1 Universidade Cândido Mendes Pós-Graduação “Lato Sensu” Direito Público e Tributário Projeto A Vez do Mestre RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NA SEGURANÇA PÚBLICA Por: Alexander Rodrigues Orientador Prof. Dr. Sérgio Guerrera Rio de Janeiro 2008. 2 Universidade Cândido Mendes Pós-Graduação “Lato Sensu” Direito Público e Tributário Projeto A Vez do Mestre RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NA SEGURANÇA PÚBLICA Monografia apresentada a Universidade Cândido Mendes - Instituto a Vez do Mestre, como requisito para obtenção do título de Pós-Graduado em Direito Público e Tributário. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Guerrera ALEXANDER RODRIGUES Rio de Janeiro 2008. 3 Dedico este trabalho monográfico a todos da minha família, em especial meus pais que com sua força de vontade e amor, lutaram arduamente para permanecer ao meu lado e contribuir para minha formação que por final digo, que são merecedores de todas os agradecimentos e homenagens. 4 Meu agradecimento será para todos que me ajudaram na produção deste trabalho, desde dos amigos mais próximos até a professora orientadora, que com muita disponibilidade, me atendeu e sanou algumas dúvidas. A estes, meus sinceros agradecimentos. 5 RESUMO A Responsabilidade do Estado por seus atos omissivos nos traz divergências quanto à teoria a ser aplicada, isto é, alguns dizem que neste caso deveremos identificar qual tipo de omissão, se ela é genérica ou específica e com isso aplicariam respectivamente a Responsabilidade subjetiva do Estado para uma e a Responsabilidade objetiva do Estado para outra. Outros afirmam que não existe este tipo de dicotomia da omissão, ela seria uma só e a teoria a ser aplicada é aquela que preconiza a responsabilidade subjetiva do Estado. Ressaltase também a divergência quanto a sua nomenclatura correta, pois alguns dizem que é Responsabilidade Civil do Estado, outros chamam de Responsabilidade da Administração Pública e também tem aqueles que falam que é Responsabilidade do Estado. Portanto, para entendermos melhor a aplicabilidade da Teoria da Culpa do serviço e a Teoria do risco Administrativo, iremos ver a evolução histórica da Responsabilidade do Estado no Brasil e de onde vieram e como são aplicadas tais teorias nos dias de hoje. 6 Sumário INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 7 1- EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO-------------------------------- 9 1.1- EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DO DIREITO BRASILEIRO ---- 11 2 – PRINCÍPIOS ------------------------------------------------------------------------------------------------------14 2.1 – PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO --------------------------------------------------14 2.2 – PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE --------------------------------------------------------------------------15 2.3 – PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO ------------------------------------------16 2.4 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ----------------------------------------------------------------------------- 17 2.5 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA -------------------------------------------------------------------------------- 17 2.6 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE --------------------------------18 3 - SERVIÇO PÚBLICO -------------------------------------------------------------------------------------------- 20 3.1 – CONCEITO DE SEGURANÇA PÚBLICA ---------------------------------------------------------------- 22 4 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ------------------------------------------------------------ 24 4.1 – CONCEITO ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 24 4.2 – ESTADO DE DIREITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ---------------------------25 4.3 – PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ----------------------------------26 4.3.1- O dano ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 26 4.3.2- Nexo de causalidade ------------------------------------------------------------------------------------------ 28 4.3.3- A figura do agente ---------------------------------------------------------------------------------------------28 5 – EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO -------------------------------- 30 5.1- CULPA DA VÍTIMA --------------------------------------------------------------------------------------------30 5.2- ATO DE TERCEIRO --------------------------------------------------------------------------------------------31 5.3- FORÇA MAIOR E CASO FORTUITO ---------------------------------------------------------------------- 31 6 – DIREITO DE REGRESSO ------------------------------------------------------------------------------------34 7 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NA SEGURANÇA PÚBLICA ------------------------------------------------------------------------------------- 36 7.1 – CORRENTE SUBJETIVISTA -------------------------------------------------------------------------------- 36 7.2 – CORRENTE OBJETIVISTA ---------------------------------------------------------------------------------- 39 7.3 – CORRENTE INTERMEDIÁRIA ----------------------------------------------------------------------------- 42 CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 46 7 INTRODUÇÃO Diante de tal cenário, podemos dizer que existe uma crise de âmbito nacional envolvendo a segurança pública. Atualmente, o Estado não consegue fornecer um serviço de qualidade e eficiência para sua população, mas também não podemos afirmar que o ente público não presta o serviço de segurança pública, ele presta, mas de uma forma não individualizada, tendo que ser igual para todos. Com isto, este trabalho tem como objetivo de expor os aspectos da responsabilidade do Estado por sua omissão na segurança pública a luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Como sabemos a responsabilidade do Estado por seus atos omissivos nos traz divergências quanto à teoria a ser aplicada. Portanto, para entendermos melhor a aplicabilidade da Teoria da Culpa do serviço e a Teoria do risco administrativo, iremos ver a evolução histórica da responsabilidade do Estado e como ocorreu a sua evolução no Brasil, e como são aplicadas tais teorias nos dias de hoje. No segundo capítulo, serão expostos os princípios, pois os princípios constituem pedras basilares dos sistemas-jurídicos dos Estados civilizados. Logo, para o nosso campo de estudo analisaremos os princípios da legalidade, da responsabilidade do Estado, da continuidade, da supremacia do serviço público, da proporcionalidade e da razoabilidade e o da eficiência. Trouxemos no terceiro capítulo uma noção de serviço público e o desenvolvimento do seu conceito, para depois analisarmos o que seria segurança pública. O quarto capítulo é o pilar de sustentação do trabalho, pois nele é exposto desde o conceito de responsabilidade do Estado até chegar ao direito de regresso. Aqui foram abordadas, diversas divergências acerca da nomenclatura, do direito de regresso, quanto à hipótese de excludente da responsabilidade, haja vista que alguns não acreditam que o caso fortuito seja uma excludente, outros já pensam o contrário. Ressalta-se outro tópico importante neste capítulo é a possibilidade da denunciação à lide, isto é, chamar à lide o agente público que causou o dano. Alguns defendem a denunciação à lide neste caso, em razão de ser uma economia processual e o não exercício deste instrumento ocasionaria uma restrição ao Estado do seu direito. Já aqueles que sustentam o contrário afirmam serem de natureza distinta a responsabilidade do Estado e a do agente público, sendo esta de natureza subjetiva e àquela de natureza objetiva, e por conseqüência a possibilidade de denunciação á lide traria um encargo maior a vítima, visto 8 que teria que provar a culpa do agente e com isto, ocorreria um atraso no direito da vítima em ter o seu prejuízo reparado. No último capítulo traz o tema do trabalho que é a responsabilidade do Estado por omissão na segurança pública. Será exposta neste capítulo o posicionamento de três correntes acerca do assunto, tendo em vista a sua divergência quanto à natureza jurídica a ser aplicada e como está sendo tratado tal assunto no Estado do Rio de Janeiro. 9 CAPÍTULO 1- Evolução Histórica da Responsabilidade do Estado. A partir do século XIX, a responsabilidade começou a ganhar regras e princípios próprios do direito público, isto foi conseguido em conseqüência do trabalho desenvolvido pelos tribunais franceses, em principal, no Conselho de Estado e Tribunal de Conflitos. Na França, o desenvolvimento da responsabilidade do Estado está vinculada com a confirmação das soluções jurisprudências que a cada dia favorecia mais as vítimas, onde o Estado não era responsabilizado, até conseguir chegar ao que vemos hoje. Este desenvolvimento serviu de modelo para o direito pátrio como será analisado futuramente. Por muito tempo o Estado nunca se responsabilizou por seus atos oriundos das atividades desenvolvidas pelos seus agentes públicos. Nesta época, imperava a teoria da Irresponsabilidade total do Estado, onde o dano era suportado pelo próprio lesado. Esta teoria vigorou durante o Estado Absolutista, onde prevalecia à teoria do Direito Divino, pelo qual o soberano não comete erro, “The king can do no Wrong”, o Estado é infalível. Com isso, a irresponsabilidade do Estado passou a ser a conseqüência da soberania e que durou como regime de muitos anos. Ressalta-se que a Inglaterra e os Estados Unidos da América acolheram a teoria da irresponsabilidade do Estado por muito tempo. Com relação à Inglaterra não se admitia que a coroa inglesa fosse julgada pelos órgãos que tinham a capacidade de julgar. Nos Estados Unidos da América foi aceita a mesma teoria, sob a alegação de que nenhuma indenização seria paga sem lei que a autorizasse e sem a anuência do Estado em fazer parte do dano. Entretanto, com o passar do tempo, a teoria da irresponsabilidade foi deixada de lado, passando a vigorar a responsabilidade direta do Estado em algumas situações. Nos Estados Unidos da América, isso aconteceu através da “Federal Tort Clains Act” de 1946, onde o Estado era responsabilizado por fato de outro, sendo aplicado nos casos em que há culpa dos funcionários. Em 1947, na Inglaterra, com a aceitação do “Crown Proceeding Act”, onde a coroa inglesa passou a ser responsabilizada quando o dano era praticado por seus funcionários, desde que exista violação dos deveres que todo patrão tem em relação a seus prepostos e das obrigações que toda pessoa tem em relação a propriedade, mas esta responsabilidade não era total e sofria limitações. 10 José Aguiar Dias expõe que o Estado não se pode considerar dispensado da norma jurídica. Quem até hoje ermanece como nosso mais esclarecido autor sobre o assunto escreveu, com inexcedível abedoria, que o único ponto de partida verdadeiro é este: o direito é a regra de conduta e proceder, tanto dos indivíduos, como do Estado; conseqüentemente, assim como sucede com os indivíduos, assim também deve o Estado, em Princípio, responder pelos próprios atos, salvo se uma razão jurídica superior fizer cessar ocasionalmente a sua responsabilidade. 1 Com o surgimento do Estado de Direito e com o crescimento dos direitos dos cidadãos em face do Estado, foi abandonando a teoria da irresponsabilidade do Estado passando a adotar as soluções apresentadas pelo direito civil, assim surgiu a Teoria Civilista que diferenciava a prática dos atos de império da pratica dos atos de gestão. Para a teoria civilista os atos de império seriam aqueles praticados pelo Estado como uma manifestação de soberania, independentemente de autorização judicial, posto que estivessem sob o regime de normas especiais. Já os atos de gestão eram aqueles realizados pelo Estado na mesma posição com o administrado e estava sob o regime de normas do direito comum. Com isso, nascia o dever do Estado de reparar o dano, se o ato praticado pelo agente causador da lesão for ato de gestão, pois tais atos não significavam perigo à soberania do Estado. Com o tempo a responsabilidade do Estado passou a ser fundamentada na culpa do funcionário, como era usado no direito civil, com base na teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva. Isso até serviu de modelo para o Código Civil brasileiro de 1916, no seu artigo 15, quando foi adotada a responsabilidade subjetiva do Estado. Porém o elemento da culpa do agente não era suficiente. Com isso, a responsabilidade do Estado começou a ganhar regras e princípios próprios do direito público, graças ao trabalho desenvolvido pelos tribunais franceses em especial, Conselho de Estado e Tribunal de Conflito, a partir do caso Roischild de 1855 e o mais conhecido o caso Blanco de 1873. A decisão no caso Blanco teve muita importância, pois confirmou a teoria da autonomia do direito administrativo, e pôr a responsabilidade do Estado diferente da responsabilidade privada confirmando, então, à competência da jurisdição administrativa quanto ao assunto. Surgiram, então, duas teorias publicistas que são a Teoria da Culpa Administrativa e a Teoria do risco. Aquela passou a ter a idéia do mau funcionamento ou atraso na prestação do serviço. Na jurisprudência francesa era denominada de “faute du 1 DIAS, José de Aguiar . Da responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1954. p.555-557. 11 service public”, que na tradução literal significa culpa do serviço público, mas muitos traduziram como falta, logo, sendo chamada de culpa administrativa ou falta do serviço. Entretanto, a teoria da culpa administrativa não era muito favorável a vítima, pois cabia a esta o encargo de provar a culpa da administração ou da falta do serviço. Assim, a teoria do risco ficou cada dia mais forte, porque para responsabilizar o Estado era necessária a ocorrência do dano e o nexo causal, abandonando a prova da culpa. A teoria do risco vem como base para a responsabilidade objetiva do Estado, porque aqui se dispensa apresentação do elemento subjetivo para sua configuração, só sendo necessário a apresentação deste elemento quando da ação de regresso do Estado contra o agente causador do dano. Com a teoria do risco, o Estado para isentar-se da responsabilidade terá que provar a existência de uma das excludentes da responsabilidade do Estado, como será visto mais à frente. A teoria do risco para alguns autores se divide em teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral. Na primeira, pode o Estado apresentar uma das excludentes da responsabilidade do Estado. Já na teoria do risco integral tal possibilidade não existe. Comenta Yussef Said Cahali acerca dessa distinção e afirmando que “a referida distinção é efetuada por grande parte da doutrina, ora afirmando que a diferenciação não é conceitual ou ontológica, mas estabelecida em função das conseqüências atribuídas a cada uma das teorias defendidas”.2 Portanto, vale expor que atualmente vem se aplicando a responsabilidade objetiva do Estado com base na teoria do risco, tendo como pressupostos o dano e o nexo causal, não sendo importante à diferença entre risco integral e o risco administrativo. 1.1 - Evolução da Responsabilidade Civil do Estado no Direito Brasileiro. No Brasil Colônia, imperava a idéia da irresponsabilidade do Estado, onde os poderes ficam nas mãos de uma pessoa, que é o soberano, “o Estado é o Rei”, “o Rei não comete erros”, “a vontade do Rei tem vigor de lei”. Sendo assim, nota-se que naquela época não existia alguém que fosse responsabilizado pó danos causados por atos dos agentes do Estado. Entretanto, isso foi mudando aos poucos, a teoria da irresponsabilidade foi substituída pela da responsabilidade dos agentes do Estado. 2 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 40. 12 Na Constituição Imperial de 1824 estava expresso no seu art. 179, item 29, que seriam responsabilizados os funcionários do Estado que causarem danos no exercício de suas atividades. Já no art. 99 afirmava que “a pessoa do imperador é inviolável e sagrada. Ele não está sujeito a responsabilidade alguma”, portanto, excluía a responsabilidade do imperador. Na Constituição republicana de 1891, trouxe a responsabilidade pessoal e subjetiva dos agentes do Estado, excluindo a do Estado como notamos no seu artigo 82. Art.82. Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os subalternos. Expõe Celso Antonio Bandeira de Mello acerca destes dispositivos constitucionais e diz que “não foram considerados como excludentes da responsabilidade do Estado aceitando somente a responsabilidade do agente público. Outrossim, entendia-se que existia entre o Estado e os atos dos agentes uma solidariedade”.3 A Constituição de 1934 trouxe o regime da responsabilidade solidária entre o funcionário público e o Estado, como podemos observar no seu artigo 171. Art.171. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos:. §1º Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte. §2º Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário público culpado. Com a Constituição de 1937 foi preservado este regime solidário criado pela Constituição anterior. Porém, mais tarde, com o advento da Constituição de 1946, veio a teoria da responsabilidade objetiva do Estado e o conjunto de imposições jurídicas do direito de regresso do Estado contra o agente causador do dano. Art.194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. § único: caber-lhe-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes. Observa-se que o elemento culpa está presente na ação de regresso contra o funcionário causador do dano. 3 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999, p. 599. 13 Nas Constituições de 1967 e a que foi conferida pela EC. Nº1 de 1969 foi preservado o entendimento que foi criado na Constituição de 1946, como observamos nos seguintes artigos: Art. 105. As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo. Art. 107. As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo. Nota-se que essas Constituições preservaram a responsabilidade objetiva do Estado, retirando o vocábulo “interno”, com o propósito de abranger a extensão da responsabilidade do Estado e incluiu o dolo que desde então passou também a ser uma das condições da ação regressiva contra o agente causador do dano. Atualmente, com a Constituição de 1988 procurou preservar a responsabilidade objetiva do Estado, no entanto, foram incluídas em seu texto as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público e trocou a expressão funcionário público para “agentes”, aumentando a incidência da responsabilidade do Estado. Art. 37. §6º. As pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causaram a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Qualquer ação ou omissão realizada pelos agentes públicos resultará a responsabilidade do Estado, tendo este que reparar o dano causado a terceiros. Sendo importante para a responsabilidade objetiva que o terceiro que foi lesado prove o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão do serviço público. Pois, a culpa e o dolo só estão vinculados ao agente, ou seja, serão necessários esses elementos quando da ação regressiva do Estado contra o agente que causou o dano. O Estado em sua defesa está obrigado a provar a ocorrência de uma das excludentes da responsabilidade que são a culpa da vítima, ato de terceiro, força maior e caso fortuito. 14 CAPÍTULO 2 – Princípios “Não há ciência sem princípios, toda construção científica se funda em proposições abstratas, que são induzidas de um conjunto de normas”. 4 Os princípios são a base, o alicerce, o início de alguma coisa. É a regra fundamental de uma ciência. “O direito administrativo possui princípios que o faz se distinguir dos demais ramos do direito tornandoo, assim, uma ciência autônoma...”. 5 Os princípios constituem pedras basilares dos sistemas-jurídicos dos Estados civilizados, sendo adotados internacionalmente como fruto da necessidade de um sistema equilibrado e como indicativo do caminho adequado para a proteção dos direitos, em conformidade com a responsabilidade social e valores culturais de cada Estado. Os princípios podem ser expressos ou decorrentes do ordenamento jurídico. Os princípios expressos são aqueles elencados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no art.37, caput. ART. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da união, dos Estados, do distrito federal, e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte :6 Já aqueles que decorrem do ordenamento jurídico, ou seja, que são reconhecidos pela doutrina e jurisprudência, são o princípio da supremacia do interesse público, da autotutela, da indisponibilidade do interesse público, da continuidade dos serviços públicos, da razoabilidade, o da proporcionalidade e o da motivação. Para o nosso campo de estudo analisaremos os seguintes. 2.1 – Princípio da Responsabilidade do Estado. O princípio da Responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica do Estado de Direito, como verdade que decorre da submissão ao império da lei, não existindo qualquer dúvida sobre a existência do princípio da Responsabilidade do Estado. O reconhecimento deste princípio iniciou-se com a decisão prolatada pelo Tribunal de Conflitos Francês no caso BLANCO, pois, não obstante, ter ratificado que a responsabilidade do Estado com relação aos danos causados aos administrados, por seus funcionários, não é nem geral e nem absoluta, tem as suas regrais, tendo por atribuir a partir 4 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998. p.65 5 DA SILVA DE OLIVEIRA, Williams Mello; MADEIRA, José Maria Pinheiro. Direito Administrativo para Universitários. 1ª edição –2005. São Paulo. Ed. América Jurídica. P.53. 6 Constituição da República Federativa do Brasil. 2005 Ed. Saraiva, atualizada e ampliada pela Ec 45/04.. 15 deste momento, para a responsabilidade do Estado à qualidade de princípio, podendo ser aplicada mesmo na falta de lei. Conforme o raciocínio de Eduardo Sotto Kloss, citado por Celso Antonio Bandeira de Mello, A idéia de República (res publica – coisa pública) traz consigo a noção de um regime institucionalizado, isto é, onde todas as autoridades são responsáveis, onde não há sujeitos fora do direito. Procede inteiramente a ilação que daí extrai: se não há sujeitos fora do Direito, não há sujeitos irresponsáveis; se o Estado é um sujeito de direitos, o Estado é responsável. Ser responsável implica responder por seus atos, ou seja, no caso de haver causado dano a alguém, impõe-se-lhe o dever de repará-lo.7 Compartilhamos o mesmo entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello quando afirma que “não cremos que se possa, no moderno Estado de Direito, colocar qualquer dúvida sobre a existência do princípio da responsabilidade do Estado nos casos em que falte texto expresso dispondo sobre a matéria”. 8 Com a aceitação da responsabilidade do Estado como princípio, a história da responsabilidade pública demonstra sua contínua evolução, progredindo passo a passo em termos mais favoráveis à proteção dos administrados, ampliando mais os casos de reconhecimento da responsabilidade do Estado. O reconhecimento do princípio da responsabilidade do Estado, como garantia do direito dos administrados em obter o ressarcimento dos danos suportados pelo funcionamento da máquina administrativa, é um dever básico do Estado de Direito. 2.2 – Princípio da Continuidade. O princípio da continuidade significa que os serviços públicos devem ser prestados de forma a atender as necessidades da coletividade sempre que esta se fizer presente, seja incessante ou não. Devendo ser organizados de um modo que possam atender oportunamente às necessidades públicas e não ao interesse individual ou consideração conjuntural que justifiquem a paralisação de um serviço do qual a comunidade necessita. Ressalta-se que o serviço público é direcionado a atender a uma necessidade de interesse geral, não podendo ser de forma descontínua, sob o risco de gerar graves transtornos na vida da coletividade. 7 MELLO, Celso Antonio Bandeira Curso de Direito Administrativo.10ª edição São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p.574. 8 Idem, ibidem. 16 Márcio Fernando Elias Rosa afirma que: a atividade administrativa, em especial os serviços públicos, não pode sofrer paralisações. Administrar corresponde a gerir os interesses da coletividade, a coisa pública em sentido amplo, visando sempre o atendimento das necessidades públicas. Por isso, diz-se ser a atividade administrativa ininterrupta. Por conta desse princípio há ressalvas e exceções ao direito de greve a todos deferidos. Em se tratando de agentes públicos, contudo, determinadas funções não podem sofrer paralisação em nenhuma hipótese, nem mesmo para o exercício daquele direito constitucional (art.37, VII, da CRFB/88). Há proibição ao exercício da greve por militares (art.142, §3º, VI da CRFB/88), e para os demais tal exercício depende de regulamentação legal (v. Lei nº7783, de 28/06/1989, que regula os chamados serviços essenciais). Os serviços essenciais não admitem paralisação, como os de segurança pública, transporte público, saúde....9 Conforme as palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto: Considerando-se em conjunto as atividades do Estado enquanto administrador, todas elas se supõem definidas e a ele cometidas pela lei como necessárias á satisfação dos interesses públicos que lhe foram confiados e, portanto, são indisponíveis. Disso resulta que qualquer solução de continuidade que a administração cause ou permita que se cause à regularidade dessas atividades é ilegal, salvo se a própria lei a autorizar.10 2.3 – Princípio da Supremacia do Interesse Público. Neste princípio, notamos a prevalência do interesse público sobre o interesse do particular. Pois, nas relações públicas a lei compreende e determina a identidade de um interesse geral, esclarece-o como sendo um interesse público dando preferência sobre os demais interesses. Odete Medauar diz que “neste princípio é vedado à autoridade administrativa deixar de tomar providências ou retardar providências que são relevantes ao atendimento do interesse público, em virtude de qualquer outro motivo...”.11 Como ensina Diogo de Figueiredo, ao mesmo tempo em que a lei exprimiu este interesse público específico, compeliu o Estado ao encargo de satisfazê-lo. Uma vez determinado o interesse público e a competência, o Poder Público passa a ter o poder-dever de atuar. Não lhe cabe mais deixar de atendê-lo, procrastinar, variá-lo ou declinar de sua competência; o interesse público específico torna-se indisponível para a administração pública, seja de que natureza for.12 Para o professor Celso Antonio Bandeira de Mello, 9 ROSA, Márcio Fernando Elias. Sinopses Jurídicas Direito Administrativo. volume 19. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2002.p.18.19. 10 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1998.p.75 11 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p.152. 12 Op. Cit. p. 75. 17 “O interesse público ou primário é o pertinente à sociedade como um todo e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa”.13 2.4 – Princípio da Legalidade. A validez de toda atividade administrativa está vinculada ao atendimento da lei. Este princípio surgiu com o Estado de Direito e é a parte essencial de uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Pois a lei limita a atuação administrativa colocando o exercício dos direitos em prol da coletividade. O princípio da legalidade significa que o administrador público está inserido na esfera de toda atividade funcional ficará submissa aos regramentos da lei. No mesmo sentido aprecia com louvor Hely Lopes Meirelles: Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na administração só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa pode fazer assim, para o administrador público significa, deve fazer assim.14 A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-comum, e deles não se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.15 Logo tal princípio significa que o Estado atuará submisso à lei, podendo fazer aquilo que a lei ou determina ou autoriza ou ao menos não proíbe. 2.5 – Princípio da Eficiência. Com a reforma Administrativa realizada através da emenda constitucional de nº 19/98, tornou expresso um princípio a ser observado pelo Estado, que é o princípio da eficiência que significa que a Administração Pública deve agir com rapidez e eficácia no atendimento à população. A eficiência deve ser compreendida tanto qualitativa como quantitativamente, ou seja, a Administração pública tem que atender e servir a todos com elevada qualidade e se organizar para uma produção de volume quantitativo. 13 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros 2001.p.86 e 87. 16 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2001.p.86 e 87. 14 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 16ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2001.p.86 e 87. 15 Idem, ibidem. 18 Salienta Hely Lopes que o dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.16 Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro o princípio tem dois aspectos, podendo tanto ser considerado em relação à forma de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atuações e atribuições, para lograr os resultados melhores, como também em relação ao modo racional de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, idem quanto ao intuito de alcance de resultados na prestação do serviço público. Em seguida diz que “a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito”. No mesmo sentido Odete Medeauar diz que “o princípio da eficiência determina que a Administração deva agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população”.17 2.6 – Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade. O princípio da razoabilidade significa que o Estado não pode atuar conforme os teus valores pessoais, e sim devendo considerar os valores ordinários, comuns a toda a coletividade. Dentro da razoabilidade está compreendida a proporcionalidade requisito para o equilíbrio entre os meios empregados e os fins, que pro sua vez pode ser considerada um princípio autônomo. Para Diogo Moreira de Figueiredo Neto a atividade estatal sempre representa a imposição de um sacrifício de interesse, por parte de alguns, em benefício geral. Tanto a lei, que prevê e a autoriza em tese, quanto à ação administrativa, que a concretiza, estão limitadas pela proporcionalidade entre o sacrifício imposto e a vantagem geral obtida.18 Conforme Hely Lopes tais princípios sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição dos excessos, que em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da administração Pública, com lesão aos 16 Op. Cit. p. 77 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p.151. 18 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1998.p.74. 17 19 direitos fundamentais. De fácil intuição da razoabilidade revela-se quase sempre incompleta ante a rotineira ligação que dela se faz com a discricionariedade. Não se nega que, em regra, sua aplicação está mais presente na discricionariedade. Não se nega que, em regra, sua aplicação está mais presente na discricionariedade administrativa, servindo-lhe de instrumento de limitação, ampliando o âmbito de seu controle, especialmente pelo Judiciário ou até mesmo pelos Tribunais de Contas. Todavia, nada obsta à aplicação do princípio no exame da validade de qualquer atividade administrativa. 19 Ressalta-se que alguns doutrinadores separam o princípio da razoabilidade da proporcionalidade outros não o fazem. 19 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2001.p.86 e 87. 20 CAPÍTULO 3 – SERVIÇO PÚBLICO. Para o melhor desenvolvimento do nosso trabalho, precisamos saber a noção de serviço público. Primeiramente, nota-se a dificuldade de conceituá-lo, pois não é tarefa fácil, mesmo com o seu valor no direito administrativo, atualmente os doutrinadores ainda não chegaram a uma decisão uniforme a respeito do conceito de serviço público. O serviço público esteve de uma forma contínua e direta ligado com o desenvolvimento e as transformações sofridas pelo Estado ao decorrer do tempo. Carlos Roberto Martins Rodrigues citando Fiorini, afirma que “a idéia de serviço público casa-se com a dos fins do Estado e as posturas intervencionistas, em qualquer época de sua evolução, dominado pela necessidade de realizar o bem comum”.20 Na França, no início do século XX, surgiu a primeira noção de serviço público, gerando uma corrente chamada “Escola do Serviço Público” ou “Escola de Bordeaux”. Esta teoria foi desenvolvida com base nos julgamentos realizados pelos tribunais franceses, onde a noção de serviço público tornava-se visível como fundamento da delimitação das regras do direito administrativo e de atribuição dos tribunais administrativos. Apesar de bem recepcionada, a teoria do serviço público adiantado pela escola do Serviço Público, não atingiu a todos na doutrina, recebendo muitas críticas. Mas com o decorrer do tempo, vê que o Estado Liberal não teve competência para cumprir a sua missão. Assim, surge com esta situação o Estado Social de Direito, Estado do BemEstar Social, onde se verifica um aumento nas funções do Estado com a finalidade de obter o bem-estar-social. Com o abandono do Estado Liberal de Direito, vê uma queda da noção do serviço público, o que foi denominada como sendo a “crise da noção do serviço público”, em razão das alterações no modo de atuação do Estado e do desenvolvimento da gestão privada de serviços públicos, afetando a conceituação de serviço público. Afirmam alguns autores que não existe a crise da noção de serviço público, mas sim a evolução deste conceito. Nesse mesmo pensamento, Carlos Roberto Martins Rodrigues entende “que a crise que envolve o conceito de serviço público é uma crise de 20 RODRIGUES, Carlos Roberto Martins. A crise e a evolução do conceito de serviço público. Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1981 nº 57-58. p.130-146. 21 crescimento de evolução de acordo com o próprio desenvolvimento do Estado, haja vista que o Poder Público aparece mais instrumental”. 21 Conforme salienta Celso Antonio Bandeira de Mello que a noção de serviço público que realmente entrou em crise e que é usada para efeitos críticos, por Rivero e pela totalidade dos autores de identificar uma crise permanente ou emergente, é uma noção metajurídica qualificada em função de uma qualidade substante, não em função de um regime jurídico, para ele o conceito de serviço público corresponde a um regime jurídico, jamais passou por uma crise.22 Portanto, podemos afirmar que o serviço público deve ter relação a uma atividade de prestação que dê aos administrados um benefício de qualquer natureza, tendo como finalidade atender ao interesse público. Edimir Netto de Araújo diz “que o serviço público é toda atividade exercida pelo Estado, através de seus poderes para realização direta ou indireta de suas finalidades”.23 No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles conceitua serviço público como sendo “todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controle estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado”.24 Celso Antonio Bandeira de Mello traz um conceito mais restrito que diz que o serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público, portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.25 Concluímos que o conceito de serviço público ainda está longe de se chegar a um ponto comum, pois se percebe pelas diferentes interpretações entre os doutrinadores, tendo alguns o conceito mais amplo e outros optam pela forma mais restrita do conceito de segurança pública. 21 RODRIGUES, Carlos Roberto Martins. A crise e a evolução do conceito de serviço público. Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1981 nº 57-58. p.130-146. 22 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p.653. 23 ARAUJO, Edmir Netto de, Administração indireta brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária. 1997. p.19. 24 MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2001. p. 297. 25 MELLO, Celso Antonio Bandeira, Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p. 405. 22 3.1 – Conceito de Segurança Pública. A segurança pública surge com manutenção do Estado de ordem e repressão a tudo o que ponha em perigo a paz social. Logo, o elemento Estado se faz presente em todas as definições, sendo a polícia o único agente competente de opor-se à violência e responsável por assegurar a segurança pública. O Estado, não se reserva a mera conveniência e oportunidade em prestar ou não, devidamente, a segurança pública, razão pela qual este, tem que cumprir a exigência em atenção aos requisitos mínimos expressos em lei, ou seja, o Estado tem que cumprir um dever de natureza Constitucional. Por isso, foi exposto que a segurança pública nasce com a garantia preventiva contra os crimes e delitos, preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e de seus patrimônios. Assim o exercício do poder de polícia em defesa da soberania nacional e como defesa dos direitos individuais, é o exercício da polícia de segurança e esta, é a segurança do Estado. A polícia de segurança é uma ramificação da atividade geral do Estado, quando este exerce o poder de polícia protegendo bens, enquanto aquela protege os direitos individuais com a finalidade de zelar pela segurança pública. Diogo Figueiredo Moreira Neto, aclara que “o serviço de segurança pública, como função do Estado, detêm os contornos de um poder-dever, tal como, acentuadamente, o ratifica a Constituição no art. 144, caput”,26 então, dizemos que a segurança pública é a reunião dos processos políticos e jurídicos destinados a proteger a ordem pública nas relações dos cidadãos na sociedade. O dever maior do Estado é prestar segurança aos seus cidadãos, assegurandolhes a sua incolumidade física e moral, reflexo de uma relação tranqüila e harmoniosa entre as pessoas da sociedade. O surgimento do Estado de Direito, fez com que o poder de polícia passasse por limitações, mas o Bem-Estar-Social fez reaparecer a segurança que dava importância a todos os campos da vida humana. Então o poder de polícia, conforme explica Diogo Moreira de Figueiredo Neto, passou a ser: a atividade administrativa do Estado que tem por fim limitar e condicionar o exercício das liberdades e direitos individuais visando a assegurar, em nível capaz de preservar a 26 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 11ª edição Rio de Janeiro: Editora Forense. 1998. p.71. 23 ordem pública, o atendimento de valores mínimos da convivência social, notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética.27 Desta forma, como anota Diogo Moreira de Figueiredo Neto, a segurança pública foi definida como a garantia da ordem pública interna, sendo esta, o Estado de paz social que experimenta a população, decorrente do grau de garantia individual ou coletiva propiciado pelo poder público, que envolve, além das garantias de segurança, tranqüilidade e salubridade, as noções de ordem moral, estética, política e econômica independentemente de manifestações visíveis de desordem.28 Segundo o entendimento de João Agnaldo Donizeti Gandini, Luciana Rastalli Rangel e Claudia Regina Martins, o serviço de segurança pública tem caráter de essencialidade, devendo ser desenvolvido somente pelo Estado, de forma adequada e continua, sendo considerada ilegal a sua paralisação, posto que é um serviço obrigatório, de maneira que realmente atenda á sua finalidade precípua e às necessidades daquele ao qual o serviço se destina, pois da sua omissão ou inadequação podem resultar graves conseqüências, pondo em risco a integridade física e patrimonial do cidadão29. Com isto, podemos expor que o conceito mais adequado para segurança pública é aquele expresso no próprio artigo. 144 da CRFB/88 onde tem a seguinte redação: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. §4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvadas a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as Militares. §5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. §6º As policias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Portanto podemos concluir que a segurança pública seria a garantia oferecida e prestada pelo Estado de uma relação social livre de ameaça de violência, consentindo a todos a utilização dos seus direitos garantidos pela Constituição, através do exercício do poder de polícia, ou melhor, através da polícia de segurança. 27 Idem, ibidem. Idem, ibidem. 29 GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 106, 17 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4365>. Acesso em: 17 junho. 2008. 28 24 CAPÍTULO 4 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. 4.1 – CONCEITO. A responsabilidade do Estado ocorre quando é imposto ao Estado reparar os danos causados a terceiros por causa de seus atos comissivos e omissivos. No mesmo sentido entende Celso Antonio Bandeira de Mello que a responsabilidade extracontratual do Estado é a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente dos danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.30 Expõe Diógenes Gasparini que “a responsabilidade civil do Estado è a obrigação que se lhe atribui de recompor os danos causados a terceiros em razão do comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, que lhe seja imputável”. 31 No mesmo sentido Hely Lopes Meirelles aprecia com louvor que “a responsabilidade civil da Administração é a que impõe a Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, o desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las”. 32 Já Antonio Queiroz Telles ensina que “a noção de responsabilidade implica a idéia de resposta, termo que por sua vez deriva do vocábulo verbal latino” respondere “, como o sentido de responder, replicar”.33 Afirma Reis Friede também que “a responsabilidade civil do Estado, de forma genérica, pode ser conceituada como efetiva obrigação que se impõe à Fazenda Pública de repara os danos causados por seus agentes, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las”. 34 Através dos conceitos acima expostos podemos afirmar que existe uma divergência quanto à nomenclatura da responsabilidade civil do Estado, posto que Hely Lopes utilize o nome responsabilidade civil da Administração Pública, uma vez que para ele, “é da 30 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p. 606. 31 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 7ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2002. p. 825 32 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo. Editora Malheiros. 2001. p. 583. 33 TELLES, Antonio Queiroz. Introdução ao Direito Administrativo. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 1995. p. 409. 34 FRIEDE, Reis, Curso Analítico de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: ed. Forense. 2000. p.288. 25 atividade administrativa dos órgãos públicos que nasce o dever de indenizar, e não dos atos de governo.”35 Já Cretella Junior utiliza o “nome responsabilidade pública, pois entende ser esta a melhor forma de explicar a responsabilidade do Estado”.36 A responsabilidade civil do Estado pode ser responsabilidade subjetiva, com base na existência de culpa art.43 do Código Civil (art.15 do antigo Código) e responsabilidade objetiva com base na constituição art.37, §6ºda CF/88. Ainda estes dois tipos se dividem em responsabilidade contratual e extracontratual. A responsabilidade contratual decorre da violação de uma obrigação proveniente de um contrato administrativo. Já a responsabilidade extracontratual decorre do descumprimento de uma obrigação fundada num princípio geral de direito, ou seja, viola um preceito geral, gerando ao Estado o dever de responder pelos atos lícitos e ilícitos realizados pelos os seus agentes. Ressalta-se que a responsabilidade extracontratual também é chamada de responsabilidade aquiliana. Sendo assim, para o nosso trabalho falaremos sobre a responsabilidade extracontratual. 4.2 – Estado de Direito e a Responsabilidade Civil do Estado. Será necessário conhecer o conceito de Estado de Direito para que possamos ter um melhor entendimento acerca deste tema, razão pela qual Odete Medeauar expõe que “o direito administrativo vincula-se a concepção de Estado de Direito justamente porque fixa normas para as atividades da Administração que é um dos setores do Estado”.37 O Estado de Direito surgiu em oposição ao Estado Absoluto com a finalidade de limitar o poder pelo Direito e assegurar aos administrados nenhuma prática abusiva dos soberanos, pois no Estado absoluto existia um soberano que ditava as regras. Mas o Estado de Direito sofreu transformações agregando elementos democráticos com o objetivo de garantir a participação do povo na prática do Poder, sendo denominado de Estado Democrático de Direito. Segundo Odete Medauar o conceito moderno de Estado de Direito corresponde 35 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 16ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2001.p. 582. 36 CRETELLA JUNIOR, Jose, O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Editora Forense. Ano 1998. p.100. 37 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p.26. 26 a um contexto de valores e à idéia de que o Direito não se resume na regra escrita seus elementos básicos são os seguintes: sujeição do poder público à lei e ao Direito, declaração e garantia dos direitos fundamentais, funcionamento de juízos e tribunais protetores dos direitos dos indivíduos, criação e execução do direito como ordenamento destinado à justiça e à paz social.38 Já Diogo de Figueiredo Moreira Neto, afirma que “no Estado de Direito o princípio da legalidade delimita todas as atividades do Estado, ou seja, o Estado de Direito por definição é aquele que submete o Estado às suas próprias leis”39, com isto, podemos afirmar que a responsabilidade do Estado nasce do próprio Estado de Direito. No mesmo sentido afirma Celso Antonio Bandeira de Mello que a idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável da noção de estado de Direito. A trabalhar-se com categorias puramente racionais, dedutivas, a responsabilidade estatal é simples corolário da submissão do Poder Público ao direito. Deveras, a partir do instante em que se reconhecer que todas as pessoas sejam elas de direito privado, sejam de direito público, encontram-se, por igual, assujeitadas à ordenação jurídica, ter-se-ia que aceitar, a bem da coerência lógica, o dever de umas e outras, sem distinção, responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio em que incorressem. Ademais, como o estado Moderno acolhe, outrossim, o princípio da igualdade de todos perante a lei, forçosamente haver-se-á de aceitar que é injurídico o comportamento estatal que agrave desigualmente a alguém, ao exercer atividades no interesse de todos, sem ressarcir o lesado”.40 Assim sendo, nota-se no Estado de Direito que existem normas que tratam da responsabilidade do Estado, devendo o Estado obedecer ao Direito e responder por seus atos violadores dessas normas. 4.3 – Pressupostos da Responsabilidade Civil do Estado. Diferente da responsabilidade subjetiva, a responsabilidade objetiva do Estado necessita da presença dos seus pressupostos que são o dano, o nexo causal entre o dano e a atividade do Estado e do agente público. 4.3.1- O dano. O dano é uma condição essencial da responsabilidade do Estado, seja ele material ou moral. O Estado só poderá ser responsabilizado quando existir um dano efetivo, especial, anormal e de valor economicamente apreciável, pois sem isto, não podermos falar em responsabilidade. 38 op. Cit. p. 25-26 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira, Curso de Direito Administrativo. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1998 .p.64. 40 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p.573-574. 39 27 Rui Stoco diz que “avalia-se o dano tendo em vista a diminuição ocorrida no patrimônio, de modo que a questão relativa ao dano prende-se à da indenização, dando-se relevo, pois, ao dano indenizável”.41 Celso Antonio Bandeira de melo afirma que para surgir o dever do Estado de indenizar o dano tem que corresponder a um direito da vítima e não basta para caracterizá-lo a mera deterioração patrimonial sofrida por alguém. Não é suficiente a simples subtração de um interesse ou de uma vantagem que alguém possa fruir, ainda que legitimamente. Importa que e trate de um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja reconhecendo-o com um direito do indivíduo.42 No mesmo sentido, José Cretella Júnior aprecia com louvor em sua obra que o dano compreende “o desequilibro sofrido pelo sujeito de direito, pessoa física ou jurídica, atingindo seu patrimônio ou sua moral, como conseqüência de uma atividade violadora de uma norma jurídica por ato ou fato de terceiro”.43 Por fim, vamos citar Diógenes Gasparini ao expor que o dano só reparável pela Administração Pública causadora do evento danoso se for certo, possível, real, efetivo, excluindo-se o dano eventual, tem que ser especial, ou melhor, o individualizado, tem que ser referente a uma situação protegida pelo Direito e a ao final tem que ser de valor economicamente apreciável.44 Ainda conclui o mesmo autor que “o dano que não apresentar, ao mesmo tempo essas características não é reparável pelo Poder Público que lhe deu causa”.45 Os danos podem ter sido causados por atos ilícitos e atos lícitos. • Atos ilícitos: para o Estado ser responsabilizado por estes atos, tem que haver – 1º a violação a um direito do lesado, pois se não violou um direito, não há que se falar em indenização; 2º tem que ser um dano certo, há a necessidade que exista o dano visível. • Atos lícitos: para o Estado ser responsabilizado por estes atos, tem que haver – 1º a violação a um direito do lesado; 2º o dano tem q ser certo; 3º o dano tem que ser anormal; 4º o dano tem que ser específico. 41 STOCO, Rui, Responsabilidade civil e a sua interpretação jurisprudencial. 4º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p.653. 42 Op. Cit. p.592-593. 43 CRETELLA JUNIOR, Jose. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1998. p.121. 44 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 7ª edição. São Paulo: ed. Saraiva. 2002. p. 832. 45 Idem, ibidem. 28 4.3.2 - Nexo de Causalidade. O nexo causal é a relação entre a causa e efeito do ato praticado pelo agente público e o dano que a vítima sofreu. Para nascer o dever do Estado em indenizar é necessário existir a relação de causalidade entre o ato praticado pelo agente do Estado e o dano sofrido pela vítima, ou seja, o dano deve ser o fruto da atividade do Estado. Não havendo esta relação entre o dano e a atividade do Estado, não pode o mesmo ser responsabilizado por qualquer dano causado a terceiros. 4.3.3 - A figura do agente. De acordo com o §6º do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, “as pessoas de direto público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causaram a terceiros”46. Sendo assim a qualidade do agente será um dos pressupostos para configurar a responsabilidade do Estado. Nota-se que quando passou a se utilizar a expressão “agentes”, incluiu assim, todas as pessoas que tem funções nas entidades públicas com qualquer tipo de vínculo funcional. Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que a responsabilidade do Estado exige que o dano seja causado “por agente das aludidas pessoas jurídicas, o que abrangerá a todos, agentes políticos, administrativos e particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam o serviço”.47 Salienta Odete Medeauar que esta expressão reveste-se de grande amplitude para abarcar, quanto às entidades integrantes da Administração, todas as pessoas que, mesmo de modo efêmero, realizem funções públicas. Qualquer tipo de vínculo funcional, o exercício de funções de fato, de funções em substituição, o exercício de funções por agente de outra entidade ou órgão, o exercício de atividades por particulares sem vínculo de trabalho ‘mesários e apuradores em eleições gerais’ ensejam responsabilização. 48 46 Constituição da República Federativa do Brasil. 2005 Editora. Saraiva, atualizada e ampliada pela Ec 45/04. 47 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.Direito Administrativo. 10º ed. São Paulo: Atlas. 2000 p. 507. 48 MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno, 4ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 1999, p.407. 29 Questiona Celso Antonio Bandeira de Mello, “quem são as pessoas suscetíveis de serem consideradas agentes públicos, cujos comportamentos, portanto, ensejam engajamento da responsabilidade do Estado?” 49. Logo em seguida o mesmo autor responde que são todas aquelas que em qualquer nível de escalão tomam decisões ou realizam atividades da alçada do Estado, prepostas que estão ao desempenho de um mister público ‘jurídico ou material’, isto é, havido pelo estado como pertinente a si próprio. Nesta qualidade ingressam desde as mais altas autoridades até os mais modestos trabalhadores que atuam pelo aparelho estatal. 50 No mesmo sentido, Jose Cretella Junior aprecia com louvor este tema e diz que a “expressão ‘agente público’ é muito mais extensa que a expressão funcionário público e compreende além dos funcionários públicos propriamente ditos, uma infinidade de outros indivíduos que agem em nome do Estado”. 51 Entretanto, será necessário que o ato praticado pelo agente público, seja uma conseqüência do exercício de sua atividade pública ou com a razão aparente de exercê-la. Pois, se tal hipótese não acontecer, não configurará a responsabilidade do Estado. Expõe Yussef Said Cahali que ordinariamente, distinguem-se, nos atos dos funcionários ou agentes públicos , aquele que são praticados em razão exclusiva de sua condição humana, sob o império de paixões, interesses, sentimentos, ambições ou fragilidades pessoais, capazes de os animarem a um procedimento ilícito em qualquer situação, independentemente, portanto, de sua qualidade de agente ou funcionário; e outro que, embora mesclados por impulsos íntimos, são praticados necessariamente aproveitando-se da situação funcional, em relação de dependência com as funções ou atividades administrativas que desempenham.52 Conclui o mesmo autor que o ato praticado ‘em caráter particular, ainda que envolvendo funcionário público, não pode acarretar a responsabilidade do Estado; sempre que a condição de funcionário ou agente público tiver contribuído de algum modo para a prática do ato danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionado a oportunidade para o comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação de indenizar”.53 Portanto, para que a vontade do agente público seja a mesma do Estado e assim, configurar a responsabilidade do Estado é necessário que o ato danoso fosse praticado no exercício de suas funções públicas. 49 MELLO, Celso Antonio Bandeira, Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p.620. 50 Idem, ibidem. 51 CRETELLA JUNIOR, Jose. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1998. p. 201. 52 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros. 1995. p. 102-111. 53 Idem, ibidem. 30 5 – EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO. O Estado para desobrigar-se do dever de indenizar o lesado terá que comprovar que o dano foi causado por culpa da vítima, por ato de terceiro, caso fortuito e força maior. Ressalta-se que caberá ao Estado demonstrar a presença de uma das excludentes da Responsabilidade do Estado. No mesmo sentido, expõe Rui Stoco a respeito deste assunto que em casos que “tais ônus da prova é invertido; ao Estado é que compete provar a existência de uma causa de exclusão da responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito e a força maior”. 54 5.1 – Culpa da Vítima. Existem situações em que a vítima concorre parcial ou totalmente, para o dano, sendo assim, ficará isento o Estado se provar que a vítima concorreu totalmente para i dano e pagará na proporção desta participação se provar que a vítima contribuiu parcialmente para o resultado danoso. Nota-se que há um rompimento do nexo causal entre o dano e o ato praticado pelo agente do Estado, pois este não deu causa ao dano, logo não será responsabilizado. No mesmo sentido Odete Medeauar salienta que a culpa da vítima, exclusiva ou concorrente, nesse caso, a conduta da vítima contribuiu para o dano que a mesma sofreu; se a vítima teve participação total no evento danoso, a Administração se exime completamente; se o dano decorreu simultaneamente da conduta da vítima e da Administração, esta responde parcialmente.55 Anota Celso Antonio Bandeira de Mello que pode ocorrer que o dano resulte de dupla causação. Hipóteses haverá em que o evento lesivo seja fruto de ação conjunta do estado e do lesado, concorrendo ambos para a geração do resultado danoso. Ainda aqui não haverá falar em excludente da responsabilidade estatal. Haverá, sim, atenuação do quantum indenizatório, a ser decidido na proporção em que cada qual haja participado para a produção do evento.56 Esta excludente também será considerada com atenuante, quando se verificar que o dano se produziu por culpa da vítima junto com a participação do agente do Estado, com isto, atenuando a responsabilidade do Estado. 54 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e a sua interpretação jurisprudencial. 4º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p.325 55 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000, p.441. 56 MELLO, Celso Antonio Bandeira, Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, ano 1999, p.634. 31 Concluímos que a existência da culpa da vítima isenta o ente público do dever de indenizar ou até mesmo atenua a responsabilidade do Estado, desde que o Estado demonstre a existência de tal excludente. 5.2 – Ato de Terceiro. Poderíamos expor nossa humilde opinião, dizendo que terceiro seria uma pessoa estranha ao Poder Público, não tendo qualquer vínculo jurídico com o mesmo, isto é, que não seja agente público e nem a própria vítima, mas que concorreu para o resultado danoso. Logo, os danos provenientes de ato de terceiros serão por estes suportados, desobrigando o Estado de reparar o resultado danoso. Jose Cretella Junior expõe que “se a atividade desempenhada por terceiro tem qualquer vínculo com o Estado, a reparação do dano deve ser repartida entre o ente público e o terceiro, in solidum”57. 5.3 – Força Maior e Caso Fortuito. Entre as causas de exclusão da responsabilidade do Estado estão a força maior e o caso fortuito. Mas é importante demonstrar a divergência quanto à definição destes institutos, haja vista que alguns doutrinadores afirmam que são sinônimos um do outro, visto que o Código Civil não buscou diferenciar um do outro. Logo, a nossa humilde opinião acerca deste assunto é que a força maior consiste em fatos, ainda que previsíveis, serão inevitáveis, irresistíveis. Observa-se que a inevitabilidade é indispensável para configurar a força maior. Celso Antonio Bandeira que no caso da responsabilidade objetiva do Estado a eventual invocação de força maior, força da natureza irresistível, é relevante apenas na medida em que pode comprovar ausência de nexo causal entre a atuação do Estado e o dano ocorrido. Se for produzido por força maior, então não foi produzido pelo Estado. O que exime o poder público de responder é sempre a não-configuração dos pressupostos. 58 57 CRETELLA JUNIOR, Jose. O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1998. p.129. 58 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999, p.634. 32 Jose Cretella Junior diz que “os fenômenos da natureza como cataclismos, terremotos, ciclones, furacões, raios, inundações, erupções vulcânicas, maremotos, entre outros fatos que, comprovado, se apresentam com o traço da inevitabilidade mesmo diante das possibilidades técnicas de nossos dias, impotentes para evitar-lhes os efeitos, configuram a força maior, evento imprevisível e alheio à vontade do sujeito a quem se pretende atribuir a responsabilidade pelo prejuízo causado”.59 Já no caso fortuito existe um evento imprevisível e em razão disto, se torna inevitável, ou seja, nota-se que a imprevisibilidade é indispensável para configurar o caso fortuito. Ressalta-se que alguns autores preconizam a definição de força maior e caso fortuito de forma contraria desta que foi exposta, sendo o caso fortuito decorrente do fenômeno da natureza e a força maior decorrente de ato humano. Neste sentido Diógenes Gasparini afirma que o acontecimento imprevisível e irresistível causado por força externa ao Estado como o tufão, nevasca, enchentes, enfim, relacionados ao fenômeno da natureza será considerado caso fortuito e aquele acontecimento emanado da greve, da grave perturbação da ordem pública, ato humano considera-se força maior.60 Ademais, ainda sobra divergência sobre o tema, o que podemos notar na hipótese do caso fortuito como excludente da responsabilidade do Estado, pois de acordo com o entendimento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Diógenes Gasparini, que aceitam a inclusão do caso fortuito como excludente da responsabilidade. Outros como Yussef Said Cahali, Rui Stoco, Odete Medeauar, José Cretella Junior, não aceitam que o caso fortuito seja considerado uma possibilidade de exclusão da responsabilidade do Estado. No mesmo sentido, salienta Celso Antonio Bandeira de Mello que o caso fortuito não é utilmente invocável, pois sendo um acidente cuja raiz é tecnicamente desconhecida, não elide o nexo entre o comportamento defeituoso do estado e o dano assim produzido. O porquê da incorreta atuação do Estado não interfere com o dado objetivo relevante, a saber, ter agido de modo a produzir a lesão sofrida por outrem.61 No entanto, quando pensarmos em caso fortuito como hipótese de excludente da responsabilidade do Estado, teremos que observar se trata de uma hipótese de caso fortuito 59 CRETELLA JUNIOR, Jose, O Estado e a obrigação de indenizar. Rio de Janeiro: Editora Forense. Ano 1998. p.131-137. 60 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 7ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2002. p. 831. MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999, p.635. 61 33 externo ou caso fortuito interno. Pois este é imprevisível, logo inevitável, isto é, tem haver com a própria atividade exercida pelo Estado, já aquele também é imprevisível logo inevitável, entretanto não tem haver com a própria atividade exercida do Estado. Sendo assim, somente é hipótese de excludente da responsabilidade do Estado quando tivermos diante de uma situação que seja caso fortuito externo. 34 6 – DIREITO DE REGRESSO O direito de regresso é o direito que o Estado tem de reaver tudo que foi efetivamente pago pelo dano causado pelo agente público, através do ajuizamento da ação regressiva, sempre que for provado a culpa ou o dolo do agente público, como demonstra o artigo 37, §6º, da CRFB/88. Conforme os ensinamentos do excelentíssimo desembargador Reis Friede, “os pressupostos para o exercício do direito de regresso pelo Estado contra o agente causador do dano são a prova da culpa do agente e a prova do efetivo pagamento da indenização por parte do Estado em favor da vítima”.62 O mesmo autor expõe o seu entendimento acerca da possibilidade do direito de regresso na esfera administrativa dizendo que “é importante observar que parte da doutrina, a partir de 1988, passou a considerar que a Administração Pública pode exercer o direito de regresso sem recorrer ao Poder Judiciário, já que o texto constitucional não se refere mais à ação regressiva, mas apenas ao direito de regresso, Sendo assim, a Administração Pública poderá se ressarcir do prejuízo causado pelo servidor que obrou com dolo ou culpa através de procedimento administrativo. Tal procedimento naturalmente observará o direito de defesa, bem como será possível a reapreciação judicial, caso o agente se considere injustiçado e exerça o direito de ação. De qualquer forma, a questão é controvertida e , por efeito, passível de grande discussão na doutrina”.63 Outro assunto que merece destaque é a aceitação da denunciação da lide ao agente causador do dano, pois existe divergência na doutrina e jurisprudência acerca deste tema. Primeiramente vamos analisar o entendimento daqueles que são favoráveis. Estes alegam ser favoráveis pelo fato que o artigo 70, III do Código de Processo Civil trata de forma ampla dos casos de ação regressiva, isto é, tratam de todos os casos, eles afirmam que o não exercício da denunciação á lide estaria, restringindo ou impedindo do direito do Estado, e por fim, afirmam que tal instituto traria uma economia processual e impedirá sentenças inconciliáveis. Entretanto, no lado oposto a da aceitação da denunciação á lide, está dentre outros, Hely Lopes Meirelles que afirma que “a denunciação à lide prevista no artigo 70, III do CPC, é incabível, considerando do que as hipóteses de responsabilidade na ação principais são fundadas no risco e na ação regressiva é fundada na culpa, logo, são diversas”.64 62 FRIEDE, Reis. Curso Analítico de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2000. p .301. Idem, ibidem. 64 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros. 2001.p. 594-595. 63 35 Sendo assim, podemos concluir que a inclusão de um outro fundamento na ação de responsabilidade do Estado atrasaria o bom andamento do processo, sem conter que o artigo 70, III do CPC, não predomina sobre a norma constitucional prevista do artigo 37, §6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Yussef Said Cahali nos traz um entendimento distinto destes apresentados, expondo a ocorrência de duas hipóteses. Primeiro, ele afirma “se a ação for com base na responsabilidade objetiva do Estado ou na culpa anônima do serviço à denunciação da lide será incabível”65, haja vista que neste caso, será incluído um outro fundamento, atrasando o andamento do processo. Conforme o entendimento do mesmo autor, a outra hipótese ocorrerá quando a ação proposta estiver com “base na responsabilidade objetiva, porém com fundamento exclusivo de ato do agente público. Nesse caso, será cabível a denunciação à lide ao agente causador do dano, podendo a ação ser proposta em litisconsórcio facultativo”. 66 Informa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua obra que com relação à prescrição para propor a ação de reparação do dano. Quanto a prescrição, o artigo 1º-C, acrescentado à Lei nº 9494, de 10/09/1997, pela medida provisória nº 2.180-35, de 24/08/2001, estabelece que prescreverá em cinco anos o direito de obter a indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Vale dizer que a prescrição qüinqüenal contra a fazenda pública, nesse caso, estendeu-se às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, expressão que abrange, não só as entidades integrantes da Administração Indireta, como também as concessionárias permissionárias ou autorizatárias de serviços ou qualquer entidade privada que preste serviço público a qualquer título. 67 Já com relação à ação regressiva, Diógenes Gasparini explica que o direito de regresso não prescreve, consoante expressamente declara a parte final do §5º do artigo da Lei Maior. Não mais vigora o entendimento de que sua prescrição darse-ia em vinte anos, ex vi do artigo 177 do Código Civil de 1916, já que não subordinado a prazo especial. A ação de regresso pode ser ajuizada contra o agente causador do dano e na sua falta, contra seus herdeiros ou sucessores, dado que obrigação meramente patrimonial. Ademais, pode ser intentado após o afastamento do agente causador do dano de seu cargo, emprego ou função pública. 68 65 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros. 1995. p. 186. Idem, ibidem. 67 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 10º ed. São Paulo: Atlas. 1999 p. 538. 68 GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo. 7ª edição. São Paulo: ed. Saraiva. 2002. p. 837. 66 36 7 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NA SEGURANÇA PÚBLICA Com relação à segurança pública, onde o Estado tem o dever de garantir a ordem pública e de impedir o acontecimento de fatos que lesem ou ponham em risco bens coletivos e individuais, sabemos que quando os danos são provenientes de atos comissivos do Estado, a responsabilidade é objetiva. Porém, quando falamos em omissão do Estado não só com relação à segurança pública como também em outros casos, a doutrina passou a discutir se a responsabilidade objetiva com base na teoria do risco administrativo, teria aplicação nos casos de omissão do Estado. Nesses casos temos a corrente subjetivista, defendida pelo Estado e com certa aceitação no STJ, entendendo que no caso de algum dano por omissão Estatal a responsabilidade é sempre subjetiva. Já a corrente objetivista, com fulcro na interpretação literal do §6º do Artigo 37 da Constituição, entende que não importa se o dano veio de uma ação ou omissão Estatal a responsabilidade será sempre objetiva. Entretanto, existe uma corrente mista, assim denominada por alguns, entendendo que nos casos de omissão do Estado se faz necessário distinguirem a omissão genérica onde não exigiria do Estado uma atuação específica, da omissão específica onde exige do Estado um dever específico de agir. Iremos expor de forma sucinta as três opiniões doutrinárias e ao final demonstrar a que mais é utilizada, nos casos de omissão do Estado na segurança Pública, atualmente no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 7.1 – CORRENTE SUBJETIVISTA A responsabilidade subjetiva do Estado consiste no encargo do Estado em reparar o dano sofrido por terceiros, decorrente de um ato culposo ou doloso. Porém, para tanto, será necessário que o terceiro que foi lesado prove a culpa na atuação administrativa. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello entende que a responsabilidade subjetiva ocorre quando “atuando o agente público com culpa ou dolo responde o Estado pelos seus 37 atos culposos ou dolosos, se no exercício das atividades que lhe são próprias, e causando dano a terceiros por lhe serem imputados”. 69 Nota-se que não é mais necessário provar a culpa individual, ou a culpa do agente para configurar a responsabilidade do Estado, pois essa vem com base na teoria da culpa do serviço, ou culpa administrativa, onde era imposto um encargo a vítima de comprovar o mau funcionamento do serviço, se o serviço não funcionou e se quando ele funcionou foi tarde de mais. A teoria da culpa administrativa teve influência da idéia francesa de faute du service, que para os franceses significa a culpa do serviço. Entretanto, no Brasil, como em outros países, tal dispositivo foi traduzido com a idéia da falta do serviço. Ressalta-se que tal interpretação fez com que alguns autores afirmassem que a teoria da culpa administrativa seria uma modalidade de responsabilidade objetiva, pois a falta do serviço trazia um a idéia de algo objetivo, como ratifica Celso Antonio Bandeira de Mello, dizendo que é muito provável que a causa deste equívoco, isto é, da suposição de que a responsabilidade pela faute du service seja responsabilidade objetiva, deva-se uma defeituosa tradução da palavra faute. Seu significado corrente em francês é o de culpa. Todavia, no Brasil, como de resto em alguns outros países, foi inadequadamente traduzida como ‘falta’, o que traz ao espírito a idéia de algo objetivo.70 Depois o mesmo autor conclui que é mister acentuar que a responsabilidade por falta de serviço, falha do serviço ou culpa do serviço não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e alhures, às vezes, tem-se inadvertidamente suposto. É responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa ou no dolo.71 Vale expor que em alguns casos a responsabilidade com base na faute du service fez surgir à presunção de culpa, em razão da extrema dificuldade de provar que o serviço funcionou abaixo dos padrões devidos. Com isso, era transferido ao Estado o dever de provar que o serviço operou de forma correta e normal, caso o contrário seria responsabilidade por tal fato. Celso Antonio Bandeira de Mello defensor da aplicação da responsabilidade subjetiva quando o dano decorrer da omissão do Estado, expõe que “se o Estado não agiu, não 69 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 1969. p. 482.. 70 Op. Cit. p. 616. 71 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p.615. 38 pode, logicamente, ser o autor do dano. Só podendo ser, caso esteja obrigado a impedir o dano, ou seja, descumpriu um dever legal”.72 O mesmo autor salienta que não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço e o dano sofrido. Com efeito, inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso, seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado, responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria extraí-la do nada. Significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais, a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e faze-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra, é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.73 Maria Sylvia Zanella Di Pietro também sustenta que no caso de omissão do Estado a responsabilidade não é objetiva porque decorrente do mau funcionamento do serviço público, a omissão na prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público, é a culpa anônima, não individualizada, o dano não decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder público.74 Afirma Celso Antonio Bandeira de Mello que na situação de omissão do Estado não se pode dizer que o Estado causou o dano. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa, pois a causa é o fator que positivamente gera um resultado. Já a condição é o evento que não ocorreu, mas que se houvera ocorrido, teria impedido o resultado. 75 O mesmo doutrinador continua dizendo que na hipótese de culpa presumida nos casos de omissão do Estado, não se aplica a responsabilidade objetiva, pois em inúmeras situações de falta de serviço é de admimitir-se uma presunção de culpa do Poder Público, sem o que o administrado ficaria em posição extremamente frágil ou até mesmo desprotegido ante a dificuldade ou até mesmo, impossibilidade de demonstrar que o serviço não se desempenhou como deveria. O administrado não pode conhecer toda a intimidade do aparelho estatal, seus recursos, suas ordens internas de serviço, os meios financeiros e técnicos de que dispõe ou necessita dispor para estar ajustado às possibilidades econômico-administrativas do Estado. Ora, quem quer os fins não pode negar os necessários meios. Se a ordem jurídica quer a responsabilidade pública nos casos de mau funcionamento do serviço, não pode negar as vias de direito indispensáveis para a efetiva responsabilização do Estado quando faleçam aos 72 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p. 624. 73 Idem, ibidem. 74 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.10º ed. São Paulo: Atlas. 1999 p. 531. 75 Op. Cit. p. 625. 39 administrados possibilidades de dispor dos meios que permitiram coloca-la em jogo. Razoável, portanto, que nestas hipóteses ocorra inversão do ônus da prova. 76 É importante frisar que essa corrente doutrinária de considerar a responsabilidade subjetiva em todos os casos de omissão do Estado não tem muita aplicação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 7.2 – CORRENTE OBJETIVISTA Como foi dito, a responsabilidade subjetiva foi aos poucos saindo do cenário, com isso, a responsabilidade objetiva do Estado foi ganhando mais apoio e como vemos atualmente, está sendo aplicada até hoje, quando falamos em responsabilidade do Estado. Celso Antonio Bandeira de Mello diz que a responsabilidade objetiva “é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem”.77 O fundamento da responsabilidade objetiva do Estado é a teoria do risco administrativo significando que o Estado é responsável pelo risco criado por sua atividade administrativa, ou seja, o Estado cria alguns riscos excepcionais, através do exercício de suas atividades em benefício da coletividade, porém com a probabilidade de causar danos aos administrados, com isso, tem a idéia de que a atividade estatal envolve um risco e também se baseia no princípio da igualdade de todos ante os ônus e encargos sociais, significando que todos têm a obrigação de suportar o ressarcimento dos danos causados pelo Estado a alguns, já que todos se beneficiam das atividades administrativas. Com a teoria do risco administrativo basta que a vítima comprove o nexo causal entre o dano e a atividade estatal para configurar a responsabilidade. Observa-se que não é mais necessário demonstrar o elemento culpa, tendo o Estado a obrigação de comprovar uma das excludentes de sua responsabilidade que são a culpa da vítima, ato de terceiro, caso fortuito e força maior. Conforme Yussef Said Cahali a responsabilidade implica a assunção de responsabilidade pelo risco criado pelas atividades impostas ao órgão público, risco criado pelas atividades normais ou anormais da Administração. Segundo essa teoria, o dano sofrido pelo administrado tem com causa o fato objetivo da atividade administrativa, afastando-se qualquer pesquisa em torno de elementos subjetivos. O que importa é a relação de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a atuação da administração. 78 76 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p. 626. 77 Op. Cit p.617. 78 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 34-35. 40 José Afonso da Silva afirma que “a responsabilidade do Estado é sempre objetiva referindo-se à responsabilidade informada pela culpa apenas na relação travada entre a Administração e o agente causador do dano...”79. João Agnaldo Donizeti Gadini e Diana Paola da Silva Salomão afirmam que é aplicável a “responsabilidade objetiva pelas condutas omissivas que causarem danos a terceiros, haja vista a necessidade de proteger o lesado frente a dificuldade deste, em demonstrar a culpa de algum agente ou que o serviço não funcionou como deveria”.80 Os mesmos concluem que “o novo Código Civil ao trazer tal regra no seu art.43, corroborou a norma constitucional, para que seja verificado a culpa ou o dolo somente em ação regressiva do Estado em face do causador do dano”.81 Entretanto, ressalta-se a divergência existente quanto a teoria do risco, pois alguns autores não a divide e nem fazem distinções entre a teoria o risco e a teoria do risco integral. Outros, como por exemplo, Hely Lopes, afirmam que a teoria do risco se divide em teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral sendo esta a que não permite as causa de excludente da responsabilidade do Estado, enquanto aquela permite tais excludentes. Yussef Said Cahali diz que a distinção entre risco administrativo e o risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as duas modalidades de risco pretendidas, mas simplesmente em função das conseqüências irrogadas a uma outra modalidade, o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir a contraprova de excludente de responsabilidade, efeito que seria inadmissível se qualificado com risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção. Deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação atribuída ao risco integral, risco administrativo, risco proveito, aos tribunais se permite exclusão ou atenuação daquela responsabilidade do Estado quando fatores outros, voluntários ou não tiverem prevalecido ou concorrido com causa na verificação do dano injusto.82 A teoria do risco integral responsabiliza o Estado por qualquer dano proveniente de um ato ou fato administrativo causado a terceiros mesmo nos casos de culpa da vítima, ato de terceiros, força maior e caso fortuito. Salienta-se que o direito brasileiro não admite tal teoria, porém existem alguns autores que sustentam a aplicação dessa teoria no âmbito do direito ambiental, sendo aplicada a todo causador do dano inclusive o Estado. E com relação aos atentados terroristas ou atos de guerra onde surgi à responsabilidade do Estado como dispõe a lei nº10.309/2001. 79 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001.p.658. GANDINI, João Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 106, 17 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4365>. Acesso em: 17 ABRIL. 2008. 81 Idem, ibidem. 82 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros. 1995. p. 40. 80 41 Alguns autores entendem a aplicação da teoria do risco integral no caso de dano nuclear, porém conforme explica Reis Friede é o que se pode depreender do texto do artigo 21, XXIII, c, da CRFB/88, à luz da lei nº 6453/77, que dispõe sobre a responsabilidade civil e criminal por danos e atividades nucleares, bem com pela Convenção de Viena de 1963, ratificada pelo decreto legislativo nº 93/92, é que a responsabilidade objetiva baseia-se efetivamente no risco administrativo e não no risco integral.83 Portanto, vimos que na teoria do risco é dispensável a apresentação do elemento culpa, sendo indispensável à demonstração do nexo de causalidade entre o dano e a atividade do Estado. Será irrelevante o questionamento acerca se o serviço funcionou bem ou mal e qualquer dos elementos subjetivos. Tal entendimento é reproduzido nos seguintes precedentes do TJERJ: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO / ROUBO DE VEICULO / PEDIDO DE INDENIZACAO / NEXO DE CAUSALIDADE AUSENCIA / RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO / INAPLICABILIDADE IMPROCEDENCIA DO PEDIDO "Procedimento sumario. Responsabilidade civil. Indenização contra o Estado. Roubo a mão armada de automóvel em via publica. Ato predatório de terceiros. Ausência de nexo causal. Aplicação da teoria da responsabilidade objetiva. Descabimento. Inexistência do dever reparatório. Recurso improviso. A responsabilidade objetiva do Estado, prevista na regra constitucional da Carta Magna de 1988 (artigo 37, par. 6.), somente se configura em relação aos danos causados diretamente pelos agentes do poder publico. Não, porem, quanto aos danos decorrentes de atos predatórios de terceiros, como assaltos e agressões que alguém sofra em vias e logradouros públicos. Desse modo, tratando-se de roubo de automóvel, praticado `a mão armada em via publica, se não foi atribuído a funcionário da administração, nem se omitiram os agentes policiais no momento do fato, posto que não o presenciaram e, tampouco, foram chamados a intervir com o objetivo de evita-lo, ausente esta' o nexo de causalidade, a impor o afastamento do dever reparatório pelo Estado." (DSF) (1996.001.00766 APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES. ANTONIO EDUARDO F. DUARTE - Julgamento: 16/05/1996 - TERCEIRA CAMARA CIVEL) Responsabilidade Civil. Dever do Estado de dar segurança aos cidadãos ordeiros e que pagam impostos, cujos recursos são utilizados para outros fins. Bala perdida decorrente de briga em bailes FUNK , cujas gangues, que, neles, se reúnem, após a sua realização, passam a agredir-se, mutuamente, visando a obtenção da liderança. Resultados, altamente, danosos para a sociedade ante a omissão da autoridade competente. Vítima que ficou paraplégica. Pretensão de receber do Estado o ressarcimento de danos materiais e moral. Improcedência do pedido. Inconformismo da autora. Provimento do recurso. Não obstante tratar-se de responsabilidade objetiva do Estado, na forma do § 6º, do artigo 37, da Constituição Federal, tem-se que, na espécie, restou, amplamente, comprovada a sua OMISSÃO , no que tange à segurança pública dos cidadãos, que constitui seu primordial dever preservar, considerando que, como é público e notório, nos bailes FUNK , há, via de regra, brigas violentas de gangues, cujos integrantes andam sempre armados, sem que a autoridade policial se faça presente para coibir o respectivo porte e o conseqüente uso ilegal, quase sempre trágico às pessoas, que nada têm a ver com essas badernas e sobre as quais recaem os atos de vandalismo incontido. Não constitui, como é de obviedade gritante, caso fortuito aquele que é previsível e pode ser evitado, desde que o ESTADO não se omita e exerça, nos locais, sabidamente, perigosos, a sua autoridade, como agente responsável e garantidor da segurança pública. Se já perdeu tal autoridade, deve responder por todos os danos causados aos cidadãos, que forem vítimas de sua inércia. 83 FRIEDE, Reis. Curso Analítico de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2000. p. 295. 42 (2001.001.07398 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa / DES. NILTON MONDEGO Julgamento: 26/09/2001 - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO / DISPARO DE ARMA DE FOGO / SEGURANCA PUBLICA / NEXO DE CAUSALIDADE INEXISTENCIA Direito Civil. Ação de responsabilidade civil. Bala perdida. Omissão do Estado. Garantia da segurança e ordem pública. Descabimento. Ausência de comprovação do nexo de causalidade. A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no § 6º do art. 37 da Constituição, exige a demonstração pelo demandante do requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Quem pretender indenização do Poder Público, sob o fundamento de omissão nas providências garantidoras da segurança pública, deve cumpridamente demonstrar o nexo de causalidade entre a atuação estatal e o evento danoso. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. Direito Processual Civil, Demanda contra a Fazenda Pública Estadual. Prescrição Qüinqüenal. Aplicação do Decreto nº 20.910/32. Acolhimento da prejudicial de mérito. Desprovimento do recurso. (2002.001.18447 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 10/12/2002 - SEXTA CAMARA CIVEL) Direito Constitucional. Responsabilidade civil do Estado. Assalto a ônibus urbano. Fortuito interno. Descabimento. A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no § 6º do art. 37 da Constituição, exige a demonstração pelo demandante do requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do Cód. Civ., a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Quem pretender indenização do Poder Público, sob o fundamento de omissão nas providências garantidoras da segurança pública, deve cumpridamente demonstrar o nexo de causalidade entre a atuação estatal e o evento danoso. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. Desprovimento dos embargos.( 2002.005.00140 - EMBARGOS INFRINGENTES - 1ª Ementa DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 14/05/2002 - SEXTA CAMARA CIVEL) Observa-se nos casos supracitados o entendimento muito adotado, antigamente, pelo Tribunal, expondo a responsabilidade estatal como objetiva por força do §6º do artigo 37 da Constituição, devendo aquele que pleiteia indenização do Estado, com o fundamento de omissão nas providências que garantem a segurança pública, demonstrar o nexo de causalidade entre a ação ou omissão atribuída ao Estado e o dano. Logo, a responsabilidade do Estado, em matéria de Segurança Pública, é objetiva, desde que comprovado o nexo causal entre a ação dos agentes estatais e o dano experimentado pelas vitimas. Entretanto, ressalta-se que o elemento subjetivo existe na responsabilidade objetiva do Estado, mas só na hipótese do direito de regresso do Estado com relação ao agente causador do dano, tendo o Estado que provar a culpa ou o dolo do agente público. 7.3 – CORRENTE INTERMEDIÁRIA Antes de falarmos sobre como está sendo tratado esse assunto pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, gostaríamos de expor a outra parte da doutrina que é uma corrente 43 intermediária distinguindo omissão genérica da omissão específica para que possamos aplicar ou a responsabilidade subjetiva ou a responsabilidade objetiva respectivamente. Nessa linha de raciocínio Sergio Cavalieri Filho expõe que “quando se trata em omissão do Estado é preciso distinguir a omissão genérica da omissão específica”. 84 Visto isso, podemos dizer que a omissão genérica está ligada a falta do cumprimento de um dever geral ou coletivo, onde não exigiria do Estado uma atuação específica. Já na omissão específica diz respeito a um cumprimento de dever individualizado onde exige do Estado um dever específico de agir. Assim, o Estado responde subjetivamente quando o dano decorrer de omissão genérica de sua parte, devendo, nesta hipótese, ficar provado o dano, a culpa e o nexo causal. Por outro lado, a responsabilidade do Estado é objetiva nos casos de atos comissivos e omissão específica por ele praticado. Expõe Sérgio Cavalieri Filho que “é de se concluir que a responsabilidade subjetiva do Estado não foi de todo banida da nossa ordem jurídica. A regra é a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, sempre que o dano for causado por agentes do estado, nessa qualidade; sempre que houver direta relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e o dano. Resta, ainda, espaço, todavia, para a responsabilidade subjetiva nos casos de fatos de terceiros, caso fortuito e força maior, determinando-se, então, a responsabilidade da Administração, com base na culpa anônima ou falta de serviço, seja porque este não funcionou, quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente”.85 Atualmente, podemos observar que na Jurisprudência do o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a corrente intermediária tem sido adotada expressamente, como podemos perceber em alguns acórdãos a existência entre a opção da omissão genérica e a omissão específica. Logo, sendo o caso de conduta omissiva do Estado, faz-se necessário à distinção entre a omissão genérica e a específica, como podemos notar em alguns acórdãos: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO FAVELA DANOS CAUSADOS A VEÍCULO ONIBUS OMISSÃO DA ADMINISTRACÃO CARACTERIZACÃO OBRIGACÃODEINDENIZAR. Responsabilidade civil do Estado. Danos causados a coletivo por populares moradores de favela. Omissão especifica da autoridade caracterizada pela previsibilidade da ocorrência de distúrbios no local diante de fatos desenvolvidos no dia anterior. Conflito gerador de morte de morador. Omissão genérica que não pode ser recepcionada diante do visível despreparo do ordenamento militar existente no Estado. Recurso provido. Decisão reformada. (2002.001.14328 – APELACAO CÍVEl. DES. MARCUS TULLIUS ALVES - Julgamento: 01/10/2002 NONA CAMARA CIVEL) 84 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2000. p.169. 85 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2000. p. 180-181. 44 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO BALA PERDIDA OMISSAO GENERICA DO PODER PUBLICO INEXISTENCIA DE DOLO OU CULPA Apelação Cível. Responsabilidade civil do Estado. Bala perdida. Apelante que foi atingido na porta de seu bar, sem saber de onde veio o tiro. Sentença que julgou o pedido improcedente, adotando entendimento de ser a responsabilidade subjetiva, no caso de omissão do Estado. O par. 6. do art. 37 da CF/88 estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, sem distinção entre a conduta comissiva ou omissiva de seus agentes, mas não adota a teoria do risco integral, não sendo o Estado garantidor universal. No caso, não há provas de que houvesse troca de tiros entre policiais e marginais, ou de onde teria sido efetuado o disparo, afastando a conduta de algum agente estatal. Analisada a omissão quanto à segurança pública, não pode o Estado estar onipresente, pelo que não havendo prova de que foi chamado a agir e se omitiu, não é de se reconhecer a responsabilidade pela omissão genérica, por ausência de culpa e de nexo causal. Em qualquer dos entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais, a pretensão do apelante não merece prosperar, embora se lamente e seja motivo de revolta a ocorrência de fatos como o que lesionou. Sentença de improcedência que merece ser mantida. Recurso não provido. (2005.001.50847 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES. NANCI MAHFUZ - Julgamento: 19/09/2006 - DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL) DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE CIDADÃO DECORRENTE DE FERIMENTOS CAUSADOS POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO. DISPARO EFETUADO POR DELINQUENTES EM FALSA BLITZ. FATO DANOSO QUE NÃO GUARDA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE DIRETA E IMEDIATA COM CONDUTA COMISSIVA OU OMISSIVA DE AGENTES PÚBLICOS. DEVER DE INDENIZAR AUSENTE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1) No que pese a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão, certo é que, com base na teoria do risco administrativo, só responde civilmente o Estado por omissão específica e, mesmo assim, quando o comportamento do agente público é a causa direta e imediata do dano. 2) Não se admite a responsabilidade civil do Estado por omissão genérica, o que resultaria em submissão do ente público à teoria do risco integral, não aplicável, na espécie. 3) O Estado assumiu o dever geral de prestar segurança pública, com os meios e recursos possíveis, não lhe podendo ser imputada omissão genérica, já que não se lhe pode atribuir o ônus de segurador universal. 4) Recurso conhecido e não provido. (grifei) (Apelação Cível 200500125904 – JDS. Des.Werson Rego) RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LESÃO EM VÍTIMA CAUSADA POR BALA PERDIDA. DEVER DE SEGURANÇA DO PODER PÚBLICO. OMISSÃO GENÉRICA. 1)Não se pode, com arrimo no artigo 37, §6º da CRFB, conferir ao Estado a qualidade de segurador universal, uma vez que o referido dispositivo constitucional não consagrou a teoria do risco integral. 2) Somente restaria caracterizado o nexo de causalidade entre o dano e a inação estatal na hipótese de omissão específica do Poder Público, a qual pressupõe ter sido este chamado a intervir, ou se o disparo tivesse ocorrido por ocasião de confronto entre agentes estatais e bandidos, o que não restou comprovado na hipótese. 3) Ainda que se perfilhasse o entendimento de que no caso de omissão a responsabilidade do Estado é subjetiva, não se tem por caracterizada a culpa, se não comprovada a ausência do serviço ou sua prestação ineficiente, vez que não se pode esperar que o Estado seja onipresente. 4) Provimento do primeiro recurso. Prejudicada a segunda apelação. (DES. HELENO RIBEIRO P NUNES Julgamento: 19/12/2007 - SEGUNDA CAMARA CIVEL 2007.001.63327 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa) RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. ASSALTO. LESÃO DE PASSAGEIRO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA EMPRESA DE TRANSPORTE. FATO NÃO RELACIONADO COM O SERVIÇO DE TRANSPORTE. FORTUITO EXTERNO. OMISSÃO ESTATAL GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PROVA DE CULPA DE QUALQUER AGENTE PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (2007.001.55022 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES. ANDRE ANDRADE - Julgamento: 05/12/2007 - SETIMA CAMARA CIVEL) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. BALA PERDIDA. Demanda deflagrada pela vítima em face do Estado do Rio de Janeiro. Sentença improcedente. Apelo da autora. Manutenção do decisum. Uma vez que a violência mostra-se presente toda e qualquer sociedade moderna, para que surja a obrigação de indenização do 45 Estado, deve haver nexo causal entre o ato (omissivo ou comissivo) praticado pelos seus agentes e o prejuízo sofrido pelo particular, o que, in casu, não restou demonstrado. No mais, cumpre esclarecer que no local onde ocorreu o acidente não restou configurada uma omissão específica do Estado no que diz respeito ao seu dever de segurança pública. Ou seja, não restou caracterizada a alegada omissão ou mesmo qualquer negligência por parte do Estado, posto que a demanda não traz a notícia de reiterados incidentes envolvendo a ação de bandidos no local onde ocorreu o acidente. Assim, não há como aplicar a responsabilidade de que trata o artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal em desfavor do Estado, eis que não restou comprovada de que a ação danosa foi efetivamente praticada por um de seus agentes. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (2008.001.08220 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES. FERDINALDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 01/04/2008 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL) AÇÃO ORDINÁRIA INDENIZATÓRIA. Lesões suportadas em virtude de assalto ocorrido em via pública. Responsabilidade civil do Estado que somente se configura na espécie se comprovada a omissão específica. Comprovação de que no local existe policiamento ostensivo, seja por meio de operações policiais, seja pelas patrulhas. Prova testemunhal no sentido de que a patrulha tinha visibilidade privilegiada e que poderia interceptar a ação dos meliantes, acenando ainda que o local é conhecido como de alto risco e de desova de cadáveres. Caracterização da omissão específica e nexo causal que não foi afastado. Questão amplamente debatida neste Tribunal, incluindo-se a Décima Terceira Câmara Cível, o que autoriza exame e decisão pela Relatoria, nos termos do art. 557, § 1º - A do CPC. Sentença recorrida que se mostra ultra petita,por ter fixado o valor indenizatório acima do valor pretendido pelo autor na inicial. Quantia indenizatória reduzida ora reduzida para R$ 30.000,00 ( trinta mil reais), a título de danos morais, razão pela qual DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO. (2007.001.35163 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa DES. SIRLEY ABREU BIONDI - Julgamento: 01/10/2007 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL) Nota-se que na maioria das decisões a segurança pública é considerada como um dever genérico do Estado, um dever de vigilância que por certo não é prestada a cada cidadão em particular, mas sim para todos. Esse dever de vigilância a que o Estado está obrigado, está ligado à manutenção de policiais nas ruas, no serviço de policiamento preventivo e ostensivo. Portanto, para que haja uma responsabilização do Estado, no momento do delito houvesse um policial presente, ficando este omisso, permanecendo inerte diante de vários delitos que ocorrem freqüentemente em alguma região. 46 CONCLUSÃO Com o Estado atuando mais na vida da sociedade através dos serviços públicos prestados por ele, nota-se que estas atividades têm uma idéia de risco de violação dos direitos dos cidadãos, tendo em vista que os administrados estão vulneráveis a sofrerem as conseqüências mais os prejuízos de ordem patrimonial ou moral. O desenvolvimento do Estado de Direito elevou como princípio, a responsabilidade do Estado, constituindo fator importante a tendência da responsabilidade objetiva. Entretanto, o artigo 37, §6ºda CRFB/88 tem provocado divergência na doutrina quando o dano é proveniente de uma omissão do Estado ou de seus agentes. Alguns autores dizem que o caráter dominante é a responsabilidade objetiva, com base no artigo 37, §6º da CRFB/88, no entanto, não significa que a responsabilidade subjetiva estará afastada quando o assunto for omissão do Estado. Entre aqueles que defendem a responsabilidade subjetiva, Celso Antonio bandeira de Mello diz que “a responsabilidade subjetiva por causa da omissão do Estado ocorrerá quando este deixar de cumprir um dever legal para impedir o evento danoso”,86 concluindo a seguir que “a conduta que gera a responsabilidade de natureza subjetiva será uma conduta ilícita”.87 No sentido da segurança pública, o Estado não pode deixar de utilizar todos os meios e a prevenir danos à integridade física do administrados e a de seus bens, bem como assegurar a ordem pública. Caso se omita, deverá o Estado suportar os ônus de sua omissão. Salienta-se que neste caso, existem distintas opiniões, aqueles que sustentam a natureza objetiva, ou que defendem a aplicação da responsabilidade subjetiva. Nesse sentido, Emmanuel José Peres Netto Guterres Soares afirma em seu trabalho acerca do assunto, que tem ampla “aplicação no direito pátrio à teoria da culpa administrativa, ou seja, o Estado responderá se ficar caracterizada sua inércia, omissão, ou falha na prestação de serviço público essencial, como é o caso da segurança pública”.88 Contudo, existem aqueles que sustentam que quando o caso for a omissão do Estado, existe a necessidade de se distinguir a omissão genérica da omissão específica. Sendo 86 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo: Editora Malheiros. 1999. p. 624. 87 Idem, ibidem. 88 SOARES, Emmanuel José Peres Netto Guterres. A responsabilidade civil do Estado pela falta do serviço de segurança pública.JusNavigandi,Teresina, a. 9, n. 487, 6 nov. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5889>. Acesso em: 17 abril. 2008. 47 esta, será aplicada a teoria do risco administrativo, já no caso da omissão genérica será aplicada a teoria da culpa administrativa. Conclui-se que a jurisprudência assume maior destaque quando se trata de omissão estatal, haja vista, que a responsabilidade por ação do Estado é convergente a aplicação da responsabilidade objetiva com fundamento no §6º do artigo 37 da Constituição. Quanto à responsabilidade do Estado por omissão na segurança pública existem divergências doutrinárias que se refletem, atualmente, nos julgados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro podendo ser constatada a aplicação da corrente intermediária com força, fazendo necessária a distinção entre a omissão genérica e a omissão específica. Portanto, tendo o Estado o dever constitucional a cumprir e o de reparar os danos dos administrados, por omissão ou falta de diligência das autoridades policiais, faz com que não poupe esforços em melhorar a segurança pública, já que esta é um direito de todos. 48 BIBLIOGRAFIA CAHALI, Yussef Said.Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo: Editora Malheiros.1995. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2000. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2000. Constituição da República Federativa do Brasil. 2005 Ed. Saraiva. atualizada e ampliada pela Ec 45/04. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo, Ed, Rio de janeiro, Forense, 1998. DA SILVA DE OLIVEIRA, Williams Mello; MADEIRA, José Maria Pinheiro. Direito Administrativo para Universitários. 1ª edição –2005. São Paulo. Ed. América Jurídica. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. 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