Já comeu sua vacina hoje? Esta questão será comum num futuro muito próximo. Alimentos geneticamente modificados irão dar conta da vacinação que, hoje, ainda é dolorida. Um dos principais avanços da medicina no último século foi a introdução das vacinas, que fizeram milagres reais contra as doenças infecciosas. Mortes por sarampo, poliomielite ou tétano passaram a ser objeto de estudo de historiadores. Entretanto, mesmo após décadas e milhares de campanhas de vacinação, mais de 30% das crianças de todo o mundo não têm acesso às vacinas mais importantes: contra difteria, tuberculose, tétano e pólio. No início da década de 1990, Charles Arntzen, achou que a solução talvez fosse a de preparar alimentos geneticamente modificados, capazes de produzir vacinas. Bananas, batatas ou tomates que, ao serem consumidos, estariam provindo o organismo com as inoculações necessárias. As vantagens seriam enormes: as plantas poderiam crescer no local onde fossem necessárias, sem muitos custos. Os problemas logísticos, econômicos e políticos, comumente relacionados à distribuição normal de vacinas, também seriam minimizados. E, ainda, estas vacinas não requereriam seringas que, além de serem caras e causarem medo, podem ser contaminadas. Cientistas já fazem plantas com vacinas Após 10 anos de estudos e testes (inclusive em humanos), os resultados são promissores: as vacinas comestíveis podem funcionar. Entretanto, há ainda um pouco de receio dentre a comunidade científica: existe a especulação de que estas vacinas poderiam suprimir a autoimunidade - fazendo com que as defesas do corpo ataquem, por engano, células sadias. Ao detectar a presença de um organismo estrangeiro em uma vacina, o sistema imunológico se comporta como se o organismo estivesse sob ataque de um potente antagonista. Várias forças são mobilizadas para encontrar e destruir o invasor. Novas proteínas são codificadas - os antígenos - em função do tipo do invasor. Mesmo após finda a "batalha", certas células de "memória" permanecem na corrente sanguínea, alertas, capazes de identificar novamente este invasor e codificar o antígeno correto. A sociedade e boa parte da comunidade científica temia que, no caso das vacinas clássicas, os microorganismos desativados, de alguma forma, ressuscitassem e provocassem as doenças que deveriam evitar. Por isso, os fabricantes passaram a produzir as chamadas "sub-unidades", que são apenas as proteínas antígenas, divorciadas dos genes patológicos. Entretanto, estas novas vacinas são bastante caras, pois sua produção é bastante requintada: envolve a cultura de bactérias ou células animais, devem ser purificadas e sempre necessitam de ser refrigeradas. Estas vacinas devem sempre ser injetadas na corrente sanguínea, pois são denaturadas pelo suco gástrico. Esta mesma técnica está sendo aplicada nas vacinas comestíveis. A grande vantagem é que não necessitam ser refrigeradas, pois o alimento protege as proteínas da degradação. Desde o início das pesquisas com vacinas em alimentos, os pesquisadores desconfiavam que estas vacinas também teriam ação sobre a imunidade mucosal. Vacina contra diarréia Muitos agentes patológicos entram no corpo via nariz, boca ou órgãos genitais; a primeira defesa do organismo é uma série de membranas mucosas, localizadas nestas regiões. As vacinas injetáveis, em geral, não estimulam a defesa mucosal; as vacinas comestíveis, teoricamente, deveriam ser mais ativas nesta imunidade, pois entra em contato íntimo com a mucosa do intestino. Em 1995, Arntzen conseguiu obter plantas de tabaco que produziam uma proteína antígena para o vírus da hepatitis B; testou em ratos e estes se tornaram imune à doença. William H. R. Langridge obteve tomates e batatas com vacinas para as três principais causas da diarréia Arntzen foi o primeiro cientista a testar vacinas comestíveis em pessoas. Em 1997, vinte voluntários comeram batatas não cozidas, contendo a subunidade B da toxina da E. coli. Todos apresentaram estímulos das imunidades sistêmica e mucosal. O mesmo grupo comeu outras batatas, contendo vacina contra o Norwalk vírus; 19 dos vinte tiveram resultados positivos. Humanos já testaram as vacinas comestíveis Estes resultados parecem deixar claro que as vacinas comestíveis são, de fato, eficazes. A comunidade científica vê com bons olhos e vários órgãos de saúde pública, como a NIH e a Unicef, já investem bastante dinheiro nesta área. Dentre os obstáculos, está a escolha das plantas corretas - e cada planta apresenta seu próprio desafio. As batatas são ideais: se propagam rapidamente e podem ser estocadas por longos períodos. A desvantagem é que devem ser ingeridas sem cozimento, o que não é uma prática comum. As bananas não precisam ser cozidas, mas suas árvores levam anos para dar frutos, e estes são sazonais. Além disso, após colhidas as bananas apodrecem rapidamente. Por isso, mais plantas tem sido testadas, como alface, cenouras, amendoins, trigo, milho arroz e soja. Outra questão: o consumo cotidiano de vacinas poderia causar um fenômeno conhecido como tolerância oral - o organismo pode simplesmente passar a desligar suas defesas contra estas proteínas, se tornando susceptível ao ataque do agente patológico real. Além disso, alguns cientistas advertem para o fato de que a mãe que come o alimento com vacina estaria indiretamente vacinando o seu filho, quer seja o feto, através da placenta, ou o bebê, pela amamentação. Existem ainda problemas não científicos: várias empresas farmacêuticas estão tentando por descrédito na estratégia das vacinas comestíveis, por razões óbvias: o mercado das vacinas injetáveis representa bilhões de dólares. No Brasil, ainda há outro problema: parece um absurdo dizer que teremos como solução vacinas comestíveis, se em várias áreas de nosso país crianças ainda morrem de fome. Se não chegam alimentos, muito menos vacinas comestíveis. A vacinação é uma etapa posterior a do fim da fome. Os programas sociais do governo na área da saúde têm se mostrado ineficazes: milhares de crianças morrem anualmente de desnutrição. O preparo de uma plantavacina segue alguns passos comuns. O primeiro deles, consiste na exposição das células da planta às bactérias causadoras da doença. Esta bactéria contém um gene que a torna imune a ação do antibiótico. Após um certo tempo de cultura, um forte antibiótico é adicionado ao meio - todas as células da planta que não tiverem sofrido transferência genética irão morrer. É uma forma de separar o "joio do trigo". A próxima etapa consiste na brotação e enraizamento do callus. Depois, é só plantar e gerar uma muda. Fonte: QMCWEB