Teoria da Reestruturação
Raimundo José Macário Costa
Disciplina: Representação do Conhecimento
Professora: Dra. Adriana Benevides
Fonte: Pozo, Juan Ignacio. Teorias Cognitivas da
Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. Cap. 7 e 8
DA ASSOCIAÇÃO À REESTRUTURAÇÃO:
O PARADOXO DA APRENDIZAGEM
 O processamento de informação, embora seja a tendência dominante
na psicologia cognitiva, não esgota todas as possibilidades do enfoque
cognitivo. De fato, podemos falar legitimamente da existência de duas
diferentes tradições cognitivas. Uma, a dominante, de natureza
mecanicista e associacionista, representada atualmente pelo
processamento de informação. A outra, de caráter organicista e
estruturalista, remonta à psicologia européia de entre-guerras, quando
autores como Piaget, Vygotsky, Bartlett ou a escola da Gestalt
propõem, no auge do condutismo na outra margem do Atlântico, uma
concepção do sujeito humano radicalmente anti-associacionista.
 Talvez, a diferença essencial entre o processamento de informação e o
estruturalismo cognitivo resida na unidade básica da análise da qual
partem. Enquanto o processamento de informação é elementista e parte
de unidades mínimas, considerando que uma totalidade pode ser
decomposta em suas partes (por exemplo, um conceito é uma lista de
aspectos), o outro enfoque cognitivo parte de “unidades mais molares,
nas quais o todo não é simplesmente a soma de seus componentes.
 Vygotsky (1934), um dos mais lúcidos defensores de um enfoque
molar em psicologia, considera que tal enfoque deve basear-se no que
ele denomina análise por unidades, onde as unidades seriam “um
produto da análise que, contrariamente aos elementos, contém todas as
propriedades básicas da totalidade e não pode ser dividido sem que se
perca” (Vygotsky, 1934, p. 25 da trad. cast.).
 O estudo da formação de conceitos a partir dessas unidades ou
globalidades pressupõe a rejeição da idéia — comumente aceita por
todas as teorias revisadas nos capítulos anteriores — de que os
conceitos ficam definidos pelas características ou atributos que os
definem.
 Em outras palavras, implica passar do estudo dos procedimentos de
identificação de um conceito ao estudo do seu núcleo (Miller e
Johnson-Laird, 1976), e remete às diferentes dicotomias surgidas
recentemente no estudo das representações conceituais (por exemplo,
Neisser, 1987a; Scholnick, 1983). Definitivamente, a passagem do
associacionismo ao estruturalismo pressupõe ultrapassar a pesquisa da
identificação de conceitos e ocupar-se também de sua aquisição ou
formação.
 Ao admitir que os conceitos não são simples listas de características
acumuladas, mas que fazem parte de teorias ou estruturas mais amplas,
a aprendizagem de conceitos seria, principalmente, o processo pelo
qual essas estruturas se transformam. Portanto, o processo fundamental
de aprendizagem seria a reestruturação das teorias das quais fazem
parte os conceitos. Já que as teorias ou estruturas de conhecimento
podem diferir entre si em sua organização interna, a reestruturação é
um processo de troca qualitativa, e não simplesmente quantitativa.
Tabela 7.1. Diferenças entre as teorias associacionistas
(enfoque baseado na similitude) e organicistas (enfoque baseado nas teorias)
da aprendizagem de conceitos, segundo Murphy (1985).
ASPECTO DA TEORIA
CONCEITUAL
ENFOQUE BASEADO
NA SIMILITUDE
ENFOQUE BASEADO NA
TEORIA
Representação de
conceitos
Estrutura de similitude,
lista de atributos, atributos
correlacionados
Atributos correlatos
mais princípios que determinam
que correlaçôes são detectadas
Definição de categorias
Várias medidas da similitude
e soma de atributos
Um princípio explicativo comum
aos membros da categoria
Unidades de análise
Atributos
Atributos mais relações entre
atributos e conceitos
explicitamente representados
Base de categorização
Emparelhamento de atributos
Emparelhamento mais processos
inferenciais proporcionados
pelos princípios subjacentes
Ponderação dos atributos
Validade e relevância de
atributos
Determinado, em parte pela
importância, nos princípios
subjacentes
Estrutura interconceitual
Hierarquia baseada em atributos
compartilhados
Rede formada por relações
causais e explicativas, assim como
aquelas propriedades
compartilhadas que se
considerem relevantes
Desenvolvimento conceitual Incremento de características
Mudar a organização e as
explicações dos conceitos como
resultado do conhecimento sobre
o mundo
 Porém, a diferença fundamental entre ambos os enfoques, ao abordar a
aprendizagem de conceitos, reside na postura construtivista que
adotam. Vimos anteriormente que o associacionismo computacional
parte de um construtivismo “estático” que, respeitando o princípio de
correspondência entre as representações e o mundo, assume que o
sujeito interpreta a realidade a partir de seus conhecimentos anteriores.
Em troca, as teorias da reestruturação assumem, além disso, um
construtivismo dinâmico pelo qual não somente se construíam
interpretações da realidade a partir dos conhecimentos anteriores, mas
que também se construíam esses mesmos conhecimentos sob a forma
de teorias.
 A diferença entre o construtivismo estático e o dinâmico remete, em
último caso, à própria natureza mecanicista e organicista dos dois
enfoques. Enquanto os mecanismos são estáveis e somente se
modificam por intervenção exterior, os organismos são, por definição,
seres mutáveis, criaturas que não se banham duas vezes no mesmo rio,
nem conhecem duas vezes utilizando o mesmo conceito.
 Se aprender é reestruturar as próprias teorias ou estruturas
cognitivas, dentro da psicologia construtivista na qual nos
movimentamos, a reestruturação seria o processo pelo qual de uma
estrutura mais simples surge outra mais complexa.
 A partir desse ponto, o autor se ocupa fundamentalmente do que
anteriormente denominou a psicologia européia de entre-guerras,
com a exposição das concepções sobre a aprendizagem na
psicologia da Gestalt, a teoria da equilibração de Piaget e as posturas
de Vygotsky a respeito da aprendizagem de conceitos. Por último,
uma teoria mais recente, orientada para a instrução, a teoria da
aprendizagem assimilativa de Ausubel.
A GESTALT: APRENDIZAGEM POR INSIGHT
 As idéias que precedem a obra da Gestalt são totalmente opostas aos
princípios do associacionismo. Tais idéias poderiam definir-se como
antiatomistas (na medida em que rejeitam a concepção do
conhecimento como uma soma de partes preexistentes) e estruturalistas
(ou antiassociacionistas, já que concebem que a unidade mínima de
análise é a estrutura ou a globalidade).
 Para a Gestalt, a psicologia deve estudar o significado, e este não é
divisível em elementos mais simples. Por isso, as unidades de análise
devem ser totalidades significativas, ou gestalten.
PENSAMENTO PRODUTIVO E REPRODUTIVO
 Esta insistência na importância da Gestalt, ou estrutura global dos fatos e
dos conhecimentos, fez com que se concedesse maior importância à
compreensão do que a simples acumulação de conhecimentos. A esse
respeito, Wertheimer (1945) distinguia entre pensamento reprodutivo e
pensamento produtivo. O pensamento reprodutivo seria aquele que
consiste simplesmente em aplicar habilidades ou conhecimentos
previamente adquiridos a situações novas.
 Assim, por exemplo, todos aprendemos a aplicar de maneira reprodutiva
a equação do “binômio de Newton” para achar o quadrado de uma soma:
(a+b)2(a2+b2+2ab).
 No entanto, o pensamento produtivo seria aquele que implicaria o
descobrimento de uma nova organização perceptiva ou conceitual com
relação a um problema, uma compreensão real do mesmo (como
compreender o “binômio de Newton” a partir de uma figura).
b
a
a
axb
a2
b
b2
axb
(c)
(c)
Figura 7.2. Representação geométrica do quadrado de uma soma (a+b)2, que facilita uma
aprendizagem produtiva do binômio de Newton, assim como sua generalização a outros problemas
(a+b +c)2
 Segundo Wertheimer (1945), o fundamental para obtermos uma
solução produtiva para um problema e compreendê-lo realmente, é
preciso captar os aspectos estruturais da situação, além dos
elementos que a compõem.
 Enquanto o enfoque associacionista estudava a realidade — e com
ela o funcionamento psicológico — dividindo-a em partes que se
uniam entre si de maneira arbitrária, sem atender à estrutura geral, a
Gestalt vai inverter as relações entre a estrutura e as partes
componentes.
 A solução de problemas e a aprendizagem não seriam obtidas pela
associação de elementos próximos entre si, mas da compreensão da
estrutura global das situações. Era, portanto, necessário determinar
os processos mediantes os quais se consegue captar tal estrutura.
REESTRUTURAÇÃO POR INSIGHT
 Algumas das pesquisas dos autores da Gestalt consistiam em
situações de aprendizagem que, em termos gerais, demonstravam a
superioridade da aprendizagem por compreensão ou reestruturação
sobre a simples aprendizagem mnemônica ou associativa (por
exemplo, Katona, 1940).
 Uma importante conseqüência é que, no enfoque gestaltista, o
sujeito aprende reinterpretando seus fracassos e não somente por
meio do êxito, se bem que também possa aprender do êxito se for
capaz de compreender as razões estruturais que o tornaram possível.
EXPERIÊNCIA PRÉVIA E INSIGHT
 Segundo Wertheimer (1945), a compreensão de um problema está
vinculada a uma tomada de consciência de seus aspectos
estruturais. Uma nova estrutura surge quando se consegue
desequilibrar a estrutura anterior (Burton e Burton, 1978).
 Ainda que segundo algumas interpretações simplificadoras, o
insight seria um processo repentino ou imediato, alguns gestaltistas
admitem que pode exigir previamente um longo período de
preparação.
 Em termos gerais, quando um problema ou tarefa tem várias
estruturas possíveis e alguma delas resulta mais imediata ou fácil de
perceber para o sujeito, a reestruturação se mostrará mais difícil.
Igualmente, quando na solução de uma tarefa entra em jogo
interesses ou motivações pessoais, a mudança para uma estrutura
diferente da situação será obstaculizada (Wertheimer, 1945). Em
ambas as situações a rigidez funcional ou a resistência à
reestruturação da tarefa impediram sua correta solução e, portanto, a
aprendizagem produtiva.
 A posição da Gestalt a respeito é clara: “todos os efeitos exercidos
pela aprendizagem sobre a experiência subseqüente constituem pósefeitos da organização prévia. Se a aprendizagem ... equivale à
associação, e se é que estamos certos, a associação é um pós-efeito
da organização” (Kõhler, 1929, p. 227 da trad. cast.).
 De fato, não é por acaso que a Gestalt defende o caráter inato das
leis da percepção e da organização do conhecimento.
AS CONDIÇÕES DO INSIGHT
 De fato, as criticas mais importantes à Gestalt têm a ver com o
conceito de insight. Por um lado, existem sérias dúvidas de que
determinados tipos de conhecimento (por exemplo, uma língua
estrangeira ou as habilidades de ler e escrever) possam ser
adquiridos mediante o insight (Gagne, 1965). Porém, ainda que
fosse assim, a própria noção de compreensão súbita é, pelo menos,
ambígua, como indica o próprio Vygotsky (1934).
 Não parece que a eliminação da consciência tenha sido um dos
propósitos dos esforços da Gestalt, mas, pelo contrário, podemos
considerar que uma de suas contribuições mais relevantes é
justamente a recuperação da consciência para o estudo da
aprendizagem, ainda que de maneira imprecisa.
 Ainda que historicamente a Gestalt tenha cedido diante da pressão do
condutismo, suas idéias conservam boa parte de seu vigor original. Em
inúmeras ocasiões se tem anunciado a morte da Gestalt como
movimento. Porém, como indica Henle (1985), um morto que é
enterrado com tanta freqüência deve possuir uma estranha vitalidade.
 Porém, além das idéias gerais para a elaboração de um novo enfoque
na psicologia da aprendizagem, a Gestalt contribuiu, com alguns
conceitos que, mesmo que em sua formulação inicial possam ser
vagos ou pouco operacionais, lembram alguns dos conceitos nucleares
de uma teoria da aprendizagem alternativa ao associacionismo.
 Assim, diferenciam entre pensamento reprodutivo e produtivo e, em
conseqüência, entre aprendizagem mnemônica e compreensiva, sendo
esta última produto do insight, ou reestruturação súbita do problema.
Além disso, na Gestalt, essa reestruturação fica vinculada ao conceito
de equilíbrio. Esta mesma idéia será desenvolvida por Piaget.
A TEORIA DA EQUILIBRAÇÃO DE PIAGET
 Piaget (1959) distinguia entre “aprendizagem no sentido estrito”, pelo
qual se adquire no meio informação específica, e “aprendizagem no
sentido amplo”, que consistiria no progresso das estruturas cognitivas
por processos de equilibração.
 Piaget considera que o primeiro tipo de aprendizagem, representado
pelo condicionamento clássico e operante (Piaget, 1970), encontra-se
subordinado ao segundo ou, dito de outra maneira, que a
aprendizagem de conhecimentos específicos depende completamente
do desenvolvimento de estruturas cognitivas gerais, que ele formaliza
em termos lógicos (Piaget, 1970; Flavell, 1963, 1977).
 Essa posição de Piaget a respeito das relações entre aprendizagem e
desenvolvimento leva-o a negar qualquer valor explicativo à
aprendizagem por associação, já que, segundo ele, “para apresentar
uma noção adequada da aprendizagem, é preciso primeiro explicar
como procede o sujeito para construir e inventar, não simplesmente
como repete e copia” (Piaget, 1970, p. 27 da trad. cast.).
ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO
 Como enfatiza Flavell (1977, 1985), a teoria piagetiana do
conhecimento, baseada em uma tendência ao equilíbrio cada vez
maior entre os processos de assimilação e de acomodação, tem como
objetivo explicar não somente como conhecemos o mundo em
determinado momento, mas também como muda nosso conhecimento
a respeito do mundo.
 Para ilustrar o processo de assimilação, tomemos um exemplo
sugerido por Flavell (1977, 1985), que constitui, além disso, uma
adequada metáfora de toda a teoria piagetiana do conhecimento.
 Posso acreditar que esta caneta é um avião e que a garota de meus
sonhos afinal se interessa por mim, porém finalmente a caneta cairá
no chão e estragará sua ponta e a garota somente estará buscando
meus apontamentos.
 Se unicamente existisse a assimilação, grande parte de nosso
conhecimento seria fantástico e levariam a contínuos equívocos. É
necessário, portanto, um processo complementar, ao qual Piaget
denomina acomodação.
 Piaget (1970, p. 19) assim define a acomodação : “Chamaremos
acomodação a qualquer modificação de um esquema assimilador ou
de uma estrutura, modificação causada pelos elementos que
assimilam”.
 A acomodação pressupõe não somente uma modificação dos
esquemas prévios em função da informação assimilada, mas também
uma nova assimilação, ou reinterpretação dos dados ou
conhecimentos anteriores em função dos novos esquemas
construídos.
 Como se pode ver, ambos os processos, a assimilação e a
acomodação, necessariamente se vinculam: “não existe assimilação
sem acomodação, mas... a acomodação também não existe sem uma
assimilação simultânea” (Piaget, 1970, p. 19 da trad. cast.).
 Piaget elaborou, ao longo de sua obra, vários modelos do
funcionamento desse processo de equilibração. No último modelo
(Piaget, 1975; Coll, 1983; Haroutounian, 1983; Vuyk, 1980) sustenta
que o equilíbrio entre assimilação e acomodação se produz — e se
rompe — em três níveis de complexidade crescente:
 1) No primeiro nível, os esquemas que o sujeito possui devem estar em
equilíbrio com os esquemas que assimila. Assim, quando a “conduta” de um
objeto — um objeto pesado que flutua — não se ajusta às predições do
sujeito, se produz um desequilíbrio entre seus esquemas de conhecimento
— é o peso absoluto o que determina a flutuação dos corpos (Carretero,
1984) — e os fatos que assimila.
 2) Neste segundo nível, deve existir um equilíbrio entre os diversos
esquemas do sujeito, que se devem assimilar e acomodar reciprocamente.
Caso contrário, produz-se um “conflito cognitivo” ou desequilíbrio entre os
dois esquemas. Assim acontece, por exemplo, com os sujeitos que pensam
que a força da gravidade é a mesma para todos os corpos e, no entanto, que
os objetos mais pesados caiam mais rapidamente (Pozo, l987a, l987c).
 3) Por último, o nível superior de equilíbrio consiste na integração
hierárquica de esquemas previamente diferenciados. Assim, por exemplo,
quando o sujeito adquire o conceito de força, deve relacioná-lo a outros
conceitos que já possui (massa, movimento, energia) integrando-o em uma
nova estrutura de conceitos (Pozo, l987a; West e Pines, 1985). Neste caso, a
acomodação de um esquema produz mudanças no restante dos esquemas
assimiladores. Se isso não ocorresse, produzir-se-iam contínuos
desequilíbrios ou conflitos entre esses esquemas.
 Esses três níveis de equilíbrio estão — também eles —
hierarquicamente integrados. Um desequilíbrio no terceiro nível
acabará produzindo conflitos no segundo nível (contradições entre
afirmações sucessivas do sujeito) e no primeiro nível (predições
errôneas).
 Porém, nos três casos, os desequilíbrios mostram a insuficiência dos
esquemas disponíveis para assimilar a informação apresentada e,
portanto, a necessidade de acomodar tais esquemas para recuperar o
equilíbrio. Como é que se superam tais desequilíbrios?
RESPOSTA AOS CONFLITOS COGNITIVOS:
A TOMADA DE CONSCIÊNCIA
 Segundo Piaget (1975), haveria dois tipos globais de resposta às
perturbações ou estados de desequilíbrio. As respostas não
adaptativas estariam representadas na ausência de tomada de
consciência do conflito existente, isto é, em não levar a perturbação
a um estágio de contradição. É óbvio que, ao não conceber a
situação como sendo conflitiva, o sujeito não fará nada para
modificar seus esquemas. Nesse sentido, a resposta não é adaptada,
já que não produz nenhuma acomodação e, portanto, nenhuma
aprendizagem, não ajudando em absoluto a superar o conflito
latente entre os esquemas e os objetos assimilados.
 Existe uma interação complexa entre o conjunto de esquemas de
assimilação e a realidade assimilada. Dessa interação surge a
reestruturação. No caso de Piaget, são especificados com maior
detalhe que no de Lakatos os processos pelos quais se modifica uma
teoria ou um conjunto de esquemas.
 Entre os estudos sobre aprendizagem realizados pela escola de
Genebra, um dos mais influentes, juntamente com a obra mais
completa de Inhelder, Sinclair e Bovet (1974), é sem dúvida uma
elegante pesquisa realizada por Karmioff-Smith e Inhelder (1975) e
publicada com um título muito indicativo e sugestivo: “Se queres
avançar, constrói uma teoria”. Esse estudo, complementar, de certa
maneira, ao citado volume sobre Aprendizagem e estruturas do
conhecimento, baseou-se em um trabalho experimental em relação à
“atividade espontânea” de crianças de 4 a 9 anos. Utilizando um
método microgenético, isto é, de exposição repetida do sujeito à
mesma tarefa, Karmiloff-Smith e Inhelder (1975) pesquisaram
como as crianças aprendiam a equilibrar blocos.
 Porém, quais são os desencadeantes desse processo? Quais são os
requisitos da reestruturação? Segundo Karmiloff-Smith e Inhelder
(1975), as crianças chegam a modificar, e em seu caso de estudo a
abandonar, a teoria do centro geométrico devido à confluência de três
fatores: a regularidade dos contra-exemplos, seu processo cognitivo
geral e a integração de informação proprioceptiva.
 Segundo as autoras, fiéis às idéias piagetianas a respeito das relações
entre aprendizagem e desenvolvimento, isso somente será possível
quando as crianças alcançarem a conservação do peso como parte dos
êxitos intelectuais próprios do estágio das operações concretas.
 Vemos, portanto, que, tal como indicávamos ao começo da exposição
desta pesquisa, as contradições são uma condição necessária, porém
não suficiente, da reestruturação. Porém, além disso, comprovamos
que é produto da “regularidade dos contra-exemplos”. A acumulação
de contra-exemplos e, portanto, a prática, parecia desempenhar
alguma função no progresso cognitivo.
OS DESEQUILÍBRIOS DA TEORIA DA EQUILIBRAÇÃO
 Remetendo-nos aos próprios níveis de equilíbrio formulados por
Piaget, poderíamos dizer que sua teoria da aprendizagem se tem visto
obrigada a defrontar-se com dois tipos de conflito. De um lado,
existem provas empíricas contra a noção piagetiana da aprendizagem
como substituto do desenvolvimento e, de outro, existem claros
problemas teóricos no modelo de aprendizagem por equilibração
defendido por Piaget.
 Nas palavras do próprio Piaget (1979, p. 51 da trad. cast.): “o
problema central é compreender como se efetuam tais criações (as
estruturas cognitivas) e porque, sendo conseqüência de construções
não pré-determinadas, podem durante o caminho fazer-se logicamente
necessárias”. Os racionalistas pós-darwinianos se viram obrigados, na
psicologia, a optar entre a necessidade ou a pré-formação da mente.
 Enquanto Fodor (1979, 1983) e Chomsky (1980) optam pelas
estruturas mentais inatas, Piaget (1979) tenta mostrar como tais
estruturas podem ser necessárias sem serem inatas. Porém, como
indica Toulmin (1972), existe uma determinada finalidade nas
formulações piagetianas, segundo a qual o desenvolvimento conduz
necessariamente à formação de um determinado tipo de estruturas
lógicas, relacionadas ao pensamento formal.
 Parece de certa maneira paradoxal que cada pessoa construa
individualmente seu próprio conhecimento e, no final, todas as
pessoas acabem construindo o mesmo conhecimento.
 A posição de Piaget a respeito dessas relações não pode nos explicar
quando é que se resolvem favoravelmente os desequilíbrios, porque,
como acontecia no caso da Gestalt, a aprendizagem se concebe
apenas como um pós-efeito da aplicação de uma estrutura ou, dito de
outra maneira, a aquisição de conhecimentos específicos é um efeito
da reorganização das estruturas cognitivas gerais, e não o contrário.
 Na opinião do autor, existem múltiplos dados que mostram que a
aprendizagem por reestruturação pode apoiar-se muitas vezes em
aquisições associativas prévias. Isto é assim tanto no caso das
aprendizagens naturais como no das artificiais. Talvez a
aprendizagem natural por excelência seja a da linguagem. Alguns
autores (por exemplo, Rivière, 1983) acreditam que um
funcionamento inadequado dos mecanismos de detecção de
associações pode danificar seriamente a aquisição da linguagem.
 A aprendizagem de conceitos somente pode ser explicada a partir de
posições que estabeleçam uma integração efetiva entre associação e
reestruturação. A posição de Piaget a esse respeito se mostra, sem
dúvida, pouco satisfatória e, em último caso, dá lugar a graves
problemas quando se trata de localizar sua teoria da aprendizagem na
sala de aula. A defesa exacerbada do ensino por descobrimento é uma
amostra a mais da confusão entre aprendizagens naturais e artificiais
na obra de Piaget. Segundo sua célebre frase, muitas vezes repetida,
“cada vez que se ensina prematuramente a uma criança alguma coisa
que ela poderia descobrir sozinha, se lhe impede de inventá-la e,
consequentemente, de entendê-la completamente” (Piaget, 1970, pp.
28-29 da trad. cast.).
 Ao reduzir toda a aprendizagem ao desenvolvimento ou, o que dá no
mesmo, reduzindo todas as aprendizagens a aquisições espontâneas e
necessárias, Piaget está defendendo um certo individualismo
“rousseauniano”, minimizando a importância não somente das
aprendizagens associativas, mas também dos processos de instrução.
 Felizmente, dentro da aprendizagem por reestruturação, encontramos
teorias que se opõem a tais reducionismos e tentam conciliar os
processos de aprendizagem associativa com a reestruturação,
atribuindo para tanto uma maior importância aos processos de
instrução. Tanto Vygotsky (1934) como mais recentemente Ausubel
(Ausubel, Novak e Hanesian, 1978) abordaram a aprendizagem de
conceitos a partir de posturas mais coincidentes com a instrução.
 Ambos os esforços podem, de certa maneira, ser considerados
complementares. Enquanto Vygotsky (1934) não conseguiu ir além
do desenvolvimento de uma estrutura ou arcabouço teórico do que
deveria ter sido uma teoria da aprendizagem e da instrução, Ausubel
desenvolveu essa teoria, ainda que carecendo em boa medida de uma
teoria psicológica geral na qual a enquadre.
A TEORIA DA APRENDIZAGEM DE VYGOTSKY
 Nos últimos anos aumentou notavelmente o interesse dos psicólogos
cognitivos pela obra de Vygotsky (por exemplo, Rivière, 1985;
Siguán, 1987; Wertsch, 1985). Porém, neste caso, a “recuperação” de
Vygotsky adquire aspectos peculiares se comparada com o que
acontece com Piaget ou a Gestalt. Diferentemente desses outros
autores, a obra de Vygotsky permaneceu totalmente desconhecida
durante várias décadas não somente da “psicologia burguesa”
ocidental, como costumavam dizer os psicólogos soviéticos, mas
inclusive em seu próprio país, onde não existiam barreiras idiomáticas
que justificassem esse isolamento, mas ideológicas, além das devidas
à evolução interna da psicologia soviética (ver Carretero e García
Madruga, 1983).
A RESPOSTA VYGOTSKIANA DIANTE DA SEPARAÇÃO
DA PSICOLOGIA: ATIVIDADE E MEDIAÇÃO
 A aproximação de Vygotsky à psicologia é contemporânea à
aproximação de Piaget, e tem em comum, tanto com o autor
genebrino como com a escola da Gestalt, partir de uma posição
decidida contra o associacionismo e o mecanicismo que começavam a
dominar as teorias psicológicas.
 O esforço para procurar uma psicologia unitária, se não única, passa
em Vygotsky por uma concepção dialética das relações entre o
fisiológico ou mecânico e o mental. Vygotsky rejeita totalmente os
enfoques que reduzem a psicologia —e em nosso caso a
aprendizagem — a uma simples acumulação de reflexos ou
associações entre estímulos e respostas. Existem aspectos
especificamente humanos não redutíveis a associações, como a
consciência e a linguagem, que não podem ficar alheios à psicologia.
 No caso da aprendizagem, tal fusão passa pela integração dos
processos de associação e reestruturação em uma teoria unitária da
aprendizagem. Porém essa integração, não pode ser feita em um plano
de igualdade. De fato, sua posição a respeito da aprendizagem está
mais próxima dos preceitos organicistas do que dos mecanicistas.
 Neste sentido, a teoria vygotskiana pode ser considerada uma variante
do enfoque organicista (ver Pérez Pereira, 1987). Contudo,
diferentemente de outras posturas igualmente organicistas, como as
de Piaget ou as da Gestalt, Vygotsky, por princípio, não vai negar a
importância da aprendizagem associativa, embora coincida com esses
autores em que se trata de um mecanismo claramente insuficiente. É
lamentável que mesmo Vygotsky não negando as aprendizagens
associativas não chegue a desenvolver, suficientemente, como
interatuam com os processos mais complexos da aprendizagem por
reestruturação.
 A introdução de elementos mediadores é superficialmente análoga às
posturas do condicionamento mediacional.
 Os mediadores não são réplicas externas das associações E-R, nem
um componente a mais das correntes associativas. Na concepção de
Vygotsky (1978), como foi dito, os mediadores são instrumentos que
transformam a realidade em vez de imitá-la. Sua função não é
adaptar-se passivamente às condições ambientais, mas modificá-las
ativamente. O conceito vygotskiano de mediador está mais próximo
do conceito piagetiano de adaptação — como um equilíbrio entre
assimilação e acomodação — do que do condutismo mediacional.
 A diferença entre ambos os tipos de instrumentos fica nítida nas
seguintes palavras de Vygotsky (1978, trad. cast.): “A função da
ferramenta não é outra que a de servir de condutor da influência
humana no propósito da atividade; encontra-se externamente
orientada e deve provocar mudanças nos objetos. É um meio pelo
qual a atividade humana externa aspira dominar e triunfar sobre a
natureza. Por outro lado, o sinal absolutamente nada no propósito de
uma operação psicológica. Dessa maneira, trata-se de um meio da
atividade interna que aspira dominar-se a si próprio; o sinal, por
conseguinte, encontra-se orientado internamente”.
A ORIGEM DOS SIGNIFICADOS: AS RELAÇÕES
APRENDIZAGEM / DESENVOLVIMENTO
 A posição de Vygotsky se distancia também da de Piaget (1936), que
defende o acesso à simbolização através das ações sensório-motoras
individuais da criança. Para Vygotsky os significados provêm do meio
social externo, mas devem ser assimilados ou interiorizados por cada
criança de forma particular. Sua posição coincide com a de Piaget ao
considerar que os sinais se elaboram em interação com o meio
ambiente, porém, no caso de Piaget, esse ambiente está constituído
unicamente por objetos, alguns dos quais são objetos sociais,
enquanto para Vygotsky está composto de objetos e pessoas que
medeiam a interação da criança com os objetos (Kaye, 1982; Perinat,
1986; Rivière e Coll, 1986).
 Em outras palavras, segundo Vygotsky (1978), o vetor de
desenvolvimento e de aprendizagem iria desde o exterior do sujeito
ao interior, seria um processo de “internalização” ou transformação
das ações externas, sociais, em ações internas, psicológicas.
 A formação de significados como um processo de interiorização
pressupõe uma posição teórica “mediadora” entre a idéia
associacionista de que os significados se adquirem do exterior, de
acordo com o princípio da correspondência, e a teoria piagetiana,
segundo a qual o sujeito constrói seus significados de maneira
autônoma e, em muitos casos, autista.
 A posição vygotskiana, ainda que mais próxima da idéia
construtivista de Piaget, também incorpora, de maneira clara e
explícita, a influência do meio social. Para ele, o sujeito não imita os
significados — como seria o caso do condutismo — nem os constrói,
como em Piaget, mas literalmente os “reconstrói”.
 Enquanto o associacionismo nega a existência de um
desenvolvimento independente dos processos associativos de
aprendizagem (ou, em outras palavras, reduz todo o desenvolvimento
à aprendizagem), Piaget (1970) adota uma posição inversa, ao negar a
relevância das aprendizagens associativas para a equilibração que é o
motor fundamental do desenvolvimento.
 A posição de Vygotsky (1934) vai ser novamente intermediária.
Ambos os processos são, segundo Vygotsky, interdependentes. Ainda
que o desenvolvimento — ou, na terminologia de Piaget, a
“aprendizagem em sentido amplo”, equivalente aos processos de
reestruturação por equilibração — não seja uma simples soma
cumulativa de aprendizagens associativas pontuais, se vê facilitado
por eles. Não existe desenvolvimento sem aprendizagem, nem
aprendizagem sem desenvolvimento prévio.
 Do ponto de vista do autor, não existe reestruturação sem acumulação
associativa, nem associação sem estruturas prévias.
 Em consequência, Vygotsky (1934) entende que a aprendizagem
precede temporalmente ao desenvolvimento, que a associação
precede à reestruturação. Tal precedência temporal fica manifesta na
distinção vygotskiana entre dois níveis de desenvolvimento ou dois
tipos de conhecimentos presentes nas pessoas.
 Tal relevância é ainda maior se levarmos em conta que as idéias de
Vygotsky conseguem superar um certo bloqueio produzido nas
relações desenvolvimento/instrução pela aplicação imediata da obra
de Piaget à educação.
 Esse bloqueio fica excelentemente resumido no falso dilema
analisado por Duckworth (1979) no que diz respeito à aplicação de
Piaget à sala de aula: “ou ensinaremos muito cedo, e não o podem
aprender, ou ensinamos muito tarde, e já o sabem”.
 Ao romper a unidirecionalidade das relações entre
aprendizagem/instrução e desenvolvimento, Vygotsky consegue
superar tal dilema, permitindo uma proveitosa aplicação da psicologia
da aprendizagem à educação, consistente com a psicologia cognitiva e
evolutiva atual (Carretero, 198Gb; Palacios, 1987).
 O estreito vínculo entre os processos de aprendizagem e a instrução
na interiorização e conseguinte reestruturação de mediadores
simbólicos é particularmente claro quando são analisadas as idéias de
Vygotsky em relação à aprendizagem de conceitos. Nessas idéias
encontraremos o esboço de uma teoria que deve servir novamente
como ponte conciliadora entre muitas das teorias da aprendizagem até
aqui revisadas.
FORMAÇÃO DE CONCEITOS ESPONTÂNEOS
E CIENTÍFICOS
 Nas idéias vygotskianas a respeito da generalização e aquisição de
conceitos se encontram, talvez como em nenhum outro aspecto, as
melhores virtudes da teoria histórico-cultural de Vygotsky, mas
também seus maiores defeitos. Isto é assim porque, fiel à sua rejeição
da análise elementarista e à sua própria concepção das relações entre
pensamento e linguagem, Vygotsky (1934) estabelece que a unidade
de análise da psicologia deveria ser buscada no “significado da
palavra”, no qual se encontra não somente a menor unidade
comunicativa que conserva as propriedades da totalidade, mas
também a unidade mínima do “pensamento generalizado”.
 Dessa maneira, os conceitos, enquanto generalizações, terão sua
origem na palavra que, uma vez interiorizada, se constituirá em
sinal mediador: “Todas as funções psíquicas superiores são
processos mediatizados, e os sinais, os meios básicos utilizados
para dominá-los e dirigi-los... Na formação de conceitos esse sinal é
a palavra” (Vygotsky, 1934, pp. 98-99 da trad. cast.).
 Com a finalidade de comprovar a importância da palavra na
formação de conceitos espontâneos ou familiares nas crianças —
em oposição aos conceitos — Vygotsky (1934) recorre ao “método
da dupla estimulação”, também conhecido como “método genéticoexperimental”.
 Tal método, idealizado por Sakharov, um de seus colaboradores, é
coerente com a lei da dupla formação e com o conceito de zona de
desenvolvimento potencial, e consiste na apresentação simultânea de
duas séries de estímulos, uma tendo como centro a atividade da
criança e a outra o conjunto de sinais que podem servir para apoiar
essa atividade.
 As palavras proporcionadas pela série de estímulos auxiliares não
apresentam nesse tipo de classificação nenhum significado. Essa
etapa corresponde ao pensamento “sincrético” ou participativo, tanto
na psicologia evolutiva (por exemplo, Piaget, 1927; Wallon, 1945;
Werner, 1948) como nos estudos sobre o pensamento dos povos
primitivos (Levy-Bruhl, 1910; Werner, 1948).
 O pensamento sincrético é o único tipo de categorização que carece
de significado conceitual. O tipo seguinte, o pensamento mediante
“complexos”, já possui tanto referência como significado.
 Porém, se as cadeias mostram com maior clareza a natureza dos
complexos, a manifestação mais relevante desse tipo de pensamento
para a aprendizagem de conceitos são os pseudoconceitos. Ainda que,
desde um ponto de vista interno, psicológico, o pseudoconceito
continua sendo um complexo, desde o ponto de vista externo, lógico,
aparenta ser um conceito. Neste sentido, constitui a forma mais
avançada dos complexos, servindo como uma ponte para a formação
de conceitos propriamente ditos.
 Um pseudoconceito agrupa adequadamente os objetos, porém a partir
de seus aspectos sensoriais imediatos, sem que o sujeito tenha uma
idéia precisa de quais sejam as características comuns aos objetos,
sem que conheça propriamente o conceito.
 Os pseudoconceitos, porém, não aparecem somente no pensamento
infantil. Ainda que a partir da adolescência os sujeitos já sejam
capazes de formar autênticos conceitos, eles devem conviver por toda
a vida com os pseudoconceitos.
 De fato, segundo Vygotsky, se as acumulações sincréticas são nomes
próprios, os complexos, e mais especificamente os pseudoconceitos,
são como “sobrenomes”, compartilhados pelos membros de uma
mesma família: “Nesta etapa de seu desenvolvimento, a criança pensa,
por assim dizer, em sobrenomes; o universo dos objetos individuais
torna-se organizado ao ser agrupado em “famílias” separadas, porém
mutuamente relacionadas” (op. cit., p. 94 da trad. cast.).
 Uma vez mais as idéias de Vygotsky resultam de uma modernidade
surpreendente, ainda que talvez devamos nos perguntar se não é a
psicologia atual que demonstra uma antiguidade surpreendente.
 A atualidade de Vygotsky se baseia não somente em admitir a
existência de categorias difusas, com os mesmos referentes dos
conceitos clássicos ou científicos correspondentes, mas com diferentes
significados, mas chega inclusive a antecipar os dados recolhidos pelos
mais recentes estudos sobre a formação de categorias naturais.
 De fato, os pseudoconceitos são para Vygotsky uma ponte para o
terceiro tipo de classificação, os “conceitos”. Na medida em que os
pseudoconceitos se baseiam em uma generalização a partir de
aspectos semelhantes, são um caminho para a formação de conceitos
propriamente ditos. Eles se constituíram, ademais, por um segundo
caminho, o dos “conceitos potenciais”, que consistem na abstração de
um aspecto constante em uma série de objetos.
 Mediante os processos tradicionais de abstração, os conceitos
cotidianos somente podem chegar a ser representações gerais, o que
os diferencia dos conceitos científicos. Neste ponto, Vygotsky
considera insuficiente o enfoque tradicional, ou teoria da abstração, e
a contrasta com caminho inverso, pelo qual se adquirem os conceitos
científicos.
 Segundo Vygotsky (1934), os conceitos verdadeiros são os conceitos
científicos, adquiridos através da instrução. Diferentemente dos
conceitos espontâneos, os conceitos científicos apresentam três
aspectos característicos em sua aquisição (ver Davydov, 1972):
a) Os conceitos científicos fazem parte de um sistema;
b) São adquiridos através de uma tomada de consciência da própria
atividade mental;
c) Envolvem uma relação especial como objeto, baseada na
interiorização da essência do conceito.
 Assim, os conceitos espontâneos e científicos se aprendem por
caminhos opostos; os conceitos espontâneos vão do concreto ao
abstrato, enquanto os científicos percorrem o caminho inverso.
Segundo Vygotsky (1934, p. 148 da trad. cast., sublinhado do autor),
“o desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança acontece
de maneira ascendente e o de seus conceitos científicos de maneira
descendente”.
 Desta maneira, os diferentes processos seguidos na aprendizagem dos
conceitos espontâneos e científicos determinam definições e
estruturações diferentes dos mesmos. Assim, os conceitos
espontâneos são adquiridos e definidos a partir dos objetos aos quais
se referem, por sua referência, enquanto os conceitos científicos são
adquiridos sempre por relação hierárquica com outros conceitos, por
seu sentido.
 Na opinião de Vygotsky, os conceitos científicos adquiridos na
instrução são a via através da qual se introduz na mente a consciência
reflexiva, que posteriormente se transfere aos conceitos espontâneos.
 Na terminologia utilizada pelo autor neste trabalho, o significado dos
conceitos científicos não pode ser construído sem referência aos
conceitos cotidianos. Ou, em termos de processo de aprendizagem, os
verdadeiros conceitos somente podem ser adquiridos por
reestruturação, mas essa reestruturação somente é possível se apoiada
em associações prévias.
OS LIMITES DE UMA TEORIA INACABADA
 Na explicação vygotskiana da aprendizagem de conceitos destacamse, possivelmente como em nenhum outro âmbito, as virtudes do
pensamento de Vygotsky, mas também os limites de uma teoria que
permanece inacabada. Muitas das idéias de Vygotsky se mostram
mais sugestivas do que suficientes. Sua prematura desaparição,
somada ao longo silêncio do organicismo, não só na União Soviética
mas também na “psicologia burguesa”, deixou inacabadas muitas
sugestões promissoras. Por isso, em muitos aspectos, a contribuição
de Vygotsky continua sendo mais importante a partir do ponto de
vista metateórico do que desde o estritamente teórico.
 As idéias de Vygotsky a respeito de ambos os tipos de representações
conceituais podem representar um marco de referência adequado para
desenvolver modelos integradores e não-dicotômicos.
 Também a respeito das relações entre conceitos espontâneos e
científicos e sobre o papel da instrução, ainda que discutíveis — e as
abordaremos mais adiante —, podem contribuir para a construção
desse marco teórico que integre a multidão de dados esparsos.
 A grande virtude da teoria vygotskiana não é somente diferenciar
esses dois sistemas conceituais e os mecanismos pelos quais eles são
adquiridos, mas principalmente, uma vez diferenciados, voltar a
reuni-los.
 As razões pelas quais continua inacabada podem, em alguns casos,
ser encontradas na própria evolução da psicologia soviética e
ocidental; em outros, porém, são atribuíveis à própria teoria. Assim,
por exemplo, embora Vygotsky tenha contribuído para uma
reformulação das relações entre aprendizagem e desenvolvimento
mediante seu conceito de zona de desenvolvimento potencial
(“proximal”), resulta difícil utilizar esse conceito de forma específica
em um contexto educativo ou experimental.
 Afortunadamente, no que diz respeito às relações entre aprendizagem
e instrução, dispomos de teorias que complementam a metateoria de
Vygotsky. Entre elas, a teoria da aprendizagem de Ausubel (Ausubel,
Novak e Hanesian, 1978) é, na opinião do autor, o melhor apoio para
as sugestivas, e em muitos casos geniais, idéias de Vygotsky.
A TEORIA DA APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA DE AUSUBEL
 Na terminologia de Vygotsky o autor diz que Ausubel desenvolve
uma teoria a respeito da interiorização ou assimilação, através da
instrução dos conceitos verdadeiros que são construídos a partir de
conceitos previamente formados ou “descobertos” pela criança em
seu meio.
 A diferenciação entre a aprendizagem e o ensino é justamente o ponto
de partida da teoria de Ausubel.
APRENDIZAGEM MNEMÔNICA E SIGNIFICATIVA
 Uma das contribuições mais relevantes da posição de Ausubel é a
diferenciação entre esses dois eixos que seriam bastante independentes
um do outro. Além disso, ao conceber a aprendizagem e o ensino
como contínuos, e não como variáveis dicotômicas, Ausubel evita
reducionismos e, além disso, estabelece a possibilidade de interações
entre associação e reestruturação na aprendizagem. Isso permite
diferenciar entre diversos tipos de instrução, em função de sua
colocação em ambos os contínuos, tal como mostra a figura.
 Ausubel mostra que, ainda que a aprendizagem e a instrução
interatuem, são relativamente independentes, de tal maneira que
determinadas formas de ensino não conduzem forçosamente a um
determinado tipo de aprendizagem. Mais especificamente, tanto a
aprendizagem significativa como a mnemônica são possíveis em
ambos os tipos de ensino, o receptivo (ou expositivo) e o ensino por
descobrimentos (ou pesquisa), como é exemplificado na figura.
Aprendizagem
significativa
Aprendizagem
por repetição
Esclarecimento
das relações entre
os conceitos
Ensino audiotutelar
bem planejado
Pesquisa científica
(música ou nova
arquitetura)
Conferência ou
apresentações da
maior parte dos
livros—texto
Trabalho escolar no
laboratório
Pesquisa
“rotineira” ou
produção
intelectual
Tabuada de
multiplicação
Aplicação de
fórmulas para
resolver os
problemas
Resolução de
quebra-cabeças por
ensaio e erro
Aprendizagem por
recepção
Aprendizagem por
descobrimento
guiado
Aprendizagem por
descobrimento
autônomo
Figura 7.6. Classificação das situações de aprendizagem segundo Ausubel, Novak e Hanesian. (1978, p. 35 da
trad. cast.: Psicologia educativa. Reproduzido com permissão de Editorial Trillas, SA.)
 Em outras palavras, uma aprendizagem é significativa quando pode
ser incorporada às estruturas de conhecimento que possui o sujeito,
isto é quando o novo material adquire significado para o sujeito a
partir de sua relação com conhecimentos anteriores. Para tanto é
necessário que a matéria a ser aprendida possua um significado em si
mesma, ou seja, que exista uma relação não arbitrária ou
simplesmente associativa entre suas partes.
 Além das diferenças cognitivas, ambas as extremidades do contínuo
de aprendizagem se diferenciam também pelo tipo de motivação que
estimulam e pelas atitudes do aluno diante da aprendizagem.
 Todas essas diferenças são indicadas por Novak e Gowin (1984),
sintetizado na tabela a seguir.
Tabela 7.2. Diferenças fundamentais entre a aprendizagem significativa
e a aprendizagem mnemônica, segundo Novak e Gowin (1984).
Aprendizagem
significativa
Incorporação substantiva, não arbitrária e não-verbal, de novos
conhecimentos à estrutura cognitiva
Esforço deliberado para relacionar os novos conhecimentos com
conceitos de nível superior, já existentes na estrutura cognitiva.
Aprendizagem relacionada com experiências, fatos ou objetos.
Envolvimento afetivo para relacionar os novos conhecimentos
com aprendizagens anteriores.
Aprendizagem
mnemônica
Incorporação não substantiva, arbitrária e verbal, de novos
conhecimentos à estrutura cognitiva.
Nenhum esforço para integrar os novos conhecimentos a conceitos
já existentes na estrutura cognitiva.
Aprendizagem não relacionada com experiências, fatos ou objetos.
Nenhuma implicação efetivamente relacionando os novos
conhecimentos às aprendizagens anteriores.
AS CONDIÇÕES DA APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA
 Nem sempre os materiais estruturados com lógica são aprendidos
significativamente. É necessário, além disso, que se cumpram outras
condições na pessoa que deve aprendê-los. Em primeiro lugar, é
necessária uma predisposição para a aprendizagem significativa.
Tendo em vista que compreender requer sempre um esforço, a pessoa
deve ter algum motivo para esforçar-se.
 É muito conhecido, a partir das pesquisas dos behavioristas com ratos
esfomeados correndo por labirintos, que a aprendizagem — como os
crimes — necessita sempre um motivo ou causa. Por mais
significativo que seja um material, isto é, por mais relações potenciais
que possua, se o aluno ou aprendiz não está disposto a esforçar-se em
estabelecer relações, limitando-se a repetir a matéria, não haverá
aprendizagem significativa.
 De fato, a aprendizagem significativa é o caminho pelo qual as
pessoas assimilam a cultura que as envolve (Ausubel, 1973), uma
idéia fortemente vygotskiana que faz da teoria de Ausubel um
complemento instrucional adequado ao marco teórico geral de
Vygotsky. Apesar do caráter intrapessoal dos significados
psicológicos, estes são adquiridos geralmente em contextos
interpessoais de instrução, que geram nesses significados uma notável
homogeneidade intracultural.
 Em função da natureza da nova informação e de sua relação com as
idéias ativadas na mente da pessoa que aprende, Ausubel diferencia
vários tipos de aprendizagem significativa.
TIPOS DE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
 Em função da natureza do conhecimento adquirido, Ausubel,
Novak e Hanesian (1978) diferenciam três tipos básicos de
aprendizagem significativa: a aprendizagem de representações,
de conceitos e de proposições.
Tabela 7.3. Tipos básicos da aprendizagem significativa na teoria de Ausubel.
Prévia à formação do conceitos
Representações
Aquisição de vocabulário
Posterior à formação
de conceitos
Formação (a partir dos
objetos)
Comprovação de hipóteses
Conceitos
Diferenciação progressiva
(conceito subordinado)
Aquisição (a partir de
conceitos preexistentes)
Ver
tabela 7.4.
Integração hierárquica
(conceito supra-ordinado)
Proposições
Combinação (conceito do
mesmo nível hierárquico)
 Ausubel (op. cit., p. 61) define os conceitos como “objetos, eventos,
situações ou propriedades que possuem atributos de critério comuns e
que se designam mediante algum símbolo ou signo”.
 Segundo Ausubel, a maior parte das aprendizagens significativas são
subordinadas, isto é, a nova idéia aprendida se encontra
hierarquicamente subordinada a uma idéia preexistente. Nesse tipo de
aprendizagem se produz uma diferenciação progressiva de conceitos
já existentes em vários conceitos de nível inferior.
 A idéia ausubeliana de que a maior parte dos conhecimentos são
adquiridos por diferenciação progressiva dos conceitos ou estruturas
já existentes é, sem dúvida, atraente. O próprio Vygotsky (1934)
reconhecia a maior facilidade da diferenciação na reestruturação
conceitual.
 Mais recentemente, Bereiter (1985) tem indicado que tal preferência
se deve, em parte, à maior facilidade de explicar como surge um
conhecimento mais específico de um conhecimento mais geral do que
o contrário.
 Finalmente, como observa o autor, para fazer uma análise ausbeliana
de uma situação de aprendizagem é necessário dispor tanto da
estrutura lógica da disciplina como da estrutura psicológica do aluno
nessa mesma área de conhecimento, e ir introduzindo progressivas
diferenciações nas idéias do aluno, acompanhadas ocasionalmente de
algumas comparações e generalizações. Em outras palavras, segundo
Ausubel, a aprendizagem de conceitos vai fundamentalmente do geral
ao específico, seguindo uma via descendente semelhante à definida
por Vygotsky (1934) em relação à aprendizagem de conceitos
científicos.
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
E REESTRUTURAÇÃO
 Os dados conhecidos a respeito da aprendizagem de conceitos
mostram que, como muito bem assinalava Vygotsky (1934), ela se
produz tanto de maneira ascendente como descendente na pirâmide
de conceitos. Embora a teoria de Ausubel reconheça este fato, ao
diferenciar entre vários tipos de aprendizagens significativas, parece
excessivamente centrada na aprendizagem por diferenciação, já que
não existem provas de que a aprendizagem significativa ou a
reestruturação aconteça somente por diferenciação, ainda que isto seja
verdadeiro para determinados autores (por exemplo, Bereiter, 1985;
Vygotsky, 1934) afirmando que a diferenciação mostra-se
psicologicamente mais fácil que a integração.
 Finalmente, a aprendizagem significativa e, em geral a
reestruturação de conhecimentos são um produto direto ou indireto
da instrução, assim como a necessidade de que os enfoques
organicistas consigam integrar os processos associativos como parte
constitutiva da reestruturação, integração que se produzirá
necessariamente em contextos de instrução.
OS LIMITES DAS TEORIAS ORGANICISTAS:
A REESTRUTURAÇÃO COMO UM PRODUTO
DA INSTRUÇÃO
 Ao longo deste capítulo foi visto que a reestruturação é um
processo complexo, que precisa da convergência de diferentes
condições para sua ocorrência. Dessa forma, apontam que a
reestruturação não é um produto direto da “conduta” dos objetos,
não se corresponde com eles. É antes o produto da tomada de
consciência de que as estruturas conceituais não correspondem à
realidade sobre a qual se projetam. Claxton (1984) dá um exemplo
muito ilustrativo desta distinção.
 Segundo ele, para nos movimentarmos pelo mundo — “o território”
— necessitamos dispor de modelos ou teorias pessoais que
organizem o mundo — “os mapas”. Para que troquemos de mapa (o
reestruturaremos), não é suficiente que este não corresponda ao
território, já que, por definição, todos os mapas diferem dos
territórios que representam.
 E necessário, ademais, que nos percamos no território e saibamos o
que está errado em nosso mapa. Para isso, não é suficiente passear
pelo território; é preciso conhecer e analisar o próprio mapa. Ou seja,
como indica Lakatos (1978), não são nunca os dados que refutam as
teorias, mas a aparição de outra teoria melhor.
 Como afirma Claxton (1984. pp. 33-34 da trad. cast.): “o que faço
depende do que a minha teoria me diz a respeito do mundo, não de
como é o mundo na realidade... No entanto, o que acontece depois
depende de como é o mundo na realidade, não de como acredito que
seja”. A tomada de consciência dos desequilíbrios entre os “mapas” e
os “territórios” é outro dos aspectos que definem as teorias
organicistas da aprendizagem.
 Como sustentava Vygotsky (1934), e com o qual concordam inúmeros
estudos recentes a respeito da formação de categorias naturais,
somente mediante a instrução é possível a construção de verdadeiros
conceitos dentro de uma “pirâmide de conceitos”. Somente mediante
a instrução se tem consciência dos limites do “mapa” e da
complexidade do “território”, o que permite, embora não garanta,
uma maior complexidade e organização interna do “mapa”.
 Ainda que a instrução não deva nunca ser confundida com a
escolarização (já que se inicia, de uma maneira informal, muito antes
da idade escolar e persiste de muitas formas diferentes durante toda a
vida social), em nossa sociedade são as instituições educativas as
responsáveis mais diretas pela instrução.
Capitulo 8
POR UMA INTEGRAÇAO DE ASSOCIAÇÃO
E REESTRUTURAÇÃO NA INSTRUÇAO
MUDANÇAS QUANTITATIVAS E
QUALITATIVAS NA APRENDIZAGEM
 As teorias associacionistas, em suas mais diversas variantes,
ocupam-se de mudanças contínuas, mensuráveis e, portanto,
quantificáveis, que ocorrem em conseqüência da prática acumulada
sob determinadas condições. Ao contrário, as teorias organicistas ou
da reestruturação, fugindo de um enfoque atomista, ocupam-se das
mudanças produzidas na organização das estruturas cognitivas em
conseqüência da interação entre tais estruturas e os objetos aos
quais são aplicadas. Por isso, a integração entre ambas as maneiras
de entender a aprendizagem passa necessariamente pela
reconciliação entre as mudanças quantitativas e qualitativas.
DIFERENÇAS COGNITIVAS ENTRE
ESPECIALISTAS E INICIANTES
 Além de sua especificidade temática, todos os estudos comparativos
entre especialistas e iniciantes partem de alguns princípios comuns,
algumas vezes explícitos e noutras implícitos que, são os seguintes:
a) Diferença especialista/iniciante é basicamente uma diferença de
conhecimentos, e não de processos cognitivos básicos ou capacidades
gerais do processamento.
b) Essa diferença de conhecimentos é tanto quantitativa como qualitativa; isto
é, os especialistas não somente sabem mais do que os iniciantes, mas
principalmente organizam seus conhecimentos de uma maneira diferente.
c) A perícia (expertise) é um efeito da prática acumulada, isto é, um efeito da
aprendizagem, rejeitando-se, portanto, os fatores inatos e as possíveis
diferenças individuais.
d) A perícia está circunscrita a áreas de conhecimentos, de maneira que se é ou
não especialista em relação a alguma coisa específica. Um mesmo sujeito
pode ter diferentes graus de especialização para problemas vinculados à
mesma área.
 No caso da pesquisa a respeito dos especialistas e iniciantes em
mecânica newtoniana, encontram-se claramente diferenciados dois
enfoques distintos que viriam se ocupar respectivamente das
diferenças quantitativas e qualitativas. Ambos os tipos de diferenças
podem vincular-se a algumas das teorias da aprendizagem revisadas
anteriormente.
DIFERENÇAS QUANTITATIVAS ENTRE
ESPECIALISTAS E INICIANTES
 Na resolução de equações por especialistas e iniciantes surgem
diferenças de natureza quantitativa. Assim, os novatos realizam
mais erros e demoram, em termos médios, quatro vezes mais do que
os especialistas para resolver o problema (Larkin e colaboradores,
1980; Simon e Simon, 1978). Estas duas diferenças, porém, são
obviamente conseqüência das diferentes estratégias utilizadas por
uns e outros. Essa diferenças podem ser resumidas:
1) Os especialistas, antes de começarem a aplicar equações, detêm-se em uma
etapa de representação, na qual realizam uma análise qualitativa baseada
em uma intuição física (Larkin, 1979). Por sua vez, o novato inicia
imediatamente pelas equações.
2) Ambos os grupos diferem quanto à estratégia adotada para a solução do
problema. Os iniciantes fazem uma análise “para trás”, isto é, partem da
meta final. Ao contrário, os especialistas trabalham “para a frente”,
utilizando os dados conhecidos para buscar a solução desconhecida. Esta
estratégia consiste em uma análise meios-fins (Larldn, 1983) similar à que
utilizam os sujeitos na solução de problemas sem carga semântica, como o
da “torre de Hanói”, nos quais não podem aplicar conhecimentos
específicos prévios.
3) Ao aplicar as equações, o iniciante as calcula uma a uma, enquanto o
especialista as elabora agrupadas, isto é, calcula várias equações
simultaneamente, depois faz uma pausa e, a seguir, elabora outro grupo de
equações (Larkin, 1980). Considera-se que tais grupos de equações
correspondem a chunks (aglomerados) de conhecimentos, análogos aos
empregados pelos jogadores de xadrez na rememoração das posições
(Chase e Simon, 1973), e que revelariam a existência de “ramificações de
conhecimentos” organizados na mente do especialista, em contraste com
os conhecimentos isolados ou menos diferenciados do novato.
4) Por último, os iniciantes elaboram muito mais meta-enunciados a respeito
do próprio processo de solução (Simon e Simon, 1978). Isto é, dedicam
mais tempo a pensar a respeito da estratégia que devem seguir e a analisar
e planejar os passos seguintes. Ao contrário, os especialistas apenas
“pensam em voz alta” sobre as operações que devem realizar para
solucionar as equações. Poder-se-ia dizer que os especialistas não precisam
tomar decisões a respeito da forma em que devem resolver o problema,
enquanto os iniciantes devem dedicar uma boa parte de seu tempo
precisamente à busca de um caminho a seguir até encontrar a solução
adequada.
DIFERENÇAS QUALITATIVAS ENTRE
ESPECIALISTAS E INICIANTES
 Uma das tarefas que Chi e colaboradores formulavam a seus sujeitos
consistia em classificar uma série de problemas sobre mecânica. Os
especialistas e os iniciantes diferiam nos critérios ou atributos em que
baseavam sua classificação. Os especialistas categorizavam os
problemas segundo sua estrutura conceitual profunda, determinada
pelas leis e conceitos físicos relevantes para sua solução, enquanto os
iniciantes guiavam suas classificações pela estrutura superficial,
baseada em objetos reais e termos explícitos no enunciado dos
problemas.
 Esta mesma investigação serve para ilustrar outra das diferenças mais
relevantes observadas por Chi e colaboradores entre especialistas e
iniciantes. Ambos diferem em seus conhecimentos declarativos
básicos, isto é, no conteúdo dos esquemas ou conceitos que ativam.
Mesmo quando utilizam os mesmos rótulos verbais, o que, não é
muito frequente, o significado dos mesmos varia.
 Uma diferença digna de ser mencionada entre especialistas e
iniciantes reside no processamento seletivo que realizam diante dos
problemas de mecânica. Quando se lhes pede que selecionem os
aspectos mais importantes para a solução de um problema, os
novatos, uma vez mais, referem-se a objetos reais ou a termos
mencionados no problema. Muito raramente mencionam por si
mesmos aspectos de segunda ordem, isto é, não perceptíveis
diretamente. Em troca, os aspectos destacados pelos especialistas
podem ser caracterizados como “descrições dos estados e condições
da situação física descrita pelo problema” (Chi, Feltovich e Glaser,
1981, p. 142).
 Finalmente, a passagem de iniciante a especialista envolve, em
consequência da prática, não somente mudanças quantitativas na
quantidade de conhecimentos mas também uma verdadeira
reorganização de tais conhecimentos. Quando uma pessoa se
transforma em especialista, não apenas automatiza determinadas
habilidades mas, além disso, restaura seus conhecimentos.
 Até hoje os estudos comparativos entre iniciantes e especialistas
tenderam a ser demasiado estáticos, descritivos, talvez pelas
dificuldades metodológicas que implica estudar a transição de
iniciante a especialista. No entanto, a comparação
especialista/iniciante está sendo proposta por alguns autores como um
modelo adequado para analisar o desenvolvimento cognitivo (por
exemplo, Chi e Rees, 1983; Flavell, 1985).
REESTRUTURAÇÃO FRACA E FORTE
 Susan Carey (1985) estabeleceu uma distinção entre dois tipos de
reestruturação, conforme esta envolva ou não uma verdadeira troca
conceitual. Em uma primeira abordagem, a “reestruturação fraca”,
representada pelos estudos realizados em relação às diferenças entre
especialistas e iniciantes, trataria das mudanças produzidas na
organização conceitual em consequência dessa transição que dão
lugar ocasionalmente à aparição de novos conceitos integradores que
não estavam presentes nas representações dos iniciantes.
 As reestruturações fracas pressupõem o estabelecimento de novas
relações conceituais unidas à produção de conceitos novos, mas
conservando um núcleo de conceitos comuns entre a teoria ou
hierarquia inicial e a nova teoria desenvolvida. Por isso, na
reestruturação fraca não podemos falar, segundo Carey (1985), de
mudança conceitual.
 Segundo a visão mais radical da “reestruturação forte”, a nova teoria
surgida da troca conceitual não compartilha com a velha teoria um
mesmo sistema conceitual, mas, ao mudar a teoria, modifica-se o
significado de todos os conceitos nela incluídos. Segundo essa versão,
o significado de um conceito é determinado por suas relações com
outros conceitos na teoria, por sua rede de relações dentro da
pirâmide de conceitos. Ao mudar tais relações, modifica-se o
significado de todos os conceitos, ainda que superficialmente possa
parecer que a nova e a velha teoria compartilhem um núcleo
conceitual comum.
 A idéia de que o progresso das teorias científicas requer
ocasionalmente reestruturações fortes das mesmas está presente na
maior parte das teorias epistemológicas atuais. Assim, as revoluções
científicas de Kuhn (1962) envolvem uma troca de paradigma tão
radical que as sucessivas teorias resultam inclusive incomensuráveis.
A esse respeito, a postura de Lakatos (1978) se mostra mais rica do
que a de Kuhn, já que sua teoria admite a existência tanto de
reestruturações fortes como fracas.
 Porém, o fato de que a aprendizagem de conceitos científicos
necessite de uma reestruturação forte não invalida, na opinião do
autor, a utilidade da diferenciação estabelecida por Carey (1985).
Ambos os tipos de reestruturação podem ser concebidos como etapas
sucessivas de um mesmo processo de transição de iniciante a
especialista. Em outras palavras, a reestruturação fraca pode ser
considerada um requisito da reestruturação forte.
 Tal idéia se vê apoiada por diversos estudos empíricos que mostram o
vinculo entre as trocas qualitativas e a acumulação de novos
conhecimentos, como, por exemplo, os citados estudos sobre
iniciantes e especialistas (Chi, Glaser e Farr, 1988), ou ainda pelas
posições teóricas de Lakatos (1978) ou Vygotsky (1934).
 Resumindo, os processos de discriminação e generalização conceitual
desenvolvidos pelas teorias associacionistas da aprendizagem, em
especial pelas teorias computacionais, seriam um requisito para a
mudança conceitual ou reestruturação forte. Porém, a interação entre
ambos os tipos de aprendizagem é bidirecional.
MODELOS DE MUDANÇA CONCEITUAL NA INSTRUÇÃO
 A idéia fundamental que assumem os diversos modelos de
mudança conceitual é que a aprendizagem de conceitos científicos
deve partir dos conceitos naturais que o aluno já possui: a “ciência
intuitiva” que o aluno traz para a sala de aula (Hewson e Hewson,
1984; Nussbaum e Novick, 1982; Osborne e Freyberg, 1985;
Osborne e Wittrock, 1983; Posner e cols., 1982).
NATUREZA DOS CONCEITOS ESPONTÂNEOS
 Deixando de lado outras características (para uma análise mais
detalhada ver Driver, 1986; Furnham, 1988; Pozo e Carretero,
1987), as concepções espontâneas têm sua origem na atividade
cotidiana das pessoas. Surgem na interação espontânea com o
meio cotidiano e servem, principalmente, para predizer “a
conduta” desse meio. Estão, além disso, determinadas quanto a
seu conteúdo por limitações na capacidade de processamento dos
seres humanos.
 Outro aspecto característico das concepções espontâneas é que se
organizam em forma de “teorias-em-ação” ou implícitas (Drivere
Erickson, 1983; Karniiloff-Smith e Inhelder, 1975), “teorias
pessoais” (Claxton, 1984) ou “teorias causais” (Pozo, l987a,
l987b).
 Todas estas denominações aludem, com diversos matizes, a duas
características: antes de mais nada, os conceitos espontâneos não
se justapõem uns aos outros “como ervilhas em uma vagem”,
segundo a feliz expressão de Vygotsky (1934), mas constituem
estruturas hierarquizadas de conceitos, ainda que geralmente
implícitas ou não conscientes e, em segundo lugar, que tais
estruturas cognitivas possuem uma função explicativa.
AS CONDIÇÕES DA MUDANÇA CONCEITUAL
 De nossa parte, e baseando-nos nas teorias revisadas nos capítulos
anteriores, muito especialmente nas idéias de Lakatos (1978) a
respeito da mudança dos programas de pesquisa científica,
resumidas no primeiro capítulo deste trabalho, poderíamos dizer
que a mudança conceitual se produz nas seguintes condições:
a) A aprendizagem do conceito científico não consiste somente em trocar
uma idéia qualquer por outra cientificamente aceita, já que existe um
determinado vinculo genético entre a teoria espontânea do aluno e a
teoria científica que se lhe pretende transmitir. O aluno não abandonará
suas idéias espontâneas até que encontre outra teoria melhor que, de
acordo com as idéias de Lakatos (1978) a respeito da mudança dos
programas de pesquisa científica, dê conta não somente do que suas
idéias espontâneas já explicavam, mas de fenômenos novos até agora
incompreensíveis.
b) Para que o aluno consiga compreender a superioridade de uma nova
teoria é necessário defrontá-lo com situações conflitivas que suponham
um desafio para suas idéias. Dessa maneira, o conflito cognitivo é muito
importante no avanço conceitual do aluno, embora em nenhum caso
deva ser considerado uma condição suficiente para a mudança
conceitual.
c)
Por último, a partir da condição anterior, podemos deduzir que a tomada
de consciência por parte do aluno é um passo indispensável para a
mudança conceitual. Os conceitos espontâneos dos alunos costumam ser
implícitos. Um primeiro passo para sua modificação será torná-los
explícitos mediante sua aplicação a problemas específicos. Também é
necessário que o aluno tome consciência das vantagens da nova teoria
que lhe é proposta.
 Ainda que se agrupem entre as teorias organicistas, os modelos
da troca conceitual não necessariamente excluem outros
processos de aprendizagem, de tipo associativo. Este, e não outro,
é o objetivo do modelo conceitual que se expõe a seguir.
UM MODELO DA MUDANÇA CONCEITUAL
 O modelo apresentado pelo autor tenta identificar os processos
envolvidos na obtenção de um dos resultados da aprendizagem mais
complexos que se pode estudar: a troca conceitual ou reestruturação
forte dos conhecimentos. Sem dúvida, a maior parte das situações de
aprendizagem não atinge resultados tão radicais, mas produz
pequenos ajustes ou um simples crescimento do conhecimento,
recorrendo à terminologia de Rumelhart e Norman (1978).
 Embora, tal como está formulado, o modelo seja útil para
compreender qualquer situação de aprendizagem de conceitos ou
significados, tanto em situações espontâneas como de instrução, a
complexidade de seus requisitos e a sequência de situações
conflitivas a que se deve submeter o sujeito para chegar a
reestruturar seu conhecimento fazem com que ele se aproxime mais
das situações de aprendizagem planificada, ou instrução.
ESTRATÉGIAS DE ENSINO VOLTADAS
À MUDANÇA CONCEITUAL
 A produção de reestruturações, sejam fracas ou fortes, necessita
de inúmeras situações de crescimento e ajustes prévios que
tornem possíveis as condições requeridas pela reestruturação.
Por isso, também é necessário integrar, a partir de um ponto de
vista instrucional, os dois grandes enfoques ou culturas da
aprendizagem, a associação e a reestruturação.
 Ainda que a aprendizagem seja, como diz Claxton (1984), um
elefante com muitas facetas, no final, todas essas facetas são parte
constitutiva de um mesmo organismo, e dificilmente alguma delas
poderá ser conhecida ou utilizada sem as outras. Talvez a própria
psicologia da aprendizagem e da instrução ainda tenha algumas
reestruturações a fazer, a mais relevante das quais seria a
“reconciliação integradora” entre as suas duas correntes ou
tradições principais. Sem dúvida, tal reconciliação produzirá não
somente uma maior coerência teórica mas, inclusive, uma maior
eficácia em sua aplicação à resolução de problemas práticos.
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Teorias Cognitivas da Aprendizagem