mulheres com retardo registraram 4 vezes mais chance de ocorrência na primeira situação e 25 vezes mais chance de conduta violenta. O valor mais alto, porém, é o encontrado entre os homens com diagnóstico de abuso/dependência de substância, onde a chance de cometimento de delito foi 20 vezes maior que a população sem diagnóstico psiquiátrico. Pesquisa realizada recentemente estudou a prevalência de doença mental na população de réus que cometeram diferentes delitos e foram submetidos a exame de Responsabilidade Penal, no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso (RS), o diagnóstico mais prevalente foi o de transtorno por uso de álcool ou outras substâncias, com índices de 60,1%. Estudos comparativos, realizados no período de 1900 a 1980, sobre a prevalência de morbidade psiquiátrica entre prisioneiros e na população em geral. Os achados indicaram que a população criminal apresenta níveis maiores de transtornos quando comparada com a população não prisional. Este excesso está baseado nos diagnósticos de dependência de álcool, dependência de drogas e transtorno de personalidade. Um estudo realizado em 2011 concluiu que entre uma população de 1.200 detidos a espera de juízo, 728 indivíduos apresentaram ao menos um diagnóstico psiquiátrico, sendo o abuso de substâncias e álcool o diagnóstico mais freqüente. Os fatores associados à enfermidade mental foram: baixo nível educacional, raça aborígine ou caucasiana, mais de cinco detenções prévias e história de avaliação forense anterior. Álcool e drogas entre homicidas e suas vítimas O número de homicídios é considerado como o melhor indicador internacional para dimensionar a violência em qualquer parte do planeta. Dados do censo do ano 2000, obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que as mortes por causas violentas naquele ano somaram 14,5% do total dos óbitos, sendo a terceira causa de mortalidade nacional.Também em 2000, os assassinatos representaram 38,3% dos óbitos por causas externas. Uma pesquisa realizada em condenados por homicídio em Pereira, na Colômbia, encontrou importante porcentagem de consumo de substâncias, ou seja, 35,9% dos homicidas estavam sob efeito de álcool, à época dos fatos, e 24% das vítimas haviam consumido alguma substância (73% álcool e 27% cocaína). Na cidade de Curitiba, foram estudados 130 processos de homicídio julgados nos Tribunais do Júri daquele Estado, e os resultados apontaram para 58,9% dos homicidas e 53,6% das vítimas sob efeito do álcool à época do delito. O ETILISMO EM UMA VISÃO JURÍDICA 1 . A embriaguez A legislação penal brasileira trata de modo diverso o uso de álcool e o de outras substâncias. A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, voluntária ou culposa, não exclui a imputabilidade penal (inciso II do artigo 28 do Código Penal). Os parágrafos desse artigo fazem duas exceções na responsabilidade: a) Se a embriaguez for completa, proveniente de caso fortuito ou força maior e retirar inteiramente, ao tempo da ação ou da omissão, a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (será inteiramente incapaz, havendo isenção de pena). b) Se a embriaguez for proveniente de caso fortuito ou força maior e diminuir, mas não abolir, ao tempo da ação ou da omissão, a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (não possuía a plena capacidade, redução facultativa de pena). Embriaguez acidental proveniente de caso fortuito é a que ocorre quando o agente ignora que se está inebriado, seja por desconhecer que a bebida é alcoólica, seja por acreditar tenha a mesma pequena gradação alcoólica, seja por potencialização de dose alcoólica inócua ou por trabalhar em engenhos de vapores alcoólicos, ou em cantinas por eles impregnados, etc. Embriaguez acidental proveniente de força maior é aquela desencadeada quando o indivíduo é forçado a ingerir bebidas alcoólicas. A embriaguez acidental fortuita ou por força maior, completa, exclui a imputabilidade; a embriaguez acidental fortuita ou por força maior, incompleta, não exclui a responsabilidade penal; todavia, por diminuir a capacidade de entendimento ou de querer do agente, motiva atenuação da pena. É necessário enfatizar que a embriaguez patológica constitui-se requisito biológico de irresponsabilidade penal e deve ser vislumbrada sob a ótica da perturbação da atividade mental, tendo em vista que estes indivíduos apresentam em verdade transtornos da consciência. A embriaguez patológica leva a exclusão da imputabilidade ou causa de diminuição de pena, conforme preceitua o art.26, parágrafo único do CP. É agravante legal a embriaguez preordenada para cometer crime (art.61, II, alínea l). Embriaguez preordenada é aquela que ocorre quando o indivíduo se intoxica deliberadamente pelo álcool objetivando criar coragem para cometer crimes. Evidentemente, é obrigatória a prova de tal insólito comportamento. Por fim, os ébrios habituais quando processados e a pretensão deduzida na denúncia exordial for procedente, o juiz proferirá sentença absolutória com fulcro no art.26 do CP e art. 386, V, do Código de Processo Penal, impondo-lhe, todavia, medidas de segurança, representadas por internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado(art. 96, I, do CP), por tempo indeterminado, enquanto não for esclarecida, mediante informe pericial, cessação da periculosidade(art.97, § 1º, do CP, e 386, § único, III, do CPP). Não é possível a permanência em presídio comum. 1.2. Síndrome de dependência A responsabilidade penal nos caso de delitos cometidos em razão de dependência de substância psicoativa só deve ser investigada nos casos de dependência física. Temos de reconhecer que a presença dos sintomas físicos de tal maneira compromete a intelecção e a volição que as capacidades de entendimento e de compreensão podem estar abolidas ou reduzidas. Embora o álcool cause dependência física, o seu abuso não é tratado na Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Assim, a solução psiquiátrico-forense para o caso de um delito cometido em razão da dependência de álcool, em nexo causal com a dependência e no qual se reconheça haver comprometimento, total ou parcial, das capacidades de entendimento ou de determinação, é considerar que se trata de "força maior", desde que tenha havido ocorrência de embriaguez, completa ou não. Caso não haja embriaguez, a dependência pode ser equiparada à perturbação da saúde mental ou à doença mental, ficando a conclusão pericial na dependência de um prudente estudo psicopatológico da situação. 1.4. Estado de abstinência Verificar se o delito: a) Foi praticado em razão de abstinência; b) possui nexo de causalidade com ela; c) as capacidades de entendimento ou de determinação foram abolidas ou reduzidas. O estado de abstinência com delirium, o transtorno psicótico, a síndrome amnéstica e o transtorno psicótico residual ou de instalação tardia não ensejam dúvidas: trata-se de verdadeira doença mental. 2. A actio libera in causa Essa expressão latina significa "ação livre em sua causa" e se aplica aos casos em que, embora ao tempo do delito houvesse algum tipo de exclusão ou de atenuação de culpabilidade, o autor estava ciente de que, ao adotar determinada conduta, estava assumindo o risco de cometê-lo. Assim, no caso do alcoolismo agudo, ainda que o agente, ao cometer o delito, estivesse em estado de completa embriaguez alcoólica - ou por outra substância psicoativa -, com obnubilação de consciência e turvação sensorial, seria responsável, já que, ao se colocar naquele estado, ingerindo bebida alcoólica, tinha ciência de que ocorreria embriaguez e de que, nesse estado, poderia cometer um ato reprovável. A LEI DE DROGAS NA PSICOPATOLOGIA FORENSE A Lei nº 11.343/2006 traz em seu bojo a possibilidade de inimputabilidade em consequência do uso de substâncias entorpecentes por parte do autor da prática de uma infração penal. Vamos analisar o art. 45: Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado. Analisando o artigo 45 do referido diploma legal pode ser entendido que é isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Observe que o referido artigo refere-se à prática de qualquer infração penal. O parágrafo único do referido artigo ainda expressa que quando o juiz for absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput do artigo estudado poderá determinar na sentença o seu encaminhamento do infrator para tratamento médico adequado. Vejamos os arts. 46 e 47: Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei. O artigo 46 ainda define causa de diminuição da pena do infrator de um terço a dois terços se por força de circunstâncias previstas no mencionado artigo 45, o cidadão infrator não possuía ao tempo da ação ou omissão a capacidade plena para entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Para melhor entendimento torna-se importante a leitura dos artigos em tela e ainda do artigo 47 que prescreve procedimento a ser adotado pelo juiz quando da sentença condenatória do réu. Com objetivo de ilustrar o assunto em pauta e melhor entende-lo observe importante decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais a seguir... APELAÇÃO - TRÁFICO DE DROGAS - DEPENDÊNCIA COMPROVAÇÃO - ABSOLVIÇÃO - DETERMINAÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO ESPECIALIZADO. Comprovada por perícia a dependência do acusado e sua incapacidade de autodeterminação em face da patologia, deve o réu ser absolvido da acusação de tráfico de drogas com encaminhamento para tratamento médico especializado, tudo na forma do art. 45 da Lei 11343/06.(TJMG. Proc.1.0702.08.421958-4/001 (1) Relator: Des. Alexandre Victor de Carvalho DJ 31/03/2009) Da imputabilidade penal no cp Imputar significa responsabilizar. O juízo de inimputabilidade atribui ao agente incapacidade para ser responsabilizado, logo o mesmo é “isento de pena”. A imputabilidade do agente pode ser excluída por três determinadas causas. São elas: • doença mental: desenvolvimento mental incompleto e desenvolvimento mental retardado, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de determinar o caráter ilícito do fato (conforme o que dispõe o art. 26); • menor de 18 anos (conforme o art. 27); • embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato (art. 28, § 1º). NÃO exclui a imputabilidade do agente (art. 28 do Código Penal): • • a emoção ou paixão; a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeito análogo; Os chamados “semi-imputavéis” são causa de DIMINUIÇÃO DE PENA de um a dois terços: • o agente, que em virtude de “perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto” não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, parágrafo único, do CP); • a embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía , ao tempo da ação ou omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 28, II, § 2º, do CP);