ARTIGO DE MONOGRAFIA APRESENTADO COMO CONCLUSÃO DA RESIDÊNCIA MÉDICA EM PEDIATRIA DO HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL(HRAS)/HOSPITAL MATERNO INFANTIL DE BRASÍLIA (HMIB) Fabiana de Luccas dos Santos Orientadora: Dra Maristela Estevão Barbosa Brasília , 29 de novembro de 2012 www.paulomargotto.com.br Introdução Hipoglicemia no período neonatal – diversas causas. Se os episódios são recorrentes e de difícil manejo, estender as hipóteses diagnósticas. Hiperinsulinismo Congênito; Associado a síndromes e doenças metabólicas, etc. Causas de hipoglicemia hiperinsulinêmica Hiperinsulinismo congênito (modo de herança): ABCC8 (autossômico recessivo e dominante) KCNJ11 (autossômico recessivo e dominante) GLUD1 (dominante) GCK (dominante) HADH (recessivo) HNF4A (dominante) SLC16A1 (induzido pelo exercício) (dominante) Secundário a (usualmente transitório): Diabetes mellitus materno (gestacional e insulino-dependente) Restrição do crescimento intra-uterino Asfixia perinatal Isoimunização Rh Condições metabólicas: Desordens congênitas da glicosilação (CDG), tipo 1 a/b/d Tirosinemia tipo 1 Associado a síndromes: Beckwith- Wiedemann Soto Kabuki Usher Timothy Costello Trissomia do 13 Turner mosaic Síndrome de hipoventilação central Outras causas: Síndrome dumping Insulinoma (esporádico ou associado a MEN tipo 1) Mutações no gene do receptor da insulina HH factícia (Munchausen por procuração) Introdução A principal causa de hipoglicemia recorrente no período neonatal e infância é a hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente da infância (HHPI). Nível de insulina inapropriadamente alto, que não responde a variações da glicemia. A insulina é secretada mesmo em vigência de hipoglicemia. Potenciais danos neurológicos, exigindo urgência no diagnóstico e manejo da doença. Introdução Inicialmente descrita em 1937, recebe várias denominações Hiperinsulismo congênito, nesidioblastose, HHPI. Desordem genética: formas hereditárias e esporádicas. Variabilidade clínica Início dos sintomas; Tipo de lesões; Alteração genética determinante. Introdução 3 casos de pacientes em seguimento ambulatorial no HMIB e HCB. Alertar ao pediatra sobre o diagnóstico precoce e tratamento adequado. Normatização da conduta- redução da mortalidade. Caso 1 Sexo masculino, natural do Paraná, sem intercorrências perinatais. Aos 4 meses iniciou com crises convulsivas. Internado para investigação no Paraná. Foi observado hipoglicemia e hipotonia generalizada. Caso 1 Iniciada infusão de altas taxas de glicose (TIG): resposta insatisfatória. Teste do glucagon: glicemia sérica de 12,5 mg% insulina paradoxalmente aumentada 65,31 uU/ml cortisol e GH consumidos resposta inadequada ao glucagon. Caso 1 Tratamento: prednisolona e somatotropina (Paraná). Brasília: prednisolona. Aos 7 anos recorrência das convulsões. Apresentava atraso do DNPM, em uso de prednisolona e com Síndrome de Cushing. Reiniciado GH, com redução do corticosteróide. Iniciou seguimento no HMIB. Solicitado diazóxido à SES-DF. Caso 1 Liberação do diazóxido: 6 anos após o início do seguimento em Brasília. Atualmente com 18 anos, em seguimento ambulatorial e em uso de diazóxido 100 mg/dia, com bom controle glicêmico, atraso do DNPM e baixa estatura. Caso 2 Sexo feminino, mãe apresentou DMG, parto cesariana (DCP- GIG) Iniciou com crises convulsivas nas primeiras horas de vida associado a hipoglicemia refratária e hepatomegalia. Internada no HMIB aos 50 dias Caso 2 Transferida para UCIP em uso de hidrocortisona, glucagon, adrenalina e TIG alta. Ecocardiograma (1 mês de vida): hipertrofia septal assimétrica sem sinais de obstrução da via de saída do VE. Caso 2 Internação prolongada, com manejo adequado da hipoglicemia com prednisolona e somatotropina. Alta aos 6 meses, aguardando diazóxido, o qual foi liberado aos 11 meses. Caso 2 Fornecimento interrompido aos 22 meses. Manteve níveis glicêmicos adequados. Atualmente com 4 anos, em acompanhamento em nosso serviço, sem medicações para HHPI, com leve atraso do DNPM. Caso 3 Sexo feminino, sem intercorrências perinatais, GIG. Crises convulsivas e hipoglicemia de difícil manejo nas primeiras 24h de vida. Dieta, hidrocortisona e altas TIGs. Caso 3 Com 1 mês de vida: Acompanhamento com endocrinologia pediátrica; Iniciado octreotide IV (5 mcg/Kg/dia) Bom controle glicêmico Solicitado diazóxido; Iniciado somatotropina (0,35 UI/Kg/dia) e prednisolona (2 mg/Kg/dia); Alta aos 2 meses de vida. Caso 3 Aos 5 meses iniciado diazóxido. 1 ano e 5 meses: apresentava bom controle glicêmico, suspensa a medicação. Atualmente com 3 anos, em seguimento ambulatorial, sem medicações e com DNPM adequado. Discussão Glicose: Principal fonte de energia do organismo; Essencial ao metabolismo cerebral. Organismo dispõe de complexo mecanismo para manutenção da normoglicemia. Células beta Ativa a glicogênese Liberação da insulina -Inibe gliconeogênese; -Estimula consumo de glicose pelas células; - Estimula síntese de lipídeos e proteínas; - Inibe lipólise ( ác graxos livres e corpos cetônicos). Redução da glicemia Discussão Hiperinsulinismo: Doença heterogênea clínica, genética e histologicamente; Alterações pancreáticas focais ou difusas; Incidência: População geral: 1/ 30.000-50.000 nascidos vivos; Populações com elevada consanguineidade: 1/ 2.500 nascidos vivos; Brasil: poucos dados. Discussão Genes frequentemente envolvidos: ABCC8: ATP- binding cassete subfamília C membro 8- SUR 1; KCNJ 11: retificador intrínseco do canal de potássio subfamília J 11 membros- KIR 6.2; GLUD 1: glutamato desidrogenase 1; GCK: glucoquinase; HADH: hidroxiacil-coenzima A desidrogenase; HNF4A: fator nuclear do hepatócito 4A; SLC16A1: soluto transportador subfamília 16, membro 1. Célula beta pancreática K+ Ca+² Canal de cálcio SUR Canal de potássio - 4 canais retificadores de K+ (KIR 6.2) - 4 receptores 1 da sulfoniluréia (SUR -1) CÉLULA β Adaptado de: Hipoglicemia na infância. Silva, RMS. 2004. Célula beta pancreática K+ Ca+² K+ Ca+² SUR ↑ GLICOSE G6P ↑ ATP/ADP Glucoquinase CÉLULA β Adaptado de: Hipoglicemia na infância. Silva, RMS. 2004. INSULINA Forma genética KATP- HI Gene Cromossomo Herança ABCC8 (KIR6.2) 11p5 AR: Difuso KCNJ11 (SUR 1) Dissomia parental: doença focal Quadro clínico Tratamento Hipoglicemia severa; não Pancreatectomia ou responsivo à terapia clínica terapia “conservadora” com octreotide e alimentações frequentes Dominante ABCC8 11p5 AD KATP- HI GDH-HI KCNJ11 GLUD-1 Hipoglicemia discreta; responsivo ao diazóxido 10q AD (HI/HA) Glutamato desidrogenase Hipoglicemias de jejum e Diazóxido pós-prandial; menos severa que KATP- HI; sensível à proteína; hiperamonemia assintomática GK-HI GCK 7p AD Fenótipo variável: pode Diazóxido; variar de fácil tratamento pancreatectomia com terapia clínica a muito difícil controle 4q AR Hipoglicemia discreta a severa; perfil anormal de acilcarnitina 1p AD Hipoglicemia induzida pelo Ingestão de carboidratos exercício, especialmente durante o exercício; anaeróbico exercícios limitados Glucoquinase SCHAD-HI HADH Mecanismo desconhecido MCT1 (EIHI) SLC16A1 Transportador piruvato/ lactato Diazóxido Diazóxido Quadro clínico Manifestações iniciam principalmente no período neonatal e primeiro ano de vida. Quadro clínico variável: Hipoglicemia (< 50 mg/dl); Convulsões; Sucção débil; Hipotonia; Palidez; Letargia/ irritabilidade Quadro clínico Hiperinsulinismo: Cardiomiopatia hipertrófica; Hepatomegalia. Instalação após jejum ou atividade física; Hipoglicemia habitualmente não corrigida pela alimentação VO, necessitando de glicose IV em altas taxas. Diagnóstico Coletar exames no momento da hipoglicemia: Glicemia Cetonemia Ácidos graxos livres Amônia (avaliar síndrome HI/ HA) Insulina Peptídeo C Cortisol Hormônio do crescimento Hidroxibutirilcarnitina 3- hidroxiglutarato urinário Diagnóstico Glasser et al., 1999 propuseram os seguintes critérios diagnósticos: Glicemias < 48 mg/dl; 2) Níveis de insulina não suprimidos durante a hipoglicemia; 3) Corpos cetônicos e ác. graxos inapropriadamente baixos; 4) da glicemia > 30 mg/dl após glucagon 0,03 mg/Kg; 5) Necessidade de TIG > 15 mg/Kg/min para manutenção da normoglicemia; 6) Ausência de cetonúria. 1) Diagnóstico Após o estabelecimento do diagnóstico laboratorial, testes genéticos podem ser realizados; Brasil. Exames de imagem Úteis na diferenciação entre doença focal e difusa; Determinante na escolha da terapêutica. Discussão Resultados parcialmente satisfatórios: Coleta trans-hepática de sangue venoso portal para dosagem de insulina; Estimulação arterial seletiva com cálcio. 18F- DOPA PET scan Ilhotas convertem L-DOPA em dopamina. A captação é > nas células com alto índice de secreção de insulina; Diferenciação entre lesão focal e difusa; Sensibilidade 88-94% e especificidade 100%. Tratamento Neonatos com QC grave: Acesso venoso central; TIG alta 10-15 mg/ Kg/min Se acesso não disponível: ○ Glucagon SC ou IM (0,5-1 mg) Glucagon: - Disponibiliza estoques hepáticos de glicogênio; - Estimula: -- gliconeogênese; -- cetogênese; -- lipólise. Tratamento Somatostatina (EV 0,5 µg/Kg/h) ou seu análogo octreotide (5-20 µg/Kg/dia) auxiliam no manejo temporário da doença. SUR K+ GK G6P Ca+² ↑ ATP/ADP CÉLULA β Adaptado de: Hipoglicemia na infância. Silva, RMS. 2004. INSULINA Tratamento Pilar do tratamento clínico: diazóxido (5-20 mg/Kg/dia). Mantém os canais KATP abertos, evitando a despolarização. O diazóxido é, em princípio, efetivo em todas K+ Ca+² as formas, exceto nas formas causadas devido disfunção dos canais de KATP. SUR Efeitos adversos: K+ Ca+² - Hirsutismo - Retenção hídrica ↑ ATP/ADP G6P - EfeitosGKhematólógicos CÉLULA β INSULINA Tratamento Corticosteróides: gliconeogênese Nifedipina (0,5-2 mg/Kg/dia) GK SUR K+ G6P Ca+² ↑ ATP/ADP CÉLULA β Adaptado de: Hipoglicemia na infância. Silva, RMS. 2004. INSULINA Tratamento Cirúrgico Lesão focal: ○ Excisão da lesão Lesão difusa e falha terapêutica: ○ Pancreatectomia quase total Diagnóstico estabelecido de HHPI Responsivo ao diazóxido Não responsivo ao diazóxido Avaliar tolerância ao jejum e variações Acompanhamento: -Requer análise genética com base no fenótipo -Considerar retirada do diazóxido intrahospitalar quando dose < 5 mg/Kg/dia - Monitorização regular do crescimento e desenvolvimento Adaptado de: Kapoor RR, et al. Hyperinsulinaemic hypoglycaemia. Arch Dis Child 2099; 94(6):450457. Diagnóstico estabelecido de HHPI Não responsivo ao diazóxido Análise genética dos genes ABCC8 KCNJ11 Doença difusa geneticamente confirmada Não Adaptado de: Kapoor RR, et al. Hyperinsulinaemic hypoglycaemia. Arch Dis Child 2099; 94(6):450-457. Sim Doença difusa geneticamente confirmada Não Sim 18F-DOPA PET scan Doença focal Doença difusa Remoção da lesão focal Acompanhamento: - Monitorização regular do crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor Adaptado de: Kapoor RR, et al. Hyperinsulinaemic hypoglycaemia. Arch Dis Child 2099; 94(6):450-457. Doença difusa geneticamente confirmada Não Doença difusa Sim - Dieta hipercalórica/ porções frequentes - Terapia com octreotide - Pancreatectomia quase total Acompanhamento: - Aconselhamento genético - Crescimento e DNPM - Após pancreatectomia quase total: - Manejo do diabetes mellitus - Função exócrina pancreática Adaptado de: Kapoor RR, et al. Hyperinsulinaemic hypoglycaemia. Arch Dis Child 2099; 94(6):450-457. Discussão Ampla rede de apoio Monitorar Controle glicêmico rigoroso; Crescimento; Desenvolvimento neurológico; Rever pacientes a cada 1-2 anos. Pediatra: Atenção ao diagnóstico; Manejo adequado modifica o prognóstico e melhora a qualidade de vida. Discussão No Brasil: O diagnóstico complementar é deficitários e de difícil acesso; O tratamento ainda não está normatizado. É necessário: Padronizar condutas (redução da morbimortalidade); Melhorar a qualidade de vida dos pacientes e familiares.