A TRAJETÓRIA DA REFORMA DO ESTADO NO BRASIL: A CAMINHO DE UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL? Leonardo Queiroz Leite1 RESUMO: Este trabalho busca trazer reflexões gerais sobre os processos de Reforma do Estado no Brasil, pontuando três momentos históricos específicos que apresentaram propostas reformistas e analisando especificamente o caso da Reforma do Aparelho de Estado de 1995, ocorrida durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. A Reforma Gerencial de 1995 significa importante inflexão no modelo de Gestão Pública praticado historicamente no Brasil, razão pela qual será o objeto privilegiado de análise. Ao final do trabalho, concluiremos com apontamentos críticos sobre os elementos políticos e culturais que induzem a discussão sobre a Gestão Pública no Brasil contemporâneo, explorando suas conexões com as Políticas de Reforma do Estado praticadas nos últimos governos. PALAVRAS-CHAVE: Burocracia; Reforma do Estado; Gestão Pública brasileira. INTRODUÇÃO A Reforma do Estado é um tema atual e vasto, com profundas implicações nas estruturas políticas, econômicas, institucionais e sociais em todas as sociedades. Esteve na agenda dos países da América Latina durante a década de 1990, mas até hoje permanece inconclusa, devido ao fato de desencadear processos complexos e de longa duração, sempre sujeitos a descontinuidades e falhas. (CARDOSO, 2006) Na primeira parte, haverá uma breve retrospectiva histórica das duas reformas administrativas anteriores à Reforma Gerencial de 1995: a ocorrida no período Vargas na década de 1930, que simbolizou o primeiro esforço de modernização do Estado brasileiro com a construção dos pilares fundamentais da burocracia brasileira, simbolizados no Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP); e a Reforma realizada em 1967 nos governos militares, que serviu ao projeto de modernização ligado às concepções desenvolvimentistas daquele período. (BRESSER-PEREIRA, 1998b, ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010) Em seguida, buscar-se-á contextualizar o período imediatamente anterior à Reforma Gerencial e a chamada “crise do Estado”, apontando os principais fatores que levaram à propositura da Reforma da Gestão Pública de 1995. 1 Mestrando em Ciência Política pela UFSCar; Especialista (2012) em Gestão Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP. 1 O entendimento dos fatores conjunturais e a leitura dos principais atores à frente do governo da época são essenciais para a compreensão do colapso do modelo burocrático de Gestão Pública com a abertura dos caminhos para o debate e a posterior propositura do novo modelo gerencial de Administração Pública. Após a discussão histórica e conjuntural sobre os movimentos de Reforma do Estado no Brasil, na terceira parte serão analisadas as bases fundamentais do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (MARE, 1995) e suas diretrizes, bem como as implicações do “retrocesso burocrático” da Constituição de 1988 para a modernização da Administração Pública brasileira. Assim, a partir do Plano Diretor, que estabeleceu as diretrizes iniciais para a reconstrução do aparelho de Estado no Brasil, discutiremos como – e em qual contexto – se desenrolaram os principais fatos e ações com vistas à execução de mudanças estruturais no aparelho de Estado brasileiro (BRESSER-PEREIRA, 1998a; 1998b; 1998c). Por fim, concluiremos com uma apreciação crítica da Reforma Gerencial de 1995, além de tecer algumas considerações sobre o comportamento político dos últimos governos no que diz respeito à Gestão Pública brasileira no plano federal, buscando refletir se o Brasil está no caminho da construção de uma administração pública gerencial. (ABRUCIO, 2007; NOGUEIRA, 1998) I. A REFORMA “BUROCRÁTICA” DE 1936 De acordo com Bresser-Pereira (1998b), antes da Reforma Gerencial de 1995, o Brasil conheceu duas outras reformas administrativas2. A primeira delas ocorreu durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-45), conhecida como a Reforma Burocrática de 1936, quando o país promoveu uma modernização autoritária de teor centralizador, que teve por objetivo desmantelar o estado oligárquico, iniciando um movimento modernizador que representou uma tentativa de substituição da administração patrimonial pela burocrática. Essa primeira experiência, portanto, traz para o Brasil os primeiros elementos da administração burocrática racional-legal weberiana, com a centralização das decisões, estrutura piramidal de poder e controle dos processos administrativos, sendo 2 “Reforma Administrativa é uma expressão genericamente empregada para caracterizar os esforços do governo em dotar a administração pública de produtividade e equidade, através da montagem de estruturas organizacionais pertinentes e procedimentos administrativos adequados. Busca-se, desta forma, propiciar ao Estado os meios necessários e as condições indispensáveis para que ele possa, da melhor maneira possível, atender as demandas da sociedade, razão de legalmente ter sido constituído” (SARAIVA e TENÓRIO, 2006: p.114 apud MARTINS e PIERANTI, 2007) 2 considerado o primeiro movimento deliberado e continuado de modernização administrativa. Nesse sentido: A especificidade do modelo varguista estava não apenas em ter ido além dos militares e dos diplomatas, tendo uma amplitude maior. A singularidade está vinculada à criação de uma burocracia meritocrática, profissional e universalista, que, ao atuar como o motor da expansão desenvolvimentista do Estado, tornou-se então a primeira estrutura burocrática weberiana destinada a produzir políticas públicas em larga escala. (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010: p.36) Logo, a Reforma empreendida por Vargas concebeu a iniciativa vanguardista de implantação do modelo mecanicista de governo e está relacionado ao conceito de burocracia weberiana, pois esse modelo se desenvolveu para contrapor-se ao patrimonialismo e ao uso da coisa pública pelos particulares. De acordo com essa concepção, o governo é uma máquina dominada por regras e regulamentos, havendo pouca flexibilidade e reduzido espaço para iniciativas individuais, sendo o controle das atividades a principal preocupação das autoridades controladoras do Governo (MINTZBERG, 1998). No cerne dessa estrutura de controle estava o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), que representava os princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica. O DASP3 desempenhou um papel fundamental na introdução de um sistema de mérito no serviço público e cooperou no estabelecimento de uma série de órgãos reguladores, contribuindo para a difusão de idéias e práticas modernizadoras da Administração Pública, sendo a primeira estrutura burocrática weberiana no Brasil destinada a produzir políticas públicas em larga escala. II. A REFORMA “DESENVOLVIMENTISTA” DE 1967 Segundo Bresser-Pereira (1998b), a segunda reforma administrativa brasileira foi a chamada “Reforma Desenvolvimentista” de 1967, que considerou os princípios burocráticos rígidos herdados da Era Vargas como um obstáculo ao desenvolvimento econômico do país. Para avançar nesse quesito, tratou de substituir a Administração Pública burocrática por uma “administração para o desenvolvimento”, sendo considerada uma primeira tentativa de reforma gerencial na administração pública brasileira ao introduzir importantes elementos de flexibilização e descentralização, 3 “O DASP foi criado pelo Decreto Lei 579, de junho de 1938, e basicamente era responsável pela centralização de pessoal, material, orçamento, organização e métodos, e absorveu o Conselho Federal do Serviço Público Civil, de 1936.” (BRESSER-PEREIRA, 1998b: p.164) 3 padronizando estruturas e procedimentos e introduzindo os modernos instrumentos de intervenção. A Reforma está materializada no Decreto-Lei n° 200/ 19674 (Lei de Reforma Administrativa) que, resumidamente, propõe a descentralização e delegações de competências e disseminação dos órgãos dotados de ampla autonomia administrativa, como as fundações públicas de direito privado, autarquias empresas de economia mista, além da grande autonomia para serviços científicos e sociais do Estado, sendo assim a descentralização para a administração indireta o aspecto mais marcante dessa Reforma. Houve, portanto, uma tentativa de modernização gerencial da Administração Pública que buscou superar a rigidez burocrática com vistas a dotar a máquina pública de maior agilidade e flexibilidade, condição importante para que o Estado nacional desenvolvimentista dos governos militares pudesse alcançar seus objetivos ousados. Destaca-se também o fato da introdução de empregados celetistas submetidos ao regime privado de contratação laboral, o que facilitou a grande expansão das unidades descentralizadas. Entretanto, deu margem às praticas patrimonialistas e fisiológicas, além do governo ter deixado de realizar concursos e desenvolver as carreiras de administradores públicos devido à preferência generalizada pela contratação via empresas estatais. Na visão de Bresser-Pereira (1998a), essa Reforma ficou pela metade, devido à negligência dos militares em relação ao núcleo estratégico do Estado, pois não houve preocupação em preparar uma burocracia pública de alta qualidade, abdicandose da criação de uma elite burocrática profissional ao “terceirizar” essa função para as empresas estatais, o que levou a burocracia estatal a absorver profissionais nem sempre comprometidos com os objetivos nacionais. Enfim, as duas reformas administrativas brasileiras descritas lançaram as bases fundamentais da estrutura burocrática do Estado brasileiro e, ainda que o caráter predominantemente autoritário tenha sido uma característica marcante, é forçoso reconhecer nelas avanços importantes para a modernização da máquina pública. (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010) Feitas essas sucintas considerações sobre as Reformas que antecederam a Reforma que mais interessa a esse trabalho, faz-se necessário desenhar um panorama do cenário e explorar os fatores que desencadearam os processos de reformulação da estrutura do aparelho de Estado brasileiro na década de 1990, a partir 4 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200.htm. Acesso em 21.04.2013. 4 do entendimento da extensão e dos impactos do fenômeno que passou a ser conhecido como a crise do Estado. III. A CRISE DO ESTADO Para uma compreensão mais apurada das Reformas da década de 1990 no Brasil, e mais particularmente, da Reforma Gerencial de 1995, é indispensável o entendimento da chamada Crise do Estado. No cenário internacional, ocorre o aprofundamento do processo de globalização5 e a constatação, em todo o mundo, da corrosão da capacidade estatal de realizar suas funções básicas e intransferíveis, com o fim do chamado Welfare State nos países desenvolvidos, com o esgotamento da estratégia de substituição de importações nas economias em desenvolvimento e com a falência do estatismo nos países comunistas. Assim, os Estados colocam-se diante da imperiosa necessidade de adaptação a essa nova realidade política e econômica internacional, sendo a globalização e seus constrangimentos, principalmente os econômicos, encarados pela maioria dos países, inclusive o Brasil, como um processo inevitável e sem alternativa viável, conforme sintetiza Fernandes: [...] o aprofundamento da globalização econômica, com a desregulamentação dos mercados e a modernização tecnológica e gerencial da indústria e dos serviços, são processos que aumentam o desemprego, diminuem a capacidade de arrecadação tributária e tornam os governos vulneráveis no que se refere à manutenção dos seus gastos e investimentos sociais. Isso passa a exigir dos Estados nacionais uma redefinição na forma de administrar as políticas públicas que agora vão experimentar processos de privatização. Em vários países foram eleitos governos que terminaram por privatizar uma série de serviços públicos como saúde, eletrificação, telefonia, saneamento, entre outros, passando o Estado agora ao papel de regulador e, portanto de provedor indireto dos serviços, uma vez que a gestão e funcionamento ficam a cargo de empresas. (FERNANDES: p. 213-14 apud DANTAS e MARTINS Jr, 2007). No Brasil, após malfadados planos econômicos6, o descontrole fiscal e sucessivos déficits públicos conduzem o país a uma redução das taxas de 5 Para uma visão mais completa dessa inter-relação entre a crise do Estado e o processo de globalização, ver DINIZ (2001). 6 Entre os fracassos macroeconômicos que mais contribuíram para a eclosão da crise do Estado, vale destacar os dos governos dos José Sarney e Fernando Collor, que tentaram a implementação de sete planos consecutivos de combate à inflação: Cruzado (início de 1986), Cruzadinho (meados de 1986), Cruzado II (final de 1986), Bresser (junho de 1987), Verão (janeiro de 1989), Collor (março de 1990) e Collor 2 (janeiro de 1991). O fracasso ou má condução desses planos levou o país a uma hiperinflação com a moeda desvalorizada. 5 crescimento econômico, ao aumento do desemprego e a elevados índices inflacionários. Somados aos efeitos econômicos negativos, faz-se sentir também a ineficiência generalizada do modelo burocrático de Gestão Pública, uma vez que o Estado, nos moldes rígidos em que se encontrava, não mais suportava o peso do excesso de demanda que lhe era dirigida por todos os setores do governo e da sociedade. Em síntese, nos termos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado: A crise do Estado define-se então (1) como uma crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa; (2) o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: o Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no terceiro mundo, e o estatismo nos países comunistas; e (3) a superação da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática. (MARE, 1995: p.10-11) Assim, a crise do Estado7 motivou e justificou uma série de mudanças necessárias, dentre as quais nos interessa mais detidamente a Reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua governança, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente as políticas públicas. Portanto, para melhorar a capacidade de atuação do Estado e superar essa crise de paradigma, era necessário reconstruí-lo em bases robustas o suficiente para o atendimento eficaz das demandas dos cidadãos, combatendo a ineficiência e a incompetência da burocracia através da introdução de um novo modelo de Gestão Pública. Então, nesse contexto, o problema central da Administração Pública brasileira era modernizar o Estado a partir da crítica ao modelo burocrático, como define FHC: Nós não estamos mais em uma época em que se possa imaginar a racionalidade formal como sendo o eixo da modernização da administração [...] Se eu fosse seguir pelo eixo weberiano com a idéia de que modernizar significa aumentar a racionalidade formal, fazendo com que haja uma burocracia impessoal, capaz de servir a fins, independentemente do contexto patrimonial e das pressões políticas, eu talvez me equivocasse”. (CARDOSO, Fernando Henrique, 1991: p.30-11 apud BRESSER-PEREIRA, 1998b) Logo, foi a percepção dos dirigentes da época de que era necessário adaptarse aos imperativos da globalização que deu sustentação política e ideológica para os Somente em 1994, com a elaboração do Plano Real, durante o governo Itamar Franco, e sua manutenção e desenvolvimento no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o país veio a conhecer uma relativa estabilidade monetária. 7 Neste trabalho, o foco da análise é o aspecto administrativo e a discussão é no âmbito da Gestão Pública, não cabendo aqui o aprofundamento dos elementos econômicos, históricos, sociais e políticos que engendraram a crise do Estado. 6 movimentos de Reforma do Aparelho de Estado, ao proclamar a obsolescência da Administração Pública burocrática nos moldes weberianos clássicos, sendo necessário, assim, introduzir o Brasil nos novos tempos buscando, no plano administrativo, uma atualização do modelo de Gestão que fosse capaz de superar as disfunções burocráticas que emperravam o desempenho político, econômico, administrativo e institucional do Estado brasileiro. Para concretizar essas mudanças, foi proposta uma ampla Reforma, em vários setores, articuladas por um órgão específico, o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), que surgiu em 1995 com a transformação da Secretaria da Administração Federal da Presidência da República em Ministério8. Para a condução do MARE, foi escalado o economista Luis Carlos Bresser Pereira9, considerado um acadêmico de elite e com experiências prévias de formulação de políticas públicas na Administração Pública Estadual e Federal. Nesse particular aspecto, tomando o formulador da Reforma Gerencial como exemplo, é interessante notar a influência da elite do setor público sobre os processos de construção das políticas governamentais: […] government policies and key positions in the high echelons of governmental technocracy have been largely influenced by a restricted social network of scholars and bureaucracy elite, who share similar academic backgrounds, institutional affiliations and theoretical frameworks. (RUEDIGER, 2007: p.15) Dessa feita, percebemos que a missão de formular um Plano Diretor para orientar uma Reforma Gerencial no Brasil foi confiada a um economista com competências políticas capaz de circular e articular em meio a essas elites políticas e burocráticas. Isto é, a estruturação de uma Política de Reforma do Estado para o Brasil deveria ser o resultado de uma grande articulação entre essas redes dominantes interconectadas por espaços públicos (RUEDIGER, 2007). Então, foi definida a propositura da Reforma, tendo como objetivo fundamental a redefinição dos papéis do Estado e a inserção do Brasil no modelo pós-burocrático10 de Gestão Pública, com o início de um processo de rearranjo institucional do Estado brasileiro. 8 O MARE desapareceu em janeiro de 1999, com a fusão de suas atividades com as do planejamento, dando origem ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). 9 No Governo Federal, Bresser Pereira foi ministro da Fazenda de abril a dezembro de 1987, durante o governo José Sarney. Foi ministro da Administração Federal e Reforma do Estado no 1° mandato FHC (1995–1998) e ministro da Ciência e Tecnologia nos 6 meses iniciais do 2° mandato. Além dos cargos citados, foi presidente do Banco do Estado de São Paulo (1983-85) e secretário de Governo do Estado de São Paulo (1985-87) na gestão Franco Montoro. Foi ainda presidente do Consejo Latinoamericano de Administración para el Desarrollo (CLAD) no período de 1995-97. 10 Ver Abrucio (1998) 7 IV. A NOVA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DE ESTADO (1995) A Nova Administração Pública11 (New Public Management) propõe um modelo pós-burocrático de Gestão e vem na esteira da busca por respostas às novas e mais complexas demandas econômicas e sociais, denominando-se inovadora, flexível e com foco nos resultados. Alguns conceitos que devem qualificar esse modelo de gestão são centrais, como a eficácia, a efetividade e a eficiência. O primeiro refere-se ao real alcance dos objetivos propostos pela Administração Pública, devendo estar de acordo com as demandas sociais, tanto quantitativa quanto qualitativamente, focando nos benefícios do serviço público que é entregue ao cidadão. O segundo liga-se aos impactos e efeitos de médio e longo prazo, e está relacionado a um contexto mais amplo de necessidade de consciência política e da consolidação da democracia. O terceiro diz respeito ao uso racional dos recursos públicos, ou seja, fazer mais com menos, potencializando as receitas orçamentárias, cujo marco legal, já em vigor no Brasil, é a Lei de Responsabilidade Fiscal.12 Antes da análise específica das propostas da Reforma de 1995, é importante resgatar alguns aspectos importantes que compunham o pano de fundo histórico, político e institucional do momento que precedeu as iniciativas reformistas. A esse respeito, Abrucio (2007) ressalta a importância de três conjuntos de inovações fundamentais, que foram consagrados no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1988. Em primeiro lugar, está a democratização do Estado com o controle externo da Administração Pública e o reforço dos princípios da legalidade e da publicidade; outra inovação foi a descentralização e a valorização das potencialidades locais; e a terceira mudança importante, foi a reforma do serviço civil, por meio da profissionalização da burocracia com a meritocracia dos concursos públicos e com a capacitação da alta burocracia civil com a implementação da Escola13 Nacional de Administração Pública (ENAP). 11 Para uma visão conceitual e teórica mais completa sobre a Nova Administração Pública e a Reforma do Estado, ver Kaufman (1998). 12 “A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000), impôs limites máximos para dívidas e gastos de pessoal da União, dos estados e dos municípios; exigiu a formulação de metas trienais; proibiu novas rolagens de dívidas estaduais e municipais pelo governo central e estabeleceu sanções aos responsáveis por desvios”. (RIBEIRO, 2007: p. 822) 13 “A Fundação Escola Nacional da Administração Pública (ENAP) é uma escola de governo, do Poder Executivo federal, que oferece formação e aperfeiçoamento em Administração 8 Em contraposição a essa visão otimista sobre as inovações na Administração Pública consagradas pela Carta Magna, Bresser Pereira (1998a: p. 177) analisa os fundamentos jurídicos que reforçaram o modelo de Administração Burocrática, atacando firmemente os novos dispositivos legais sobre Administração Pública da Constituição Federal de 1988, ao argumentar que ela deveria ter consolidado a Reforma Burocrática iniciada com Vargas e transformado a Reforma Desenvolvimentista dos militares em uma Reforma Gerencial. Assim, na visão de Bresser, a Carta Magna de 1988 merece o rótulo de “retrocesso burocrático”, pois representou uma atitude defensiva da alta burocracia que afirmou seus privilégios corporativistas e patrimonialistas, fruto do ressentimento com que fora tratada nos governos militares, restabelecendo a força centralizadora e a “pureza” do sistema burocrático através do fortalecimento e expansão da administração direta e da defesa dos interesses corporativistas do funcionalismo público.14 Acerca da conjuntura político-econômica que antecedeu a Reforma Gerencial de 1995, percebemos que, graças aos benefícios colhidos pela estabilização macroeconômica15, os empreendedores reformistas puderam lançaram-se a um ousado esforço de repensar e reformular as estruturas e processos do Executivo Federal. O caráter abrangente e compreensivo de ambas, no entanto, merece especial registro, no mínimo porque desde o início da década de setenta não se viabilizaram iniciativas desta natureza. (DE FARIAS e GAETANI, 2002) O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1995) é referência fundamental na história da Administração Pública Brasileira, podendo ser avaliado como uma tentativa de superação da “Era Vargas” no plano institucional, ao traçar as diretrizes fundamentais da modificação do relacionamento entre Estado, Governo e Sociedade e ao propor a articulação de um novo modelo de desenvolvimento, redefinindo uma série de funções históricas do Estado brasileiro. (BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1994) Pública a servidores públicos federais. A ENAP, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, foi criada em 1986.” Disponível em http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=893&Itemid=24 3. Acesso em 30.04.2013 14 Como exemplo do espírito burocrático racional-legal que inspirou a Constituição de 1988, cite-se um importante instituto jurídico que consagrou vários privilégios no âmbito do funcionalismo público: o Regime Jurídico Único e a estabilidade rígida. 15 Para uma análise mais profunda e crítica dos processos econômicos e das condições político-eleitorais que viabilizaram os Governos FHC e propiciaram o apoio necessário às Reformas da década de 1990, ver Sallum Jr. (1999; 2003) 9 O documento foi elaborado por políticos e acadêmicos16 e trata da reconstrução da Administração Pública Brasileira em bases modernas e racionais, apresentando a idéia da Reforma Gerencial ao introduzir na burocracia brasileira os elementos de eficiência com foco em resultados e ao conferir grande importância à descentralização na Gestão Pública. Em relação à transição do modelo de Administração Pública que a Reforma preconiza, é interessante a análise de Abrucio (2007), que não concorda com a visão etapista sugerida pela Reforma de 1995 e por Bresser Pereira, segundo a qual há uma oposição completa entre a administração burocrática e as novas formas de gestão. Segundo essa leitura, essa perspectiva dicotômica leva a crer que uma etapa substitui por completo a outra, sendo que, na verdade, o modelo weberiano, apesar de alguns males que possui e que devem ser combatidos (como o excesso de formalismo e a rigidez burocrática), também pode contribuir com a modernização, principalmente reforçando a meritocracia e separando decididamente o público do privado. Nesse sentido, a Reforma Gerencial de 1995 propunha, em linhas gerais, uma Reforma do Aparelho de Estado e do seu pessoal, visando a um ajuste fiscal austero e à redução do excesso de quadros no funcionalismo público, em curto prazo; em médio prazo, buscava uma modernização e mais eficiência no atendimento ao cidadão. O ajuste fiscal seria feito com base na exoneração por excesso de quadros e modificação no sistema previdenciário, enquanto a modernização se daria com base no fortalecimento do “núcleo estratégico do Estado” e na descentralização da administração pública através das organizações sociais e das agências executivas, as quais estariam ligadas ao Estado por meio do contrato de gestão. (BRESSERPEREIRA, 1998; ABRUCIO, 1998; 2007) De modo mais sintético, o mentor do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado define a essência das principais medidas de inovação administrativa e institucional que a Reforma deveria contemplar, a saber: 1. Descentralizar os poderes e recursos para as agências reguladoras e executivas que desempenham atividades exclusivas de Estado, aumentando, ao mesmo tempo, o poder do núcleo estratégico do Estado sobre os resultados, e das secretarias formuladoras de políticas sobre as reformas e políticas institucionais; 2. Contratar com organizações públicas não-estatais de serviço, reconhecidas como ‘organizações sociais’, os serviços sociais e científicos que a sociedade decidir financiar com recursos do Estado por envolverem altas externalidades e direitos humanos básicos; 16 Para uma análise inovadora e interessante da interdependência entre elites políticas e acadêmicas na construção de políticas governamentais, tomando o Banco Central e as políticas de estabilização monetária da década de 1990 no Brasil como exemplo, ver Ruediger (2007). 10 3. Terceirizar para empresas comerciais as atividades de apoio ou auxiliares que não envolvam nem o poder do Estado (e são realizadas pelas agências) nem direitos humanos básicos (que devem ser prestadas por organizações sociais); 4. Tornar responsáveis as agências e as organizações sociais por meio do controle de resultados contratados, da competição administrada pela excelência e do controle social, o que envolve grande transparência, em vez dos controles burocráticos clássicos; 5. Recrutar diferentemente o pessoal das agências e o das organizações sociais: enquanto as agências terão servidores públicos, as organizações sociais trabalharão com funcionários privados; 6. Reforçar o serviço público, que se limitará a desempenhar as atividades exclusivas de Estado e continuará a ser organizados em carreiras. 7. Exigir dos servidores públicos não apenas competência técnica e comportamento ético, mas autonomia razoável de decisão, além de capacidade política 8. Estabelecer um sistema de incentivos, envolvendo diferenciais de remuneração, avaliação transparente do desempenho e reais oportunidades de treinamento e progressão na carreira; 9. Adotar exaustivamente a informática e, em especial a tecnologia da Internet para auditoria, compras, pagamentos e todo tipo de registros oficiais; (BRESSER-PEREIRA, 2009: p.266-67) Além dessas ações, destacam-se as privatizações, que visavam substituir o Estado no setor de bens e serviços onde o mercado exerceria o controle e as entidades privadas a administração. A justificativa, entre outros argumentos, foi que a crise fiscal e seus desdobramentos tolheram a capacidade do Estado de realizar poupança forçada, o que abriu espaço para as privatizações de empresas estatais, já que estas não podiam mais receber investimentos por parte do Estado. Resumidamente, nos termos do próprio Plano Diretor: A Reforma do Estado envolve múltiplos aspectos. O ajuste fiscal devolve ao Estado a capacidade de definir e implementar políticas públicas. Através da liberalização comercial, o Estado abandona a estratégia protecionista da substituição de importações. O programa de privatizações reflete a conscientização da gravidade da crise fiscal e da correlata limitação da capacidade do Estado de promover poupança forçada através das empresas estatais. Através desse programa transfere-se para o setor privado a tarefa da produção que, em princípio, este realiza de forma mais eficiente. Finalmente, através de um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle. (MARE, 1995: 13) Desse modo, abria-se espaço para a figura do Estado regulador do século XXI, para o qual, na visão dos principais formuladores da Reforma Gerencial, somente deve ser estatal17 a atividade que não puder ser controlada pelo mercado e 17 Surge também nesse contexto o instituto da “propriedade pública não-estatal”, a qual cabe exercer o controle social direto da parceria e deve ser controlada de forma mista por Estado, mercado e sociedade, configurando uma Co-Gestão entre Estado e Sociedade Civil, sendo o Contrato de Gestão o laço jurídico que regulamenta essa parceria. 11 administrada pela iniciativa privada, substituindo assim a figura do Estado Liberal do século XIX e do Estado Executor-Empresário do século XX. (BRESSER-PEREIRA, 2009) Assim sendo, é interessante notar que, para liderar esse processo de transformação político-institucional complexo e desafiador, assim como para conduzir um novo modelo de Estado, caracterizado pelos princípios da Administração Pública Gerencial, existe a demanda por uma classe dirigente e uma equipe de elite capaz de construir e conferir uma orientação estratégica às políticas governamentais. Nesse sentido, é relevante abordar um abrangente conceito de elite dirigente no Setor Público, a fim de facilitar o entendimento e a identificação dos atores envolvidos na formulação e na execução das políticas de Reforma do Estado: A ruling elite (from the latin eligere, “to elect”) is a small, dominant group that enjoys the power of decision in the various sectors of the economic and social organization of a State. It includes the bureaucrats and civil servants who rule the macro-environment; the political elite that governs and operates the executive, legislative, and judicial structures; and the business elite. Non-ruling elites include the members of the media, academia, and the intelligentsia. (BREZIS and TEMIN, 2007: p.1) Em complemento a esse conceito, é útil resgatar mais algumas noções conceituais sobre quem são essas elites dirigentes incrustadas no aparelho de Estado, de modo a tornar mais cristalino o entendimento sobre a construção de uma Administração profissionalizada. Nesse sentido, são válidas as ideias de Bresser Pereira (2007), presentes num instigante estudo sobre a Burocracia Pública e Classes Dirigentes no Brasil que busca descrever e analisar o papel desempenhado pela burocracia pública na sociedade brasileira. Na visão desse autor, essa classe profissional pública é composta por uma comunidade de gestores públicos, ou seja, servidores públicos, administradores das empresas estatais, consultores da administração pública e pelos políticos profissionais. Enfim, a Reforma Gerencial de 1995 analisada nesse trabalho tem entre seus objetivos cruciais promover o encontro do Estado e da vida administrativa com os novos paradigmas gerenciais emergentes em todos os sistemas político- administrativos avançados (NOGUEIRA, 1998). V. CONSIDERAÇÕES FINAIS 12 A Reforma do Estado no Brasil ainda esbarra em muitos condicionantes que remontam à origem da formação do Estado brasileiro. Entretanto, a visão de que o Estado deve tornar-se mais eficiente através do aperfeiçoamento da Gestão Pública focada nos resultados, cuja missão primordial é prover os cidadãos com melhores serviços e políticas públicas mais eficientes, eficazes e efetivas parece difícil de ser contestada. Assim, é significativa a explicação de Abrucio: A Gestão por resultados é hoje a principal arma em prol da efetividade das políticas públicas. Para tanto, é preciso orientar a administração pública por metas e indicadores. Embora estes já tenham sido introduzidos em algumas experiências brasileiras, o seu uso ainda é bem restrito, pouco conhecido do público e, pior, de pequena assimilação junto à classe política. Esta revolução gerencial dependerá, portanto, de um convencimento dos diversos atores políticos e sociais sobre a necessidade de se adotar este novo modelo de gestão. Daí que não bastarão alterações institucionais; serão necessárias mudanças na cultura política, como ocorreu no caso da responsabilidade fiscal. (2007: p. 82) Portanto, as perspectivas de implantação de uma Administração Pública Gerencial no Brasil ainda são pouco otimistas diante do amplo quadro de peculiaridades do contexto brasileiro, que se configuram como verdadeiros entraves a consolidação de um modelo mais progressista e moderno de Gestão Pública. Dentre esses condicionantes da Reforma do Estado no Brasil, destacam-se o patrimonialismo, o clientelismo, o personalismo, o mandonismo e muitas outras patologias sociais que estão no cerne da nossa formação política e cultural e que alimentam os velhos esquemas de manutenção de um status quo compromissado com o reforço de estruturas políticas e sociais arcaicas.18 A Reforma Gerencial de 1995, apesar dos muitos reveses19, deixou um legado institucional importante para o país, na medida em que inseriu na agenda política um tema novo e necessário que nunca havia sido discutido amplo e abertamente. Além disso, foi a primeira tentativa de modernização do Estado em um período de estabilidade democrática em um país de cultura política marcadamente autoritária, 18 Para uma visão mais completa sobre as condicionantes da Reforma do Estado no Brasil, ver Costa (2007). 19 A preponderância do ajuste fiscal e a dificuldade de promover as mudanças institucionais necessárias são dois fatores chave importantes para justificar a tese de descontinuidade dos movimentos reformistas de 1995 através das falhas seqüenciais, conforme sintetiza a obra de Rezende (2004). 13 onde ainda coexistem elementos da Gestão Pública patrimonial, burocrática e pósburocrática-gerencial.20 A análise e compreensão do momento político em que se passou a Reforma Bresser é reveladora sobre os embates ideológicos travados. O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, período em que se passa a Reforma que interessa diretamente a esse trabalho, foi rotulado21 de neoliberal e economicista, tentando-se fazer crer que o Governo teria renegado a responsabilidade pública com as políticas sociais em detrimento das políticas econômicas de ajuste fiscal e em obediência subserviente aos imperativos internacionais emanados do Consenso de Washington22. Nesse particular aspecto, é interessante observar a tentativa de oposição à Reforma,23 com tom ideológico bastante acentuado, conforme o próprio FHC procurar refutar: Como poderia o conjunto de propostas que pretendemos aplicar à Administração Pública ser considerado neoliberal ou determinado pelo Consenso de Washington? Só na retórica pseudodemocrática, na verdade clientelista e conservadora (tudo que é moderno ou novo é suspeito), de uma “esquerda” que perdeu o rumo. (CARDOSO, 2006: p.565) É igualmente interessante observar o esforço de Bresser Pereira24 de desfazer esse “equívoco”, ao afirmar que os verdadeiros neoliberais querem a retirada total do Estado também da área social, adotando um individualismo radical carente de um realismo político que, na sua interpretação, não encontrou lugar nas propostas do Governo Fernando Henrique Cardoso para a Reforma do Aparelho de Estado. De acordo com o formulador da Reforma Gerencial, tratava-se de promover no Brasil nem um Estado mínimo nos moldes neoliberais radicais de corte neoconservador, nem um Estado de Bem Estar Social nos moldes do Welfare State, mas sim um Estado Social-Liberal, que continua responsável pela proteção dos 20 Para uma análise pormenorizada sobre os avanços e dilemas do modelo pós-burocrático no Brasil, consultar Abrucio (1998) 21 Além da oposição petista à reforma com a estratégia de tachar de “neoliberal” qualquer reforma do Governo FHC, ressalte-se também a péssima influência do desastrado Governo Collor que executou políticas de mudanças bruscas na Gestão de Pessoas que causaram muito ressentimento e grandes resistências no funcionalismo público, fatores esses ajudaram no enfraquecimento da Reforma da Gestão Pública de 1995. (ABRUCIO, 2007) 22 Dentre as principais medidas formuladas no Consenso de Washington, estão: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, abertura comercial, reforma tributária, privatização das empresas estatais, desregulamentação e afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas, eliminação de barreiras ao investimento estrangeiro direto etc. 23 Não se pode esquecer da oposição petista à reforma, movida pelo peso do corporativismo dentro do partido e por uma estratégia de tachar qualquer reforma da era FHC como “neoliberal”. (ABRUCIO, 2007) 24 O Ex-Ministro da Reforma do Estado considera muitas críticas como puramente ideológicas e dialoga com algumas vozes críticas à Reforma Gerencial de 1995 em Bresser Pereira (2009: p. 357-362) 14 direitos sociais, mas que garante essa proteção deixando gradualmente de exercer a forma direta as funções de educação, saúde e assistência social para contratar organizações públicas não-estatais para realizá-las. (BRESSER-PEREIRA, 1998b; 2009) A título de conclusão, e fazendo uma apreciação da questão política que permeia e dá a direção aos movimentos de Reforma do Estado, nota-se que o Governo Fernando Henrique Cardoso deixou uma herança de Reformas importantes ao país, tanto no plano institucional, como no âmbito econômico e jurídico, ao promover importantes reformas como a própria Reforma Gerencial aqui abordada, a Lei de Responsabilidade Fiscal e outras discussões de relevância para a modernização da Gestão Pública que se arrastam até a atualidade e que foram iniciadas nos governos FHC.25 Em contraposição, quando analisamos o governo Lula e a trajetória política do seu partido, de oposição sistemática a muitos dos avanços modernizadores preconizados pelos governos FHC, vemos a ilusão de que bastaria vontade política dissociada de uma Gestão Pública atualizada e eficiente para promover as mudanças prometidas no discurso histórico do PT, o que não se mostrou verdadeiro na árida realidade política, como demonstra Abrucio: Eleito por um discurso em prol de uma ampla transformação da sociedade brasileira, o presidente Lula acreditava que bastava vontade política para mudar o país. A esta visão voluntarista se somou a ausência de um projeto de Reforma do Estado, pois o PT, até há pouco tempo, enxergava em qualquer projeto neste sentido uma natureza “neoliberal” — em outras palavras, um “pecado”. Resultado: muitas das promessas eleitorais não puderam ser cumpridas porque a gestão pública não estava preparada para atingir os fins propostos. (2007: p. 79) Ainda em relação ao Governo Lula, além da constatação da necessidade de uma máquina pública eficiente e de novas formas de Gestão para implantar as políticas públicas pretendidas nos planos de Governo, deve-se mencionar a existência do reforço de alguns mecanismos políticos que inibem o avanço da Administração Pública Gerencial no Brasil, ao torná-la mais dependente das velhas moedas de troca clientelista, conforme salienta Abrucio: 25 É evidente que os movimentos de Reforma do Estado conduzidos no Governo FHC não são consensuais e encontram argumentos plausíveis de oposição a muitas ações, para além da mera crítica estéril de cunho ideológico, os quais, por razões de limitação do escopo analítico desde trabalho, não puderam ser analisados. Para uma abordagem crítica da Reforma Gerencial de 1995, ver Costa (2000). 15 A pior característica do modelo administrativo do Governo Lula foi o amplo loteamento dos cargos públicos, para vários partidos e em diversos pontos do Executivo federal, inclusive com uma forte politização da administração indireta e dos fundos de pensão. Este processo não foi inventado pela gestão petista, mas sua amplitude e vinculação com a corrupção surpreendem negativamente por conta do histórico de luta republicana do Partido dos Trabalhadores. Se houve algo positivo na crise política de 2005 é que, depois do conhecimento pelo grande público do patrimonialismo presente em vários órgãos da administração direta e em estatais, tornou-se mais premente o tema da profissionalização da burocracia brasileira. (ABRUCIO, 2007: 77) Focalizando ainda o Governo Lula, apesar da ausência de uma política pública sistemática e estruturada de Reforma do Estado, nos moldes da praticada no primeiro mandato de FHC, Abrucio (2007) destaca algumas boas ações pontuais que merecem destaque, como o Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados e do DF (Pnage) e o Programa de Modernização do Controle Externo dos Estados e Municípios Brasileiros (Promoex), os quais primam pela modernização da administração pública no nível subnacional e são mais participativos, reforçando modelos em rede e afastando a tradição centralizadora do Estado brasileiro. Enfim, apesar de alguns avanços constatados, vemos que no Brasil atual predomina um modelo de Gestão Pública fortemente baseada no paradigma Estadocêntrico, no qual a sociedade é súdita do Estado e refém dos muitos vícios que permeiam toda a máquina burocrática. A burocracia brasileira é caracterizada por um modelo fraco com foco exacerbado no processo em detrimento dos resultados, o que engessa a Administração Pública ao submetê-la a um universo ensimesmado que padece de isolamento, operando sob uma lógica própria afastada da realidade social. Portanto, para pensar a Reforma do Estado no Brasil e avançar nesse debate, devemos analisar simultaneamente várias “Reformas” que estão englobadas nesse tema, quais sejam: a econômica, que basicamente diz respeito aos ajustes estruturais macroeconômicos, à redefinição do papel do Estado na economia e ao equilíbrio fiscal, cujos fundamentos básicos já foram estabelecidos, principalmente com a estabilização monetária do Plano Real e com a Lei de Responsabilidade Fiscal; a administrativa, focalizando o delicado e estratégico tema dos Recursos Humanos no Setor Público promovendo avanços na questão das tecnologias da informação e aperfeiçoando o governo eletrônico; estimulando a melhoria da transparência das ações públicas, através do refinamento dos mecanismos de accountability e responsabilização dos agentes públicos, sempre tendo em vista o aumento 16 progressivo da qualidade do serviço público entregue pelo Estado, com foco no cidadão; e finalmente a reforma de inovação, muito mais lenta que as demais, porque envolve valores e cultura política, e passa necessariamente pelo desenvolvimento de uma mentalidade de empoderamento da população e pelo fortalecimento dos mecanismos de democracia participativa. (ABRUCIO, 1998; 2007) Finalmente, esse trabalho abordou alguns aspectos do vasto tema da Reforma do Estado no Brasil. Primeiro, ao traçar um sucinto histórico das duas reformas que antecederam a Reforma Gerencial de 1995. Depois, descreveu as principais diretrizes do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, trabalhando alguns conceitoschave para a compreensão do que é a Nova Administração Pública. E por fim, teceu alguns comentários críticos sobre elementos políticos e culturais que induzem a discussão sobre a Gestão Pública no Brasil, explorando suas conexões com as Políticas de Reforma do Estado e as ações dos últimos governos nessa direção. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRUCIO, Fernando Luiz. Os avanços e dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da Administração Pública à luz da experiência internacional recente. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter. A Reforma do Estado e a Administração Pública Gerencial. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1998. ______. 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