Internato em Saúde da Criança - HRAS Hospital Regional da Asa Sul Fasciíte necrosante e SEPSE: Caso Clínico Orientadores: Dra. Elisa de Carvalho Dr. Paulo R. Margotto Vivian Gabrielle Barreto Amorim Caso Clínico 20/11/2006 ID: GAR, masculino, 1 ano e 6 meses, natural e residente de Luziânia - GO. Antecedentes: Nada digno de nota Condições sociais e hábitos de vida: Mãe G9P8A0. Vive com os pais e 8 irmãos em barraco de madeirite com 3 cômodos na periferia da cidade. Caso clínico MI (DIP): “Lesões cutâneas profundas há 14 dias” Lactente procedente da UTI pediátrica, onde permaneceu por 5 dias devido a choque séptico Caso Clínico HDA: No dia 09/11/2006, foi levado ao HRG com quadro de anorexia e anúria. Tinha história de erupções cutâneas - varicela havia 6 dias, evoluindo com lesões bolhosas havia 2 dias. Iniciadas antibioticoterapia e expansão volêmica, foi transferido para a UTI pediátrica do HMIB. Feitos IOT e acesso venoso profundo sem intercorrências. Concentrado de hemácias, dopamina, ceftriaxona, oxacilina e associada clindamicina. Caso clínico Apresentando lesões profundas em tórax e MID. No dia 10/11, obtida a estabilidade hemodinâmica, foi feito desbridamento da lesão necrosante em região clavicular D. Houve piora do quadro, sendo associada dobutamina. Em 12/11 foi retirado da ventilação mecânica. Respondeu bem ao O2 por cateter nasal. Caso clínico No dia 13/11, suspensa dobutamina, e transferido para a DIP. Apresentando edema generalizado e ascite. Iniciada furosemida. Segue com antibioticoterapia, feitos vários desbridamentos das lesões. Importante melhora do quadro, aceitando a dieta. Diurese e evacuações normais. Em 20/11/06: iniciada espironolactona 25/11/06: drenagem de abcesso axilar Caso clínico EXAME FÍSICO (na admissão): REG, deitado, pouco ativo, reativo, choroso. Hipocorado ++/4+. Acianótico, anictérico. Afebril, dispnéia discreta. P = 10 Kg Tax: 36,8°C Sat O2 = 95% FC:100bpm FR: 48 AR: Tiragem subcostal discreta. MV rude com estertores bolhosos bilaterais. ACV: RCR 2T, BNF com sopro sistólico ++/6+ (em BEE). Pulsos amplos e simétricos. Caso clínico Abdome: globoso, ascítico, com edema de parede ++/4+. Flácido, fígado a 3 cm do RCD; circunferência = 65 cm. RHA presentes. Extremidades: pouco aquecidas, perfusão periférica razoável. Pele: Ressecada, com descamação fina em membros, abdôme, axilas e pés; lesões ulcerativas com fundo sujo e eritema ao redor em joelho e maléolo D, lesões profundas em tórax e coxa D, cobertas. SN: Pupilas isocóricas, RFM +. Nuca livre. Exames complementares Gasometria pH 12/11/06 7,25 pCO 35,2 pO 39,8 2 2 HCO - 3 Sat O2 BE 15,4 70,3 -10,8 Ecografia (22/11/06) - tumoração em axila D: Presença de sinais de celulite, massa em formação sugestiva de abcesso, mas sem sinais de flutuação. Exames complementares 09/11/06 09/11/06 12/11/06 15/11/06 17/11/06 18/11/06 22/11/06 Leu. 12,4 10 23 37600 c/ gt 39,3 34,7 25,7 Hm 2940 4,26 2,89 3,64 3,5 3,19 Hb 7,6 11,7 7,8 10,1 9,9 10 8,8 Hto 22,6 35,6 22,2 29,7 29,4 29,2 26,2 Plaq. 155 126 37 208 477 319 749 Seg. 56 48 61 73 78 73 73 Bast. 9 2 5 6 3 6 2 Linf. 10 30 20 14 13 17 20 Mono. 1 3 1 2 3 2 2 Eos 24 17 13 4 2 2 3 Bas 0 0 0 0 0 TAP/INR 41%/2,15 69%/1,43 86%/1,13 TTPA 15,547'' meta- miel. 1 1 Exames complementares Glicose Uréia Creatinina Cálcio TGO TGP Amilase Sódio Potássio Cloretos PCR VHS Prot. totais Alb/glob. 09/11/06 14 (??) 82 1,4 33 22 127 4,3 102 09/11/06 72 86 0,8 9 85 32 121 4,4 101 12/11/06 72 38 0,5 7,7 32 60 126 3,5 110 14,8 15/11/06 102 15 0,4 7 32 37 129 4,5 100 17/11/06 22/11/06 27 0,4 9 30 25 140 4,8 101 7,2 65 7,8 3,2 129 4,8 97 2,07 68 Exames complementares Resumo Varicela – lesões cutâneas Infecção 2ária: complicação comum Lesões bolhosas/ pústulas Agente provável: Streptococcus pyogenes (do grupo A) CELULITE Fasciíte necrosante Bacteremia ------ Choque séptico Fasciíte Necrosante Infeccção profunda do tecido subcutâneo, atingindo a fáscia e o tecido adiposo. Pode surgir a partir de lesão traumática pequena. Nas 1as 24h surgem sinais flogísticos, que se expandem, e em 24-48 horas o eritema escurece. Bolhas e vesículas contendo líquido amarelo se formam e em 5 dias a área purpúrica tona-se gangrenosa. Por volta de 7 dias , surge nítida demarcação entre a pele sã e a área de necrose. Fasciíte necrosante Fase inicial: diagnóstico diferencial c/ lesões não necrotizantes: Erisipela: eritema difuso, calor e edema, com borda elevada e nítida, linfadenite satélite. Pd evoluir com bolhas. Tratamento com penicilina cristalina ou ampicilina Celulite: flogose e hiperestesia, sem delimitação nítida, atinge pele e subcutâneo. Antibioticoterapia com oxacilina, cefalotina ou clindamicina. Abcesso secundário requer drenagem. Fasciíte necrosante Patógeno : streptococcus do grupo A Requer desbridamento Perda de tecido importante Fasciíte Necrosante Infecções localizadas podem ser causa ou conseqüência de quadros sépticos SEPSE FOCO INFECCIOSO ------ infecção sistêmica Bacteremia: presença de bactérias viáveis no sangue SIRS: Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica. Reação inflamatória desencadeada pelo organismo frente a qualquer agressão infecciosa ou não. SEPSE SEPSE Sepse: SRIS de etiologia infecciosa comprovada ou suspeita. 2 ou + critérios: Temperatura: >38ºC ou <36ºC FC: entre >120 e >180 (varia com a idade) FR: entre >20 e >50 (varia com a idade) (Boneet al. Chest1992; 101: 1644-55). Leucócitos: >12000 cel/mm³, < 4000 cel/mm³ ou >10% bastões. Hipotensão induzida por sepse: PAS < 90mmHg ou PAD < 40mmHg na presença de hipotensão de causa infecciosa Conceitos Sepse grave: sepse + disfunção orgânica, hipotensão ou hipoperfusão Choque séptico: sepse + hipotensão arterial persistente, mesmo após adequada reposição volêmica + redução da perfusão, acidose lática, oligúria e alteração do estado mental Síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas (DMOS): função orgânica alterada em pacientes graves onde a homeostase não pode ser mantida sem intervenção. Agentes Etiológicos + importantes: Bactérias Fonte: usualmente boca e VAS, lesões Fatores de virulência : Microorganismo - invasividade Inibição de fatores humorais inespecíficos de defesa (defesa ineficaz) Inibição da resposta imunitária protetora Resistência à ação de fagócitos Produção de toxinas Exotoxinas Endotoxinas Agentes Etiológicos Neonatal: predominam os gram negativos (Estreptococos grupo B, Listeria, Salmonella, E. Coli, Proteus Pseudomonas, Klebsiella, Enterobacter, N. meningitidis, Estafilococos) Outros: Plasmodium, rickettsias, fungos... Lactentes e crianças * Estreptococos (80-90%) * Estafilococos * Hemófilos Fatores predisponentes Pneumonia crônica - Artrite - D. Pulmonar Diarréia - Celulite Desnutrição - Trauma - Procedimentos invasivos Idade<1ano - Queimaduras - Antibiotico prévio Epiglotite - Imunossupressão - Esplenectomia Bronquiolite - Cirurgia prévia - Úlcera de estresse Meningite - Doença crônica - Catereres Fisiopatologia Antígeno opsonizado/apresentado (pelos macrófagos) às cels. de defesa Cascatas bioquímicas que resultam em liberação de fosfolipase A-2, PAF, COX, complemento e citocinas. TNF-α e IL-1ß: cascatas de feedback +, febre e vasodilatação. Citocinas pró-inflamatórias (IL-8, IF γ): morte mediada por imunidade celular. Citocinas anti-inflamatórias (receptor de TNF solúvel, proteína antagonista de receptor de IL-1, IL-4, IL-10) controlam a resposta imune. Fisiopatologia Estimulam a produção do NO: vasodilatação NO + superóxido = peroxinitritos A expressão de moléculas de adesão derivados do endotélio (selectina E) – facilita o rolamento dos leucócitos. Interleucinas: quimiotaxia ICAMS e VCAMS facilitam a adesão e diapedese. Endotélio: Estado protrombótico e antifibrinolítico (trombomodulina e fator tissular prótrombótico + PAI-1) Falha no mecanismo de controle: resposta deletéria, sem controle da infecção Fisiopatologia Choque séptico 2 fases: A fase hiperdinâmica ou quente cursa com febre, moderada taquicardia, pressão normal e pulso amplo. Com a progressão da resposta inflamatória evolui para a fase fria, com pele fria, acrocianose, hipotensão. Hipoperfusão generalizada Choque distributivo Redução da resistência vascular sistêmica Sangue venoso represado na microcirculação Edema Constrição arteriolar e abertura dos shunts artério-venosos ENDOTOXINAS + MEDIADORES (CITOCINAS) volume intravascular Edema periférico • Choque SRAA e aumento do DC (FASE HIPERDINÂMICA) Esgotamento = FASE HIPODINÂMICA retorno venoso Vasodilatação CHOQUE SÉPTICO Prognóstico depende da duração e intensidade ---- DMOS Hemoconcentração: viscosidade sangüínea aumenta SIRIS: hipoperfusão + lesão endotelial e agregação plaquetária Células endoteliais perdem capacidade de produzir prostaciclinas - formação de agregados de plaquetas ---- fator prócagulante --- CIVD Ativação rápida da coagulação - microtrombos, consumo de plaquetas e de fibrina e risco de hemorragias Conseqüências SNC: Lesão cerebral pela hipoperfusão + edema cerebral Degeneração ou necrose hepática pela isquemia (céls. centro-lobulares são + sensíveis) Erosões múltiplas e hemorragias do trato gastro-intestinal = hemorragia e perda de barreira ---- translocação bacteriana S. endócrino : Necrose pancreática, hemorragia nas supra-renais, hipófise (SIADH) Infarto e focos de hemorragia no coração Conseqüências Alvéolos pulmonares (macrófagos e neutrófilos): edema intersticial, microtrombos alveolares e exsudação de fibrina Hipoperfusão renal Agressão às células endoteliais Necrose tubular aguda Edema renal e aumento do peso renal Constrição arteriolar - cai TFG Oligúria e anúria Quadro Clínico Sepse/ Estado Toxiinfeccioso SN: anorexia, apatia, confusão mental, reflexos alterados, hipertermia ou hipotermia, gemência, convulsões, coma, irritabilidade, paresias e parestesias AR: tosse, taquipnéia, bradipnéia, sangramentos ACV: cianose, taquicardia, edema, pulsos finos, sinais de ICC GI: vômitos, diarréia, distensão abdominal, perfuração intestinal, icterícia, hepatoesplenomegalia, sangramentos AGU: oligúria, anúria, hematúria Quadro Clínico Choque Séptico Hipotensão - tônus vascular reduzido; DC normal ou aumentado - aumento da FC e dos volumes diastólicos finais; Hipoperfusão periférica e hipóxia; Alteração do estado mental: inquietação, agitação, confusão, letargia, coma; Acidose metabólica. Em alguns pode haver alcalose respiratória. Oligúria ou anúria Diagnóstico Hemograma: inespecífico Leucocitose com desvio à esquerda/ Neutrofilia (Leucopenia e neutropenia indicam sepse grave)! Anemia: hemólise por endotoxinas ou CID associada Plaquetopenia: consumo Hemocultura positiva: específica 3 dias Sensibilidade: 50-75% Diagnóstico Fase aguda: PCR > 1mg/dl e VHS aumentado: sensíveis e inespecíficos Função renal Uréia e creatinina aumentados Albuminúria e leucociúria Urocultura: mais em sepse tardia Transaminases: podem estar alteradas Lactato: aumenta com a piora da perfusão Gasometria: Acidose metabólica PO2 normal ou alta e PCO2 normal ou baixa Hiponatremia freqüente Tratamento Garantir vias aéreas pérvias e ventilação Oxigenoterapia Oxigênio 100% Saturação O2: 95-100% Manter PO2 entre 65-70 mmHg Corrigir distúrbios hemodinâmicos Acesso venoso de urgência Estimar e corrigir déficit de volume (melhorar débito cardíaco e oferta de O2 aos tecidos) Reposição volêmica rápida: 20-60ml/Kg 10min iniciais. Reavaliar após cada etapa Tratamento Vasopressores: Dopamina = Droga de eleição Noradrenalina Inotrópico Dobutamina CID: realizar concentrado de plaquetas Hidrocortisona em caso de insuficiência de adrenal Tratamento Corrigir desequilíbrio hidroeletrolítico (metabolismo do potássio) Controlar distúrbios ácido-básicos Controle de diurese e função renal Corrigir a hipoglicemia e hipocalcemia Tratar causa básica: Antimicrobianos Identificar foco infeccioso – afastar meningite Iniciar empiricamente após coleta das hemoculturas ANTIMICROBIANOS Menores de 2 meses (comunitário) Ampicilina + gentamicina Ampicilina + ceftriaxona ou cefotaxima Cefalosporina + aminoglicosídeo (tratos GI e GU) Lactentes e Crianças (comunitário) Oxacilina (pele/ estafilococos) + Ceftriaxona Foco indefinido: trato respiratório Cobertura contra etiologias mais freqüentes H. influenzae Pneumococos resistentes à penicilina (preferível vancomicina) ANTIMICROBIANOS Cefalosporina + aminoglicosídeo: se foco hospitalar Imunodeprimidos: cobrir Gram negativo Fungos Estafilococos Fungos: anfotericina B, fluconazol, associação Ideal: seguir antibiograma Caso clínico Evolução do dia 27/11/06 D2 de oxacilina (D18 de ATB total) Afebril há 48 horas Ainda choroso, mas em BEG, mantém eliminações fisiológicas. Aceitando muito bem a dieta. Ao exame: BEG, hidratado, hipocorado +/4+, eupnéico. Exame físico: ACV: RCR 2T - BNF s/ sopros AR: MV rude, s/ RA Abd: flácido, indolor, fígado a 3 cm do RCD, RHA + Pele: tumoração em coxa E 2x1 cm e em abdôme 1x1 cm, endurecida, indolor firme. Edema +/4+ em MMII Axila D: curativo oclusivo – região endurecida – 3 cm, c/ ponto de drenagem, s/ saída de exsudato. Lesão em coxa D c/ fibrina Subclavicular E: área extensa de granulação OBRIGADA!