Autuação com Base no Cruzamento de Dados Paulo Fernandes Campilongo Mestre e Doutor PUC/SP [email protected] PROBLEMATIZAÇÃO • CRUZAMENTO DE DADOS COMO BASE PARA AUTUAÇÃO FISCAL DEVE RESPEITAR O SIGILO FISCAL, BANCÁRIO E COMERCIAL? • O “PRINCÍPIO” DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR SE SOBREPÕE A DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO? • O DIREITO À PRIVACIDADE É UM DIREITO ABSOLUTO? • HÁ PREVISÃO CONSTITUCIONAL EXPRESSA SOBRE A PROTEÇÃO DO SIGILO FISCAL E DO SIGILO BANCÁRIO? E A RESPEITO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO? • A QUEBRA DE SIGILO FISCAL OU BANCÁRIO DEPENDE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU ELA É POSSIVEL SEM ESSA INTERVENÇÃO? CRUZAMENTO DE DADOS TRÊS DIFERENTES NIVEIS DE CRUZAMENTO DE DADOS PRIMEIRO NÍVEL CONTRIBUINTES DO ICMS/SP BANCO DE DADOS DA SEFAZ MESMO AMBIENTE COMUNICACIONAL CRUZAMENTO DE DADOS SEGUNDO NÍVEL CONTRIBUINTES PAULISTAS CONTRIBUINTES PAULISTAS BANCO DE DADOS SEFAZ / SP BANCO DE DADOS SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DISTINTOS AMBIENTES COMUNICACIONAIS CRUZAMENTO DE DADOS TERCEIRO NÍVEL CONTRIBUINTES PAULISTAS CONTRIBUINTES PAULISTAS BANCO DE DADOS SEFAZ SP BANCO DE DADOS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DISTINTOS AMBIENTES COMUNICACIONAIS E FORA DO SPED SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO • NÃO HÁ PREVISÃO CONSTITUCIONAL EXPRESSA A RESPEITO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO VERSUS INTERESSES PRIVADOS – SUA APLICAÇÃO DEMANDA INTERPRETAÇÃO. • TESES ATUAIS FUNDADAS NA DOUTRINA ALEMÃ (ALEXY) BUSCAM DESCONSTRUIR A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. • ENTRE NÓS, HUBERTO ÁVILA LIDERA ESSA CORRENTE DE PENSAR. SEGUNDO O AUTOR NÃO SE TRATA DE UM PRINCÍPIO, MAS SIM DE “regras condicionais concretas de prevalência” (1). (1) Cf. ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. In: Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, Malheiros, v. 24, p. 159-180, 1999. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO “No entanto, o sentido em que a constitucionalização do direito administrativo é mais recente (porque teve início com a Constituição de 1988) e produziu reflexos intensos sobre o princípio da legalidade (que resultou consideravelmente ampliado) e a discricionariedade (que resultou consideravelmente reduzida) foi a constitucionalização de valores e princípios, que passaram a orientar a atuação dos três Poderes do Estado: eles são obrigatórios para o legislativo e seu descumprimento pode levar à declaração de inconstitucionalidade de leis que o contrariem; são obrigatórios para a Administração Pública, cuja discricionariedade fica limitada não só pela lei (legalidade em sentido estrito), mas por todos os valores e princípios consagrados na Constituição (legalidade em sentido amplo); e são obrigatórios para o Poder Judiciário, que pode ampliar o seu controle sobre as leis e os atos administrativos, a partir da interpretação de valores que são adotados como verdadeiros dogmas do ordenamento jurídico” (2). (2) Cf. ZANELA DE PIETRO, Maria Silvia. Da Constitucionalização do Direito Administrativo: reflexos sobre o princípio da legalidade e a discricionariedade. In: ZANELA DE PIETRO; RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves. Supremacia do Interesse Público. São Paulo, Atlas, 2010, pp. 175-196. INTERESSES PRIVADOS • Não há previsão constitucional expressa tratando de quebra de sigilo fiscal, tampouco de quebra de sigilo bancário - sua análise constitucional demanda interpretação; • A interpretação do sigilo bancário e do sigilo fiscal dentro da Constituição passa pela correlação dos incisos X, XII e XIV do art. 5.º; • O inciso X cuida do direito à privacidade; o inciso XII do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas; o inciso XIV do sigilo de fonte em razão do exercício profissional; • “Comunicação de dados” é termo novo e que jamais foi empregado nas constituições anteriores. É terminologia utilizada pela informática onde dado “é toda informação capaz de ser processada e armazenada por um computador”; • Comunicação de dados, portanto, seria o intercâmbio que se processa por meio de um código linguístico entre um emissor, que produz um enunciado, e o interlocutor ao qual esse enunciado é dirigido, processado e armazenado. INTERESSES PRIVADOS • TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR EXAMINANDO A QUESTÃO DO SIGILO BANCÁRIO TRAZ IMPORTANTES OBSERVAÇÕES: • • “Em primeiro lugar, a expressão ‘dados’, constante do inc. XII, manifesta certa impropriedade (Bastos, Martins, 1993, p. 73). Os citados autores reconhecem que por dados não se entende o objeto da comunicação, mas uma modalidade tecnológica de comunicação. Clara nesse sentido a observação de Manoel Gonçalvez Ferreira Filho (1986, p. 38) : “Sigilo de dados. O direito anterior não fazia referência a essa hipótese. Ela veio a ser prevista, sem dúvida, em decorrência do desenvolvimento da informática. Os dados aqui são dados informáticos (v. incs. XII e LXXII)”. A interpretação faz sentido. Como já fiz observar em outro passo (cf. Ferraz Jr. 1993, p. 440 e ss), o sigilo, no inciso XII do art. 5.º, está referido à comunicação, no interesse da privacidade (....) A distinção é decisiva: o objeto protegido pelo inc. XII do art. 5.º da CF – ao assegurar a inviolabilidade do sigilo – não são os dados em si, mas a sua comunicação. A troca de informações (comunicação) é que não pode ser violada por sujeito estranho a comunicação”. PIRÂMIDE DENORMAS DE DIREITO POSITIVO Art. 37, XXII Art. 195 , 199. Art. 1193. Art. 10, 11. Art. 4. CRUZAMENTO DE DADOS Fundamento Constitucional Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998) (....) XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 42, de 19.12.2003) CRUZAMENTO DE DADOS Código Tributário Nacional Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio. Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos. (Incluído pela Lcp n.º 104, de 10.1.2001) (negritos meus) Acesso aos dados contábeis e o Código Civil Art. 1.193. As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais. Decreto 6.022/07 – Cria o SPED. • Art. 3.o São usuários do Sped: • I - a Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda; • II - as administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante convênio celebrado com a Secretaria da Receita Federal; (g.n.) • Art. 4.o O acesso às informações armazenadas no Sped deverá ser compartilhado com seus usuários, no limite de suas respectivas competências e sem prejuízo da observância à legislação referente aos sigilos comercial, fiscal e bancário. CONVENIO ENAT 01/2010 • • • • • • CLÁUSULA PRIMEIRA – A RFB e as SEFAZ terão acesso às informações relativas às Escriturações Contábeis Digitais (ECD) disponíveis no ambiente nacional do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), no limite de suas respectivas competências e sem prejuízo da observância à legislação referente aos sigilos comercial, fiscal e bancário, nas seguintes modalidades de acesso: I - integral, para cópia do arquivo da ECD; II - parcial, para cópia e consulta à base de dados agregados por contribuinte. § 1.o Para o acesso previsto no inciso I do “caput”, a RFB e as SEFAZ deverão ter iniciado procedimento fiscal junto à pessoa jurídica titular da ECD. § 2.o Entende-se por dados agregados a consolidação mensal, por contribuinte, de informações de saldos contábeis e as demonstrações contábeis. § 3.o O conteúdo, leiaute e demais requisitos técnicos do arquivo digital, contendo os dados agregados, serão definidos em conjunto pela RFB e pelas SEFAZ. A PRIVACIDADE E O SIGILO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL • TÍTULO II Dos Direitos e Garantias Fundamentais • • • • Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei n.º 9.296, de 1996) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; SIGILO BANCÁRIO – LC 105/01 • Art. 6.º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. • Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. INCONSTITUCIONALIDADE DOART. 6 DA LC 105/01 • Existem pendentes de julgamento nada menos que cinco Adis contra o art. 6.° da LC n.° 105/01, são elas: ADIs 2.390; 2.386; 2.397; 2.389 e 2.406. ACÓRDÃOS DO STF EM CONTROLE DIFUSO • SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5.º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte. RE n.° 389.808-PR. SIGILO BANCÁRIO - MP • EMENTA: - CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. C.F., art. 129, VIII. • I. - A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, da C.F., não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a C.F. consagra, art. 5.º, X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa. • II. - R.E. não conhecido. RE 215.301 – CE, Relator Ministro Carlos Veloso. CONCLUSÕES • Em termos literais não há na Constituição Brasileira qualquer menção aos sigilos fiscal e bancário. Sua aplicação decorre da interpretação conjunta dos incisos X, XII e XIV do art. 5.° da Constituição Federal. Essa interpretação estaria a indicar que o que deve ser preservada é a privacidade da comunicação de dados. A comunicação deve ser preservada em relação a qualquer pessoa alheia a comunicação. • O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado • Não está previsto expressamente em nossa Constituição Federal. Portanto, assim como ocorre com os casos do sigilo fiscal e do sigilo bancário, o seu estudo constitucional demanda interpretação. A hermenêutica constitucional indica que esse princípio é uma decorrência do princípio da legalidade previsto no caput do art. 37 da CF/88. CONCLUSÕES • O princípio da legalidade é aquele que diz que os atos administrativos devem se subsumir ao comando legal. A atividade administrativa deve rimar com a lei. Em se tratando de quebra de sigilo por parte da Administração Tributária, o caput do artigo 37 deve ser interpretado conjuntamente com o seu inciso XXII, que prescreve que as administrações tributárias “atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e informações fiscais, na forma da lei ou convênio”. • O direito a privacidade não é um direito absoluto. Ele deve ceder passo ao interesse público. Portanto, podem quebrar o sigilo fiscal ou bancário as pessoas legitimadas pelo direito: o Poder Judiciário, como órgão imparcial e equidistante; as CPIs que tem função judicante; e a autoridade administrativa fiscal, em face do interesse público. CONCLUSÕES • As disposições legais infraconstitucionais prescrevem que a privacidade da comunicação de dados fiscais, comerciais e bancários do contribuinte pode ser quebrada pelas Administrações Tributárias, independentemente de ordem judicial, exigindo apenas que as razões da quebra sejam justificadas no curso de uma ação fiscal.