COMENTÁRIOS AOS ARTIGOS 782 A 786 DO CÓDIGO CIVIL – DO
SEGURO DE DANO
MAIARA BONETTI FENILI
Advogada. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho/CESUSC. Membro da
Comissão de Direito Securitário da OAB/SC.
Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter
novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro
segurador, deve previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro,
indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência
ao disposto no art. 778.
COMENTÁRIOS
Não é defeso ao segurado fazer mais de um seguro para proteger o
mesmo bem e contra o mesmo risco, ainda que haja algum existente em vigência.
Contudo, o legislador traz em tal dispositivo a imposição de uma
condição, qual seja: “a de comunicar previamente sua intenção por escrito ao primitivo
segurador, indicando a soma por que pretende segurar-se”1.
Ou seja, “a norma comentada permite a contratação de novo seguro com
outra seguradora desde que seja previamente comunicada à primeira seguradora da
intenção de contratar”2.
Caso não haja a comunicação prévia da intenção do segurado, e este
firme novo seguro, o primeiro estará de toda forma extinto, parcial ou totalmente,
podendo ainda haver presunção de má-fé, seja pela intenção de esconder seja pelo
descumprimento do ônus trazido pelo artigo 3.
O referido dispositivo manda, também, observar a limitação que se
encontra disposta no art. 778, que é a de não ultrapassar o valor do interesse segurado
no momento da conclusão do contrato.
1
DELGADO, José Augusto. Comentários ao novo Código Civil, volume XI: das várias espécies de
contrato do seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 474.
2
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 115.
3
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 116.
O objetivo deste artigo é fazer com que seja cumprido o princípio
norteador do contrato de seguro, não podendo o segurado, de forma alguma, incorrer em
enriquecimento com esse tipo de negócio jurídico, devendo apenas ser reconstituído o
patrimônio dele em face de dano sofrido por risco acontecido, previsto e segurado.
Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por
menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de
sinistro parcial.
COMENTÁRIOS
É possível que o segurado escolha a proteção do seu interesse pela forma
integral do seu valor ou por quantia menor do que valha, o que faz com que o contrato
passe a circular pelo valor ajustado entre ele e o segurador.
Tal valor ajustado, também chamado de valor declarado, servirá de base
para os efeitos que serão produzidos no contrato de seguro, seja para a fixação do preço
do prêmio seja para a indenização a ser paga em caso de ocorrer o sinistro4.
A regra adotada no artigo em comento é de que o segurador deve pagar a
indenização de forma proporcional ao valor do interesse fixado a menos do que valha,
desde que o sinistro não tenha ocasionado dano total ao bem5.
Essa proporcionalidade faz com que a indenização seja reduzida e, por
isso, ela deve estar bem clara no contrato, devendo, se possível, as partes fixarem “os
limites percentuais máximos e mínimos para ser encontrado o capital a ser pago ao
segurado”6.
Acontece que esse pacto só será válido se não houver enriquecimento do
segurado, sendo que ele deverá obedecer aos limites de razoabilidade a fim de não
descaracterizar a natureza do contrato de seguro.
Art. 784. Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício
intrínseco da coisa segurada, não declarado pelo segurado.
4
DELGADO, José Augusto. Comentários ao novo Código Civil, volume XI: das várias espécies de
contrato do seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 487.
5
DELGADO, José Augusto. Comentários ao novo Código Civil, volume XI: das várias espécies de
contrato do seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 489-490.
6
DELGADO, José Augusto. Comentários ao novo Código Civil, volume XI: das várias espécies de
contrato do seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 490.
Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco o defeito próprio da
coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie.
COMENTÁRIOS
A norma exclui da garantia securitária o sinistro provocado por vício
intrínseco, que é aquele próprio da coisa, posto que, embora sabendo da existência dele,
o segurado não tenha declarado à companhia seguradora.
A partir do momento que o vício intrínseco for declarado, e a seguradora
optar por aceitar a proposta e firmar o contrato, poderá ela excluir da cobertura o
sinistro proveniente de tal vício ou assegurá-lo. Caso a seguradora opte por excluí-lo,
haverá de ter a concordância do segurado, pois se não houver o contrato não se
aperfeiçoará por falta de consenso7.
Com a declaração do segurado e a ausência de recusa à garantia por parte
da seguradora, o vício intrínseco não poderá ser alegado como justificativa para recusa
de indenização.
Por outro lado, essa excludente só poderá ser aplicada se a omissão
provocou o desconhecimento por parte da seguradora, uma vez que, caso ela tenha
conhecimento do vício, independente da declaração do segurado, não poderá se amparar
em tal excludente legal. Isto porque a seguradora deve, ou ao menos deveria, levá-lo em
conta para a avaliação do risco e do prêmio8.
Por fim, não há impeditivo para segurar o vício intrínseco,
independentemente de sua declaração.
Existem diversas apólices que contemplam defeitos advindos de projetos
e outros vícios da mesma natureza, estando o seguro objetivado em propiciar cobertura
também aos sinistros causados por estes9.
O que a norma veda, na verdade, é o desequilíbrio contratual, ocasionado
pela falta de equivalência entre prêmio e risco, que é bem maior pelo vício existente,
7
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 122.
8
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 122.
9
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 123.
“razão pela qual promove o ajustamento contratual, por força da exclusão da garantia
sobre o plus de risco”10.
Art. 785. Salvo disposição em contrário, admite-se a transferência do
contrato a terceiro com a alienação ou cessão do interesse segurado.
§ 1o Se o instrumento contratual é nominativo, a transferência só
produz efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo
cedente e pelo cessionário.
§ 2o A apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em
preto, datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário.
COMENTÁRIOS
A alienação ou cessão do interesse do segurado a terceiro acarreta na
transferência do contrato de seguro em relação a tal interesse, recebendo-o na maneira
em que se encontra, com suas vantagens e desvantagens. Em vista do contrato ser o
mesmo, ele seguirá com suas vicissitudes11.
Há hipóteses, porém, que não há incidência da norma, como é o caso das
sucessões causa mortis, decorrentes da lei, onde não se pode considerar sucessor como
terceiro, e no seguro obrigatório de responsabilidade civil, já que não considera a pessoa
do segurado, mas sim a relação de pertinência com a situação juridicamente relevante,
para a qual a lei impõe a existência do seguro12.
Para que a transferência seja válida, caso não haja cláusula contratual a
respeito, a comunicação ao segurador será exigida se o instrumento contratual for
nominativo. Tal comunicação, que deve ser escrita e assinada pelo cedente e pelo
cessionário, tem por finalidade permitir que a seguradora aquiesça ou não com a
alteração subjetiva do contrato13.
10
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 123.
11
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 125.
12
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 125.
13
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 126.
Contudo, de acordo com entendimento jurisprudencial consolidado, o
seguro acompanha o bem, mesmo que não haja comunicação prévia da transferência à
seguradora, fato este que não a exime de cumprir o que havia previsto no contrato
celebrado, ressalvada a demonstração de agravamento do risco.
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE SEGURO. OFENSA AOS ARTS. 458 E 535 DO
CPC. SÚMULA STF/284. EXCLUSÃO DA COBERTURA PARA DANO MORAL.
SÚMULAS STF/283 E STJ/5. DISSÍDIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE
COMUNICAÇÃO À SEGURADORA. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO
DEMONSTRADA. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO AFASTADA. SUMULA
STJ/83. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1.- Em relação à alegada negativa de
prestação jurisdicional, verifica-se que as razões recursais não indicam, como de rigor,
qual o ponto omisso, obscuro ou contraditório do Acórdão recorrido, fazendo alusão
genérica de que teria sido violado os arts. 458 e 535 do Estatuto Processual Civil. Essa
deficiência na fundamentação impede a perfeita compreensão da controvérsia, o que
atrai à espécie o óbice da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por
analogia nesta Corte. 2.- Inviável o Recurso Especial que deixa de impugnar
fundamento suficiente, por si só, para manter a conclusão do julgado, atraindo a
aplicação da Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal. 3.- Ademais, rever o julgado,
conforme pretendido pela recorrente, no sentido de que o contrato excluiu
expressamente a cobertura para dano moral, exigiria o reexame das cláusulas
contratuais, o que é inviável em sede de Recurso Especial, nos termos da Súmula 5/STJ.
4.- No que tange a alegação de que a cobertura por morte é cabível apenas aos
ocupantes do veículo segurado, verifica-se que não se configurou a divergência
jurisprudencial, porquanto ausente a identidade ou semelhança dos casos confrontados,
nos termos do art. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255 do
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. 5.- O entendimento desta Corte é
no sentido de que, a simples ausência de comunicação de transferência do bem não
exime a seguradora de cumprir o contrato celebrado, senão quando demonstrado o
agravamento do risco. Precedentes. 6.- O agravo não trouxe nenhum argumento capaz
de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.
7.- Agravo Regimental improvido.14 (grifo nosso)
Por fim, o parágrafo segundo permitiu o trespasse da apólice ou do
bilhete à ordem por meio de endosso, que é meio translativo típico dos títulos de
crédito. Porém, só se admite endosso em preto, que é aquele que indica o nome do
cessionário, porque se permitisse o endosso em branco, o instrumento se converteria em
documento ao portador.
Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do
valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor
do dano.
14
STJ, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 27/08/2013, T3 - TERCEIRA TURMA.
§ 1o Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado
pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consangüíneos ou
afins.
§ 2o É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em
prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.
COMENTÁRIOS
Após o recebimento da indenização, o segurado transfere à seguradora
seus direitos, ações e pretensões, salvo as de caráter personalíssimo, que teria contra o
causador do dano. Ou seja, a seguradora ingressa no lugar que antes cabia ao segurado,
passando a ter direito de regresso contra aquele que causou o dano, objetivando ser
ressarcida daquilo que despendeu indenizando seu segurado.
Tal sub-rogação, entretanto, não alcança o sinistro ocasionado por
responsabilidade do cônjuge, descendentes, ascendentes, consanguíneos ou afins do
segurado. Todavia, a norma admite a sub-rogação em face destas mesmas pessoas
ligadas ao segurado, caso o dano tenha sido causado por dolo, independentemente de ter
sido dirigido contra o segurado ou contra a seguradora 15.
O parágrafo segundo do comentado artigo tem por finalidade a proteção
do direito regressivo da seguradora, tornando ineficaz qualquer ato do segurado que
tenha por objetivo diminuir ou elidir o direito de regresso 16.
Para afastar o direito de regresso da seguradora, há duas hipóteses: o
segurado receber de terceiro e quitar antes do pagamento da indenização pela
seguradora ou o segurado receber de terceiro e quitar após o pagamento da indenização
pela seguradora17.
Na primeira hipótese, a obrigação do terceiro resta extinta e o segurado
não tem o que transferir. Já na segunda, a sub-rogação se operou, pois existiam, e eram
de titularidade do segurado, as ações, direitos e pretensões. Se o pagamento por parte de
15
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 129.
16
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 130.
17
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 130.
terceiro for realizado de boa-fé ao segurado, ficará a cargo da seguradora ingressar
perante este, a fim de que seja ressarcida daquilo que pagou indevidamente18.
Realizada a sub-rogação, então, o segurado deve colaborar para o
exercício de regresso da seguradora, prestando as devidas informações e
esclarecimentos, bem como entregando os documentos que se façam úteis ou
necessários.
REFERÊNCIAS
DELGADO, José Augusto. Comentários ao novo Código Civil, volume XI: das várias
espécies de contrato do seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O
contrato de seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
18
TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de
seguro: de acordo com o novo código civil brasileiro. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2003. p. 130.
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