Um estudo do papel de
hemoculturas de múltiplos sítios na
avaliação de sepse neonatal
A study of the role of multiple site blood
cultures in the evaluation of neonatal sepsis
Sarkar S, Bhagat I, DeCristofaro JD, Wiswell TE and Spitzer AR
Journal of Perinatology 2006; 26: 18–22
Cicília Rocha dos Santos, interna - ESCS
Lenira Silva Valadão, interna - ESCS
Orientador: Dr. Paulo R. Margotto
HRAS – 06/01/2006
Introdução

O isolamento de microorganismos no sangue é o
método padrão usado para diagnosticar sepse em
recém nascidos (1)

Há poucos dados, no momento, sobre o número ótimo
de hemoculturas que deve ser obtido quando um
neonato for avaliado por suspeita de sepse (1-4)
Introdução

Alguns estudos sugerem que, no período neonatal,
hemocultura de múltiplos sítios podem melhorar:
 a detecção da bacteremia se a mesma for
intermitente;
 se há baixa bacteremia;
 se há excesso de diluição do pequeno volume de
sangue obtido durante a cultura;
 ou se há um efeito inibitório da antibioticoterapia
intraparto administrada às mães (4)

Além disso, a recomendação é se obter hemoculturas
de pelos menos 2 sítios para crianças maiores e para
adultos (4,8-10)
Introdução

Não há nenhuma pesquisa prospectiva que avalia a
função de hemoculturas de múltiplos sítios na
detecção de sepse precoce e tardia em neonatos

Esse estudo hipotiza que uma hemocultura única deve
ser suficiente para evidenciar sepse porque:
 o clearance bacteriano é menor;
 a bacteremia é maior e contínua em neonatos
septicêmicos (11)

Portanto, esse estudo foi conduzido para determinar a
utilidade de 2 hemoculturas de sítios diferentes na
avaliação inicial da sepse em neonatos
Metodologia

Estudo prospectivo e observacional de 216 neonatos
que tiveram 269 pares de hemoculturas colhidas de 2
sítios periféricos diferentes para avaliação de suspeita
de sepse precoce ou tardia (> 7 dias de vida)

Realizado na Unidade de Tratamento Intensivo da
Universidade Estadual de Nova York entre Dezembro
de 2001 e Novembro de 2002

Utilizado método de estudo baseado em perguntas e
respostas (Q&A), aprovado pelo comissão de
pesquisas envolvendo seres humanos
Metodologia

Assepsia e antissepsia: 3 chumaços de algodão
embebidos em povidine iodado a 10% foram utilizados
para a limpeza da pele, tendo sido aplicados
consecutivamente e por no mínimo 10 segundos cada;
o tempo de secagem foi de pelo menos 30 segundos

O mínimo de 1ml de sangue foi obtido de cada sítio e
as hemoculturas foram colhidas dentro de 15-30
minutos uma da outra

O material foi inoculado em frascos de cultura para
incubação aeróbica (BD Bactec Pediatrics Plus/F
aerobic bottle)
Metodologia
Análise Estatística

Em uma pesquisa retrospectiva anterior do mesmo
grupo (4), foram colhidas hemoculturas de múltiplos
sítios em 18 de 460 neonatos estudados; esta segunda
hemocultura ajudou a confirmar bacteremia em 44,4%
dos casos (n = 8/18)

Assumindo que 44,4% das hemoculturas de múltiplos
sítios forneceria informação adicional a uma cultura
única, estimou-se que 204 neonatos iriam necessitar de
hemoculturas de múltiplos sítios para demonstrar uma
melhoria similar na detecção de patógenos, com um
α < 0,05 e um β = 0,2
Metodologia
Análise Estatística
Observação:Margotto, PR. Entendendo bioestatística
básica. | Artigo |




Hipótese Nula (H0): em um mesmo paciente,
hemoculturas de sítios diferentes, obtidas na mesma
ocasião, podem ter resultados diferentes
Hipótese Experimental (H1): em um mesmo paciente,
hemoculturas de sítios diferentes, obtidas na mesma
ocasião, terão resultados iguais
α < 0,05 significa que a probabilidade de rejeitar H0 (e
aceitar H1) sendo H0 verdadeira é menor que 5%
β = 0,2 significa que a probabilidade de aceitar H0 (e
rejeitar H1) sendo H0 falsa é igual a 20%
Metodologia
Análise Estatística

Os dados foram examinados utilizando-se uma análise
multivariável empregando um modelo regressivo de
logística para estimar se determinada característica ou
fator poderia predizer um resultado positivo das
hemoculturas de múltiplos sítios em neonatos com
suspeita de sepse tardia
Resultados

173 neonatos foram avaliados para presença de sepse
precoce, 30 para a presença de sepse tardia e 13 para
ambas

186 pares de hemoculturas foram obtidos para
avaliação dos 186 neonatos com suspeita de sepse
precoce

83 pares de hemoculturas foram obtidos para avaliação
dos 43 neonatos com suspeita de sepse tardia, sendo
que 21 neonatos desse grupo foram avaliados mais de
uma vez
Resultados
Fatores Gestacionais


A média da idade
gestacional dos neonatos
com suspeita de sepse
tardia foi cerca de 6
semanas e 1 dia menor do
que a média da idade
gestacional dos neonatos
com suspeita de sepse
precoce (34,8 X 28,7)
A média do peso ao nascimento também foi menor em
1235g no grupo com suspeita de sepse tardia (2507g X
1272g)
Resultados
Fatores Maternos

Das mães dos 186 neonatos avaliados para sepse
precoce:

127 (68,3%) tinham corioamnionite clínica (68,3%),
sendo que em 59 (31,7%) o exame histopatológico
da placenta foi consistente com o diagnóstico de
corioamnionite

54 (29%) tiveram trabalho de parto prematuro e
rotura prematura de membranas por mais de 24h

29 (15,6%) tiveram uma cultura positiva para
estreptococos do grupo B, obtida durante a gravidez
e tratada inadequadamente
Resultados
Fatores Neonatais

Dos 186 neonatos avaliados para sepse precoce:




126 (67,7%) tornaram-se sintomáticos logo após o
nascimento
112 (60,2%) apresentaram desconforto respiratório e
55 (29,6%) estavam sendo tratados com CPAP nasal
ou ventilação mecânica
14 (7,5%) tornaram-se febris logo após o nascimento
Todos tinham fatores predisponentes maternos para
sepse
Resultados
Fatores Neonatais

No grupo avaliado para sepse tardia as indicações das
83 hemoculturas realizadas foram as seguintes:

aparência séptica (42,2%)
 hiperglicemia ou temperatura instável (20,5%)
 suspeita de enterocolite necrosante (16,9%)
 apnéia severa recorrente e bradicardia (6%)
 abscesso em local de acesso na pele (2,4%)
 combinação de fatores (12%)
 os neonatos vinham sendo nutridos por via
parenteral com infusão lipídica em 86,7% dos
episódios, estavam recebendo tratamento com
CPAP ou ventilação mecânica em 84,3% e tinham
cateter venoso implantado em 38,6%
Resultados
Fatores Neonatais

Neonatos com suspeita de sepse tardia, comparados
com os de sepse precoce suspeita, tiveram uma média
de contagem de leucócitos significativamente maior
(20300/mm3 X 9500/mm3), além de maior proporção de
células imaturas (I/T 0,28 X I/T 0,14)
Resultados

20 (9,3%) dos 216 neonatos tiveram 22 episódios de
sepse confirmados por hemocultura, com uma idade
média de 18 dias de vida

Apenas 1 destes neonatos teve sepse precoce –
causada por Listeria monocytogenes; todos os outros
casos foram de sepse tardia

Todas as hemoculturas positivas obtidas de dois sítios
diferentes tiveram os mesmos microorganismos
isolados com padrões de sensibilidade similares

Os outros 196 RN estudados tiveram hemoculturas
negativas de ambos os sítios
Resultados
Patógenos isolados nas hemoculturas
nos 22 episódios de septicemia
Resultados

Os fatores que mostraram uma correlação positiva na
análise univariada foram:
 relação I/T ≥ 0,2 (p=0,011)
 presença de trombocitopenia (p=0,006)
 febre (p=0,004)
 presença de acesso central (p=0,012)
 nutrição parenteral e infusão lipídica (p=0,015)
 hipo ou hiperglicemia (p=0,004)
 necessidade de incremento na ventilação (p=0,005)
 aparência séptica (p=0,00)
Resultados

Na análise multivariada, a aparência séptica (OR 35,53;
p=0,00) e trombocitopenia (OR 8,97; p=0,007) foram os
únicos preditores significantes para hemocultura
positiva em neonatos com suspeita de sepse tardia
Discussão

Estudos comparando 2 hemoculturas versus 1 única
hemocultura no diagnóstico de sepse neonatal tem
sido surpreendentemente escassos e tiveram como
foco principal o estreptococos do grupo B como causa
de sepse recente ou estafilococos coagulase-negativo
como causa de sepse tardia (4,13)

Esse estudo prospectivo indica fortemente que uma
única hemocultura com volume sanguíneo de 1 ml deve
ser suficiente para documentar “verdadeiros” Gram
positivos, Gram negativos ou sepse fúngica em
neonatos
Discussão

O propósito deste estudo não foi avaliar se múltiplas
hemoculturas poderiam diagnosticar mais casos de
bacteremia em neonatos com sepse suspeita, mas
provar a hipótese que, por causa da alta bacteremia e
clearance baixo, se uma hemocultura de um sítio é
positiva outra de outro sítio também deverá ser,
excluindo a necessidade de hemoculturas de 2 sítios

Como nenhum microorganismo cresceu em apenas
uma das duas hemoculturas de sítios diferentes, os
dados indicam que o diagnóstico de sepse teria sido
feito corretamente em todas as circunstâncias com
uma única hemocultura
Discussão

O fato de só ter havido um caso confirmado
positivamente naqueles com suspeita de sepse
precoce limita o poder de substanciar conclusões a
respeito do papel de hemoculturas múltiplas neste
grupo

A total concordância entre hemoculturas de sítios
diferentes nos casos negativos apenas indica que para
neonatos não septicêmicos uma hemocultura é
suficiente para demonstrar ausência de doença
bacteriana
Discussão

Um estudo anterior investigou o papel de hemoculturas
de múltiplos sítios na avaliação inicial de sepse
neonatal durante a 1° semana de vida e, contrariamente
aos resultados do estudo presente, constataram que o
uso de 2 sítios para hemocultura é vantajoso (4)

Este estudo, porém, tem valor limitado, devido a sua
natureza retrospectiva

Além disso, o uso de antibióticos intraparto para
prevenção de sepse provocada por estreptococos do
grupo B levaram a uma mudança na prevalência e
incidência da sepse neonatal precoce(14), como também
a mudança nos tipos de microorganismos presentes
tanto na sepse precoce como na tardia (15)
Discussão

Outro estudo notou que 5% das hemoculturas de um 2°
sítio não confirmou o diagnóstico de sepse causada
por estafilococos coagulase-negativo quando
comparado com o resultado de uma única cultura (13)

A investigação foi prospectiva, porém só avaliou
neonatos que tinham pelo menos 48h de vida e 6% das
hemoculturas eram de acompanhamento de infecção
prévia e não para avaliação inicial de sepse

Esta pesquisa baseou-se principalmente na sepse
causada por estafilococos coagulase-negativo, estando
sujeita a viés de seleção pois nem todos RN que foram
triados para sepse tiveram hemoculturas colhidas de 2
sítios
Discussão

Em ambos estudos (4,13), aproximadamente 0,5 ml de
sangue foi inoculado no frasco de cultura

Embora um mínimo de 0,5 ml de sangue para cultura
tem sido comprovado como adequado para identificar
sepse por estafilococos coagulase-negativo (16), a
confiabilidade desse pequeno volume de sangue não
foi validada para os outros microorganimos

Esse pequeno volume pode explicar o resultado
negativo das culturas do 2° sítio nestes estudos e
levou o presente estudo a obter o mínimo de 1,0 ml de
sangue para evitar falso negativos
Discussão

No estudo em questão não foi feita nenhum cultura
anaeróbica, uma vez que a sepse anaeróbica é
extremamente rara em neonatos e este tipo de cultura
só é realizada quando há indicações específicas (17-20)

Foi seguida a recomendação geral de realizar a cultura
para bacteremia “o mais cedo possível” no decurso de
um episódio séptico (20)

Apesar de parecer que o intervalo entre a coleta das
hemoculturas não tem importância (20,21), foi
considerado que estudos em adultos demonstram que
hemoculturas de grande volume e colhidas simultânea
ou seriadamente têm melhores resultados
Discussão

A detecção de sepse com um única hemocultura é
biologicamente plausível uma vez que crianças
menores tem bacteremia com alta contagem de
colônias (22), além desta ser mais contínua e o
clearance bacteriano ser mais lento (11)

Apesar do único caso de septicemia precoce no estudo
ter sido causado por Listeria monocytogenes, tem sido
demonstrado que 80% dos neonatos com septicemia
precoce têm grandes cargas de Escherichia coli (20,23)

Em relação ao crescimento de estafilococos coagulase
negativo na maioria das hemoculturas dos neonatos
com suspeita de sepse tardia, resultados similares
foram encontrados em outros estudos (16,24,25)
Discussão

Hemoculturas de múltiplos sítios para a avaliação
inicial da sepse neonatal não melhoram a detecção de
patógenos.

Tem sido sugerido que na maioria das circunstâncias
uma única hemocultura é satisfatória porque não é
prudente atrasar o início da antibioticoterapia em um
recém-nascido doente (26)
Discussão

O uso de hemocultura única pode reduzir a
necessidade de transfusões sanguíneas como
reparação de flebotomias repetidas (27)

Fazer hemoculturas múltiplas requer disponibilidade
maior do médico e da enfermeira, inflige incômodo
desnecessário ao neonato e tem maiores custos (13)
Conclusão

Sepse em neonatos pode ser detectada sem perda de
precisão com uma única hemocultura com volume
sanguíneo ≥ 1ml
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