A lei Maria da Penha e
os Direitos Humanos
das Mulheres: por uma
vida sem violência
Capacitação para estudantes da
Universidade Católica de
Pernambuco sobre a lei 11.340/06,
Lei Maria da Penha
Recife/2009
Rosana de Lucena e Glória Rabay
Ilustração:
cris alcântara
Impactos da violência de gênero
Segundo a OMS
(Organização Mundial da
Saúde), “as conseqüências
do abuso são profundas,
indo além da saúde e da
felicidade individual e
afetando o bem-estar de
comunidades inteiras.”
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã - Olympe de Gouges
(França, Setembro de 1791)
Preâmbulo
Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da
nação reivindicam constituir-se em uma assembléia
nacional. Considerando que a ignorância, o
menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são
as únicas causas das desgraças públicas e da
corrupção no governo, resolvem expor em uma
declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis
e sagrados da mulher. Assim, que esta declaração
possa lembrar sempre, a todos os membros do
corpo social seus direitos e seus deveres; que,
para gozar de confiança, ao ser comparado com o
fim de toda e qualquer instituição política, os atos
de poder de homens e de mulheres devem ser
inteiramente respeitados; e, que, para serem
fundamentadas, doravante, em princípios simples e
incontestáveis, as reivindicações das cidadãs
devem sempre respeitar a constituição, os bons
costumes e o bem estar geral.
Internacionalização dos Direitos Humanos
das mulheres
A Declaração Universal dos Direitos Humanos,
data de 1948, mas somente na década de
1970, as mulheres entram na pauta
internacional através das diversas
Conferências da Mulher: no México (1975), em
Copenhague (1980) e em Nairobi (1985), que
apontaram a violência de gênero como uma
ofensa à dignidade humana e instaram os
Estados-partes a assumirem compromissos
voltados para a sua eliminação.
Processo de Internacionalização dos Direitos
Humanos
Década da Mulher (1975-1985), reconhecimento que direitos
humanos eram negligenciados e ignoradas graves violações à
dignidade da mulher.
Em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher- CEDAW foi um
marco nesta trajetória, reconhecendo que a discriminação
viola princípios de igualdade de direitos e a dignidade humana,
constitui um obstáculo para o aumento do bem-estar da
sociedade e da família e entorpece o pleno desenvolvimento
das possibilidades da mulher para prestar serviços a seu país e
à humanidade.
Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a MulherCEDAW
Essa verdadeira declaração dos direitos
da mulher define discriminação como toda
distinção, exclusão ou restrição baseada
no sexo, que tenha por objetivo ou por
resultado, menosprezar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício pela
mulher de seus diretos humanos e
liberdades fundamentais.
Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a MulherCEDAW
[...] a discriminação contra a mulher viola os
princípios da igualdade de direitos e do
respeito da dignidade humana, dificulta a
participação da mulher, nas mesmas
condições que o homem, na vida política,
social, econômica e cultural de seu país,
constitui um obstáculo ao aumento do bemestar da sociedade e da família e dificulta o
pleno desenvolvimento das potencialidades
da mulher para prestar serviço ao seu país e
à humanidade”.
A violência contra as mulheres no Brasil e a
Convenção de Belém do Pará
Em 1993, em resposta às denúncias dos movimentos
feministas do mundo inteiro, a Assembléia Geral das
Nações Unidas aprovou, pela Resolução 48/104, a
Declaração sobre a Eliminação da Violência contra
as Mulheres – um marco na doutrina jurídica
internacional.
Essa declaração subsidiou, em 1994, a elaboração,
pela Organização dos Estados Americanos (OEA), da
Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra as Mulheres – Convenção de Belém
do Pará.
Conferência das Nações Unidas sobre Direitos
Humanos (Viena, 1993)
Reconheceu formalmente a violência contra
as mulheres como uma violação aos direitos
humanos. Desde então, os governos dos
países-membros da ONU e as organizações
da sociedade civil têm trabalhado para a
eliminação desse tipo de violência, que já é
reconhecido também como um grave
problema de saúde pública.
Conferência Internacional de Direitos
Humanos Viena, 1993
A Declaração de Viena explicita em seu
parágrafo 18 que os direitos humanos
das mulheres e meninas são parte
inalienável, integral e indivisível
dos direitos humanos, conferindo
visibilidade no processo de especificação
do sujeito de direito e justiça enquanto
reconhecimento de identidades (Piovesan
& Pimentel, 2004).
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher Convenção de Belém do Pará,1994.
O principal avanço foi definir o
conceito de violência contra a mulher
como “qualquer ação ou conduta,
baseada no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico,
sexual ou psicológico à mulher, tanto
na esferas pública como na privada”
artigo 1º.
Convenção de Belém do Pará,1994
“a violência contra as mulheres inclui as violências
física, sexual e psicológica:
a) que tenha ocorrido dentro da família ou unidade
doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal em
que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo
domicílio que a mulher e que compreende, entre outros,
estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;
b) que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada
por qualquer pessoa e que compreende, entre outros,
violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas,
tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e
assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em
instituições educacionais, estabelecimento de saúde ou
qualquer outro lugar e que seja perpetrada ou tolerada
pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra”.
discriminação contra a mulher - CEDAW
A conceituação adotada neste texto
deve também ser articulada àquela de
“discriminação contra a mulher”,
estabelecida pela CEDAW e reforçada
pela Resolução 19 da ONU, como “toda
distinção, exclusão ou restrição
baseada no sexo e que tenha por objeto
ou resultado prejudicar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício, pela
mulher, independentemente de seu
estado civil, com base na igualdade do
homem e da mulher, dos direitos
humanos e liberdades fundamentais no
campo político, econômico, social,
cultural e civil ou em qualquer outro
campo
As Conferências Internacionais da década
de 1990 e a persistência da violência contra
as mulheres e as meninas
As Conferências de Direitos Humanos, Viena,
em 1993; a de População e Desenvolvimento,
no Cairo, em 1994; e a IV Conferência Mundial
da Mulher, de Pequim, em 1995 – transmitiram,
em suas declarações e planos de ação, a
preocupação com a segurança feminina e a
necessidade dos Estados-partes da ONU de
inserir em suas agendas nacionais a eqüidade
de gênero e de raça/etnia e a adoção de
políticas voltadas para o enfrentamento da
violência de gênero.
As mulheres brasileiras e a luta contra a
violência
A ação do movimento de mulheres no
enfrentamento da violência doméstica e sexual,,
data do final da década de 1970, quando as
feministas tiveram participação ativa no desmonte
da famosa tese da “legítima defesa da honra”.
Foi, portanto, no campo do Poder Judiciário a
primeira manifestação organizada contra uma
expressão cultural tradicionalmente utilizada com
êxito pela defesa de homens que assassinavam a
mulher.
Delegacias especializadas
No início da década de1980, a luta pela
criação das Delegacias de Mulheres parte
de um amplo rol de propostas feitas pelo
movimento feminista, que entendia que
era preciso adotar um atendimento
integral às mulheres. A idéia era implantar
diversos serviços articulados entre si, tais
como delegacias especializadas, casas
abrigos, atendimento no IML, centros de
orientação jurídica e psicológica.
As mulheres brasileiras e a luta contra a
violência
A criação de órgãos especiais, como os
Conselhos Estaduais e o Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM),
que ocorreu também nos anos 1980,
impulsionou a luta pela cidadania feminina
e, em especial, a luta contra a violência.
A Lei nº 11.340/2006 - Maria da Penha
Por que a Lei recebeu o nome Maria da Penha?
“Sobrevivi... posso contar”.
Maria da Penha, importante símbolo da luta contra
a violência doméstica no Brasil, sofreu duas
tentativas de homicídio. Não morreu, mas sofreu
graves seqüelas. O caso foi mais um exemplo de
impunidade. O agressor foi preso por apenas dois
anos após quase duas décadas do crime com
intervenção da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, da OEA.
Fonte: www.unifem.org.br
LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.
Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do
§ 8o do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres e da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre
a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de
Execução Penal; e dá outras providências.
A Lei nº 11.340/2006 - Maria da Penha
Criada para proteger as mulheres que são
agredidas por pessoas com quem possuem
uma forte relação afetiva -maridos, pais,
namorados, irmãos-, a lei Maria da Penha
aumentou a pena de lesão corporal leve em
casos de violência doméstica para até três anos.
Também tirou a necessidade de a vítima manter
a queixa contra o agressor durante o
julgamento, criou juizados especiais e diminuiu
o tempo entre a investigação policial e a decisão
da Justiça.
A Lei nº 11.340/2006 - Maria da Penha
a lei alterou o Código Penal e permitiu que os
agressores passassem a ser presos em flagrante ou que
tivessem a prisão preventiva decretada. A lei também
acabou com as penas pecuniárias, a pagar apenas
cestas básicas ou multas.
A medida alterou ainda a Lei de Execuções Penais, o
que passou a permitir que o juiz pudesse determinar o
comparecimento obrigatório do agressor a programas de
recuperação e reeducação, o que antes não acontecia.
As investigações também passaram a ser mais
detalhadas, com depoimentos também de testemunhas.
Antes, o crime de violência doméstica era considerado
de "menor potencial ofensivo", e julgado nos juizados
especiais criminais junto com causas como briga de
vizinho e acidente de trânsito.
I. Inovação da Lei – Aspectos Gerais
1. Tipifica e define a violência doméstica e familiar
contra a mulher.
2. Estabelece as formas da violência doméstica
contra a mulher como física,psicológica, sexual,
patrimonial e moral.
3. Determina que a violência doméstica contra a
mulher independe de sua orientação sexual.
4. Determina que a mulher somente poderá
renunciar à denúncia perante o juiz.
5. Ficam proibidas as penas pecuniárias
(pagamento de multas ou cestas básicas).
6. É vedada a entrega da intimação pela mulher ao
agressor.
I. Inovação da Lei – Aspectos Gerais
7. A
mulher vítima de violência doméstica será
notificada dos atos processuais, em especial
quando do ingresso e saída da prisão do agressor.
8. A mulher deverá estar acompanhada de
advogado(a) ou defensor(a) em todos os atos
processuais.
9. Retira dos juizados especiais criminais (lei
9.099/95) a competência para julgar os crimes de
violência doméstica contra a mulher.
I. Inovação da Lei – Aspectos Gerais
10. Altera o código de processo penal para
possibilitar ao juiz a decretação da prisão
preventiva quando houver riscos à integridade
física ou psicológica da mulher.
11.Altera a lei de execuções penais para permitir o
juiz que determine o comparecimento obrigatório
do agressor a programas de recuperação e
reeducação.
12.Determina a criação de juizados especiais de
violência doméstica e familiar contra a mulher
com competência cível e criminal para abranger
as questões de família decorrentes da violência
contra a mulher. 13.Caso a violência doméstica
seja cometida contra mulher com deficiência, a
pena será aumentada em 1/3.
II. Como será o atendimento às mulheres
pelas autoridades policiais
1. Prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade
policial para os casos de violência doméstica contra a mulher.
2. Permite a autoridade policial prender o agressor em flagrante
sempre que houver qualquer das formas de violência doméstica
contra a mulher.
3. Registra o boletim de ocorrência e instaura o inquérito policial
(composto pelos depoimentos da vítima, do agressor, das
testemunhas e de provas documentais e periciais).
4. Remete o inquérito policial ao Ministério Público.
5. Pode requerer ao juiz, em 48h, que sejam concedidas diversas
medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de
violência.
6. Solicita ao juiz a decretação da prisão preventiva com base na
nova lei que altera o código de processo penal.
III. Como se dará o processo judicial
1. O juiz poderá conceder, no prazo de 48h, medidas
protetivas de urgência (suspensão do porte de
armas do agressor, afastamento do agressor do
lar, distanciamento da vítima, dentre outras),
dependendo da situação.
2. O juiz do juizado de violência doméstica e familiar
contra a mulher terá competência para apreciar o
crime e os casos que envolverem questões de
família (pensão, separação, guarda de filhos etc.).
3. O Ministério Público apresentará denúncia ao juiz
e poderá propor penas de 3 meses a 3 anos de
detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença
final.
Direito conquistado?
Apesar de confrontar-se com a triste realidade da violência
contra a mulher, a justiça criminal brasileira vem ignorando
e distorcendo o texto expresso na legislação ao exigir a
representação da vítima em processos judiciais onde estão
expressas as violações aos direitos à privacidade e à
integridade das vítimas, dentre outros direitos, em um gesto
de tolerância aos crimes de violência doméstica e uma
enorme resistência na aplicação da Lei que visa combater o
machismo da sociedade brasileira.
Assim, solicitamos que o Superior Tribunal de Justiça e
Supremo Tribunal Federal, ao julgar os processos em
epigrafe, manifeste-se pela afirmação da natureza
indicondicionada(incondicionada) da ação penal dos crimes
de lesão corporal qualificada pela violência doméstica
afirmando o direito das mulheres viverem livres de violência.
NOTA DE REPÙDIO AO PROJETO DO NOVO
CÒDIGO PENAL
As entidades que integram o Consórcio do Observatório de
Monitoramento da Aplicação da Lei Maria da Penha –
OBSERVE vem externar o seu repúdio ao Projeto do Novo
Código Penal (CPP), ora sendo elaborado por uma comissão
de juristas formada pelo Senado Federal, por incorporar em
seu texto a Lei 9.099 e, assim, revogar todos os dispositivos
penais da referida Lei, que passa a reger, apenas, os Juizados
Especiais Cíveis.
Isso torna a Lei Maria da Penha impraticável, vez que atinge o
seu cerne, ou seja, o Art.41, que versa sobre a não aplicação
da Lei 9.099 nos casos de Violência Doméstica contra a
Mulher. Com a incorporação dos institutos da Lei 9.099 no
novo Código, portanto, em uma Lei posterior, o Art. 41 ficará
sem aplicação, jogando por terra toda as nossas conquistas
recentes no campo da violência doméstica.
NOTA DE REPÙDIO AO PROJETO DO NOVO
CÒDIGO PENAL
O Projeto do Novo CPP também transforma a prisão em flagrante em
"pré-cautelar", cujos efeitos durarão, somente, até a comunicação da
prisão. Isso requer que o juiz decrete a prisão preventiva do réu, caso
contrário ele será automaticamente colocado em liberdade. Ressalte-se
que, para decretar a prisão preventiva, passa-se a exigir pena máxima
de 4 quatro anos, isto é, ela não se aplicará mais em nenhum caso
menos grave de violência doméstica. Ademais, nos crimes de ação
condicionada (como no caso de ameaças, por exemplo), o Novo CPP
estipula que a a vítima deverá "ratificar a
representação", após a conclusão das investigações, ou seja, baseia-se
no mesmo modelo da Lei 9099/95, que constrange as vítimas para
evitar o máximo possível o processo penal.
Por tudo isso, o Novo CPP revela-se como uma ameaça à vida das
mulheres brasileiras e deve ser repudiado por toda a sociedade
brasileira.
Medidas PROTETIVAS que obrigam o agressor
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação
ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro
de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas,
Fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer
meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fi m de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida
a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Os direitos das mulheres são direitos humanos!
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