O ARTIGO 285-A DO CPC COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.277/06 E O PROCESSO DO TRABALHO Mauro Schiavi 1 Em meio a uma série de leis que alteraram o Código de Processo Civil, vem a lume o artigo 285-A do CPC, acrescentado pela Lei 11.277/06 que assim dispõe: “Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso”. O presente artigo faz parte da reforma processual civil, cujos escopos são a celeridade e efetividade do processo, bem como a economia de atos processuais. A doutrina tem chamado o referido dispositivo legal de julgamento sumário de mérito, improcedência prima facie, sentença proferida inaudita altera parte, dentre outras denominações. Há o reconhecimento expresso de que o primeiro grau de jurisdição, como já era praticamente pacífico na doutrina, pode firmar sua própria jurisprudência. Assim, como os tribunais podem utilizar a jurisprudência sedimentada para trancar o processamento de recurso, agora, presentes dos requisitos do artigo 285-A do CPC, as Varas poderão rejeitar, liminarmente, a pretensão. A matéria objeto do processo tem que ser exclusiva de direito, não cabendo dilação probatória, ou se prova houver, esta deve ser documental e pré-constituída com a inicial. O termo casos idênticas deve ser lido como sendo causas de mesmo objeto e causa de pedir, pois as partes não necessitam ser as mesmas. Além disso, para resolução do mérito, o juízo deve adotar a mesma tese jurídica. De outro lado, o provimento jurisdicional tem que ser de improcedência total do pedido ou dos pedidos. Se um dos pedidos não for improcedente, mesmo que a matéria seja exclusivamente de direito, não cabe, a nosso ver, aplicação do referido dispositivo. Também se um dos pedidos envolver matéria fática, não há se falar em extinção prematura do processo. O Conselho Federal da Ordem dos advogados do Brasil ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade em face do referido dispositivo (Ação direta de Inconstitucionalidade n. 3.695). Para a OAB, este artigo cria uma espécie de "súmula vinculante" impeditiva do curso do processo no primeiro grau de jurisdição, violando o direito ao 1 Juiz do Trabalho na 2ª Região. Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor Universitário. 1 contraditório e ampla defesa. São discutidas ainda na presente ação teses sobre violação do acesso ao Judiciário, simetria de tratamento às partes, ampla defesa e contraditório e violação do devido processo legal. Não pensamos que o artigo 285-A do CPC estaria criando uma Súmula Vinculante em primeiro grau de jurisdição, pois o juízo de primeiro grau somente está reproduzindo seu entendimento já sedimentado sobre uma tese jurídica. De outro lado, é perfeitamente viável a Vara criar sua própria jurisprudência, e até criar verbetes sobre o entendimento, pois as Súmulas de Jurisprudência nada mais são do que a interpretação da lei por um determinado órgão jurisdicional. Aliás, esta é uma prerrogativa do juiz de interpretar a lei, segundo o seu livre convencimento motivado (artigo 131 do CPC) e do devido processo legal. O referido dispositivo legal está apenas reconhecendo uma realidade que já existe, que é a jurisprudência do primeiro grau de jurisdição 2 . A nosso ver, existe um chamado contraditório entre juiz e autor, como constatamos nas hipóteses de indeferimento da inicial sem a citação do réu previstas no artigo 295 do CPC 3 , como a pronúncia “ex officio” de prescrição e decadência, ilegitimidade passiva, inépcia, etc. Sob outro enfoque, o contraditório é exercido a posteriori pelo demandado, caso haja apelação do autor e o juiz decida manter a sentença (§ 2º do artigo 285-A do CPC). Não há necessidade do contraditório do réu ser prévio, pois a decisão foi de total improcedência, não havendo prejuízo processual. Sob outro enfoque, a doutrina já se consolidou no sentido de se deferirem liminares inaudita altera parte, como nas hipóteses dos artigos 273 e 461 do CPC, sem o contraditório prévio e ainda em desfavor ao demandado. Somente haveria violação do contraditório e ampla defesa, se a decisão fosse de procedência. Some-se ainda que o parágrafo primeiro do artigo 285 do CPC possibilita o juízo de retração do próprio órgão que prolatou a decisão, caso haja apelação por parte do autor, como já existe no artigo 296 do CPC. 2 Como bem adverte José Augusto Rodrigues Pinto: “(...)Há uma enorme diversidade de conseqüências entre a medida imposta pelo art. 103-A da Constituição e providência do artigo 285-A, do CPC: enquanto a súmula vinculante no STF garroteia o pensamento do julgador em todas as demais instâncias, que lhe são inferiores, a súmula vinculante de 1º grau garante incondicionalmente a liberdade de rediscussão e modificação do julgamento sumulado, a começara pelo próprio juízo que o proferir, ou pelas instâncias a eles superiores. Aí está, veja-se bem, por que num caso rejeitamos a fórmula sumular vinculante de todo o Judiciário, no outro a aceitamos, vinculando apenas o próprio juízo prolator da sentença, com efeito acelerador e simplificador do processo (Constitucionalidade e Supletividade do artgo 285-A do CPC, In Suplemento LTR n. 88/06, p.372). 3 Art. 295 - A petição inicial será indeferida: (Alterado pela L-005.925-1973) I - quando for inepta; II - quando a parte for manifestamente ilegítima; III - quando o autor carecer de interesse processual; IV - quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (Art. 219, § 5º); V - quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal; VI - quando não atendidas as prescrições dos arts. 39, parágrafo único, primeira parte, e 284. Parágrafo único - Considera-se inepta a petição inicial quando: (Alterado pela L-005.925-1973) I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; III - o pedido for juridicamente impossível; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si. 2 Além disso, não é com a citação do réu que se considera pendente a lide e sim com a propositura da ação, pois com esta surgem interações processuais do juiz com a parte. Além disso, com a propositura da demanda, há o rompimento do princípio da inércia da jurisdição (artigo 2º, do CPC), passando o Judiciário a ter o dever de dar um desfecho ao processo. Em razão disso, acreditamos que o artigo 219 do CPC ao prever que a citação válida induz litispendência não seguiu a melhor técnica processual. Nesse sentido destaca-se a posição de Antonio Carlos Marcato 4 : “Forma-se o processo no momento da propositura da demanda em juízo, o que ocorre com o despacho inicial do juiz na petição inicial (nos foros onde houver juízo único), ou quando esta seja distribuída a um dos juízos com competência concorrente (CPC, art. 263). Tem-se entendido, no entanto, que basta a protocolização da petição inicial no cartório judicial para que se considere proposta a demanda. Formado o processo (e sua formação independe da citação do réu, tanto que o indeferimento da petição inicial acarreta sua extinção – CPC, arts. 267, I e 295), estará ele pendente (litispendente) até que seja extinto. A litispendência significa, portanto, a existência de um processo em curso (v. notas ao art. 301), dele participando o réu a partir do seu ingresso no pólo passivo da correspondente relação jurídica (quanto então esta se angulariza), por via da citação válida (CPC, arts. 213 e 214), ou pelo comparecimento espontâneo (arts. 214, § 1º). Tanto é assim, que, exemplificando, indeferida a petição inicial (artigo 295) e apelando o autor da sentença (art. 296), não será admissível a repropositura da mesma ação (art. 267, V), enquanto pender julgamento pelo Tribunal)” 5 . Diante do exposto, entendemos que o artigo 285-A do CPC é perfeitamente constitucional 6 , não violando os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Além disso, contribui para a celeridade e efetividade do processo. DA COMPATIBILIDADE DO ARTIGO 285-A DO CPC COM O PROCESSO DO TRABALHO O Direito Processual do Trabalho, por ser um ramo especializado do Direito Processual, e por ter por escopo a efetividade do processo, sofre, por força do artigo 769, da CLT, os impactos das mudanças do Código de Processo Civil. 4 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais, 10ª Edição, São Paulo, Atlas, 2004, p.55. No mesmo sentido é a opinião de José Frederico Marques: “A litispendência é o fenômeno resultante da apresentação de uma lide em juízo. Com a propositura da ação, o litígio adquire tonalidade processual e, em torno da área demarcada pelo pedido do autor, forma-se a litispendência (Instituições de Direito Processual Civil, Campinas, Millennium, 2000, p. 196). 6 Nesse mesmo diapasão é a opinião de Fredie Didier Júnior, ao comentar o artigo 285-A do CPC: “Em primeiro lugar, convém fazer um alerta, por mais desnecessário que isso possa parecer: não há qualquer violação à garantia do contraditório, tendo em vista que se trata de um julgamento pela improcedência. O réu não precisa ser ouvido para ser vitorioso. Não há qualquer prejuízo para o réu decorrente da prolação de uma decisão que lhe favoreça (A Terceira Etapa da Reforma Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 58). 5 3 Pelo princípio da subsidiariedade, que é uma das vertentes que norteiam o Processo Trabalho, na fase de conhecimento, o artigo 769, da CLT assevera que o direito processual comum é fonte do Direito Processual do Trabalho e, na fase de execução, o artigo 889, da CLT determina que, nos casos omissos, deverá ser aplicada no Processo do Trabalho a Lei de Execução Fiscal (lei 6830/80) 7 . O procedimento trabalhista é oral 8 , sintético e célere, visando à rápida satisfação do crédito do trabalhador. Atualmente, podemos dizer que há, na Justiça do Trabalho, três tipos de procedimentos: o ordinário (comum) 9 , o sumaríssimo 10 e o especial 11 . Em razão do caráter oral do processo do trabalho, de ser um processo de partes e de tentativas obrigatórias de conciliação, muitos questionam a aplicabilidade do artigo 285-A ao CPC do Direito Processual do Trabalho. Podemos elencar os seguintes argumentos contrários à aplicabilidade do artigo 285-A do CPC ao processo do trabalho, que têm sido apontados pela doutrina. São eles: a)processo do trabalho tem rito próprio, exigindo o comparecimento das partes 12 ; 7 Como bem advertem Pedro Paulo Teixeira Manus e Carla Teresa Martins Romar: “A aplicação da norma processual civil no processo do trabalho só é admissível se houver omissão da CLT. Ademais, ainda que ocorra, caso acaso é preciso verificar se a aplicação do dispositivo do processo civil não gera incompatibilidade com os princípios e nem as peculiaridade do processo do trabalho. Se assim ocorrer há se de proceder à aplicação do Instituto do processo comum, adaptando-o à realidade. Tal circunstância implica critérios nem sempre uniformes entre os vários juízos, ensejando discussões e divergências até certo ponto inevitáveis” (CLT e Legislação Complementar em Vigor, 6ª Edição, São Paulo, Malheiros, 2006, pág. 219). 8 Ensina Jorge Luiz Souto Maior: “A CLT, expressamente, privilegiou os princípios basilares do procedimento oral: a)primazia da palavras (arts. 791 e 839, a – apresentação de reclamação diretamente pelo interessado; 840 – reclamação verbal; 843 e 845 – presença obrigatória das partes em audiência; 847 – apresentação de defesa oral, em audiência; 848 – interrogatório das partes; 850 – razões finais orais; 850, parágrafo único – sentença após o término da instrução); b imediatidade (arts. 843, 845 e 848); c) identidade física do juiz (corolário da concentração dos atos determinada nos arts. 843 a 852); e)irrecorribilidade das interlocutórias (p. 1º do art. 893); f)maiores poderes instrutórios ao juiz (arts. 765, 766, 827 e 848); e g)possibilidade de solução conciliada em razão de uma maior interação entre o juiz e as partes (arts. 764, parágrafos 2º e 3º; 846 e 850). Assim, muitas das lacunas apontadas do procedimento trabalhista não são propriamente lacunas, mas um reflexos natural do fato de ser este oral. Lembre-se, ademais, que o CPC foi alterado em 1973, e, em termos de procedimento, adotou um critério misto, escrito até o momento do saneamento, e oral, a partir da audiência, quando necessária. Nestes termos,a aplicação subsidiária de regras do procedimento ordinário do CPC à CLT mostra-se, naturalmente equivocada, por incompatibilidades dos tipos de procedimentos adotados por ambos” (Ampliação da Competência: Procedimento e Princípios do Direito do Trabalho. In Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Ano 71, no, 1 – jan a abr de 2005, Porto Alegre, Síntese, 2005, p. 223). 9 O procedimento comum, também chamado ordinário, está disciplinado nos artigos 837 a 852, da CLT. 10 Atualmente, a nosso ver, há duas espécies de procedimentos sumaríssimo na Justiça do Trabalho, o sumaríssimo disciplinado pelos artigos 852-A a 852-I, da CLT (Lei 9957/00) e o disciplinado pela Lei 5584/70, também denominado pela doutrina como procedimento Sumário. Conforme entendimento da doutrina majoritária, ao qual nos filiamos da lei 9957/00 não revogou ou ab-rogou a lei 5584/70, pois com ela não é incompatível, não regulamentou integralmente a matéria, tampouco disse expressamente (artigo 2º, da LICC). 11 Quanto aos procedimentos especiais, a CLT disciplina três espécies: o inquérito judicial para apuração de falta grave (artigo 853 a 855), o dissídio coletivo (artigos 856 a 875) e a ação de cumprimento (artigo 872, da CLT). 12 Nesse diapasão è a doutrina de Jorge Luiz Souto Maior: “Em uma primeira análise, pode parecer perfeitamente aplicável ao processo do trabalho o que prevê o novo artigo 285-A do CPC, baseando-se no 4 b)o princípio da conciliação e da necessidade das tentativas obrigatórias de acordo pelo juiz; c)não há omissão da CLT; d)o juiz do trabalho somente toma contato com o processo em audiência, pois a notificação inicial é ato do Diretor da Vara (artigo 841, da CLT) 13 ; e)descaracterização do procedimento trabalhista que não prevê o despacho de recebimento da inicial, tampouco o despacho saneador. Por outro lado, há argumentos favoráveis à aplicação do artigo 285-A ao Processo do Trabalho. Dentre eles destacamos: a)instrumentalidade do Processo do Trabalho; b)racionalidade e efetividade ao procedimento 14 ; c)compatibilidade com o rito trabalhista e omissão da 15 CLT (artigo 769) ; d)a retirada da expressão “conciliar” do artigo 114, 16 pela EC 45/04 . argumento de que não há porque ouvir o réu, se quanto ao mérito da pretensão o juiz já tiver convicção formada que seja a seu favor. ‘Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.’ No entanto, a regra, que confere ao juiz uma faculdade, não o obrigando, portanto, a seguir tal procedimento, conflita com o procedimento trabalhista, já que ela evita o que se considera essencial no desenvolvimento do processo trabalhista, que é o contato do juiz com as partes, por meio do procedimento oral, sem falar no aspecto da ausência da tentativa de acordo. O fato é que o procedimento oral agrega valores que vão muito além da mera celeridade. Adotar esse procedimento é o primeiro passo para um caminho que mais tarde trará a "possibilidade de juntada de defesa por escrito"; "réplica", "despacho saneador", até se aniquilar o procedimento oral trabalhista. Esta previsão, de todo modo, pode ter um efeito reflexo interessante, que é o de permitir que se altere antiga concepção firmada na ciência processual de que a convicção formada em um processo não repercute em outros. A formação da convicção quanto à ocorrência ou não de determinado fato é dado que interfere na avaliação da prova produzida em outro processo sobre o mesmo tema, inegavelmente. A partir da instrução repetida sobre a mesma matéria natural que se forme uma presunção a respeito, fixando-se o ônus da prova em desfavor da parte contra a qual a presunção não favoreça”(REFLEXOS DAS ALTERAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO PROCESSO DO TRABALHO, Revista LTR, 70-08, págs.927/928). 13 Nesse sentido é a opinião de Estevão Mallet: “Incompatível com o processo do trabalho é a regra do art. 285-A, do Código de Processo Civil, que confere ao juiz a prerrogativa de, quando houver proferido sentença de improcedência em outros casos idênticos, dispensar a citação do reclamado, bastando que reproduza sua anterior decisão. No processo do trabalho a citação se faz independentemente de prévia cognição judicial, por ato de serventuário, na forma do art. 841, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho. O exame da matéria controvertida pelo juiz se dá em audiência, depois de já citado o reclamado”(O PROCESSO DO TRABALHO E AS RECENTES MODIFICAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, In Revista LTR 70-06, p. 672) 14 Nesse sentido é a visão de Marcelo Rodrigues Prata: “O novo art. 285-A do CPC ao lhe incrementar a racionalidade e a celeridade é compatível com o sistema processual trabalhista (PRIMEIRAS NOTAS SOBRE A INOVAÇÃO LEGISLATIVA E SUES REFLEXOS NO PROCESSO TRABALHISTA – LEI N. 11.277, DE FEVEREIRO DE 2006, In Revista LTr. 70/08, p. 996). 15 Nesse sentido é a opinião de Manoel Antonio Teixeira Filho: “A norma do CPC é aplicável ao processo do trabalho (CLT, art. 769), observado o reparo de ordem léxica que formulamos (As Novas Leis Alterantes do Processo Civil e sua Repercussão no Processo do Trabalho In Revista LTr 70-03/297). 5 Os argumentos apontados para o reconhecimento da compatibilidade do artigo 285-A do CPC nos convencem, pois o processo do trabalho tem caráter instrumental, não sendo um fim em si mesmo. Desse modo, uma norma do CPC que seja mais efetiva que a CLT pode ser aplicada ao Processo do Trabalho, ainda que não omissa a CLT. Os problemas da falta de tentativa de conciliação são os mesmos enfrentados pelo CPC, que também privilegia a conciliação como método basilar de solução dos conflitos. Por isso, cabe ao juiz, ao observar o que ordinariamente acontece no juízo, e diante do número reduzido de possibilidades de acordos sobre a matéria, optar por não tentar a conciliação. Embora o processo do trabalho seja um procedimento de partes (artigos 843 e 844, da CLT), em caso de matéria de direito, o comparecimento do autor somente se dá para se evitar o arquivamento e o comparecimento do réu, para evitar a revelia. Embora, no processo do trabalho não exista o despacho de recebimento da inicial e o juiz tome contado com o processo somente em audiência, nada impede que o juiz adote o procedimento de despachar a inicial e sanear o processo antes da audiência, como já o fazem alguns juízes do trabalho. Acreditamos que, com a aplicabilidade do artigo 285A do CPC, o juiz não está descaracterizando o processo do trabalho, mas apenas adaptando-o aos novos rumos da racionalidade, efetividade e celeridade processual, princípios estes tão cobrados da Justiça do Trabalho na atualidade. Não podemos deixar de reconhecer que o presente dispositivo, embora facultativo, pode acarretar um certo comodismo do juiz do em não apreciar argumentos novos trazidos pelo autor no bojo da inicial, máxime nos grande centros urbanos, onde a quantidade de processos é bem superior às forças do juiz. Como sustenta José Augusto Rodrigues Pinto 17 , os males apontados não estarão no processo, e sim no juízo. São, portanto, corrigíveis por meios disciplinares, além de se voltarem implacavelmente contra os próprios responsáveis pela indolência ou inapetência para bem julgar. O juiz do trabalho, como encarregado de zelar pela efetividade e celeridade do procedimento trabalhista, deve avaliar o custo benefício da utilização do artigo 285-A do CPC ao processo do trabalho 18 . De outro lado, o juiz do trabalho não pode se abster de aplicar o artigo 285-A do CPC em razão de um possível risco de não se obter uma conciliação ou não ouvir os argumentos defensivos. O juiz que se omite é 16 Em razão da supressão do termo “conciliar” do artigo 114, da CF, para os que entendem que as tentativas de conciliação pelo juiz são obrigatórias no Processo do Trabalho, já não há mais o óbice constitucional. A nosso ver tal supressão em nada altera o processo do trabalho, pois a solução conciliada do conflito tem sido a forma mais prestigiada pela doutrina para resolução dos conflitos, máxime os relacionados à relação de trabalho. De outro lado, a necessidade de conciliação está mencionada no artigo 764, da CLT. O fato do juiz não tentar a conciliação não acarretar a nulidade do processo, pois as próprias partes podem tomar tal providência. Além disso, a experiência demonstra que, em se tratando de matéria de direito, dificilmente há conciliação. De outro lado, também há a exigência no CPC, da necessidade de conciliação (artigo 331). Por isso, o óbice enfrentado no Processo do Trabalho para a ausência de tentativa de conciliação é o mesmo do CPC. 17 RODRIGUES PINTO, José Augusto. Op. cit.p. 373. 18 Pela aplicabilidade do artigo 285-A do CPC ao processo do trabalho, temos as posições de Edilton Meireles e Leonardo Dias Borges (A Nova Reforma Processual Civil e seu Impacto no Processo do Trabalho, São Paulo, LTR, 2006, p. 68); Luciano Athayde Chaves (A Recente Reforma no Processo do Comum. Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho, São Paulo, LTR, 2006, p. 117) e José Augusto Rodrigues Pinto (Constitucionalidade e Supletividade do artigo 285-A do CPC In Suplemento Trabalhista n. 88/06, p. 371). 6 mais nocivo que o juiz que julga mal. Como adverte Marinoni 19 , não há efetividade processual sem riscos. Assevera Eduardo J. Couture 20 : “Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e momento histórico determinados, o que valham os juízes como homens. O dia em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranqüilo”. Hodiernamente, se exige uma postura mais ativa do juiz para garantir os resultados práticos do processo. A efetividade do processo depende não só de um juiz imparcial e independente, mas também, de um magistrado mais ousado, comprometido com a justiça e com os resultados úteis do processo. Acima de tudo, deve ser interpretada a lei processual no sentido de que o processo, efetivamente, seja um instrumento da justa composição da lide, assegurando às partes igualdades de oportunidades 21 , dando à cada um o que é seu por direito. Diante do exposto, no nosso sentir, o artigo 285-A do CPC é perfeitamente aplicável ao processo do trabalho. CONCLUSÕES a)O Artigo 285-A do CPC é constitucional, pois não viola o contraditório e também não impede o acesso à Justiça. b)Há compatibilidade do artigo 285-A do CPC com o Processo do Trabalho c)Cabe ao juiz do trabalho, como encarregado de zelar pela efetividade, racionalidade e celeridade do procedimento trabalhista, avaliar o custo benefício da utilização do artigo 285-A do CPC. 19 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual de Processo de Conhecimento, 4ª Edição, São Paulo, RT, 2005, pág. 198. 20 COUTURE,. Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil, 3ª Edição. Tradução de Mozart Victor Russomano, 3ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 1998, pág. 59. 21 Nesse diapasão, oportunas as palavras de Artur César de Souza: “A igualdade não se estabelece somente pelas normas jurídicas, mas, e principalmente, nos dias de hoje, mediante a análise das circunstâncias sociais de cada parte no processo. Insere-se novamente, a lição de Mauro Capelletti: ‘(...)Mas que princípio é este se há casos em que, por razões econômicas, culturais e sociais, a parte não se encontra em condições de se fazer ouvir?Há que se repetir então o discurso, que caracterizou a nossa época, quanto à distinção entre igualdade real ou material entre as partes. O processo tornou-se a arena deste discurso, porque nele há que se travar a luta por um direito efetivo e não apenas aparente. Tanto é assim que às garantias constitucionais formais tem-se acrescentado (ou pelo menos dever-se-ia estar acrescentado) aquelas garantias sociais. No campo dos direitos humanos fala-se em direitos sociais como direitos humanos de segunda geração. Estes ao os direitos que se destinam a fazer com que os direitos tradicionais ou de primeira geração (entre os quais se incluem as garantias constitucionais do processo), tornem-se efetivos e acessíveis a todos ao invés de se projetarem como uma simples figuração para parte menos favorecida’ Como anota Mauro Cappelletti, não se pode falar em contraditório sem a análise de outros fatores, inclusive fora do âmbito jurídico, como os decorrentes do lado psicológico ou mesmo sociológico, de temas problemas e institutos, com o fim de atualizar esse direito/garantia, para que ele não permaneça, assim como fora concebido pelo Código de Processo Civil de 1973, meramente inserido, em face aos efeitos da revelia, no âmbito de uma igualdade formal”(Contraditório e Revelia, São Paulo, RT, 2003, pág. 256). 7