CASO “AVENA E OUTROS NACIONAIS MEXICANOS” (MEXICO v. UNITED STATES OF AMERICA) Professor Fabrício Pasquot Polido Fatos do caso 1. Em 09 de janeiro de 2003 o Governo do México iniciou procedimento contencioso contra os Estados Unidos perante a Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia, na Holanda, (“CIJ”), alegando violação da Convenção de Viena de 1963 sobre Relações Consulares, em especial o Art. 36 (“Case concerning Avena and other mexican nationals - Mexico v. United States of America). O mencionado dispositivo assim estabelece: 2. Em sua ação à CIJ, o México alega que seus cidadãos, réus em procedimentos criminais instaurados nos tribunais do Texas não tiveram acesso às autoridades consulares mexicanas antes das respectivas condenações. Avena é o nome de um dos cidadãos mexicanos condenados à pena de morte. 3. Em 2004, ao proferir a sentença de mérito no caso, a CIJ reconheceu a violação da Convenção de Viena de 1963 pelos EUA, ordenando que os Estados Unidos revisassem e reconsiderassem as condenações dos réus mexicanos, a fim de que se apurasse eventual prejuízo à defesa decorrente do desrespeito à referida Convenção Internacional. 4. O caso Avena é o terceiro apresentado perante a CIJ, questionando a conduta dos Estados Unidos quanto ao cumprimento de normas da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, em relação à defesa de estrangeiros condenados à morte. O primeiro foi o Paraguai, e o segundo, a Alemanha. A CIJ indicou medidas preventivas para evitar a execução do nacional paraguaio, e no caso LaGrand, a Corte concedeu o mesmo remédio para evitar a execução de um cidadão alemão, Walter LaGrand, mas ambos já haviam sido executados. 5. Em síntese, o pedido realizado pelo México à Corte Internacional de Justiça é o seguinte: Que o EUA, ao prender, julgar, condenar e sentenciar 54 cidadãos mexicanos à pena de morte, violou suas obrigações internacionais, em seu próprio direito e no exercício de seu direito de garantir proteção consular a seus nacionais, na forma dos Arts. 5 e 36 da Convenção de Viena de 1963. Que os EUA estão sob uma obrigação legal internacional de não aplicar a “doutrina do defeito procedimental”, ou qualquer outra doutrina de direito municipal, para não obedecer ao art. 36 da Convenção. Que o direito à notificação consular sob a Convenção de Viena é um direito humano Os EUA devem restaurar a situação anterior do caso, ou seja, restabelecer a situação que existia antes da detenção, julgamento, condenação e sentença dos mexicanos, em violação às obrigações internacionais dos EUA. Que os EUA devem tomar as medidas para remediar a violação de direitos internacionalmente garantidos ao México e seus cidadãos, conforme o Art. 36 da Convenção, inclusive barrar a imposição de direito interno, ou alegando intempestividade à alegação da violação; deve garantir ao México a não-repetição dos atos ilegais. Pede que a CIJ declare que a obrigação do art. 36 (1) da Convenção requer que a notificação sobre o direito de assistência consular antes de interrogar o estrangeiro, ou tomar qualquer outra medida potencialmente em detrimento aos seus direitos. 6. Os EUA apresentaram quatro objeções à Corte, questionando sua jurisdição no caso: a. Que o México pretende que a CIJ regule o funcionamento do sistema criminal dos EUA para determinar a natureza e extensão das obrigações impostas pela Convenção de Viena de 1963 sobre a tramitação dos processos criminais nos tribunais dos Estados Unidos, uma questão pertencente ao mérito; que o México está pedindo à CIJ que interprete e aplique a Convenção com o objetivo de regular o funcionamento do sistema criminal americano, pois afeta cidadãos mexicanos, portanto, como se a Convenção tivesse o alcance de conduzir seus tribunais locais em casos envolvendo nacionais de outros países; segundo os Estados Unidos, é uma questão de mérito definir até que ponto a CIJ tem jurisdição para interferir no procedimento criminal interno dos EUA. Exigir atos específicos pelos Estados Unidos em seus sistemas judiciais penais estaduais afetaria profundamente na independência de suas cortes; b. Que a primeira apresentação de Memorial do México está excluído da competência da CIJ, que defende uma interpretação da Convenção de Viena sobre a ausência de notificação consular, mas também trata da captura, detenção, julgamento e condenação dos seus nacionais como ilegais, deixando de versar o Memorial estritamente sobre a interpretação da CIJ da Convenção de Viena. Que o Art. 36 “não cria nenhuma obrigação restringindo o direito dos EUA de prenderem um estrangeiro”; e, igualmente, a “detenção, julgamento, condenação e sentença” de nacionais mexicanos não poderiam constituir violação do Artigo 36, que aponta meramente obrigações da notificação. Essa é uma questão de interpretação da obrigação imposta pela Convenção. c. Os pedidos de proteção feitos pelo México ultrapassam a competência da CIJ – portanto, da jurisdição da CIJ para considerar a questões envolvendo medidas preventivas de proteção– e até que ponto pode a CIJ ordenar uma medida preventiva como uma questão de mérito. Duas questões estão em discussão: a nacionalidade das partes, pois alguns mexicanos têm nacionalidade americana e a extensão da expressão “sem demora” do art. 36 (1) b da Convenção – se a notificação deveria ter sido dada no momento da prisão, após a identificação da nacionalidade dos presos. d. A CIJ não tem competência para determinar se a notificação consular é uma questão de interpretação de direito humano da Convenção. 7. Em 28 de fevereiro de 2008, o Presidente George W. Bush concordou em dar cumprimento à decisão da CIJ, emitindo “Memorando Presidencial”, no qual determinou o cumprimento da sentença pelos tribunais do Texas. O “Memorando”, que não tem natureza executiva, diz o seguinte: “MEMORANDUM FOR THE ATTORNEY GENERAL”: cumprimento da decisão da CIJ sobre o caso Avena. Os EUA são Parte da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, bem como do Protocolo Facultativo da Convenção relativa à obrigatoriedade resolução de litígios, que garantem à CIJ jurisdição para decidir disputas relacionadas à interpretação e aplicação da Convenção. Eu determinei, conforme a autoridade de Presidente, em mim vestida pela Constituição e pelas leis dos Estados Unidos da América, de que os EUA irão cumprir com suas obrigações internacionais sob a decisão da CIJ no caso envolvendo Avena e outros cidadãos mexicanos (Mexico v. United States of America) (Avena), 2004 ICJ 128 (Mar. 31), ao darem os Tribunais estaduais efeito à decisão, de acordo com princípios gerais da cortesia, nos casos apresentados pelos 51 mexicanos mencionados na decisão. George W. Bush”. 8. O Estado do Texas, no entanto, recusou dar cumprimento à ordem presidencial e o caso chegou à Suprema Corte do EUA (caso Medellín v. Texas). Em março de 2008, os Ministros da Suprema Corte decidiram que, apesar de ter efetivamente gerado uma obrigação de direito internacional por parte dos EUA, a decisão da CIJ no caso Avena e o Memorando Presidencial não poderiam ser considerados como lei federal autoexecutável. A Suprema Corte entendeu que a decisão da CIJ dependeria de autorização do Congresso dos EUA para ser internalizada no ordenamento jurídico americano. 9. O caso criou uma situação inusitada do ponto de vista do direito internacional, uma vez que um dos réus citados na decisão Avena, José Medellín, seria executado pelo governo do Texas no dia 5 de agosto de 2008. 10. José Medellin, mexicano, tinha 18 anos quando participou de um estupro em gangue que resultou no assassinato de Jennifer Ertman, 14, e Elizabeth Pena, 16, (latina), em Harris County, Texas, em 24 de junho de 1993. Posteriormente, ele foi considerado culpado e condenado à morte. José participava da gangue Black and White, que juntamente com outros 4, estupraram as garotas por mais de uma hora, repetidamente, até que as mataram por estrangulamento e chutes. Os outros 4 envolvidos, Peter Cantu, Raul Villareal, Sean O’Brien, e Efrain Perez, receberam pena de morte. Quando da prisão, em 29 de junho de 1993, Medellin informou que era natural de Laredo, Mexico. Ele também notificou ao Serviço de Pré-Julgamento (Pre-Trial Services for Harris County) que não era cidadão norte-americano. Apesar disso, nunca foi avisado de seu direito de contatar ou buscar assistência dos funcionários do Consulado do México, que ficou privado de assisti-lo durante todo o processo de julgamento. 11. Em 29 de abril de 1997, mais de um mês depois de o Tribunal Criminal de Apelação do Texas e o Tribunal do Júri terem sentenciado os réus, as autoridades consulares do México conheceram o caso de Medellin depois que leram sua correspondência sobre sua sentença de morte. A partir disso, o México passou a prestar assistência a Jose por meio de seu Consulado. 12. Posteriormente, em 2003, Medellín apresentou um pedido de habeas corpus perante um Tribunal distrital dos Estados Unidos, que negou o remédio, alegando que Medellin deveria ter invocado seus direitos garantidos pela Convenção de Viena de 1963 durante o julgamento, e não no recurso, e que não demonstrou prejuízo causado pela violação da Convenção (pelo não atendimento ao Art. 36). Medellin apelou, sem sucesso, sustentando que sua sentença deveria ser anulada por violar o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, e juntou depoimento de Manuel Perez Cardenas, o Cônsul Geral do México, explicando que o México teria oferecido assistência consular imediata se tivesse sido informado da detenção de Medelllin em tempo hábil. 13. Em 9 de janeiro de 2003, o Governo do México iniciou procedimento contra os EUA na CIJ, alegando essa violação no caso Medellin e outros 53 mexicanos enfrentando pena de morte nos EUA (Avena and other Mexican Nationals (Mexico v. United States of America). Em 31 de março de 2004 a CIJ decidiu, por 14 votos contra 1, que os EUA haviam violado o art. 36 (1) (b) da Convenção em 51 dos casos envolvendo mexicanos, inclusive Medellin. Questões de Direito A principal obrigação de uma Parte, em relação a um estrangeiro, enunciada no Art. 36, parágrafo 1 (b), da Convenção de Viena de 1963, é de informá-lo sobre seus direitos, “quando for detido ou preso, ou tiver julgamento pendente, ou for preso de outra forma”. A regra não proíbe o Estado receptor de “prender, deter, julgar, condenar e sentenciar” o estrangeiro, nem limita o poder do Estado de fazê-lo. No entanto, em relação à detenção, prisão, julgamento dos mexicanos, o México argumentava que privá-los do direito à notificação e assistência consular seria uma conduta fundamentalmente injusta por parte dos Estados Unidos. A notificação consular é um componente básico de devido processo legal, pois assegura igualdade procedimental ao estrangeiro no processo criminal. Em sua sentença de 31 de março de 2004, a CIJ determinou que em 51 dos casos, os Estados Unidos haviam violado o art. 36(1)(b) da Convenção de Viena de 1963, ao deixar de informar mexicanos detidos sobre seus direitos e de notificar o Consulado do México imediatamente após as detenções realizadas. Em 49 dos casos, a Corte determinou que os Estados Unidos também violaram o Artigo 36(1)(a) da Convenção, sem permitir a comunicação livre e o acesso entre os oficiais consulares mexicanos e os mexicanos detidos. Em 34 dos casos, incluindo o de Medellin, a Corte determinou que os EUA violaram o artigo 36(1)(c), impedindo que o Consulado do México oferecesse representação legal para seus nacionais. No México a notificação consular está amplamente reconhecida como devido processo legal fundamental, e, portanto, um direito humano. Os direitos dos mexicanos teriam sido violados pelas autoridades americanas, pois foram submetidos a procedimentos criminais sem justiça e dignidade.