UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ AUDÁLIO FERREIRA SOBRINHO As Reservas Particulares do Patrimônio Natural no Estado do Rio de Janeiro como instrumentos de efetivação do direito fundamental a um meio ambiente sustentável. Rio de Janeiro 2004 Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 1 AUDÁLIO FERREIRA SOBRINHO As Reservas Particulares do Patrimônio Natural no Estado do Rio de Janeiro como instrumentos de efetivação do direito fundamental a um meio ambiente sustentável. Projeto de Pesquisa apresentado à Disciplina Metodologia do Ensino e da Pesquisa Jurídica do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá, como exigência para aprovação na mesma. ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Lúcia Regina Goulart Vilarinho Rio de Janeiro 2004 Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 2 SUMÁRIO CAPÍTULO I – O PROBLEMA DE ESTUDO......................................................... 3 1.1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 3 1.2 O FOCO DO PROBLEMA............................................................................. 7 1.3 OBJETIVOS DO ESTUDO............................................................................ 9 1.4 JUSTIFICATIVA............................................................................................ 11 1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................................... 12 1.6 DELIMITAÇÕES DO CAMPO DE ESTUDO................................................. 13 CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................... 14 2.1 AS CONCEPÇÕES DE MEIO AMBIENTE................................................... 2.2 ESTADO, SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE: DOS 14 DIREITOS FUNDAMENTAIS AO DIREITO DE PROPRIEDADE............................................ 16 2.3 DIMENSÕES NORMATIVAS INTERNACIONAIS DO MEIO AMBIENTE.... 19 2.4 DIMENSÕES NORMATIVAS NACIONAIS DO MEIO AMBIENTE............... 23 2.5 RESERVA PARTICULAR DO PATRIMÔNIO NATURAL: A PROPRIEDADE PRIVADA ASSEGURANDO UM DIREITO FUNDAMENTAL..... 26 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 29 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA.................... 31 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DA DISSERTAÇÃO...................................... 32 Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 3 CAPÍTULO I O PROBLEMA DE ESTUDO 1.1 – INTRODUÇÃO Todos os seres vivos impactam o ambiente em que vivem, de uma forma ou de outra. A diferença reside na extensão do impacto negativo causado e na sua repercussão para os outros seres viventes. A evolução da humanidade é, também, a evolução dos impactos ambientais, da degradação do solo, da água, do ar, da deterioração da qualidade de vida do próprio ser humano, artífice e vítima de um desenvolvimento insustentável. Foi a partir de 1750, com a primeira revolução industrial e subseqüentes crescimentos urbanos desordenados, que as ações humanas negativas ao meio ambiente se intensificaram. Até então, o sistema produtivo se baseava no extrativismo e na manufatura, atividades impactantes, mas em escala modesta, se comparados ao sistema industrial de produção . Em se tratando de Brasil, pode-se afirmar que os impactos ambientais tiveram início a partir do descobrimento, no decurso dos diversos ciclos econômicos, expandindo-se rapidamente com os processos de industrialização e urbanização , a partir da década de 1950 (MORAES, 1997). As discussões sobre a questão ambiental são recentes, e mais recentes ainda são as implementações normativas, internacionais e nacionais, com vistas a regulamentar as atividades impactantes ao ambiente e a promover um Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 4 desenvolvimento sustentável, de modo a assegurar um direito fundamental do homem que é o direito à vida na sua relação com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Não obstante haver registros de uma legislação com reflexos ambientalistas desde a Idade Antiga, conforme afirma Marum (2004), o fato que marca o direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental do homem se dá em 1972, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Os sérios problemas ambientais que afetavam o mundo foram a causa da convocação, pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1968, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que veio a se realizar em junho de 1972 em Estocolmo. Essa Conferência chamou a atenção das nações para o fato de que a ação humana estava causando séria degradação da natureza e criando severos riscos para o bem estar e para a própria sobrevivência da humanidade. Foi marcada por uma visão antropocêntrica de mundo, em que o homem era tido como o centro de toda a atividade realizada no planeta, desconsiderando que a espécie humana faz parte da grande cadeia ecológica que rege a vida na Terra. A Conferência foi marcada pelo confronto entre as perspectivas dos países desenvolvidos e as dos em desenvolvimento. Os primeiros estavam preocupados com os efeitos da devastação ambiental sobre a Terra, o que os levou a propor um programa internacional voltado para a conservação dos recursos naturais e genéticos do planeta e apregoar a necessidade de medidas preventivas urgentes com vistas a se evitar um grande desastre ecológico (SÃO PAULO, SMA, 1997). Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 5 De outro lado, os países em desenvolvimento, argumentaram que se encontravam assolados pela miséria, com graves problemas de moradia, saneamento básico, atacados por doenças infecciosas e que, portanto, necessitavam desenvolver-se economicamente, de maneira rápida. Questionaram a legitimidade das recomendações dos países ricos, por estes já terem atingido o poderio industrial com o uso predatório de recursos naturais e estarem querendo impor complexas exigências de controle ambiental, as quais poderiam encarecer e retardar a sua industrialização. A Conferência contou com representantes de 113 países, 250 Organizações-Não-Governamentais (ONGs) e organismos da ONU, dela se derivando a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, contendo princípios de comportamento e responsabilidade que deveriam governar as decisões concernentes a questões ambientais. Outro resultado dessa Conferência foi um “Plano de Ação” que convocava todos os países, os organismos das Nações Unidas, bem como todas as organizações internacionais a cooperarem na busca de soluções para uma série de problemas ambientais. Nessa linha de atuação, destaca-se o evento internacional de vulto que ocorreu em 1992, no Rio de Janeiro, congregando 172 países, com a presença de 116 Chefes de Estado, sendo sua conferência denominada de Cúpula da Terra . Desta conferência resultaram dois importantes documentos: a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento , e a Agenda 21 (numa alusão ao século que se aproximava). O primeiro estabeleceu princípios para um novo estilo de vida na Terra, com proteção aos recursos naturais e a busca de um desenvolvimento sustentável. A Agenda 21, por sua vez, definiu metas a longo prazo, a serem cumpridas pelos Estados signatários, no intuito de se atingir níveis de desenvolvimento sustentável (SÃO PAULO, SMA, 1997). Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 6 A década de 1970, portanto, registra o início das preocupações ambientais globais, e da mobilização social em torno dessas questões, resultando na proliferação de ONGs, engajadas em movimentos pró-natureza, e de tratados internacionais com caráter mais global, o que os tornou distintos dos acordos internacionais que, até então, vinham sendo firmados. O Brasil, na condição de país detentor de significativa biodiversidade, procurou atualizar rapidamente sua legislação ambiental, estabelecendo mecanismos para assegurar um ambiente ecologicamente equilibrado e adequado à vida, nas suas variadas expressões (humana, animal e vegetal). A Constituição Federal de 1988, no conteúdo do artigo 225, balizou os principais aspectos ambientais a serem observados, incluindo a temática nos meandros de outros dispositivos constitucionais, estipulando competências das esferas de governo, e determinando a regulamentação posterior pela legislação infraconstitucional. Em relação às constituições anteriores, o conteúdo ambiental da Carta Magna de 1988 significou um excepcional avanço na manutenção do direito fundamental à vida, por meio de um ambiente equilibrado e sustentável. Um desses mecanismos regulamentadores foi implantado no ano de 2000, por meio da Lei 9.985, de 18 de julho, regulamentando o parágrafo 1º, incisos, I, II, III e VII do artigo 225 da Constituição Federal, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), o qual prevê dois grupos bem distintos de unidades de conservação: as unidades de conservação de proteção integral e as unidades de conservação de uso sustentável. As Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPNs, objeto desse estudo, enquadram-se no grupo das unidades de conservação de uso sustentável, constituindo a única categoria de unidade de conservação que só pode ser instituída em áreas privadas, mediante iniciativa do proprietário e chancela do órgão ambiental Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 7 federal, conforme se pode inferir da análise do Capítulo III da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000 – SNUC. Trata-se de uma forma do cidadão cumprir com a função sócio-ambiental da propriedade que possui, contribuindo, assim, para a manutenção de um direito fundamental do ser humano: o direito à vida, pela manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A RPPN representa, portanto, um importante aspecto do intercâmbio Estado, sociedade e meio ambiente. 1.2 - O FOCO DO PROBLEMA O Brasil despertou para as questões ambientais a partir das duas últimas décadas do século XX e nossos legisladores se empenharam em produzir normas que efetivassem as disposições do artigo 225 da Carta Magna de 1988. Há uma diversidade de mecanismos de comando e controle associados a outros que são repressivos na legislação ambiental brasileira, com vistas a coibir, minimizar ou ressarcir prejuízos decorrentes de ações lesivas ao meio ambiente: estudos e relatórios de impactos ambientais; licenças ambientais para instalação e operação de atividades potencialmente impactantes ao ambiente; rodízio de veículos automotores nas metrópoles; utilização de filtros e mecanismos de controle da emissão de gases poluentes; tipificação criminal de condutas que gerem prejuízos à fauna e à flora; taxas para utilização de recursos naturais; implantação de agências reguladoras; fomento a pesquisas e projetos na área de meio ambiente, dentre outros. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 8 Diante de tantos instrumentos governamentais direcionados para a problemática ambiental, cabe indagar de suas eficácias na consecução do objetivo maior pelo qual foram elaborados e instituídos. Tal indagação se torna ainda mais oportuna porque nem sempre são evidentes os seus efeitos, isto é: a manutenção do direito fundamental do ser humano à vida, por intermédio de um ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse contexto, optou-se por questionar a eficácia de um desses mecanismos governamentais: as Unidades de Conservação (UCs), particularmente no que diz respeito às Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) implantadas no Estado do Rio de Janeiro. De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente (1998), o Brasil possui um total de 785 (setecentos e oitenta e cinco) áreas protegidas através de UCs, incluindo as federais, estaduais e particulares, estas através de RPPNs . Desde 1998, o número de Reservas Particulares do Patrimônio Natural vêm aumentando significativamente, e o Estado do Rio de Janeiro, conforme relatório do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA (2004), ocupa o quarto lugar no ranking nacional de RPPNs por Estado, totalizando 37 (trinta e sete) UCs dessa categoria. Em face dessa expansão, cabe indagar: os atores da comunidade local, nos municípios onde essas RPPNs se localizam, têm se beneficiado de alguma forma com o fato de haver uma UC em seu entorno ? Esses benefícios se adequam à manutenção de um equilíbrio ambiental na área de influência dessas RPPNs , contribuindo para assegurar o direito fundamental à vida, objetivo maior das UCs ? Esse é o problema que se pretende enfocar e a partir do qual se desdobram os objetivos a seguir. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 9 1.3 - OBJETIVOS DO ESTUDO Para o estudo do problema em tela, foi estabelecido o seguinte objetivo geral: analisar a eficácia das RPPNs existentes no Estado do Rio de Janeiro, no sentido de garantir e consolidar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo a se atender ao disposto no artigo 225 da Constituição Federal. Deste objetivo mais amplo, elaboramos os seguintes objetivos específicos: a) discutir vantagens e desvantagens da implantação de uma RPPN para a sociedade, à luz dos direitos fundamentais; b) efetuar um levantamento das RPPNs existentes no Estado do Rio de Janeiro, determinando quando e como foram criadas, suas situações ambientais e legais. Os objetivos anteriormente expostos exigirão abordar os seguintes aspectos: • Concepção de meio ambiente ecologicamente equilibrado e a função sócio-ambiental da propriedade; • Relação entre Estado, Sociedade e Meio Ambiente; • Dimensões normativas internacionais e nacionais do meio ambiente. • Unidades de Conservação no Direito Ambiental: conceito e legislação; • Unidades de Conservação: contribuições a um meio ambiente ecologicamente equilibrado; • Reservas Particulares do Patrimônio Natural: vantagens desvantagens de sua implantação para a sociedade; • Unidades de Conservação existentes no Estado do Rio de Janeiro; e Prof. Audálio Ferreira Sobrinho • 10 Reservas Particulares do Patrimônio Natural implantadas no Estado do Rio de Janeiro; • Contribuições das RPPNs para a materialização do Art. 225 da Carta Magna. A abordagem desses aspectos demandará responder a alguns questionamentos, com a finalidade de delimitar a pesquisa em tela, conforme a seguir: • Como se define meio ambiente ecologicamente equilibrado? • Que relações podem ser estabelecidas entre meio ambiente ecologicamente equilibrado e direitos fundamentais? • Qual é a função sócio-ambiental da propriedade? • O que são Unidades de Conservação? • Qual o embasamento jurídico das Unidades de Conservação? • Como as Unidades de Conservação são implementadas? • Quais as finalidades das Unidades de Conservação, conforme sua categoria? • O que são Reservas Particulares do Patrimônio Natural? • Como as Reservas Particulares do Patrimônio Natural surgiram? • Qual a finalidade das Reservas Particulares do Patrimônio Natural? • Quais as vantagens / desvantagens da implantação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural para o seu proprietário e a comunidade? • Quais e quantas são as Unidades de Conservação existentes no Estado do Rio de Janeiro? Prof. Audálio Ferreira Sobrinho • 11 Quantas são as Reservas Particulares do Patrimônio Natural existentes no Estado do Rio de Janeiro? • Qual a distribuição espacial das Reservas Particulares do Patrimônio Natural no Estado do Rio de Janeiro? • Quais são as Reservas Particulares do Patrimônio Natural no Estado do Rio de Janeiro? • Qual o instrumento jurídico que as criou? • Como vêm sendo utilizadas tais Reservas Particulares do Patrimônio Natural? • Quais as contribuições sócio-ambientais das Reservas Particulares do Patrimônio Natural implantadas no Estado do Rio de Janeiro para a efetivação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo a atender ao disposto no Art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil? 1.4 JUSTIFICATIVA Justifica-se a realização deste projeto de pesquisa pelo fato de as Reservas Particulares do Patrimônio Natural, enquanto unidades de conservação de uso sustentável, destinadas a possibilitar a participação privada na manutenção do direito fundamental à vida, assegurando um meio ambiente ecologicamente equilibrado, serem ainda desconhecidas do público. Tal assertiva pode ser vislumbrada nos modestos números de Reservas Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 12 Particulares do Patrimônio Natural implantadas no Brasil e no Rio de Janeiro: 403 e 37 respectivamente, conforme dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (2004), não obstante o Estado do Rio de Janeiro ocupar a quarta posição brasileira em número de RPPNs, e estas terem previsão no ordenamento jurídico pátrio, desde 1934, isto é, no antigo Código Florestal. No entanto, conforme destaca Benjamin (1999, p. 27), o regime constitucional de 1988 inovou ao estabelecer uma função sócio-ambiental para a propriedade, porém [...] o Brasil é pobre em estudos e aplicação efetiva da função social da propriedade. Aceito como abstração teórica, o instituto deixa de manifestarse no cotidiano das relações produtivas brasileiras e, a partir delas, no que mais nos importa, no conflito homem-natureza. Destarte, importa discutir os benefícios que as RPPNs trazem para a sociedade, sob a ótica dos direitos fundamentais, verificando a existência e a eficácia dessas Unidades de Conservação no Estado do Rio de Janeiro, na manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado. 1.5 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O campo de estudo escolhido se restringe ao grupo de Unidades de Conservação de Uso Sustentável, e no âmbito desta, à categoria das Reservas Particulares do Patrimônio Natural situadas no Estado do Rio de Janeiro. A metodologia aplicada será quantitativa-qualitativa (dedutiva-indutiva), com utilização de pesquisa bibliográfica, abordando a questão ambiental na sua Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 13 relação com os direitos fundamentais, e um levantamento analítico das RPPNs do Estado do Rio de Janeiro, no que concerne à quantidade, localização, área, utilização, implantação e situação ambiental. 1.6 - DELIMITAÇÕES DO CAMPO DE ESTUDO O campo de estudo ficará delimitado às seguintes áreas: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Ambiental. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 14 CAPÍTULO II REFERENCIAL TEÓRICO 2.1- AS CONCEPÇÕES DE MEIO AMBIENTE Abordar a temática ambiental requer cautela para não enveredarmos por concepções tendenciosas e extremas, que medeiam entre o tecnicismo apaixonado e o naturalismo romântico, permanecendo num circuito ineficiente de produção de idéias e de soluções inviáveis para a problemática ambiental (BRESSAN, 1996). Isso porque a primeira concepção peca por subestimar as implicações políticas envolvidas na elaboração e implementação de soluções técnicas para as demandas ambientais, acreditando que tais soluções estão acima e imunes a quaisquer conflitos político-econômicos. A resolução dos problemas ambientais se resume, para os adeptos do tecnicismo apaixonado, a desenvolver a solução técnica mais adequada ao caso. E para isso bastam os especialistas. Já a segunda vertente, romanticamente naturalista, peca por ignorar completamente a dimensão social implícita nas questões ambientais, considerando o homem como o fator mais problemático da questão. Essa vertente é a responsável pelo paradigma holístico que, para Moraes (1997, p. 9), prejudica a abordagem das questões ambientais pois “[...] nessa perspectiva, toda riqueza e complexidade da vida social é reduzida a uma única variável de estudo denominada de ‘ação antrópica’ ”, isto é, a ação do homem sobre a natureza. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 15 Bressan (1996) postula que o meio ambiente tem que ser percebido como uma resultante das relações entre os homens, em seus aspectos econômicos, políticos e culturais, a fim de que o mito da natureza intocada não se propague em perspectivas anti-humanísticas, colocando-se a natureza como um valor maior que o homem, e para que sejam superadas as tentativas de retorno a uma natureza edênica, sacralizada, chegando-se a um modelo de gestão racional do meio ambiente. Sem dúvida, não é possível deixar completamente de lado quaisquer considerações sobre a relação homem-natureza, ignorando o que diz respeito aos outros seres vivos e à função que ocupam no ambiente. Isso porque, nas áreas em que a temática ambiental é enfocada, ao se falar em natureza, em meio ambiente, deve se fazer presente a noção de ecossistema, norteando as pesquisas, as análises e ações. Desse modo, é preciso ter em mente que o ecossistema constitui a unidade funcional básica da vida sustentável no planeta, através da interação entre as comunidades bióticas (seres vivos, elementos orgânicos) e abióticas (elementos inorgânicos), objetivando a perpetuação dos primeiros. Considerar a noção de ecossistema em qualquer análise ambiental (quer seja nas Ciências Naturais ou Humanas) implica em perceber e compreender a interdependência complexa e delicada que se estabelece entre as comunidades do meio ambiente em questão (ecossistema), de modo que não é possível somente considerar um aspecto, elemento ou comunidade isolada, privilegiando-o em detrimento dos demais . Daí porque o antropocentrismo ambiental deve ser aplicado com reservas, já que o Homo sapiens, apesar de dominante, depende das demais comunidades bióticas e abióticas. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 16 Na medida em que o ecossistema sofre alterações, também são afetados animais e plantas que deles fazem parte e dependem. Essas alterações, em grande parte da história ecológica da Terra, se deram por causas dissociadas da ação humana. Hoje, contudo , essas alterações ambientais vêm sendo promovidas em ritmo acelerado e crescente por atividades humanas, ultrapassando a capacidade de absorção dos impactos e de regeneração dos ecossistemas, com ameaça às diversas formas de vida, dentre as quais, a da própria espécie humana. Temos, então, o surgimento da conscientização ambiental dividida em correntes conservacionistas e desenvolvimentistas, cujas estratégias e ações pretendem assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo a preservar as diversas formas de vida, posto que, num ambiente em desequilíbrio a manutenção da vida fica comprometida em qualidade, podendo até mesmo ser inviabilizada, conforme seja o grau de desequilíbrio. 2.2 - ESTADO, SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE: DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO DIREITO DE PROPRIEDADE A questão ambiental toca diversas áreas das Ciências Humanas, exigindo abordagens nos campos econômico, religioso, ético e político. Imiscui-se nas relações dos cidadãos entre si e da sociedade com o Estado, tendo este a incumbência delegada por aqueles, de normatizar as relações e possibilitar a convivência harmoniosa e sustentável. Dentro de um contexto político, entendido como toda relação social de Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 17 poder, a crise ambiental evidencia a dificuldade dos mecanismos políticos de considerar a complexidade dos problemas sociais. Nesse aspecto, a questão ambiental faz parceria com os desequilíbrios sociais, econômicos, que geram conflitos étnicos e raciais, xenofobia, regimes autoritários, marginalização de uma significativa parcela da sociedade, pela incapacidade do Estado em articular soluções políticas que trabalhem a questão ecológica no contexto dos demais problemas da sociedade (TEIXEIRA, 2002, p. 59). O surgimento da conscientização ambiental, nos diversos segmentos da sociedade, nos remete a uma questão fundamental em matéria de Direito, onde se insere não somente o direito de viver – que deve ser assegurado pelo Estado - , mas o direito de viver em boas condições, em condições adequadas a um crescimento e desenvolvimento saudável, que só pode ocorrer em ambientes salubres, capazes de prover as necessidades básicas da vida dos seres em geral, e além dessas, das necessidades adicionais à vida dos seres humanos. Portanto, a vida só se desenvolve adequadamente em sistemas ecológicos que não apresentam variações quantitativo-qualitativas que a tornem vulnerável, estando o direito a um ambiente propício para a manutenção dos ciclos vitais, na base das reivindicações ecológicas. Conseqüência dessas reivindicações, surgiram os direitos de terceira geração, havendo na doutrina mundial uma classificação histórica dos direitos humanos (BOBBIO, 1992, p. 4 - 6): 1- os direitos humanos de primeira geração, frutos da Revolução Francesa de 1789, estabelecendo as garantias individuais do ser humano, seus direitos civis e políticos; 2- os direitos humanos de segunda geração, frutos da Revolução Industrial, Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 18 estabelecendo direitos coletivos e sociais e , 3- os direitos humanos de terceira geração, frutos da Revolução Tecnológica, estabelecendo direitos difusos, de solidariedade, entre os quais, o direito a um ambiente digno e sadio. Leal (2000, p. 43 - 45) , analisando os Direitos Humanos como produto dos processos sociais, políticos e econômicos, conclui que a [...] concepção de Direitos Humanos e Fundamentais emerge da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento e à autodeterminação dos povos, à paz, ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado [...]. Decorrem daí, uma plêiade de novas demandas e novos direitos, ampliando ainda mais as possibilidades de configurações dos Direitos Humanos e Fundamentais, como: [...] os direitos relacionados à questão ecológica; [...] Pela abordagem recente das questões ambientais no campo da ciência jurídica, é que Bertoldi (2000) questiona [...] Inerentemente ao que possa significar o "direito a um meio ambiente adequado e equilibrado ecologicamente" há uma implícita existência de uma forte ligação entre direitos humanos e meio ambiente que nos conduz à pergunta: quando se viola o direito ao meio ambiente, também se violam direitos humanos? Até o presente momento esta indagação não tem uma resposta apesar da existência de tendências e proposições. Nossos legisladores avançaram significativamente na abordagem das questões ambientais com a promulgação da Constituição Federal de 1988, elevando o meio ambiente à categoria jurídica de res comune omnuim, (ANTUNES, 1999, p. 20) por considerá-lo “essencial à sadia qualidade de vida”, assimilando a tendência mundial dos direitos de terceira geração, e lastreando a questão ambiental nos direitos fundamentais. Antunes (op. cit.) aponta para um aspecto do artigo 5º da Constituição Federal, que nem sempre é percebido, qual seja, o inciso LXXIII, que estabelece um remédio constitucional a ser aplicado pelo cidadão na ocorrência de atos lesivos ao Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 19 meio ambiente: a ação popular. E conclui de forma magistral: Ora, se é uma garantia fundamental do cidadão a existência de uma ação constitucional com a finalidade de defesa do meio ambiente, tal fato ocorre em razão de que o direito ao desfrute das condições saudáveis do meio ambiente é, efetivamente, um direito fundamental do ser humano. Entretanto, o meio ambiente ecologicamente equilibrado se reveste de um caráter difuso – metaindividual -, posto que não pode ser classificado como bem público nem como bem privado, imiscui-se nessas duas categorias por força da destinação sócio-ambiental da propriedade. Desse modo, “[...] não há como identificar seu titular e seu objeto é insuscetível de divisão” (SIRVINSKAS, 2003, p. 31). Nesse mesmo sentido, Silva (1997) recusa a catalogação do patrimônio ambiental como integrante de quaisquer categorias tradicionais de bens, enquadrando-o na nova categoria que a doutrina vem denominando de bens de interesse público, na qual se inserem tanto os bens pertencentes ao domínio público como os bens de caráter privado, mas todos subordinados à consecução de um fim público, previsto e assegurado constitucionalmente: a manutenção da vida (de forma sadia), o que só pode ser concretizado através de ambientes ecologicamente equilibrados. 2.3 - DIMENSÕES NORMATIVAS INTERNACIONAIS DO MEIO AMBIENTE Por conta da exploração dos recursos minerais e da intensificação produtiva que se operou com a Revolução Industrial , foi-se tornando mais evidente Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 20 e urgente a necessidade de mecanismos para a preservação ambiental, cuja degradação muitas vezes avança pelas fronteiras dos Estados, não se limitando ao território que a gerou. Desse modo, em nível internacional, lança-se mão de acordos entre Estados, escritos e regulados pelo Direito Internacional. Isso diz respeito aos Tratados, considerados aqui em sua acepção ampla, que inclui todas as espécies de acordos internacionais: convenções, declarações, atos, protocolos, entre outros, cujos termos obrigam a cada um dos Estados signatários, atingindo seus nacionais através do direito interno. Os principais temas de Tratados Internacionais ambientais dizem respeito à poluição transfronteiriça, poluição marinha, mudanças climáticas, contaminação do espaço aéreo, região Antártica, recursos aqüíferos comuns, comércio internacional de animais, controle de pragas, entre outros. Dentre os diversos Tratados Internacionais sobre questões ambientais, podemos elencar como destaques, pela amplitude de seus objetivos, os seguintes: Convenção 1972 das Nações Declaração de Princípios sobre Unidas sobre Meio Ambiente a Proteção do Meio Ambiente. Humano. Convenção sobre a Poluição Proteção contra os efeitos nocivos da 1979 Transfronteiriça. Poluição do Ar, visando sua redução. 1987 Protocolo de Montreal sobre Estabelece etapas para a redução e (Emendas as Substâncias que Esgotam proibição da manufatura e uso de em 1990 e a Camada de Ozônio. substâncias degradadoras da camada Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 21 1992) de ozônio. Convenção sobre Controle de Comercialização 1989 internacional e Movimentos Transfronteiriços depósitos de substâncias tóxicas. de Resíduos Perigosos (Convenção da Basiléia). Convenção 1990 Internacional Propugna a tomada de medidas sobre Poluição por óleo. conjuntas ou isoladas para se preparar ou responder a incidentes de poluição por derramamento de óleo. 1991 Protocolo ao Antártico sobre Tratado Designa a Antártica como Reserva Proteção Ambiental. Natural, destinada à paz e à ciência; determina ambiental princípios da de região; proteção estabelece a cooperação no planejamento e condução das atividades na região. Convenção sobre a Avaliação de Assegurar a execução de AIA antes 1991 Impacto Ambiental (AIA) em da tomada de decisão sobre uma Contextos Transfronteiriços. dada atividade que pode causar significativo impacto ambiental. Declaração do Rio de Janeiro Carta de Princípios para um novo 1992 Sobre o Meio Ambiente e estilo de vida na terra, proteção dos Desenvolvimento. recursos naturais e busca do desenvolvimento Sustentável. Convenção 1992 Biodiversidade. da Conservação da mantendo maior organismos a vivos, biodiversidade, variedade de comunidades e ecossistemas, para atender às presentes e futuras gerações. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 22 Convenção sobre a Mudança Estabilizar as emissões de gases 1992 efeito estufa num nível que evite do Clima. graves intervenções com o sistema climático global e que permita o desenvolvimento sustentável. Convenção 1992 sobre os Transfronteiriços de Acidentes Industriais. Convenção sobre a 1993 Efeitos Prevenção de acidentes industriais e mitigação de seus efeitos. Proibição Proíbe o desenvolvimento e Produção de Desenvolvimento, Produção, de armas químicas e os países Armazenamento e Uso de contratantes Armas Químicas e sobre sua se submetem a inspeções para esse fim. Destruição. Do exposto, pode-se observar quão profícua foi a década de 1990 na elaboração de tratados internacionais, o que repercutiu no ordenamento jurídico pátrio. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 23 2.4 - DIMENSÕES NORMATIVAS NACIONAIS DO MEIO AMBIENTE A legislação ambiental brasileira apresentou significativo avanço com a Constituição Federal promulgada em 1988. As Constituições que precederam a de 1988 jamais se preocuparam com a proteção do ambiente de forma específica e global. Nelas sequer uma vez foi empregada a expressão meio ambiente, o que revela total inadvertência ou, até, despreocupação com o próprio espaço em que vivemos. A Constituição do Império, de 1824, não fez qualquer referência à matéria, apenas cuidando da proibição de indústrias contrárias à saúde do cidadão (art. 179). Sem embargo, a medida já trazia certo avanço para o contexto da época. A Constituição Republicana, de 1891, atribuía competência legislativa à União para legislar sobre as minas e terras (art. 34). A Constituição de 1934 dispensou proteção às belezas naturais, ao patrimônio histórico, artístico e cultural (art. 10, III e 148); conferiu à União competência em matéria de riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração (art. 5º) . A Carta de 1937 também se preocupou com a proteção dos monumentos históricos, artísticos e naturais, bem como das paisagens e locais especialmente dotados pela natureza (art. 134); incluiu entre as matérias de competência da União legislar sobre minas, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração (art. 16); cuidou ainda da competência legislativa sobre o subsolo, águas e florestas no art. 8, onde também tratou da proteção das plantas e rebanhos contra moléstias e agentes nocivos. A Constituição de 1946, além de manter a defesa do patrimônio histórico, Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 24 cultural e paisagístico (art. 175), conservou como competência da União legislar sobre normas gerais da defesa da saúde, das riquezas do subsolo, das águas, das florestas, caça e pesca. A Constituição de 1967 conservou a necessidade de proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 172, parágrafo único); conservando à União as mesmas atribuições anteriores. A Carta de 1969, emenda outorgada pela Junta Militar à Constituição de 1967, cuidou também da defesa do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 180, parágrafo único). No tocante às competências, manteve as disposições da Constituição emendada (SILVA, 2004). Do confronto entre as várias Constituições brasileiras, é possível extrair alguns traços comuns: a) desde a Constituição de 1934, todas mantiveram a proteção ao patrimônio histórico, paisagístico e cultural do país; b) houve constante indicação no texto constitucional da função social da propriedade, solução que não tinha em mira (ou era insuficiente para) proteger efetivamente o patrimônio ambiental; c) jamais se preocupou o legislador constitucional em proteger o meio ambiente de forma específica e global, mas sim dele cuidou de maneira diluída e mesmo casual, referindo-se separadamente a alguns de seus elementos integrantes (florestas, caça, pesca), ou disciplinando matérias a eles indiretamente relacionadas (mortalidade infantil, saúde, propriedade). A Constituição de 1988 pode muito bem ser denominada “verde” , tal o destaque que dá à proteção do meio ambiente. A dimensão conferida ao tema não se resume somente aos dispositivos concentrados especialmente no Capítulo VI, no Título VIII, dirigido à Ordem Social, Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 25 mas alcança, também, inúmeros outros dispositivos inseridos ao longo do texto nos mais diversos Títulos e Capítulos, decorrentes do conteúdo multidisciplinar da matéria. A esse respeito Benjamim (1999, p.27) ensina que o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado encontra substancial respaldo nos institutos da Carta Magna relativos à função social do domínio (e da posse) , pelo qual a propriedade, “[...] mesmo quando privatizada em um dominus particular, deve operar, sem exceção, em favor do interesse coletivo.” A clássica teoria do direito de propriedade sempre conferiu ao titular de uma propriedade privada o direito de usar, gozar e dispor plenamente da coisa para atender apenas o seu interesse. Essa concepção exclusivista, levada a extremo por uma sociedade erigida num sistema consumista e de elevada concentração fundiária, tem sido causadora de inúmeros conflitos sócio-ambientais. Um aspecto que necessita maior elaboração teórica relativa à função social da propriedade diz respeito a um elemento considerado fundamental para sua determinação: a produtividade. A questão está justamente em como deve ser entendida essa produtividade. Desse modo, tomemos como exemplo uma propriedade rural (privada), em que seu dono tenha decidido paralisar as atividades agropecuárias em significativa extensão, para recuperar e manter a área intocada a fim de preservar uma bela paisagem, um sítio paleontológico, arqueológico ou histórico, ou ainda, por ter descoberto na localidade um espécime endêmico da flora ou fauna. Essa propriedade, ou sua parcela, haveria de ser classificada improdutiva por não estar mais produzindo conforme a percepção capitalista? Poderia, por conta disso, ser arrolada como passível de desapropriação para fins de reforma agrária? Ou poderia ser abrangida por uma concepção mais ampla e Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 26 atualizada de produtividade, que incluiria a produção de qualidade de vida, que está intrinsecamente ligada à manutenção da vida em si, tida como direito humano fundamental? Conforme leciona Silva (1997) (op. cit.) , O não uso do bem em decorrência de motivos ambientais, não o transforma em propriedade improdutiva e por conseqüente suscetível de desapropriação para fins de reforma agrária. É relevante considerar que o fato do não uso em dadas circunstâncias liga-se à preservação da vida e funciona como uma garantia para gerações presentes e futuras. 2.5 - RESERVA PARTICULAR DO PATRIMÔNIO NATURAL: A PROPRIEDADE PRIVADA ASSEGURANDO UM DIREITO FUNDAMENTAL A abordagem de Silva (1997) pode ser analisada em um dos instrumentos elaborados pelo Governo Federal para fazer cumprir os dispositivos do artigo 225 da Constituição Federal, consubstanciado no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), lei nº. 9.985, de 18 de julho de 2000. A criação do SNUC visa atender uma das obrigações impostas ao Poder Público no sentido de promover a adequação dos usos de bens ambientais privados aos interesses coletivos. Isso ocorre quando o Poder Público, por intermédio de atos normativos, define os espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, convertendo-os em unidades de conservação (UCs), com regras próprias de uso e manejo. A transformação de determinada área em unidade de conservação pode ou não alterar a situação dominial do bem, estabelecendo-se limitações Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 27 administrativas com restrições ao direito de propriedade, e até mesmo com transferência do bem ao patrimônio público mediante desapropriação e justa indenização. A Lei 9.985/00 – SNUC, prevê, portanto, a instituição de unidades de conservação cujas espécies se aglutinam em dois grupos: 1º - as UCs de proteção integral, onde só se permite o uso indireto promovido através de pesquisas científicas e visitações públicas controladas, compondo esse grupo, os seguintes gêneros: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre; 2º - as UCs de uso sustentável, onde se permite a utilização econômica dos recursos naturais através de um zoneamento ecológico-econômico. São representadas pelos seguintes gêneros: Áreas de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, e Reserva Particular do Patrimônio Natural. Dentre esses doze gêneros, em cinco deles existe a possibilidade da UC ser instituída em propriedade privada, mantendo o bem essa situação dominial, porém com algumas restrições previstas em lei. E dentre esses cinco gêneros, somente a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é a única que, obrigatoriamente, só pode ser instituída em propriedade privada, com o detalhe de que a iniciativa para a transformação em RPPN tem que partir do proprietário do imóvel. Justamente por conta disso, e porque essa iniciativa gera um ônus perpétuo à propriedade, é que Fazolli (2004) afirma que as RPPNs apresentam “[...] singular importância na preservação dos direitos difusos [...] de difícil implementação se não fossem as investidas da educação ambiental” . Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 28 Certo é que, ao gravame perpétuo da RPPN , contrapõem-se vantagens legais a serem auferidas pelo proprietário. “Logo, verifica-se que a RPPN é um tertium genus entre a exploração desmesurada do ambiente e a intocabilidade do mesmo” (FAZOLLI , op. cit. ). Eis, portanto, um ótimo instrumento que possibilita ao indivíduo melhor aquinhoado em nossa sociedade capitalista, exercer uma cidadania efetiva, contribuindo de forma legítima para a manutenção e elevação da boa qualidade de vida dos concidadãos, o que, em última instância, equivale à manutenção do direito fundamental à própria vida. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 29 REFERÊNCIAS ANTUNES, P. B. Direito ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999. BENJAMIN, A. H. V. e (Org) . Manual prático da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente. 2. ed. São Paulo: IMESP, 1999. BERTOLDI, M. R. O direito humano a um meio ambiente equilibrado [2000]. Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1685 . Acesso em 30 set. 2004 . BOBBIO, N. A era dos direitos.Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 13. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Cláudio Brandão de Oliveira (org). 4. ed. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2004. BRASIL. Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1º , incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jul. 2000. Disponível em: <http:// www.sabesp.com.br/legislação/PDF/LF9985.pdf> . Acesso em 22 out. 2004 . BRESSAN, D. Gestão racional da natureza. São Paulo: Hucitec, 1996. FAZOLLI, S. A. Reserva particular do patrimônio natural e desenvolvimento sustentável: preservação da fauna e da flora. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5752> . Acesso em 11.out.2004 IBAMA. Relatório resumido das RPPN por Estado. Brasília, DF, 2004. Relatório. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br>. Acesso em 11 out. 2004 . LEAL, R. G. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. MARUM, J. A. O. Meio ambiente e direitos humanos. Disponível em:<http://www.mp.sp.gov.br;caouma/Doutrina/Amb/Teses/Direitos%20Humanos%2 0-%20Marum.htm> . Acesso em 29 set. 2004 . Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 30 MORAES, A. C. R. Meio ambiente e ciências humanas. São Paulo: Hucitec, 1997. SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Tratados e organizações internacionais em matéria de meio ambiente. 2ª ed. São Paulo, SP: SMA, 1997 . SILVA, J. A . Direito ambiental constitucional. 5ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004. SILVA, J. R. da . O meio ambiente: função social e ambiental. Revista Jurídica da UEPG, Ponta Grossa, vol. 1, ano 1, 1997. Disponível em: <http://www.uepg.br/rj/a1v1at08.htm>. Acesso em 29 set. 2004. SIRVINSKAS, L. P. Manual de direito ambiental. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. TEIXEIRA, Z.G. Direito e crise ambiental: condições para a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 2002. 189 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2002. Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 31 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA Ago/04 Set/04 Out/04 X X X X X Nov/04 Dez/04 Levantamento bibliográfico Leitura e análise da bibliografia X Elaboração do projeto de pesquisa X X Entrega do projeto de pesquisa X Prof. Audálio Ferreira Sobrinho 32 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DA DISSERTAÇÃO X X X X X X Jul/06 X Jun/06 X Mai/06 X Abr/06 Out/05 X Mar/06 Set/05 X Fev/06 Ago/05 X Jan/06 Jul/05 X Dez/05 Jun/05 X Nov/05 Mai/05 Mar/05 X Abr/05 Fev/05 X Levantamento bibliográfico Leitura e análise da bibliografia Levantamento em campo X X Análise de dados X Elaboração da dissertação Revisão final da dissertação Entrega dissertação X da X