Pensamento Crítico Aula Teórica 4 – 7 X 2008 Falácias, modelos de argumentação e o método socrático Método Socrático • Método: etimologia do grego: de metá “atrás, em seguida, através” e hodós “caminho”; seguir um caminho. • Protocolo: conjunto de regras que torna possível a execução de um programa de modo eficiente e sem erros. Método Socrático • Descartes, Discurso do Método (1637) Prefácio a Dióptrica, Meteoros e Geometria. • “...formei um método que me parece ter dado a possibilidade de aumentar, gradualmente, o conhecimento…” RESOLUÇÃO • “…em vez do grande número de preceitos que constituem a lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, contanto que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de os observar.” EVIDÊNCIA • 1º “…nunca aceitar como verdadeira alguma coisa sem conhecer evidentemente como tal: isto é… não incluir nos nossos juízos senão o que se apresentasse tão clara e tão distintamente ao meu espírito que não tivesse nenhum ocasião para pôr em dúvida.” DIVIDIR • 2º “…dividir cada uma das dificuldades que eu havia de examinar em tantas parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor as resolver.” ORDEM • 3º “…conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objectos mais simples e mais fáceis de conhecer.” ENUMERAR • 4º “…fazer sempre enumerações tão íntegras e revisões tão gerais que tivesse a certeza de nada omitir.” MORAL PROVISÓRIA “…obedecer às leis e aos costumes do meu país conservando firmemente a religião na qual me deu a graça de ser instruído desde a infância e conduzindo-me em tudo o mais segundo as opiniões mais moderadas e mais afastadas do exagero…” PLATÃO, APOLOGIA DE SÓCRATES • “Isto, bem o sabeis, é o que o demónio me ordena…nada mais faço do que andar pelas ruas a persuadir-vos jovens ou velhos, a cuidardes mais da alma que do corpo e das riquezas, do modo a que vos torneis homens excelentes (virtuosos) …não cessarei de filosofar nem de vos exortar, mostrando-vos o caminho.” 29 d ACUSAÇÃO “Sócrates incorre em falta, excedendo-se a investigar as coisas que estão debaixo da terra e no céu e a fazer do argumento fraco o argumento forte, ensinando os outros a fazêlo como ele.” Apologia 19b DOUTA IGNORÂNCIA • “Uma vez Querefonte foi a Delfos perguntar ao oráculo se havia alguém mais sábio que eu. Em resposta, retorquiu-lhe a Pítia que ninguém era mais sábio.” 21 a • Pítia: sacerdotisa de Apolo que proferia oráculos em Delfos. DIÁLOGO SOCRÁTICO Interpretar os sinais divinos ou questionar as pessoas • Roma: auspícios “sinais de pássaros” – o voo, o canto… • Operações militares. Considerar a maneira de alimentar-se, precipitada ou lenta, das galinhas. • Eurípides, Íon. O casal consulta o oráculo de Delfos para saber se vai ter filhos. • Sófocles, Rei Édipo. A peste em Tebas e a profecia do oráculo: Édipo mataria o próprio pai e corromperia o leito da mãe. SÓCRATES E OS ESTADISTAS “Pois é possível que nenhum de nós saiba nada do que é bom e belo, mas, enquanto ele julga saber algo, eu, como nada sei, nada julgo saber. E nisto parece-me que sou um pouco mais sábio que ele, por não julgar saber as coisas que não sei.” 21 d SÓCRATES E OS POETAS “…não era por sabedoria que os poetas faziam o que faziam, mas por um dom da natureza ou por inspiração divina…mas nada sabem do que dizem.” 22 b SÓCRATES E OS ARTESÃOS “Eles sabiam daquilo que eu não sabia e nisso eram mais sábios que eu. Mas por praticarem bem a sua arte, cada um deles julgava ser o mais sábio noutros importantes assuntos e essa sua falta ocultava a sua sabedoria de tal modo, que perguntei a mim próprio se preferia ser como sou.” 22 d APELO À AUTORIDADE Stephen Downes, Guia das Falácias • Ainda que às vezes seja apropriado citar uma autoridade para suportar uma opinião, a maioria das vezes não o é. O apelo à autoridade é especialmente impróprio se: 1. A pessoa não está qualificada para ter uma opinião de perito no assunto. Exemplo: O famoso psicólogo Dr. Abdul recomenda-lhe que compre o último modelo de carro da Skoda. • 2. Não há acordo entre os peritos do campo em questão. Exemplo: O economista Francisco Louça defende que uma apertada política económica é a melhor cura para a recessão. (Apesar de Louça ser um perito, nem todos os economistas estão de acordo nesta questão.) • 3. A autoridade não pode, por algum motivo ser levada a sério — porque estava brincar, estava ébria ou por qualquer outro motivo. • Exemplo: Encaminhamo-nos para uma guerra nuclear. A semana passada Ronald Reagan disse que começaríamos a bombardear a Rússia em menos de cinco minutos. (Claro que o disse por piada ao testar o microfone.) ACUSAÇÃO CONTRA SÓCRATES • Impiedade • Corrupção dos jovens Aristófanes, As Nuvens (423) • Filho:- …para começar, vou pôr-te uma questão: quando eu era menino, tu costumavas bater-me? • Pai: - costumava sim, mas era para teu bem e interesse. • Filho: - Então diz-me cá: não é justo que para teu bem, eu te pague da mesma moeda e te bata, uma vez que querer bem é isso mesmo, bater? Em boa verdade, porque é que o teu corpo havia de estar isento de porrada e o meu não? E no entanto, eu cá também nasci livre, n’é? <<As crianças é que choram>> - dirás. Mas achas que um pai não deve chorar? Vais replicar-me que é da lei tratar assim as crianças; a isso poderei contrapor, como diz o provérbio, que <<os velhos são crianças duas vezes>>, e que, portanto, é mais natural chorarem os velhos que os novos, tanto mais quanto menos justificáveis são os seus erros. (As Nuvens, 1410- 1420) SÓCRATES E OS SOFISTAS Diálogo com Antifonte: Sócrates: - oh Antifonte! Acreditamos que a formosura e a sabedoria podem empregar-se igualmente tanto de maneira honesta como desonesta. Se uma mulher vende, por dinheiro, a sua beleza a quem a pede, chamar-se-á prostituta; e, do mesmo modo, aquele que vende a sua sabedoria, por dinheiro, a quem a procura, chamar-se-á, vale dizer “prostituto”. Ao contrário, se alguém ensina tudo de bom que sabe a quem julgue bastante disposto por natureza e se torne seu amigo, cremos que esse cumpre com o dever do bom cidadão.” Xenofonte, Ditos e Feitos de Sócrates, I, V. ANALOGIA • O termo analogia deriva do grego, em que significa proporção. A fórmula da analogia é a/b como c/d. Na proporção matemática a formula será a/b = c/d Definição geral: Analogia é a correlação entre os termos de dois ou vários sistemas ou ordens, ou seja, a existência de uma relação entre cada um dos termos de um sistema e cada um dos termos do outro. RACIOCÍNIO POR ANALOGIA • raciocínio através do qual se infere, de uma semelhança comprovada, uma semelhança não comprovada. • Numa analogia mostra-se, primeiro, que dois objectos, a e b, são semelhantes em algumas das suas propriedades, F, G, H. Conclui-se, depois, que como a tem a propriedade E, então b também deve ter a propriedade E. • Função heurística da analogia: Aproximar dois domínios heterogéneos, o primeiro (o tema da analogia) é esclarecido graças ao segundo (foro da analogia) “Quando uma criança mergulha o braço num vaso de embocadura estreita, para dele tirar figos e nozes, que lhe acontecerá se encher a mão? Não poderá retirá-la e chorará. “larga alguns (diz-se-lhe), e retirarás a tua mão”. Faz o mesmo para com os teus desejos. Não desejes mais que um pequeno número de coisas e obtê-las-ás” Epicteto, Conversas, III, 9. • Como avaliar os argumentos por analogia ? • O foro da analogia tem que ser, relevante, verdadeiro e mais claro que o tema. • Fraude: por exemplo, o fora da analogia releva de um domínio especializado da ciência. FALSA ANALOGIA • Numa analogia mostra-se, primeiro, que dois objectos, a e b, são semelhantes em algumas das suas propriedades, F, G, H. Conclui-se, depois, que como a tem a propriedade E, então b também deve ter a propriedade E. • A analogia falha quando os dois objectos, a e b, diferem de tal modo que isso possa afectar o facto de ambos terem a propriedade E. • Diz-se, neste caso, que a analogia não teve em conta diferenças relevantes. • Os empregados são como pregos. Temos de martelar a cabeça dos pregos para estes desempenharem a sua função. O mesmo deve acontece com os empregados. • O presidente americano George Bush argumentou uma vez que o papel do vicepresidente é o de apoiar as políticas do presidente, concordando ou não com elas, porque “ninguém quer meter golos na própria baliza.” • Administração = equipa de futebol • Obediência ao presidente = obediência ao treinador DEFINIÇÃO • O relativismo e a invenção do “o que é”. • • • • Diálogos socráticos: O que é a justiça? República O que é a coragem? Laques O que é a piedade? Eutífron • Usamos definições para tornar os nossos conceitos mais claros. O propósito da definição é enunciar com exactidão o significado de uma palavra / conceito. • Definição essencialista: seleccionar a característica comum que une o conjunto de coisas às quais uma palavra / conceito se aplica. • Definição ostensiva: exibir um exemplo. DEFINIÇÃO DEMASIADO LATA • A definição inclui mais do que devia incluir. Uma maçã é um objecto vermelho e redondo. (O planeta Marte é vermelho e redondo. Portanto está incluído na definição). DEFINIÇÃO DEMASIADO RESTRITA • A definição não inclui tudo o que deveria incluir. Um livro é pornográfico se e só se contiver fotografias de pessoas nuas. (Os livros escritos pelo Marquês de Sade não contêm fotografias. No entanto, são tidos como pornográficos.) DEFINIÇÃO POUCO CLARA • A definição é tão ou mais difícil de compreender do que o termo a definir. • Uma pessoa é dissoluta se e só se for lasciva. (Pretende-se definir o termo "dissoluta". Mas o significado do termo "dissoluta" é tão obscuro como o do termo "lasciva". Assim a definição falha o seu objectivo de clarificação.) DEFINIÇÃO CIRCULAR • A definição inclui o termo definido como parte da definição. Uma definição circular é um caso especial da falta de clareza. • Exemplo: Um livro é pornográfico se e só se contiver pornografia. (Teríamos já de saber o que é a pornografia para dizer se um livro é ou não pornográfico.) ANFIBOLOGIA • Uma anfibologia ocorre quando a construção da frase permite atribuir-lhe diferentes significados – ambiguidade. • No teu emprego todos gostam de um carro. Portanto, há um carro muito especial. (Todos gostam de um carro qualquer ou do mesmo carro?) • A douta ignorância e a ironia socrática • Ironia: Figura retórica por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender. Através do diálogo descobrir as fragilidades (contradições e ignorância) do (falso) saber Falácia: raciocínio falso que entretanto simula a veracidade. • Crítica: policiar as crenças. • Polícia: circulação de bens e pessoas. • São verdadeiras? Fundamentadas? Ultrapassam os limites? • Kant: conhecimento (verdade) pensamento (sentido) Ciência e religião • Crítica: circulação de crenças • Falácia = contrafacção FALSO DILEMA É dado um limitado número de opções (na maioria dos casos apenas duas), quando de facto há mais. O falso dilema é um uso ilegítimo do operador "ou". Pôr as questões ou opiniões em termos de "ou sim ou sopas" gera, com frequência (mas nem sempre), esta falácia. • Ou concordas comigo ou não. (Porque se pode concordar parcialmente.) • Reduz-te ao silêncio ou aceita o país que temos. (Porque uma pessoa tem o direito de denunciar o que entender.) • Ou votas no Silveira ou será a desgraça nacional. (Porque os outros candidatos podem não ser assim tão maus.) • Uma pessoa ou é boa ou é má. (Porque muitas pessoas são apenas parcialmente boas.) APELO À IGNORÂNCIA Os argumentos desta classe concluem que algo é verdadeiro por não se ter provado que é falso; ou conclui que algo é falso porque não se provou que é verdadeiro. (Isto é um caso especial do falso dilema, já que presume que todas as proposições têm de ser realmente conhecidas como verdadeiras ou falsas). • Os fantasmas existem! Já provaste que não existem? • Como os cientistas não podem provar que se vai dar uma guerra global, ela provavelmente não ocorrerá. DERRAPAGEM (BOLA DE NEVE) • Para mostrar que uma proposição, P, é inaceitável, extraem-se consequências inaceitáveis de P e consequências das consequências... O argumento é falacioso quando pelo menos um dos seus passos é falso ou duvidoso. Mas a falsidade de uma ou mais premissas é ocultada pelos vários passos "se... então..." que constituem o todo do argumento. • Se aprovamos leis contra as armas automáticas, não demorará muito até aprovarmos leis contra todas as armas, e então começaremos a restringir todos os nossos direitos. Acabaremos por viver num estado totalitário. Portanto não devemos banir as armas automáticas. PERGUNTA COMPLEXA • Dois tópicos sem relação, ou de relação duvidosa, são conjugados e tratados como uma única proposição. Pretende-se que o auditório aceite ou rejeite ambas quando, de facto, uma pode ser aceitável e a outra não. Trata-se de um uso abusivo do operador "e". • Apoias a liberdade e o direito de andar armado? APELO ÀS CONSEQUÊNCIAS • O argumentador, para “mostrar” que uma crença é falsa, aponta consequências desagradáveis que advirão da sua defesa. • Não podes aceitar que a teoria da evolução é verdadeira, porque se fosse verdadeira estaríamos ao nível dos macacos. • Deve-se acreditar em Deus, porque de outro modo a vida não teria sentido. (Talvez. Mas também é possível dizer que, como a vida não tem sentido, Deus não existe.) APELO A PRECONCEITOS • Termos carregados e emotivos são usados para ligar valores morais à crença na verdade da proposição. • Os portugueses bem intencionados estão de acordo em plebiscitar a pena de morte. • As pessoas razoáveis concordarão com a nossa política fiscal. • Os burocratas do parlamento resistem às leis de defesa do património APELO AO POVO • Com esta falácia sustenta-se que uma proposição é verdadeira por ser aceite como verdadeira por algum sector representativo da população. • Toda a gente sabe que a Terra é plana. Então por que razão insistes nas tuas excêntricas teorias? • As sondagens sugerem que os socialistas vão ter a maioria no parlamento, também deves votar neles. ATAQUES PESSOAIS (argumentum ad hominem) • Ataca-se a pessoa que apresentou um argumento e não o argumento que apresentou. • A falácia ad hominem assume muitas formas. Ataca, por exemplo, o carácter, a nacionalidade, a raça ou a religião da pessoa. • Em outros casos, a falácia sugere que a pessoa, por ter algo tem algo a ganhar com o argumento, é movida pelo interesse. • A pessoa pode ainda ser atacada por associação ou pelas suas companhias. • Podes dizer que Deus não existe mas estás apenas a seguir a moda. • É natural que o ministro diga que essa política fiscal é boa porque ele não será atingido por ela. • Podemos passar por alto as afirmações de Teixeira Pinto porque ele é patrocinado pela indústria da madeira. • Dizes que eu não devo beber, mas não estás sóbrio faz mais de um ano (tu quoque). GENERALIZAÇÃO PRECIPITADA • A amostra é demasiado limitada e é usada apenas para apoiar uma conclusão tendenciosa. • Zé, o alentejano, roubou a minha carteira. Portanto, os alentejanos são ladrões. • Perguntei a seis dos meus amigos o que eles pensavam das novas restrições ao consumo e eles concordaram em que se trata de uma boa ideia. Portanto as novas restrições são populares. FALÁCIA DO ACIDENTE • É aplicada a regra geral quando as circunstâncias sugerem que se deve aplicar uma excepção à regra. • A lei diz que não deves conduzir a mais de 50 Km/h. Portanto, mesmo que o teu pai não possa respirar, não deves passar dos 50 km/h. • É bom devolver as coisas que nos emprestaram. Portanto, deves devolver essa arma automática ao louco que te a emprestou. (Adaptado de Platão, A República, I). FALÁCIA INVERSA DO ACIDENTE • Aplica-se uma excepção à regra geral a casos em que se deve aplicar a regra geral. • Se deixarmos os doentes terminais usar haxixe, devemos deixar toda a gente usá-lo. PETIÇÃO DE PRINCÍPIO • A verdade da conclusão é pressuposta pelas premissas. Muitas vezes, a conclusão é apenas reafirmada nas premissas de uma forma ligeiramente diferente. Nos casos mais subtis, a premissa é uma consequência da conclusão. • Sabemos que Deus existe, porque a Bíblia o diz. E o que a Bíblia diz deve ser verdadeiro, dado que foi escrita por Deus e Deus não mente. ESPANTALHO • O argumentador, em vez de atacar o melhor argumento do seu opositor, ataca um argumento diferente, mais fraco ou tendenciosamente interpretado. • As pessoas que querem legalizar o aborto, querem prevenção irresponsável da gravidez. Mas nós queremos uma sexualidade responsável. Logo, o aborto não deve ser legalizado. • Devemos manter o recrutamento obrigatório. As pessoas não querem o fazer o serviço militar porque não lhes convém. Mas devem reconhecer que há coisas mais importantes do que a conveniência. • Stephen Downes, Guia das Falácias in http://criticanarede.com/