Pequena introdução à obra de Iannis Xenakis Henrique Iwao graduação em música modalidade composição IA Unicamp 1. Iannis Xenakis e a música grega antiga “O conceito pitagórico dos números dizia que as coisas são números, ou que as coisas continham números , ou que as coisas são similares a números. Essa tese (e isso em particular interessa ao músico) desenvolveu-se a partir do estudo dos intervalos musicais para obtenção da catarse órfica, porque, de acordo com Aristoxenos, os pitagóricos usavam a música para purificar a alma assim como a medicina para purificar o corpo” [1] “(...) Nós somos todos pitagóricos.” [1] Pitagóricos Música grega Música bizantina Canto gregoriano ... ... Xenakis Gregorio Panigua - Anakrousis (contemporânea) Dhipli Zyia (1952) Procession aux Eaux Claires (1953) Concret Ph (1958) Premier Hymne Delphique (c.138 A.C.) Les Emenides (1966) Jonchaies (1977) Tracées (1987) Aristophane - Aeonaoi Nefelai (450-385 A.C.) Gendy3 (1991) A la Memoire de Witold Lutolawski (1994) Mésomède de Crète - Hymne à la Muse (c.130 D.C.) 2. Análise macro-composicional de Achorripsis. Achorripsis, grego para “jatos sonoros”, foi composta em 1957. Xenakis coloca o seguinte problema: supondo que M pontos possam aparecer com a única condição de que eles obedeçam a uma lei aleatória sem memória (isto é, cujo resultado observado até um instante dado não influencia os resultados futuros). Admitindo que existem poucos pontos distribuídos num plano - superfície (baixa densidade), a lei (variável aleatória com distribuição) de Poisson é aplicável. Usando essa lei, diz Xenakis, é possível obter um máximo de assimetria com um mínimo de regras. Fases fundamentais de uma obra musical segundo o capítulo I do livro “Formalized music: thought and mathematics in composition”, de Iannis Xenakis: 1. concepções iniciais (intuição). 2. definição de entidades sônicas (material sonoro). 3. definição das transformações (macrocomposição). 4. micro-composição. 5. seqüenciamento (esquema da obra como um todo). 6. implementação de cálculos e correções. 7. resultado simbólico final (notação musical). 8. realização sônica (execução da obra). O esquema macro-composicional de Achorripsis. Hipóteses iniciais: “1. Num determinado espaço existem homens e instrumentos musicais. 2. Há meios de contato entre esses homens e os instrumentos que permitem a emissão de eventos sônicos raros*” [2] *isto é: fragmentos melódicos, células musicais, aglomerações, etc, também controlados por leis aleatórias, sob a condição de que eles não ocorrem freqüentemente (com freqüência alta) durante a música (eventos sonoros esparsos no tempo). As variáveis da matriz de vetores (esquema de macro-composição): 1. A Variável Aleatória de Poisson. 2. O parâmetro (média*) λ. 3. O número de células, colunas e linhas. * a média é o valor esperado da função, mas não necessariamente o que mais ocorre. Ela é entendida como centro de massa – gravidade; isto é, ponto de equilíbrio da variável aleatória. Exemplo: espera-se que, para um jogo de cara ou coroa, cara valendo 0 e coroa valendo 1, o resultado seja 0.5, ou seja, a média desse jogo é 0.5 (e no entanto 0.5 não é cara nem coroa: não é nem um resultado possível de uma jogada!). Colunas: intervalos de tempo (cada uma com 6.5 tempos). Linhas: tipos de eventos sonoros. Matriz com 28 colunas e 7 linhas; 28x7 = 196 células. X~Poi(λ) P(X=k) = λke-k/k! λ = 0.6 eventos/célula. k = 0; 1; 2; 3; 4; 5. e = 2,71828… 5! = 5x4x3x2x1. 0! = 1. Poisson é usada para estimar número de eventos em determinada quantidade de tempo, especialmente quando a ocorrência desses eventos é rara (de freqüência baixa). Xenakis calcula então a probabilidade de que exista, em uma determinada célula, um evento sonoro com densidade 0, 1, 2, 3, 4 ou 5. Ele despreza a possibilidade de valores acima de 5 porque tem probabilidade muito baixa. Resultados: k=0 P(X=0) = 0.5488 k=1 p1 = 0.3293 k=2 p2 = 0.0988 k=3 p3 = 0.0198 k=4 p4 = 0.0030 k=5 p5 = 0.0004 Problema: Na década de 90 a simulação de variáveis aleatórias é bastante utilizada, isto é, hoje em dia podemos simular para as 196 células quais seriam suas densidades sonoras; o resultado da simulação seria aproximadamente proporcional aos valores das probabilidades obtidos acima. Mas Xenakis escreveu a peça em 1957! Assim foi obrigado a utilizar os valores das probabilidades como se fossem proporções fixas, isto é, teve de multiplicar cada valor de probabilidade por 196. Distribuição de Poisson λ = 0,6 Probabilidade 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 p0 p1 p2 p3 p4 Evento com densidade sonora n p5 Número de células com densidade k: n0 = 0.5488x196 = 107 células com densidade 0 n1 = 0.3293x196 = 65 n2 = 0.0988x196 = 19 n3 = 0.0198x196 = 4 n4 = 0.0030x196 = 1 n5 = 0.0004x196 = 0 Para que sua peça fosse assimétrica, Xenakis deveria arrumar um jeito de tornar a disposição dos eventos sonoros (cada um com uma densidades específica) na matriz parecida com o que hoje seria o resultado de uma simulação computacional. Ou seja, a distribuição de Poisson não deveria ser usada meramente como geradora de proporções de eventos e densidades relacionadas. Xenakis resolve então reaplicar a distribuição de Poisson para as colunas e as linhas. Se existem 28 colunas e m células com densidade k, então a média de células com densidade k por coluna é igual a λk = m/28. É necessário reaplicar a distribuição de Poisson para cada uma das 5 densidades possíveis de eventos sonoros. Ex: λ1 = 65/28 = 2,32. A probabilidade de que existam k eventos de densidade sonora 1 numa coluna é então calculada. Multiplicando o resultado por 28 temos que 3 colunas não tem evento com densidade 1, 6 colunas tem um evento com densidade 1, 7 colunas tem dois eventos de densidade 1 cada, etc... E assim temos mais cálculos! Se existem 7 linhas e m células com densidade k, então a média de células com densidade k por coluna é igual a λk = m/7. É necessário reaplicar a distribuição de Poisson para cada uma das 5 densidades possíveis de eventos sonoros. Ex: λ1 = 65/7 = 9,3. A probabilidade de que existam k eventos de densidade sonora 1 numa linha é então calculada. Multiplicando o resultado por 7 temos que 0,57 linhas tem 0 eventos de densidade 1, 0,76 linhas tem 1 evento de densidade 1, 0,89 linhas tem dois eventos de densidade 1, etc... Aqui é interessante notar que os arredondamentos desses valores são feitos de maneira totalmente arbitrária por Xenakis. O jogo. Agora Xenakis deve seguir sua rede de proporções... Ex: para eventos com densidade 3; 4 linhas não os têm, 2 linhas têm um evento, 1 linha tem dois eventos. 24 colunas não os têm, 3 colunas têm 1 evento. Mas o quanto isso é distante dos resultados obtidos através de uma simulação computacional? E quando é melhor usar um cálculo proporcional ao invés de uma simulação? (temos sempre que considerar a quantidade de eventos sonoros...) Xenakis não segue rigorosamente os valores por ele obtidos através dos cálculos... (além de interferir nos arredondamentos) 1. “Os valores colocados na matriz não são sempre rigorosamente definidos. Dada uma média λ, eles dependem do número de linhas e colunas da matriz.Quanto maior o número de linhas e colunas, mais rigorosa será a definição. Essa é a Lei dos Grandes Números*”. 2. Certas indeterminações permitem maior liberdade artística, uma das portas que se abrem ao subjetivismo do compositor. * na verdade, esse não é o enunciado da Lei dos Grandes Números; ocorre que, para uma matriz com mais células, são necessários menos arredondamentos nos cálculos, o que torna os resultados mais rigorosos e livres de intervenção humana. No infinito... Mais importante que explicar a Lei dos Grandes Números é perceber como Xenakis utiliza os valores de probabilidade que ele recebeu e os transforma em proporções. De fato, no infinito os valores de probabilidade se estabilizam em valores fixos; por exemplo, se fosse possível jogar uma moeda balanceada infinitas vezes teríamos a certeza de que metade dos resultados seria cara e metade seria coroa... Em todo experimento real só podemos observar finitos valores assumidos por nossa variável aleatória. Quanto maior o número de observações, mais podemos dizer sobre sua natureza, e menos desvios (valores estranhos) ao nosso modelo probabilístico (uma distribuição, por exemplo) teremos. Quanto nós críamos sons podemos querer que esses desvios se manifestem mais ou menos! A Matriz – Esquema Macro-composicional. 3. Bibliografia. [1] XENAKIS, I. Formalized Music: thought and mathematics in composition. New York, Pendragon Press, 1992 (pag. 202) [2] XENAKIS, I. Formalized Music: thought and mathematics in composition. New York, Pendragon Press, 1992 (pag. 24) [3] PANIAGUA, G. "Ancient Greek Music - notas de programa do CD Musique de la GRÈCE ANTIQUE“. Harmonia Mundi, 2000. [4] ARSENAULT, L. "Iannis Xenakis’s Achorripsis: the Matrix Game” Computer Music Journal, M.I.T. Press, Cambridge, 26:1, (58,72), 2002. [5] CHILDS, E. “Achorripsis: a sonification of probability distributions” Proceedings of the 2002 International Conference on Auditory Display, Kyoto, Japan, July 2-5, 2002. [6] MOOD, A.; GRAYBILL,F.; BOES, D. Introduction to the theory os statistics. New York. McGraw-Hill inc. 1974.