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PENSÃO POR MORTE: A EXPECTATIVA DE INCREMENTO SALARIAL DA
1
VÍTIMA COMO DANO RESSARCÍVEL
RAFAEL BORTOLOSSO ROVATI
RESUMO: Partindo de um caso concreto, o presente trabalho propõe-se a analisar a
possibilidade de ser incluída, na pensão de cunho indenizatório, a expectativa de
incremento salarial da vítima de dano morte. Sendo a reparação do dano morte
norteada pelo Princípio da Reparação Integral, somente atende ao referido princípio
a inclusão na pensão da expectativa de incremento salarial da vítima. Essa
possibilidade tem sido admitida no Direito Comparado e no Direito Brasileiro, sendo
compatível com nosso sistema de Responsabilidade Civil.
Palavras-chave:
Dano. Perda de Uma Chance. Pensão. Reparação. Indenização.
Homicídio. Expectativa de Incremento Salarial.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente estudo é analisar a questão da expectativa de
incremento salarial da vítima (ascensão profissional) como dano ressarcível. Para
isso, a abordagem do tema será realizada partindo-se de um caso concreto: um
jovem esposo e pai de família, aos 29 anos de idade, teve sua vida interrompida em
um momento profissional e financeiramente promissor da carreira.
In casu, os autores, viúva e filho da vítima, ajuizaram ação de indenização
por danos materiais e morais, requerendo a inclusão da expectativa de aumento da
renda do falecido no cálculo do pensionamento mensal devido a eles.
O falecido, responsável pelo sustento do filho e da esposa, pertencia à
família cujo genitor mantinha participação relevante nas sociedades do Grupo
Panambra, sendo o principal administrador do referido grupo. Aos 29 anos de idade,
a vítima possuía currículo universitário e profissional privilegiado: graduação em
duas faculdades, curso de pós-graduação e de Inglês em Universidades dos
Estados Unidos da América, além de experiência profissional em três diferentes
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção de grau de
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Dr. Paulo de Tarso Vieira
Sanseverino, Prof. Dr. Adalberto de Souza Pasqualotto e Prof. Dr. Eduardo Mariotti, em 26 de junho de 2009.
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empresas, sendo uma delas fundada por ele.
Com efeito, tendo em vista a idade da vítima e o seu currículo diferenciado,
seria razoável considerar que havia expectativa natural de que os seus rendimentos
seriam majorados no decorrer do tempo. No entanto, o pedido da esposa e do filho
do falecido para que fosse incluída a expectativa de aumento de renda do falecido
na pensão indenizatória não foi acolhido, sendo, inclusive, rechaçado pelo Juiz de
Primeiro Grau.
Daí serem levantados alguns questionamentos, por que não se leva em
consideração a expectativa de incremento salarial que a vítima de dano morte teria
se viva estivesse, para fins de quantificação da pensão indenizatória àqueles que
são legitimados a pleiteá-la? Em tal caso, em que o ato ilícito acarreta a morte da
vítima, está ou não sendo atendido o princípio da reparação integral no que tange ao
quantum indenizatório (prestação de alimentos)? Se a lei (art. 948, inciso II do
Código Civil Brasileiro), valendo-se de dados estatísticos, é expressa ao admitir a
expectativa de vida da vítima para fins de fixação do termo final da pensão
alimentícia, por que não admitir a expectativa de incremento da renda da vítima
como dano ressarcível?
Pelo princípio da reparação integral, todas as pessoas dependentes da
vítima de dano morte devem ser ressarcidas, integralmente, através de uma pensão
de cunho indenizatório, de forma a recolocá-las no status quo ante a ocorrência do
evento morte, nos termos do artigo 944 do Código Civil Brasileiro.
Rege o artigo 948, inciso II, do Código Civil Brasileiro que, em se tratando de
homicídio, a indenização deverá ser fixada através de pensão alimentícia aos
legitimados a ela até a duração provável de vida da vítima do ato ilícito morte.
Denota-se, assim, que os legitimados a pleitear a pensão devem ser reparados
integralmente, além de terem direito de receberem indenização até a provável
duração de vida da vítima de quem dependiam.
A contradição se instala, pois, para que o dano seja reparado integralmente,
em atendimento ao princípio da reparação integral, necessário seria incluir, na
pensão de caráter indenizatório, a expectativa de incremento salarial da vítima.
Assim, se a lei é expressa ao admitir, com base em dados estatísticos, a expectativa
de vida da vítima para o termo final da pensão, plausível seria, também, admitir a
expectativa de incremento da renda da vítima com base nos mesmos dados
estatísticos.
3
O foco desses estudos é compreensível e necessário. Tendo em vista a
necessidade de ser atendido o princípio da reparação integral de forma a abarcar a
expectativa de incremento salarial da vítima como dano ressarcível, para que os
legitimados à pensão devida, em virtude da morte daquele de quem dependiam,
mantenham o mesmo padrão de vida, como se o evento não tivesse ocorrido.
Portanto, o presente trabalho tem o seguinte objetivo: investigar a possibilidade de
inserir na pensão indenizatória devida aos dependentes da vítima de dano morte a
expectativa de incremento na renda que o ofendido teria se vivo estivesse.
O estudo concentrar-se-á inicialmente na caracterização, no alcance e em
alguns elementos do dano, principalmente para averiguar se a indenização da
expectativa de incremento salarial da vítima fatal trata-se: a) de dano certo ou
meramente hipotético; b) de dano emergente ou lucro cessante; ou, especialmente,
se pode ser enquadrada; c) como dano pela perda de uma chance, o que é
imprescindível para se atingir o objetivo perseguido no presente trabalho.
A presente monografia é dividida em duas partes: na primeira, a análise será
voltada para a caracterização e alcance do dano, bem como para o estudo de
alguns de seus elementos, a fim de investigar qual espécie de dano é passível de
indenização; na segunda parte, o foco dessa análise será na pensão por morte de
cunho indenizatório.
Inicialmente, serão abordadas as formas peculiares de elementos do dano,
em especial, a teoria da perda de uma chance. Em seguida, serão expostos os
critérios gerais da pensão indenizatória. Devidamente compreendidos tais pontos,
será possível proceder à análise da viabilidade de ressarcimento da expectativa de
incremento salarial da vítima de dano morte no caso invocado e nos demais casos.
Ao final, espera-se que seja possível compreender alguns dos elementos do
dano e dos critérios da pensão de cunho indenizatório. Em especial, objetiva-se
apontar as hipóteses viáveis para o ressarcimento da expectativa de incremento
salarial da vítima de dano morte, as quais, além de aplicáveis no caso invocado,
também poderão servir ao menos de inspiração para outros casos, de forma a
ocorrer um total atendimento do princípio da reparação integral.
4
2 DANO
2.1 DEFINIÇÃO DO DANO
Para uma melhor compreensão do presente trabalho, é fundamental
esclarecer o que vem a ser o dano. Atualmente, para a doutrina em geral, o dano é
caracterizado como lesão de um bem jurídico, de forma a abranger além do
patrimônio a moral.2 Entende-se aqui como bens jurídicos o patrimônio, o corpo, a
vida, a saúde, a honra dentre outros.
Ao analisar o termo dano, Agostinho Alvim, esclarece:
Em sentido amplo vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e ai se inclui
o dano moral. Mas em sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do
patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa,
apreciáveis em dinheiro. Logo, a matéria do dano prende-se à da
3
indenização, de modo que só interessa o estudo do dano indenizável.
A Constituição Federal de 1988, demonstrando a abrangência do conceito
de dano, consagra o direito da vítima de buscar, além da reparação patrimonial, a
reparação moral, conforme se denota de sua base normativa no artigo 5º, incisos V
e X.4
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino discorre a respeito:
No Brasil, a consagração pela CF/88, em seu art. 5º, incisos V e X, da
ampla reparabilidade aos danos morais, as cláusulas gerais de
responsabilidade civil subjetiva e objetiva dos artigos 186 e 927 do
CC/2002, e a abertura feita pelos enunciados dos artigos 948 (homicídio) e
949 (lesões corporais) também do CC/2002, fazem com que tenhamos
amplo espaço para uma integral indenizabilidade dos danos pessoais ou
5
corporais.
Percebe-se, desde logo, que o conceito de dano tem-se tornado cada vez
2
3
4
5
Nesse sentido, explica Rui Stoco: “O dano - que traduz unidade e sentido de diminuição ou
detrimento de um patrimônio ou ofensa de um bem jurídico protegido - tem duas naturezas:
patrimonial ou real, que os romanos denominavam damnum factum, vel datum e não patrimonial ou
moral” (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1231).
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 3. ed. São Paulo:
Jurídica e Universitária, 2003. p. 172.
Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: [...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem; [...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...]
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. O princípio da reparação integral e a indenização dos
danos pessoais. Porto Alegre: UFRGS, 2008. 371f. Tese (Doutorado em Direito Civil), Faculdade
de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008. p. 187.
5
mais
abrangente
material/econômico,
não
mas
se
restringindo
englobando
mais,
também
tão
ao
somente,
prejuízo
ao
prejuízo
de
ordem
psicológico/moral.6
O dano sempre estará ligado a uma idéia de prejuízo ou perda. Por essa
razão, é que se criou a noção de “perdas e danos”, que tanto pode ser aquilo que
efetivamente se perdeu (dano emergente) ou aquilo que se deixou de ganhar (lucro
cessante), em virtude, in casu, do ato ilícito morte. Atualmente, admite-se, em
algumas hipóteses e circunstâncias excepcionais, o prejuízo decorrente da perda de
uma chance, a qual constitui perfeito exemplo de ampliação do conceito de dano
reparável, conforme se demonstrará no decorrer deste trabalho.7
Outrossim, frisa-se que o dano que interessa ao estudo da responsabilidade
civil é o que constitui requisito da obrigação de indenizar, pois, conforme
entendimento unânime na doutrina, não se pode falar em indenização se não houver
dano, até mesmo na hipótese em que alguém tenha acometido um ato ilícito.8
Nesse sentido, disserta o insigne mestre da Responsabilidade Civil, José de
Aguiar Dias:
O dano é, dos elementos necessários à configuração da responsabilidade
civil, o que suscita menos controvérsia. Com efeito, a unanimidade dos
autores convém em que não pode haver responsabilidade sem a existência
de um dano, e é verdadeiramente truísmo sustentar esse princípio, porque,
resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente
9
não pode concretizar-se onde nada há que reparar.
Depreende-se, portanto, que o conceito de dano não suscita mais dúvidas
quanto a sua abrangência, de total sorte que os dependentes da vítima de dano
morte deverão ser reparados tanto pelos danos patrimoniais, quanto pelos danos
morais sofridos. Outrossim, como se vê, não restam dúvidas de que o dano é
pressuposto da obrigação de indenizar, pois sem dano não há, em hipótese alguma,
que se falar em ressarcimento.
6
7
8
9
NEVES, José Roberto de Castro. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: GZ, 2008. p. 377.
STOCO, 2007, p. 1232.
Conforme explicado por Sergio Cavalieri Filho: “O dano é sem dúvida, o grande vilão da
responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não
houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade
sem dano” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 70). Esse também é o entendimento de Rui Stoco: “o dano é um dos elementos
fundamentais e irretiráveis da responsabilidade, ou seja, elemento essencial à configuração da
responsabilidade civil e o que suscita menos controvérsias” (STOCO, 2007, p. 1232).
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 969.
Nesse mesmo sentido, entende Caitlin Sampaio Mullholland: “Sem prejuízo não há dano, e sem
dano não há responsabilidade” (MULLHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por
presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ, 2009. p. 24).
6
2.1.1 Alcance do Dano
José de Aguiar Dias ensina que “o dano se estabelece mediante o confronto
entre o patrimônio realmente existente após o dano e o que possivelmente existiria,
se o dano não se tivesse produzido: o dano é expresso pela diferença negativa
encontrada nesta operação”.10
A reparação do dano é norteada pelo Principio da Reparação Integral, o
qual determina que o dano deva ser reparado na sua totalidade. Tal princípio está
expressamente enunciado no caput do art. 944 do Código Civil Brasileiro, ao
prescrever que “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
Quanto ao disposto no parágrafo único do referido artigo, estabelecendo
que, “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,
poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”, assim é o posicionamento do
Superior Tribunal de Justiça, ao estipular que: “Partindo de uma interpretação
sistemática, é de se concluir que o sistema legal brasileiro não admite que a
indenização por ato ilícito seja restritiva. Ao contrário a reparação tem que ser a
mais ampla possível”.11
Nota-se que, no campo da responsabilidade civil, impera o princípio da
reparação integral, o qual preceitua que, através de uma indenização fixada na
proporção do dano, buscar-se-á reestabelecer o equilíbrio jurídico-econômico
existente entre a vítima e o agente, o qual foi rompido pelo ato ilícito. Sergio
Cavalieri filho atenta para o fato de que “limitar a reparação é impor à vítima que
suporte o resto dos prejuízos não indenizados”.12
Destarte, em caso de homicídio (como o caso invocado na presente
monografia), sendo impossível devolver a vida à vítima, a lei visa a remediar tal
situação, impondo ao homicida, uma vez apurada a sua responsabilidade civil, a
obrigação de pagar uma pensão mensal às pessoas a quem o falecido sustentava.
Com efeito, a reparação do dano deverá ocorrer de forma integral, sempre
buscando o retorno ao stato quo ante, ou seja, recolocando a vítima ao estado em
que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito.13 É o que se infere ainda pela
10
11
12
13
DIAS, 2006, p. 975.
Para mais informações, vide Recurso Especial nº 171.506.
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 13.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
(Responsabilidade civil, v. 4). p. 338.
7
leitura do disposto no art. 402 do Código Civil Brasileiro, in verbis: “Salvo as
exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu (dano emergente), o que
razoavelmente deixou de lucrar (lucro cessante)”.
Conceituado e determinado o alcance do dano, importante destacar que os
danos podem ser classificados por inúmeros critérios e maneiras diferentes14; no
presente estudo, porém, analisar-se-á apenas aquelas modalidades de dano que
guardam estreita relação com um possível enquadramento da expectativa de
incremento salarial do de cujus como dano reparatório.
2.2 MODALIDADES DE DANO
2.2.1 Dano Patrimonial: Dano Emergente e Lucros Cessantes
O dano patrimonial, como se vê, corresponde a apenas uma parte do dano
em seu conceito amplo. A doutrina define o dano patrimonial como sendo aquele
que atinge bens que integram o patrimônio da vítima, cuja avaliação em dinheiro é
sempre possível.15
Esta é a definição de Judith Martins Costa:
No dano patrimonial indeniza-se o patrimônio que foi injustamente lesado.
É, portanto, um dano ao patrimônio, suscetível de ser diretamente avaliado
em dinheiro. Pode decorrer de uma perda, de uma falta de ganhos, de um
atentado a bens patrimoniais (um furto, uma destruição, a quebra de um
contrato), de atentados à própria pessoa, traduzidos em perda ou em
ausência de ganhos patrimoniais (danos médicos, perda de capacidade
laborativa), ou de violação a certos direitos (concorrência desleal,
publicidade abusiva ou enganosa, campanhas difamatórias, perda de uma
16
oportunidade de concluir contrato, etc.).
Outrossim, o dano patrimonial, também chamado de dano material, se
subdivide em dano emergente e lucro cessante. Assim, sempre que os efeitos do ato
danoso atingirem o patrimônio atual da vítima, estará identificado o damnum
emergens; por outro lado, quando os efeitos do ato danoso sobre a vítima incidirem
sobre o patrimônio futuro, acarretando a diminuição ou impedindo o seu aumento,
14
15
16
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações. São
Paulo: Saraiva, 2003. (Introdução à responsabilidade civil, v. 1). p. 557.
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1996. p. 160. Esse também é o entendimento de: Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 71) e
Arnaldo Rizzardo (RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p. 17).
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
Tomo. 1-2. (Do inadimplemento das obrigações, v. 5). p. 338.
8
estará identificado o lucrum cessans.17
Maria Celina Bodim de Moraes faz esclarecedora distinção entre dano
emergente e lucro cessante:
Os danos emergentes são os prejuízos que decorrem diretamente do
inadimplemento, ao passo que os lucros cessantes são aqueles que o
credor lesado razoavelmente deixou de receber em função do
incumprimento. Os danos emergentes, assim, espelham o prejuízo
concreto, a perda patrimonial, ao passo que os lucros cessantes são uma
18
projeção, o que se deixou de ganhar.
Destarte, o dano emergente é o real prejuízo, é todo o decréscimo
patrimonial sofrido pela vítima. Sergio Cavalieri Filho, com o intuito de esclarecer o
conceito de dano emergente, cita como exemplo uma pessoa que em um acidente
de trânsito teve perda total em seu veículo, em que o dano emergente
corresponderá ao valor integral do veículo.19
O lucro cessante, por sua vez, nos dizeres de Jorge Cesa Ferreira da Silva,
é entendido como a exclusão de um ganho que era ou podia ser esperado, atual ou
futuramente, se o fato danoso não tivesse ocorrido. Não se resume, portanto,
somente ao que a parte deixou de ganhar, na dicção do art. 402, mas se estende ao
que ela ainda ganharia.20 O exemplo corrente, na doutrina de lucro cessante, é o
caso do taxista que deixa de trabalhar em virtude de um acidente em seu veículo e,
por essa razão, deixa de ganhar nos dias em que o veículo ficou parado para
conserto.
Outrossim, no supracitado art. 402, percebe-se que o legislador consagrou o
princípio da razoabilidade ao conceituar o lucro cessante. A razoabilidade21 expressa
no texto legal carrega um juízo de probabilidade, diz respeito ao que é presumível
que a vítima lucraria no decorrer do tempo não fosse o prejuízo. No referido caso do
taxista, Sérgio Cavalieri Filho atenta para o fato de que, caso o acidente tivesse
ocorrido em época de Carnaval, não seria descabido que o taxista viesse a lucrar
17
18
19
20
21
STOCO, 2007, p. 1235.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.
143.
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 73.
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. (Coleção biblioteca de direito civil: estudos em homenagem ao professor Miguel
Reale, v. 7. Coordenação de Miguel Reale e Judith Martins-Costa). p. 164.
Para Agostinho Alvim o sentido da expressão “razoavelmente” é este: “até prova em contrário,
admite-se que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria. Há ai uma
presunção de que os fatos se desenrolariam dentro do seu curso normal, tendo-se em vista os
antecedentes” (ALVIM, 2003, p. 189).
9
mais, em virtude do maior número de turistas e gorjetas, por exemplo.22
Assim, conforme ensina José de Aguiar Dias:
Para, autorizadamente, se computar o lucro cessante, a mera possibilidade
não basta, mas também não se exige a certeza absoluta. O critério acertado
está em condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objetiva
resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados às
23
circunstâncias particulares ao caso concreto.
2.2.2 Dano Certo, Hipotético, Atual e Futuro
Conforme já destacado, só haverá que se falar em indenização se
configurado o dano. No entanto, para que o dano seja reparado, a doutrina, de
maneira unânime, informa a necessidade de ser certo.24
Nesse sentido, leciona Sérgio Severo:
No que toca à certeza, trata-se de uma condição essencial. O dano deve
ser certo, porém, como tudo neste mundo, tal condição deve ser encarada
com uma razoável relatividade. Considera-se certo o dano que é razoável e
não aquele meramente eventual. Em outros termos, o dano deve ser real e
efetivo e não puramente eventual ou hipotético. O dano eventual, por sua
vez, seria aquele que não passa de uma expectativa, trata-se de um dano
25
hipotético.
Quanto à distinção entre dano certo e dano hipotético, Fernando Noronha
ensina:
São danos certos os prejuízos, econômicos ou não, que são objetos de
prova suficiente, tanto da sua verificação como de sua decorrência de um
determinado fato antijurídico. E devem ser considerados verificados os
prejuízos cuja ocorrência tenha sido demonstrada, se danos presentes, ou
cuja ocorrência seja verossímel, se danos futuros. Em contraposição a eles,
serão danos eventuais, ou incertos, os prejuízos de verificação duvidosa,
26
meramente hipotética.
Percebe-se que, sempre que o dano não for composto pelo elemento de
certeza, será qualificado como eventual, e esta espécie de dano jamais será
indenizável, eis que demasiadamente hipotético, apenas existente na fantasia ou na
imaginação.27
Na reparação, portanto, o que importa é que o prejuízo deva ser certo, dessa
forma se estabelece que a reparação não se justifica quando o dano for meramente
22
23
24
25
26
27
CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 73.
DIAS, 2006, p. 978.
Conforme explicado por Antonio Lindbergh C. Montenegro (1996, p. 163): “Dano certo é aquele
cuja existência acha-se completamente determinada, de tal modo que dúvidas não pairem quanto
a sua efetividade”.
SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 9.
NORONHA, 2003, p. 581.
MARMITT, Arnaldo. Perdas e danos. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 21
10
hipotético. De total sorte que, no que tange à certeza do dano, deverá ser apreciado
tanto os prejuízos presentes quanto os prejuízos futuros e ainda os prejuízos pela
perda de uma chance.
Outrossim, os efeitos do ato danoso certo podem incidir no patrimônio atual,
cuja diminuição ele acarreta, o que ocorre, em regra, ou em relação ao futuro,
impedindo ou diminuindo o benefício patrimonial a ser deferido à vítima28 e ainda o
prejuizo como a perda de uma chance, consoante se demonstrará.29
Quanto à distinção entre dano presente e dano futuro, recorre-se novamente
ao professor Fernando Noronha, o qual esclarece que:
São danos presentes, ou atuais (ou como, às vezes, também se diz, mas
menos adequadamente, pretéritos) os danos efetivamentes ocorridos, isto
é, os já verificados no momento em que são apreciados; são futuros os
danos que só ocorrerão depois desse momento, embora ainda como
consequência adequada do fato lesivo. [...] Por exemplo, a perda de uma
mão sofrida por um motorista é desde logo dano corporal e é também dano
moral (pelo sofrimento resultante da lesão corporal), que são danos
presentes à sua pessoa; ainda danos presentes, mas agora de natureza
patrimonial, são as despesas médicas e o custo de eventual próteses
substitutiva. [...] Um outro exemplo de dano futuro que só se vai manifestar
no futuro é o caso da pessoa atropelada que passou a usar uma perna
artificial e que muitos anos depois vem a sofrer uma queda típica de pessoa
30
nessas condições.
Contudo, quanto ao dano futuro, posiciona-se diferente Antonio Lindbergh C.
Montenegro, ao afirmar que o dano futuro "é o que, apesar de certo, não se encontra
definido no tempo da propositura da ação de responsabilidade civil. Caracteriza-se
via de regra, como previsível prolongamento ou agravação do dano atual”31, citando
Alafredo Orgaz.
Rafael Peteffi da Silva alerta que há grande confusão quando se estuda a
diferença entre dano futuro e dano presente, ainda mais quando estiver relacionado
com a teoria da perda de uma chance.32
No que tange à distinção entre dano presente e futuro, salutar o
esclarecimento do insigne mestre da responsabilidade civil, Aguiar Dias, ao ensinar
que, no entanto, “não há, pois, que distinguir, para efeito de responsabilidade, entre
dano atual e futuro. Todos os autores concordam em que a distinção a fazer, nesse
28
29
30
31
32
DIAS, 2006, p. 977.
SEVERO, 1996, p. 9.
NORONHA, 2003, p. 578 et seq.
ORGAZ, Alfredo. El daño resarcible. Buenos Aires: Ed. Bibliográfica Argentina, 1952, p. 48 apud
MONTENEGRO, 1996, p. 164.
SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do
direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. p. 108.
11
sentido, é tão somente se o dano é ou não certo”.33
Outrossim, é necessário esclarecer que nem sempre as expressões dano
emergente e lucro cessante serão sinônimas de dano presente e dano futuro,
respectivamente. Isso porque, diferentemente do dano presente e do dano futuro, o
dano emergente e o lucro cessante dizem respeito somente aos danos de natureza
patrimonial; ademais, os danos emergentes podem não ser atuais, conforme ensina
Sérgio Severo, citando Iturraspe.34
Percebe-se, então, que o prejuízo futuro poderá ou não corresponder ao
lucro cessante, e será aquele que ainda não surgiu no mundo jurídico - embora
certo, ainda não está definido ao ensejo da propositura da demanda indenizatória. E,
por sua vez, o prejuízo atual será a lesão de interesses de que a vítima dispõe no
presente, o qual também poderá corresponder ao dano emergente, mas não
necessariamente.
Nota-se ainda que tais classificações são fundamentais para reforçar que
somente serão indenizáveis, além do dano certo, os danos que sejam efetivamente
comprovados; os danos hipotéticos, atuais ou futuros, nunca serão suscetíveis de
reparação, enquanto que os danos certos, independentemente de suas condições,
sempre serão indenizáveis.35
Constata-se, por essa breve análise, que a certeza do dano, seja ele
classificado como atual ou futuro ou, ainda, mesmo em caso de perda de uma
chance, como se verá, reside na suficiência da prova. Com efeito, para uma possível
indenização da expectativa de incremento salarial da vítima, faz-se necessária uma
prova contundente no sentido de que a vítima realmente obteria uma ascensão
profissional, se viva estivesse. Nos dizeres de Sérgio Cavalieri Filho, “condenar sem
prova do dano, colide com todos os princípios que regem a matéria”.36
Por fim, nota-se que, embora a indenização do prejuízo esteja estreitamente
ligada à certeza do dano, isso não significa dizer que, se na apuração do montante
do dano surgirem dificuldades, perder-se-á o requisito da certeza, pois podem surgir
questões atinentes à probabilidade de obtenção de um lucro ou perda de uma
33
34
35
36
DIAS, 2006, p. 977.
ITURRASPE, Jorge Mosset et al. Responsabilidad por daños. Buenos Aires: Ediar, 1971. (Tomo
I, Parte General) apud SEVERO, 1996, p. 10.
NORONHA, 2003, p. 581.
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 120.
12
chance, conforme se verá.37
Findo o primeiro item da presente monografia, restou esclarecido que, a) o
dano é elemento essencial do dever de reparar; b) a reparação consiste em
indenizar o prejudicado pelo ato ilícito na proporção do dano sofrido; assim, sem
dano, não haverá que se falar em reparação; c) o dano certo, seja presente ou
futuro, sempre será passível de indenização.
Entretanto, consoante alerta José Roberto de Castro Neves, há “casos em
que não se pode precisar a extensão do dano. Mais ainda, sequer é possível indicar
se o dano ocorreria. Há apenas a perda da chance em garantir um proveito”38, nesse
caso estaremos frente à responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Assim, no próximo item, será apresentada uma nova categoria de dano
indenizável: as chances perdidas. Como se verá, o surgimento dessa categoria de
dano se deve muito ao estudo da probabilidade (estatística).39
2.2.3 Perda de Uma Chance
Conforme acima aludido, sempre que o dano for certo, restará configurado o
dever de indenizar do agente causador de forma integral, abrangendo os danos
emergentes, o que efetivamente se perdeu, e os lucros cessantes, o que se deixou
de ganhar.
No entanto, além dessas espécies de danos, a vítima de prejuízo de um ato
ilícito pode vir a ficar privada de obter uma vantagem futura ou de evitar um dano.40
Nesse caso, poderá ocorrer uma demanda indenizatória pela perda de uma chance.
Destarte, sempre que a conduta de um terceiro frustrar a vítima de uma
probabilidade séria de obter um lucro/benefício, como progredir na carreira
profissional, ou de evitar uma perda, como deixar de recorrer de uma sentença
desfavorável pela falha do advogado, caracterizar-se-á a perda de uma chance.41
A chance de se obter uma vantagem ou de se afastar uma perda pode
constituir um dano atual ou futuro. Como caso típico de perda da chance de obter
uma vantagem representando um dano atual, tem-se como exemplo o caso do pintor
37
NORONHA, 2003, p. 164.
NEVES, 2008, p. 386.
39
SILVA, R., 2007, p. 108.
40
NORONHA, op. cit., p. 668. Nesse mesmo sentido, ensina Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 74):
“deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma
perda.”
41
CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 75.
38
13
impossibilitado de expor suas telas por culpa do transportador, perdendo aquele a
chance de ser premiado. Por outro lado, como caso padrão de perda da chance de
obter uma vantagem representando um dano futuro, tem-se o exemplo da viúva de
um estudante do último semestre de medicina, o qual já trabalhava num hospital, e
cujo falecimento frustrou as vantagens que a mesma teria pela evolução da
carreira.42
A perda de uma chance de evitar um prejuízo representando um dano atual
pode ser vislumbrada na hipótese de um seguro que não foi contratado validamente,
em virtude de culpa de outrem (por exemplo, corretor de seguros), ocorrendo, por
consequência a perda de um bem. Já no caso do paciente que perdeu a chance de
recuperação ou sobrevivência, em virtude de erro médico, estar-se-á diante da
perda da oportunidade de evitar um prejuízo caracterizando um dano futuro.43
Embora consagrada na doutrina e na jurisprudência a expressão perda de
uma chance, o mais correto e técnico seria utilizar a expressão perda de uma
oportunidade, eis que o termo “chance” para os franceses, em sentido jurídico,
significa a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda.44
A teoria da perda de uma chance há muito é reconhecida e aplicada pela
doutrina e pela jurisprudência francesa, na qual teve seu início, crescendo
consideravelmente a sua aplicação também no Brasil.45
Os sistemas de responsabilidade civil francês e italiano apresentam, em
alguns de seus dispositivos legais - art. 1.382 do Código Civil Francês46 e art. 2.043
do Código Civil Italiano47 -, um conceito de dano amplo, que abarca todas as
espécies de danos, inclusive o dano pela perda de uma chance, de tal sorte que,
naqueles países, é totalmente viável a reparação por essa espécie de prejuízo.48
42
43
44
45
46
47
48
SEVERO, 1996, p. 12.
Ibid., p. 12.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 3.
No mesmo sentido, é o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa: “Chance é termo admitido em
nosso idioma, embora possamos nos referir a esse instituto, muito explorado pelos juristas
franceses, como perda de oportunidade ou de expectativa” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito
civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. (Responsabilidade civil, v. 4). p. 273).
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 74-5.
Assim prevê o Art. 1.382. “Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autrui um dommage,
obligue celui par La faute duqueil Il est arrivé, à le réparer” (Todo ato, qualquer que ele seja, de
homem que causar a outrem um dano, obriga aquele por culpa do qual veio ele a acontecer a
repará-lo).
Assim estabelece o Art. 2.043. “qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri um danno
ingiusto, obliga colui che ha comesso il fatto a risarcire il danno” (Qualquer fato doloso ou culposo
que cause a outros um dano injusto obriga aquele que cometeu o fato a ressarcir o dano).
SAVI, op. cit., p. 83.
14
No Brasil, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, foram alteradas
as redações dos arts. 1.537 e 1.538 do Código Civil de 1916 - os quais criavam
empecilhos para a admissão da indenização da chance perdida, limitando a
aplicação da cláusula geral de responsabilidade dos arts. 18649 e 92750, ambos do
novo Código Civil. Com efeito, atualmente não restam mais dúvidas de que o
conceito de dano foi alargado, sendo totalmente viável a reparação do dano pela
chance perdida, levando-se em consideração uma interpretação sistemática das
regras sobre responsabilidade civil, bem como as alterações inseridas nos artigos
94851 e 94952 do Código Civil/02.53
Sérgio Savi ensina que “o acolhimento da responsabilidade civil pela perda
de uma chance se deve, ainda, à existência, no ordenamento jurídico brasileiro, do
principio da plena reparação dos danos”.54 Nota-se, desde já, que é admissível, no
ordenamento jurídico brasileiro, a indenização pela perda de uma chance.
Vale notar que há casos em que um determinado evento ofensivo de uma
pessoa obsta que algo esperado se concretize, não havendo como determinar, com
certeza absoluta, se o resultado final seria obtido sem o ato do ofensor. Nessas
hipóteses, o que é possível determinar é a existência de um dano independente do
resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de
evitar um prejuízo.55
Na aplicação da teoria da perda de uma chance, o dano não se traduz em
algo concreto, que se perde ou que se deixa de ganhar, mas em chances perdidas,
que o lesado tinha e deixa de ter.56 Percebe-se, então, que a vítima do dano não
buscará a reparação da vantagem perdida, mas sim a reparação pela perda da
oportunidade de alcançar determinada vantagem ou de evitar um prejuízo, a qual
está inteiramente dissociada do resultado final. Dessa forma, o dano pela perda de
49
50
51
52
53
54
55
56
Art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Art. 927. “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Art. 948. “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no
pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na
prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração
provável da vida da vítima;
Art. 949. “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas
do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo
que o ofendido prove haver sofrido”.
SAVI, 2006, p. 84-86.
Ibid., p. 103.
Ibid., p. 1-3.
SILVA, J., 2007, p. 172.
15
uma chance será passível de indenização, pois sequer esbarrará na incerteza da
ocorrência de efetivo prejuízo.
Nesse sentido, é esclarecedor o ensinamento de Carlos Alberto Ghersi:
La indemnización por pérdida de “chance” no se identifica con la utilidad
desajada de percibir, sino que lo resarcible es la “chance” misma, la que
debe ser apreciada judicialmente según el mayor o menor grado de
probabilidad de convertirse en cierta, sin que pueda nunca identificarse con
57
el eventual beneficio perdido.
Quanto ao problema da certeza do dano pela perda de uma chance, discorre
Rafael Peteffi da Silva:
A questão da perda de uma chance sempre foi tratada dogmaticamente
como um problema de certeza. Com efeito, o sistema francês exige que o
dano seja certo para ser indenizado. A chance representa uma expectativa
necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de
ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório.
Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato
imputável, a vítima experimentará a perda de uma possibilidade de um
evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a
58
ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza.
Sergio Savi, com o intuito de eliminar o problema da certeza do dano pela
perda de uma chance, ensina que “o problema da certeza resta implicitamente
superado se se considerar a chance como uma espécie de propriedade anterior do
sujeito que sofre a lesão”. Em assim procedendo, acrescenta o autor, tendo em vista
que o prejuízo causado à vítima “não se repercute sobre uma vantagem a conseguir,
mas sobre um bem, um elemento integrante do patrimônio da vítima já existente e a
ela pertencente, não podem restar incertezas sobre a efetiva verificação de um
dano”.59
Dessa forma, há casos em que a chance poderá ser considerada um bem
integrante do patrimônio da vítima, cuja perda produz um prejuízo, na maior parte
das vezes, atual60, o qual, sempre que sua existência for provada, deverá ser
ressarcido, mesmo que através de um cálculo de probabilidade.61
Nota-se que a possibilidade de ser indenizada a chance perdida se deve
muito ao avanço no estudo das estatísticas e da probabilidade. Rafael Peteffi da
57
58
59
60
61
GHERSI, Carlos Alberto. Teoría general de la reparación de daños. 3. ed. Buenos Aires: Astrea
de Alfredo y Ricardo Depalma, 2003. p. 516.
SILVA, R., 2007, p. 13.
SAVI, 2006, p. 101-2.
Esse é o entendimento de Carlos Alberto Ghersi: “La ‘chance’ configura um daño actual - no
hipotético -, resarcible cuando implica uma probabilidad suficiente de beneficio económico que
resulta frustrado por el responsable, y puede ser valorada em si misma aun prescindiendo Del
resultado final incierto, em su intríseco valor económico de probabilidad” (GHERSI, op. cit., p. 516).
SAVI, op. cit., p. 102.
16
Silva, explica que, em virtude disso, foi possível “criar uma nova categoria de dano
indenizável: as chances perdidas”.62
Sérgio Savi discorre a respeito:
Graças ao desenvolvimento do estudo das estatísticas e probabilidades,
hoje é possível predeterminar, com uma aproximação mais que tolerável, o
valor de um dano que inicialmente parecia entregue à própria sorte, a ponto
de poder considerá-lo um valor normal, dotado de certa autonomia em
relação ao resultado definitivo. Diante dessa evolução, hoje é possível
visualizar um dano independente do resultado final. Se, por um lado, a
indenização do dano consistente na vitória perdida (na causa judicial, por
exemplo) é inadmissível, ante a incerteza que lhe é inerente, por outro lado,
não há como negar a existência de uma possibilidade de vitória, antes da
ocorrência do fato danoso. Em relação à exclusão da possibilidade de
vitória poderá, frise-se, dependendo do caso concreto, existir um dano
63
jurídico certo e passível de indenização.
Outrossim, o autor explica que o obstáculo à indenização do dano pela
perda de uma chance se devia, muitas vezes, ao fato de que “a própria vítima do
dano formulava inadequadamente a sua pretensão. Ao invés de buscar a
indenização da perda da oportunidade de obter uma vantagem, requeria indenização
em razão da perda da própria vantagem”.64
Um exemplo muito comum na doutrina pátria de possibilidade de
indenização pela perda de uma chance, além dos já citados acima, é o caso do
advogado que perde o prazo para interpor recurso de apelação contra sentença
contrária aos interesses do seu cliente ficando este impossibilitado de ter o seu
recurso apreciado. Nesse caso, não se pode afirmar com certeza se, caso
interposto, o recurso seria provido; no entanto, é possível analisar as reais chances
de provimento do mesmo.65
Nesse mesmo sentido, posiciona-se Sérgio Novais Dias, ao afirmar que “é
possível fazer um juízo do resultado provável do julgamento que não houve e,
assim, atribuir a responsabilidade civil pela perda de uma chance”.66
No entanto, atenta-se para o fato de que, para que se proceda à indenização
pela perda de uma chance, é fundamental que a mesma seja “plausível e não
aponte uma simples quimera”,67 devendo as chances serem claras, sérias e reais.68
62
63
64
65
66
67
68
SILVA, R., 2007, p. 10.
SAVI, 2006, p. 2-3.
Ibid., p. 3.
Ibid., p. 1.
DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance. São
Paulo: LTr, 1999. p. 50.
SEVERO, 1996, p. 13.
SILVA, J., 2007, p. 173.
17
Nesse sentido, ensina Judith Martins Costa:
Será necessário provar - para além da seriedade das chances perdidas - a
adequação da indenização à álea inerente às chances perdidas e à perda
da “aposta” (ou vantagem) esperada pela vítima. A comprovação da
seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado
pelos tribunais franceses para separar os danos potenciais e prováveis - e,
portanto, indenizáveis - daqueles danos puramente eventuais e hipotéticos,
69
cuja reparação deve ser rechaçada.
E mais, entende-se ainda que “na maioria dos casos, a chance somente
será considerada séria e real quando a probabilidade de obtenção da vantagem
esperada for superior a 50% (cinquenta por cento)”.70 Portanto, para a melhor
doutrina, além de séria e real, somente será possível indenizar a chance perdida
quando o ofendido demonstrar que a possibilidade de sucesso era superior a
cinquenta por cento.
Ademais, deve-se esclarecer que não há consenso doutrinário ou
jurisprudencial acerca do título a ser concedido à indenização pela perda de uma
chance. Percebe-se que parte da doutrina e da jurisprudência entende que a
indenização pela perda de uma chance deve ser concedida a título de dano moral,
outra parte, a título de dano material e havendo, neste último caso, quem a conceda
a título de dano emergente ou a título de lucro cessante.71
O entendimento mais correto parece ser o apresentado por Sérgio Savi, o
qual entende que a perda de uma chance “deve ser considerada em nosso
ordenamento uma subespécie de dano emergente”.72
Esse é o seu entendimento:
Ao se inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente,
elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário
de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil
esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da
chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso
examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão
prejudicial). Ou seja, não estamos diante de uma hipótese de lucros
cessantes em razão da impedida vitória, mas de um dano emergente em
razão da atual possibilidade que restou frustrada. Ao assim proceder, a
indenização da perda de uma chance não se afasta da regar de certeza do
dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era
73
efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo.
69
70
71
72
73
MARTINS-COSTA, 2004, p. 362.
SAVI, 2006, p. 4. Esse também é o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho (op. cit., p. 75): “A perda
de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será indenizável se houver a probabilidade
de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda
de uma chance serão indenizáveis.”
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 77.
SAVI, op. cit., p. 102.
Ibid., p. 102.
18
Nota-se que, caso se considere a perda de uma chance dano emergente,
em razão da atual possibilidade que restou frustrada, não haverá que se levantar
qualquer questionamento acerca da incerteza do prejuízo, configurando-se, assim,
um dano certo e passível de indenização.
Diante do exposto, restou demonstrado resumidamente que: a) hoje é
admissível, no ordenamento jurídico brasileiro, a indenização pela perda de uma
chance, até mesmo, para fins de atendimento do princípio da plena reparação; b) a
perda de uma chance é uma espécie de dano independente do resultado final,
consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um
prejuízo; c) a chance é um bem integrante do patrimônio da vítima, afastando-se
assim a incerteza do dano; d) a chance que for considerada séria e real - na maioria
dos casos, quando a probabilidade de obtenção da vantagem esperada for superior
a 50% - será passível de indenização; e, d) a perda de uma chance, segundo o
entendimento de Sérgio Savi, deve ser inserida no conceito de dano emergente.
Concluído este primeiro capítulo, rememora-se que o objetivo primordial do
presente estudo é analisar a possibilidade de ser incluída, na pensão indenizatória
devida aos dependentes da vítima de dano morte, a expectativa de aumento da
renda da vítima se viva estivesse. No entanto, antes dessa análise, é de
fundamental importância proceder a um estudo minucioso do artigo 948, inciso II, do
Código Civil, a fim de identificar, principalmente, quem são as pessoas legitimadas à
pensão, qual o termo inicial e final da pensão e como se quantifica a pensão. É o
que se passa a expor.
3 PENSÃO POR MORTE DO PAI E ESPOSO (ART. 948, INCISO II, DO CÓDIGO
CIVIL)
O artigo 948 do Código Civil de 2002, correspondente ao artigo 1537 do
Código Civil de 1916, regula a reparação de danos para aqueles que guardam
estreita relação de dependência com a vítima de homicídio, in verbis:
Art. 948 No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras
reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o
luto da família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia,
levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.
No presente estudo, contudo, serão analisados apenas os prejuízos
19
patrimoniais advindos do dano morte, em face do falecimento do chefe de família,
que guardam estreita ligação com o caso invocado (morte do pai e esposo), sendo
estes os danos continuados - a prestação de pensão às pessoas a quem o falecido
devia
alimentos
(lucro
cessante)74
-,
previstos
no
inciso
II
do
artigo
supramencionado.
3.1 PENSÃO POR MORTE X PENSÃO ALIMENTÍCIA
Inicialmente, é preciso esclarecer que a alusão a alimentos contida no inciso
II do supracitado artigo 948 é apenas ponto de referência para o cálculo da
indenização e para a determinação dos beneficiários. Sergio Cavalieri Filho
esclarece que “não se trata de prestação de alimentos, que se fixa em proporção
das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, e sim de
indenização, que visa a reparar, pecuniariamente, o mal originado do ato ilícito”.75
Da mesma forma se manifesta Arnaldo Rizzardo:
O significado de alimentos não se confunde com o de prestações alimentícias,
devidas em razão do parentesco ou da união matrimonial. Do contrário, a
obrigação subsistiria enquanto necessitasse o alimentando, oscilando a
prestação de acordo com as suas necessidades e a possibilidade do
alimentante. A indenização é procurada por meio de ação judicial. Busca-se
encontrar o montante ou a equivalência do prejuízo que redundou para as
pessoas a quem a vítima assistia ou prestava alimentos. Para tanto, deve-se
conhecer a realidade econômica do ofendido e destacar a parte que aproveitava
para as suas despesas. O restante passará para seus herdeiros. A expressão
“prestação de alimentos” não corresponde à pensão alimentícia, ou a alimentos,
cuja regulamentação encontra-se no direito de família. No seu âmbito incluem-se
76
os alimentos propriamente ditos, sem esgotar o seu conteúdo.
Portanto, a expressão “alimentos” utilizada pelo legislador no art. 948, II do
Código Civil não se restringe à pensão alimentícia regulada pelo direito de família.
Aqueles são devidos em decorrência de um ato ilícito, indenizam-se os prejuízos
decorrentes do mesmo, independentemente de necessitarem ou não os herdeiros.
A pensão indenizatória, como se vê, poderá englobar não somente a pensão
puramente alimentar do direito de família, mas também outras parcelas de fundo
econômico atreladas ao ato ilícito, eis que seu objetivo primordial é reparar o dano
na integralidade, a fim de restaurar o estado anterior dos dependentes da vítima de
74
75
76
Arnaldo Marmitt (2005, p. 70) explica que “a instituição de pensão e de lucro cessante são coisas
que na prática se equivalem, razão pela qual os julgados costumam determinar pagamento de
pensionamento a título de indenização por lucros cessantes.”
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 74. Marco Aurélio S. Viana explica que “Uma coisa são os alimentos
devidos em decorrência de dever familiar e outro o oriundo da obrigação alimentícia. Aqueles são mais
amplos” (VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. v. 5. p. 598).
RIZZARDO, 2006, p. 214.
20
dano morte como se o evento não tivesse acontecido.
3.1.1 Legitimidade (Dano Reflexo)
Determinado o sentido da expressão “alimentos” invocada pelo legislador
pátrio, passa-se agora a se proceder a análise das pessoas legitimadas ao
pensionamento, consoante o inciso II do supracitado art. 948 do Código Civil. Para
tanto, faz-se necessário um estudo aprofundado do dano reflexo.
O dano reflexo, também conhecido por dano por ricochete, consiste na
repercussão de um dano sofrido por outra pessoa, consubstanciando-se no prejuízo
que tem por fato gerador a lesão ao interesse de um terceiro: uma consequência do
evento danoso.77 Assim, no caso que inspirou a presente monografia, não se
pleiteou a reparação de danos havidos pelo falecido, mas sim, danos próprios
havidos pelo filho e pela esposa da vítima em razão da fatalidade. In casu, em razão
da morte do pai e marido, o filho e a mulher ficaram sem a pensão que aquele lhes
pagava, configurando-se, assim, o dano reflexo.78
Nesse sentido, explica Sérgio Cavalieri Filho:
A única exceção que a lei abre a regra geral de que o direito de indenização
cabe apenas a quem sofreu diretamente o dano é no caso de morte da
vítima; admite-se, como veremos, que a indenização seja pleiteada por
aqueles que viviam sob sua dependência econômica (Código Civil, art. 948,
79
II, que corresponde ao art. 1.537, II, do Código de 1916).
Este é o entendimento do professor Fernando Noronha:
É dano por ricochete aquele que atinge outras pessoas, por estarem ligadas
àquela que é vítima imediata de um determinado fato lesivo: essas outras
pessoas serão vítimas mediatas. Um exemplo típico é o das lesões sofridas
pela esposa e pelos filhos da pessoa que foi morta: são prejuízos que
podem ter natureza patrimonial (como os alimentos que o falecido lhes
prestava) ou extrapatrimonial, neste caso podendo ainda ser puramente
anímicos (como o desgosto que essas pessoas experimentam) ou também
80
biológicos (por exemplo, um infarto).
Dessa forma, há situações em que os efeitos do ato ilícito poderão repercutir
não apenas diretamente sobre a vítima, mas também sobre terceira pessoa, de
forma que esta sofrerá prejuízo mesmo que indiretamente.
77
78
79
80
SEVERO, 1996, p. 23.
Esse é exatamente o exemplo apresentado por Antônio Elias Queiroga: “Tomemos, como exemplo,
o assassinato de um pai de família. A vítima do dano foi ele, mas os seus filhos sofreram o reflexo,
por conta dos alimentos que deixaram de perceber” (QUEIROGA, Antônio Elias.
Responsabilidade civil e o novo código civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 31).
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 103.
NORONHA, 2003, p. 578.
21
Contudo, obviamente, há que se ter uma restrição quanto ao alcance do
dever de indenizar tais danos reflexos; caso contrário, o amigo mais próximo da
vítima, o orfanato que recebia doações periódicas do falecido, o vendedor a quem o
falecido havia prometido comprar o carro no dia seguinte, seriam exemplos de
pessoas legitimadas para também pleitearem alguma forma de ressarcimento. Não
houvesse qualquer restrição, hipóteses de reparação por dano reflexo seriam
ilimitadas, o que acarretaria verdadeiro caos jurídico.
Destarte, diante da indeterminação da redação do art. 948, inciso II, do
Código Civil, doutrina e jurisprudência se encarregaram de encontrar uma solução
mais objetiva e adequada para delimitar quem são os legitimados para postular
danos reflexos. Sobre o tema, brilhante a análise dos renomados Carlos Alberto
Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, que se utilizaram do direito comparado, do
princípio da razoabilidade e da analogia com outros dispositivos para chegar a uma
conclusão sobre os reais legitimados para pleitearem a reparação de danos reflexos:
O Direito, todavia, é um conjunto de normas lógicas que não podem nos
conduzir a conclusões absurdas. Entendemos que também aqui a solução
deva ser buscada no princípio da razoabilidade. O Código Civil português,
em seu artigo 496, nº 2, tem regra expressa sobre essa questão que pode
ser adotada como norte. No caso de morte da vítima, o direito à indenização
por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos
descendentes da vítima; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e
por último aos irmãos ou sobrinhos que o representam.
O nosso Código Civil, lamentavelmente, nada dispôs a respeito. A regra do
seu artigo 948, II, entretanto, embora pertinente ao direito material, pode ser
utilizada para limitar a indenização pelo dano moral àqueles que estavam
81
em estreita relação com a vítima como o cônjuge, filhos e pais [...].
Assim, são partes legítimas para postular ação de reparação por dano
reflexo em função do falecimento de uma pessoa o cônjuge e os descendentes do
de cujus, sendo estendido tal direito aos ascendentes, na falta de descendentes.
Este é exatamente o entendimento de João Manuel de Carvalho Santos, ao
afirmar que “o cônjuge sobrevivo, os ascendentes, descendentes e irmão terão
direito à indenização correspondente aos alimentos que o falecido teria de prestar se
fosse vivo”.82
No entanto, além das pessoas referidas, há entendimento de que a ação de
81
82
DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código
civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. (Da responsabilidade civil, da preferências e privilégios
creditórios, v. 13). p. 109.
SANTOS, J. M. Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos, 1978. v. 21. p. 83. Carlos Roberto Gonçalves ressalva que os irmãos devem provar
que eram dependentes do falecido, assim como os filhos que não atingiram a idade de 25 anos
(GONCALVES, 2008, p. 752).
22
reparação civil por dano reflexo poderá ser proposta ainda por aquelas pessoas que
comprovarem a dependência material com o falecido, independentemente do
parentesco, incluindo-se estas também no rol de legitimadas.83
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino ensina:
O reconhecimento de uma pessoa como pensionista é o resultado de uma
equação jurídico-econômica, que conduza a conclusão de que ela era
efetivamente dependente da vítima direta falecida. Verifica-se, inicialmente, a
vinculação jurídica com o enquadramento do postulante nas regras acerca da
obrigação de alimentos, que estão elencadas nos artigos 1694 e seguintes do
CC/2002. Há necessidade de vínculo de parentesco entre o pretendente, a
pensionista e o falecido, englobando, assim, em tese, os cônjuges, os
companheiros, os ascendentes, os descendentes e irmãos (art. 1697 do
CC/2002). Em segundo momento identifica-se a efetiva dependência
econômica do pretendente, em relação ao falecido na época do óbito. Ou
seja, o pretendente à condição de pensionista devia viver efetivamente sob a
84
dependência econômico-financeira da vítima do ato ilícito.
Parece que os legitimados ao pensionamento em caso de homicídio serão
somente aquelas pessoas que possuírem vinculação jurídica, além de estrita relação
de dependência econômica com a vítima de dano morte na época do falecimento.85
Por fim, frisa-se que apenas o dano por ricochete certo e que tenha sido
consequência direta e imediata da conduta ilícita pode ser objeto de reparação.86
3.1.2 Duração do Pensionamento
Apresentadas as partes legítimas à postulação de pensão indenizatória,
passa-se agora a demonstrar quais os termos inicial e final do pagamento do
pensionamento devido ao filho e à esposa do jovem pai e marido falecido, consoante
o exposto no supracitado art. 948, inciso II, do Código Civil.
3.1.2.1 Termo Inicial
83
84
85
86
STOCO, 2007, p. 1244-5. Arnaldo Marmitt posiciona-se em sentido contrário, afirmando “ser
irrelevante o fato de o postulante da indenização não depender economicamente da vítima”
acrescentando que “tanto o cônjuge sobrevivente como os ascendentes, os descendentes e os
irmãos dos vitimados têm legitimidade para a postulação de alimentos que o extinto teria de prestar
mais dia menos dia se vivo permanecesse” (MARMITT, 2005, p. 71).
SANSEVERINO, 2008, p. 214.
Esse é o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 21): “Destarte, beneficiários da pensão
são apenas aqueles que tinham dependência econômica com a vítima”. No mesmo sentido
também é a posição de Yussef Said Cahali: “[...] coloca-se como pressuposto, em linha de
princípio, a existência de uma relação de dependência econômica, efetiva, presumida ou até
mesmo eventual, entre os pretensos beneficiários e a falecida vítima” (CAHALI, Yussef Said. Dano
moral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 109).
CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 103. Nesse sentido, explica Fernando Noronha (2003, p. 578):
“Todos os danos, sejam diretos ou indiretos, inclusive os danos por ricochete, devem ser
reparados. O que é necessário é que todos sejam certos e ainda que sejam, de acordo com o
curso normal das coisas, conseqüência adequada do fato gerador.”
23
Não restam dúvidas de que a pensão a ser paga à viúva e ao filho do
falecido deve ter como termo inicial a data do óbito, conforme entendimento unânime
da doutrina e jurisprudência, uma vez ser este o momento em que o ato ilícito do
ofensor incidiu sobre o amparo material e moral proporcionado pelo falecido a seus
entes.87
Outrossim, esclarece-se que eventuais prejuízos ocorridos antes do óbito,
tais como gastos com hospitalização e medicamentos, poderão ser cobrados pelos
herdeiros da vítima na ação indenizatória promovida contra o ofensor.88
3.1.2.2 Termo Final
No caso de morte do chefe de família (pai e esposo), o termo final do
pensionamento deverá ser estabelecido até a idade em que o falecido
provavelmente viveria, consoante se infere da leitura da parte final do artigo 948,
inciso II, do CC/2002, “levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.
A jurisprudência tem entendido, com base em dados estatísticos do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outros órgãos idôneos, que o período
médio de vida do brasileiro é entre 65 e 70 anos. Dessa forma, tendo em vista que a
vítima faleceu aos 29 anos de idade, sua sobrevida provável seria de mais 36 ou 41
anos, período em que a pensão será, portanto, devida aos seus dependentes.89
No entanto, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino alerta:
Essa expressão “duração provável da vida da vítima” tem sido
tradicionalmente lida como se fizesse referência aos dados estatísticos do
IBGE, quando na realidade, o legislador brasileiro, nessa assertativa, que é
novidade do CC/2002, não faz qualquer referência expressa à média de
vida da população em geral. A forma mais adequada para interpretação
desse enunciado normativo é a adoção de duas etapas hermenêuticas,
considerando, inicialmente a expectativa concreta de vida do falecido na
fixação do termo final e, apenas em segundo momento, a expectativa média
de acordo com os dados estatísticos do IBGE como um critério
90
subsidiário.
Parece, então, que o mais correto para fixação do termo final do
pensionamento é uma análise casuística, em que o caso concreto irá demonstrar as
87
88
89
90
Nesse sentido: Rui Stoco (Stoco, 2007, p. 1287) e Paulo de Tarso Vieira Sanseverino
(SANSEVERINO, 2008, p. 216).
SANSEVERINO, op. cit., p. 216-7.
Esse é o posicionamento também de: Sérgio Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 115);
Sílvio de Salvo Venosa (2005, p. 296); Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, Carlos Roberto.
Responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 749-750) e Eduardo Viana Pinto
(PINTO, Eduardo Viana. Responsabilidade civil de acordo com o novo código civil. Porto
Alegre: Síntese, 2002. p. 115-6).
SANSEVERINO, op. cit., p. 217-8.
24
características de cada pessoa individualmente, podendo ser a sua expectativa de
vida comprovadamente maior ou menor do que a média nacional de que se vale a
jurisprudência pátria.
No entanto, tendo em vista que dificilmente é alegado pelas partes ou é
produzida a prova nas ações indenizatórias de que a expectativa de vida poderia ser
maior ou até mesmo inferior à média nacional, passa-se, diretamente, para a fixação
do termo final do pensionamento com base em dados estatísticos oficiais, referentes
à expectativa média de vida dos brasileiros.91
Com efeito, foi com base em tais dados que a 3ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça, julgando o caso invocado na presente monografia, Recurso Especial
número 885126, elevou para 70 anos a idade para pagamento de pensão fixada a
título de indenização por danos materiais, com base no incremento da expectativa
média de vida dos brasileiros.
Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, apesar da
existência de diversos precedentes daquela Corte estabelecendo em 65 anos92 a
expectativa de vida para fins de recebimento de pensão, constata-se que muitos
desses julgados datam do início da década de 90, ou seja, há mais de 15 anos.
A relatora, inclusive, fez menção expressa às informações prestadas pelos
autores de que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em seu site
na internet, aponta que, entre 1980 e 2006, a expectativa de vida do brasileiro
elevou-se em 9,7 anos, atingindo os 72,3 anos e devendo chegar aos 78,3 anos em
2030.93
Outrossim, não basta apenas a duração provável de vida da vítima de dano
morte para fins de fixação do termo final do pensionamento, sendo necessário ainda
comprovar dependência econômica, in casu, do filho e da esposa da vítima. Isto
porque, cessada a dependência econômica não há que se falar em pensionamento.
Nesse sentido, discorre Carlos Roberto Gonçalves:
91
SANSEVERINO, 2008, p. 218.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 1. Resp. 847.687/GO. Estado de Goiás versus
Ministério Público do Estado de Goiás. Relator: Min. José Delgado. Julgado em: 17 out. 2006.
Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 221, 25 jun. 2007. Disponível em: <www.stj.jus.br>.
Acesso em: 11 maio 2009. Detento morto após ser recolhido ao estabelecimento prisional.
Responsabilidade objetiva do estado. Sobrevida provável (65 anos). Precedentes. [...] 6. Recurso
especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, para fixar em sessenta e cinco anos o
limite temporal para pagamento da pensão mensal estabelecida.
93
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). População: tábuas
completas de mortalidade. 2007. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/
populacao/tabuadevida/2007/default.shtm>. Acesso em: 24 mar. 2009.
92
25
Beneficiários da pensão são apenas aqueles que tinham dependência
econômica da vítima. Em relação a cônjuge e aos filhos menores tem-se
decidido que a dependência econômica é presumida. No caso, porém, dos
ascendentes, do descendentes maiores e irmãos da vítima, tem-se exigido
a prova da dependência econômica para que a ação de ressarcimento de
94
dano materiais possa vingar.
O pagamento da pensão ao filho menor em caso de morte do pai, consoante
o melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial, finda aos 25 anos de idade, pois
presume-se que, em tal idade, o menor terá atingido a sua independência
econômica em função do término da formação universitária. Gize-se que tal posição
tem sido reiterada em decisões recentes.95 No entanto, em situações especiais,
como, por exemplo, no caso do menor portador de doença que lhe impeça de auferir
renda, a pensão poderá ir além da referida idade.96
Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, reforçando o
entendimento da necessidade de dependência econômica do filho com a vítima,
atentam para o fato de que “exercendo os filhos trabalho remunerado, com sua vida
fora da dependência paterna, não é devida a indenização pelo dano material, mas,
somente, pelo dano moral”.97
Quanto ao pagamento de pensão à viúva, o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça militava no sentido de que vindo ela a contrair novas núpcias,
cessar-se-ia o pagamento da pensão indenizatória. No entanto, atualmente, o
Egrégio Tribunal tem se posicionado de forma diferente, afirmando que a viúva,
ainda que tenha contraído novo matrimônio, não necessariamente terá a certeza de
que as suas necessidades serão supridas.98
94
95
96
97
98
GONÇALVES, 2007, p. 753.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 2. Resp. 1007101/ES. Estado do Espírito Santo
versus Carmem Baungarten Bremenkamp e Outros. Relator: Min. Castro Meira. Julgado em: 8 abr.
2008. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 22 abr. 2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>.
Acesso em: 11 maio 2009. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
MORTE DE PRESO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA
7/STJ. FILHOS DA VÍTIMA. PENSIONAMENTO. TERMO FINAL. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA.
SÚMULA 83/STJ. 1. [...] 2. A pensão em decorrência da morte do pai deve alcançar a data em
que os beneficiários completem 25 anos de idade, quando se presume terem concluído sua
formação, incluindo-se a universidade. Precedentes. Súmula 83/STJ. 3. Recurso especial não
conhecido. (grifo nosso). Vide, também: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro:
responsabilidade civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 7. p. 141.
DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2004, p. 412. Nesse sentido também posiciona-se Carlos Roberto
Gonçalves (2008, p. 413) e Maria Helena Diniz (2009, p. 140).
DIREITO; CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 412.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 2. Resp. 201407/RS. Município de Porto Alegre
versus Vilma dos Santos Ribeiro e Outro. Relator: Min. Castro Meira. Julgado em: 28 out. 2003.
Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 295, 1 dez. 2003. Também publicado em: RNDJ, n. 51,
p. 136). Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. PROCESSUAL CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. TERMO FINAL. NOVAS NÚPCIAS.
26
A posição da doutrina não é uniforme quanto a essa questão. Carlos
Roberto Gonçalves entende que a pensão cessará caso a viúva contraia novas
núpcias99, entendimento este que não é compartilhado por Pontes de Miranda, para
quem “não cessa a prestação da mulher do falecido se ela contrai novas núpcias”,
dada a natureza indenizatória da pensão.100
Parece que o melhor entendimento é o de que a pensão prestada à viúva
não cessa com o novo vínculo matrimonial, consoante posicionamento mais recente
do Superior Tribunal de Justiça e da majoritária doutrina.
3.1.3 Quantificação do Pensionamento
Estabelecidos os legitimados e o período de duração do pensionamento em
virtude do ato ilícito morte, resta, por fim, definir o quantum indenizatório da pensão.
Os parâmetros consagrados na nossa jurisprudência para fins de
mensuração do valor da pensão alimentícia são incontroversos. Há consenso nos
pretórios de que o valor da pensão deve corresponder a 2/3 (dois terços) da última
remuneração total recebida pelo falecido na época do ato ilícito101, sendo o 1/3 (um
terço) restante relativo ao que seria despendido pelo falecido com o próprio
sustento.102
Nesse sentido, explica Carlos Roberto Gonçalves:
99
100
101
102
HONORÁRIOS. [...] 2. É devida a pensão, nos casos de indenização por responsabilidade
civil, mesmo que a viúva venha a contrair novo matrimônio, isso porque não há garantia de
que suas necessidades venham a ser supridas com a nova situação. 3. Recurso Especial
parcialmente provido. (grifo nosso).
GONÇALVES, 2008, p. 413. Nesse mesmo sentido é o posicionamento de Rui Stoco (2007, p. 1286)
e Gustavo Tepedino, Heloisa helena Barboza; Maria Celina Bodin de Moraes (TEPEDINO, Gustavo;
BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado conforme
a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. 2. p. 872).
PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 286. Nesse mesmo sentido é o posicionamento de: Sérgio
Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 129), Paulo de Tarso Sanseverino (2008, p. 222) e
Arnaldo Rizzardo (RIZZARDO, 2006, p. 219).
Antonio Lindbergh C. Montenegro ensina que a remuneração corresponde a “tudo aquilo que a vítima,
por força da sua capacidade laborativa, faz carrear para a economia doméstica, garantindo-lhe a
subsistência e a da família, bem como o gozo de um determinado padrão social” (MONTENEGRO,
Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de danos. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 60).
BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Turma, 1. Resp. 970673/MG. Município de Unaí versus Cláudio
de Souza Oliveira. Relator: Min. Luiz Fux. Julgado em: 9 set. 2008. Diário da Justiça Eletrônico,
Brasília, 1 out. 2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. PROCESSUAL
CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. ARTIGO
37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. [...]4.
A pensão mensal a ser paga pelo Estado deve ser fixada desde o falecimento da vítima, à
razão de 2/3 do salário mínimo, até a data em que completaria 25 anos de idade; a partir daí, à
base de 1/3 do salário mínimo, até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade.
Precedentes: REsp 674586/SC Relator Ministro LUIZ FUX DJ 02.05.2006; REsp 740059/RJ DJ
06.08.2007; REsp 703.878/SP, DJ 12.09.2005 [...] (grifo nosso).
27
A indenização, sob a forma de pensão, é calculada com base na renda
auferida pela vítima, descontando-se sempre 1/3, porque se ela estivesse
viva estaria despendendo pelo menos 1/3 de seus ganhos em sua própria
manutenção. Os seus descendentes, ascendentes, esposa ou companheira
(os que dela recebiam alimentos, ou de qualquer forma estavam legitimados
103
a pleitear a pensão) estariam recebendo somente 2/3 de sua renda.
No entanto, assevera-se que nem todos os julgados seguem a linha acima,
eis que há casos com certas peculiaridades especiais, as quais são levadas em
consideração para fins de determinação do valor da pensão. Casos, por exemplo,
em que o falecido utilizava a maior parte da sua remuneração para uso próprio,
como para pagamento de estudos e profissão que exija elevados gastos etc. Nestes
casos especiais, se restar comprovado que o falecido gastava mais de 1/3 (um
terço) consigo, a pensão aos seus familiares deverá corresponder ao que era
realmente despendido com os mesmos.
Arnaldo Rizzardo esclarece que o “abatimento de um terço dos rendimentos
que auferia a vítima não passa de um parâmetro para as situações de ausência de
prova a respeito do patamar das despesas pessoais”.104
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino critica esse modo simplista da
jurisprudência pátria de fixação do quantum indenizatório com base apenas na renda
auferida pela vítima, sugerindo a aplicação do método francês, o qual entende ser o
mais adequado. Para o civilista, o referido método, além de estar mais de acordo
com a atual conjuntura sócio econômica do país (famílias menores e mulheres em
posição de igualdade no mercado de trabalho), concretiza melhor o principio da
reparação integral do dano.105
Isso porque o método francês visa a valorizar os efeitos do falecimento da
vítima sobre a renda da família, fixando a indenização em três momentos diferentes:
a) averiguação dos rendimentos individuais da vítima do dano morte e do seu
cônjuge; b) cálculo do prejuízo econômico efetivo alcançado pelos familiares; e c)
pagamento em parcela única da indenização, mediante capitalização do seu valor
(este último momento pode ser rechaçado, pois não é utilizado no Brasil).106
Sobre esse tema, assim posiciona-se o autor:
A função concretizadora do princípio da reparação integral, no sistema
103
104
105
106
GONÇALVES, 2007, p. 758. Nesse sentido, também explica Rui Stoco: “Deve-se deduzir a
habitual parte correspondente a 1/3 (um terço), que constituiria despesa mínima necessária à
sobrevivência do finado” (STOCO, 2007, p. 1286).
RIZZARDO, 2006, p. 220.
SANSEVERINO, 2008, p. 224-5.
Ibid., p. 225.
28
francês, permite uma melhor individualização da pensão, conforme as
necessidades e peculiaridades de cada família. Em primeiro lugar, valoriza
a renda familiar total, e não apenas os rendimentos do falecido. Em
segundo lugar, leva em consideração cada realidade familiar para se
estabelecer a renda necessária para preservação de seu poder aquisitivo e
sua adequada manutenção, incidindo, então, um percentual variável de
redução pelos gastos próprios da vítima entre 15% e 40%. Em terceiro
lugar, a pensão corresponderá apenas ao prejuízo efetivo, considerando a
diferença entre a renda familiar e os rendimentos auferidos pelo falecido, o
que, na prática, poderá eventualmente inexistir, evitando um
enriquecimento injustificado, que afronta a função indenitária do principio
107
da reparação integral.
Parece que o modelo francês é mais fiel em relação à fixação do quantum
indenizatório do que o método brasileiro, eis que, diferentemente deste - em que a
averiguação da renda pessoal da vítima é abatida com 1/3 -, aos rendimentos
próprios da vítima do dano morte soma-se à renda auferida, in casu, pela viúva, e
assim, alcança-se a renda total familiar. E mais, sobre a renda total da família, incide
um percentual variável para reduzir as despesas próprias do de cujus, diminuindo-se
ainda a renda própria auferida pela viúva, para, enfim, determinar-se o efetivo
prejuízo gerado. Dessa forma, ao assim proceder, chega-se mais precisamente, em
cada situação particular, aos danos oriundos pelo falecimento da vítima para a renda
da sua estirpe.
Outrossim, há de se destacar que a pensão mensal será convertida em
salários mínimos, pois, dessa maneira, “a pensão estará automaticamente corrigida
sempre que o salário for corrigido”.108 Assim é o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, expresso na Súmula 490, ao afirmar que “a pensão correspondente à
indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no
salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores”.
No entanto, Rui Stoco entende que a pensão terá como parâmetro o salário
mínimo vigente, incidindo, portanto, a Súmula 490 somente nos casos em que a
vítima do dano morte não exercia trabalho remunerado. Tal se dá em virtude de que,
se a vítima estava empregada na data do evento fatal, o quantum indenizatório
mensal deve corresponder ao salário do emprego em que se encontrava registrada,
sendo reajustado sempre que houver o reajuste dos salários da categoria.109
107
108
109
SANSEVERINO, 2008, p. 226-7.
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 129. Nesse sentido, discorre Maria Alice Costa Hofmeister: “Com
relação aos valores, não há critérios seguros, a fixação é concretizada casuisticamente, tomandose por base o salário mínimo” (HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade
de risco. Rio de Jameiro: Renovar, 2002. p. 176).
STOCO, 2007, p. 1274. Sílvio de Salvo Venosa explica que “a pensão deve ser reajustada
sempre que houver alteracão do salário mínimo (Súmula 490 do STF), ou de salários da categoria
profissional da vítima” (VENOSA, 2005, p. 296).
29
Destarte, entendimento pacificado na doutrina e na jurisprudência é o de
que, não sendo comprovado o ganho fixo da vítima de dano morte, a pensão deve
ser fixada com base em um salário mínimo, pois é o mínimo despendido por uma
pessoa para a sua sobrevivência.110
Esclarece-se, por fim, que há divergência doutrinária e jurisprudencial
quanto à inclusão do 13º salário, ou gratificação natalina, no valor da pensão.
Parte da doutrina e da jurisprudência111 defende que somente há de se falar
em inclusão no pensionamento do 13º salário se a vítima estivesse empregada na
época do ato ilícito. Esse é o entendimento de Paulo Nader, ao afirmar que “os
alimentos são fixados em salários mínimos, operando-se a conversão de dois terços
do que a vítima ganhava mensalmente, aí incluído o décimo terceiro salário se
empregado”.112
Por outro lado, parte da doutrina e da jurisprudência113 entende que seria
devido o 13º salário estivesse a vítima ou não empregada na data do evento morte.
Esse é exatamente o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho, para quem é cabível a
inclusão do 13º salário no quantum do pensionamento “ainda que a vítima estivesse
desempregada, porque o 13º salário é uma das parcelas do lucro cessante”.
Acrescenta ainda o autor que “o fato de não ter a vítima vínculo empregatício
quando do seu falecimento, ainda que por sua pouca idade, não permite supor que
ela jamais viria a ter um emprego”.114
Nessa senda, necessário esclarecer que, em que pese o entendimento
110
111
112
113
114
CAVALIERI FILHO, 2008, p. 115.
BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Turma, 4. Resp. 388300/SP. Francisco Correia do Nascimento
versus Rede Ferroviária Federal S/A. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Julgado em: 17 set.
2002. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 238, 25 nov. 2002.
Disponível em:
<www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
QUEDA DE TREM. MORTE DE PASSAGEIRO QUE VIAJAVA EM ESCADA DA LOCOMOTIVA.
CULPA CONCORRENTE. DANOS MORAIS E MATERIAIS DEVIDOS. REGIMENTO INTERNO,
ART. 257. [...] IV. Inexistindo prova de trabalho assalariado, indevido o 13º salário no cálculo
da pensão. V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (grifo nosso).
NADER, Paulo. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. (Responsabilidade civil, v.
7). p. 234-5.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 3. AgRg no Resp. 644977/RJ. Companhia Brasileira de
Trens Urbanos CBTU versus Cláudio Marcos Pereira Augusto. Relator: Min. Castro Filho. Julgado em: 16
nov. 2004. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 308, 6 dez. 2004. Disponível em: <www.stj.jus.br>.
Acesso em: 11 maio 2009. RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE
FERROVIÁRIO - DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO - COMPROVAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO DESNECESSIDADE - CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL - SÚMULA 83/STJ - NEXO CAUSAL - REVISÃO
PROBATÓRIA. [...] II - A ausência de prova quanto ao vínculo empregatício da vítima não afasta a
possibilidade de inclusão do 13º salário no montante da pensão deferida ao autor da ação.
Precedentes. [...] Agravo regimental a que se nega provimento. (grifo nosso).
CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 117-8.
30
exposto na Súmula 490 do STF, a melhor doutrina entende que o momento da
conversão do valor da pensão em salários mínimos é a data do ato ilícito, e não a
época da sentença. Consoante ensina Paulo de Tarso Sanseverino, “a prova
produzida, especialmente a documental, indica melhor os valores percebidos na
época do evento danoso”.115
Maria Helena Diniz sintetiza bem o tema tratado neste tópico:
Pelo STJ a pensão é devida na proporção de 2/3 dos ganhos da vítima
comprovados em hollerith e na declaração de imposto de renda. Se não
puder obter tal prova, a pensão é calculada com base no salário mínimo, ou
nos ganhos presumidos, p. ex., retirada mensal da empresa de que,
porventura, seja sócio. Em regra essa pensão baseia-se na renda auferida
pela vítima e não no seu padrão de vida, descontando-se 1/3, para que
seus dependentes percebam 2/3 (STF, súmula 490), incluindo-se o 13
salário, salvo se se tratar de trabalhador autônomo, e o quantum
116
previdenciário, que dependerá das contribuições pagas pela vítima.
No próximo e último item, com base em tudo o que foi exposto, há
elementos suficientes para analisar se a expectativa de incremento salarial
(ascensão profissional) da vítima trata-se de um dano ressarcível e, portanto,
passível de ser incluída no quantum indenizatório devido aos legitimados. Assim,
procurar-se-á, através de posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o
tema, averiguar a viabilidade de ser enquadrada a referida expectativa no valor do
pensionamento, o qual é o interesse de objeto nesta monografia.
3.2 EXPECTATIVA DE INCREMENTO SALARIAL (ASCENSÃO PROFISSIONAL)
COMO DANO RESSARCÍVEL
3.2.1 Posição Jurisprudencial e Doutrinária
Ressalta-se que, tendo em vista que não há muito material sobre o tema em
questão e que a doutrina, na maioria das vezes, analisa-o atrelado a um caso
concreto, passa-se agora, em consonância com a doutrina pátria, à análise conjunta
dos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários.
Destarte, de forma a traçar um eficiente panorama acerca da possibilidade
de ser indenizada a expectativa de incremento salarial da vítima fatal, inicia-se
demonstrando o que a jurisprudência e alguns autores da doutrina pátria tradicional
trabalharam, mesmo que de forma sucinta, sobre este tema. Após, analisar-se-á, de
maneira mais precisa, o que alguns autores mais recentes escreveram em suas
115
116
SANSEVERINO, 2008, p. 230.
DINIZ, 2009, p. 141.
31
obras, tendo-se por base o trabalho efetuado por Rafael Peteffi da Silva, em
Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance, o qual se baseou na doutrina e
jurisprudência francesa.
José de Aguiar Dias, entende que a expectativa de ascensão profissional da
vítima fatal é um prejuízo passível de indenização, dano futuro e não hipotético,
como normalmente é caracterizado, em que sua certeza deve ser verificada em
cada caso particular. Com vistas a demonstrar tal afirmação, o autor apresenta um
caso defendido por ele, em que um incêndio ceifou a vida de um promissor
advogado, impossibilitando que este obtivesse um incremento salarial em virtude do
crescimento natural na carreira profissional.117
O autor explica que, após ser confirmada a condenação do Estado pelo
acidente, requereu em liquidação de sentença, entre diversas verbas, a
correspondente à frustrada ascensão profissional, para isso utilizou paradigma do
escritório do falecido como referencial. A sentença negou o pleito, entendendo tratarse de um dano hipotético; no entanto, apresentado o recurso de apelação, restou o
mesmo devidamente provido, segundo entendimento do autor, para incluir, nos
cálculos do dano futuro, a perda da expectativa de incremento salarial da vítima em
razão da perda da possibilidade de sua progressão funcional.118
Referente ao caso supramencionado, transcreve-se a ementa:
Responsabilidade civil. Morte de marido e pai que pereceu em incêndio
irrompido em edifício comercial. Ação de indenização de danos proposta
pela viúva e filho menor. Liquidação por artigos de acórdão condenatório.
Regras observáveis. Quantificação do valor da indenização. Critério
observável. Se inocorrem cirscunstâncias especiais, capazes de desviar o
juiz da rota jurisprudencial, a pensão devida a viúva e filho deve ser fixada
em 2/3 (dois terços) dos ganhos líquidos do marido e pai, falecido no
acidente. Pensão. Duração. Limitação da pensão devida ao filho até o dia
em que completará 24 (vinte e quatro) anos de idade. Descabimemto. A
pensão devida ao filho da vítima, em razão da morte do pai, é devida a
aquele até o dia da sobrevida provável deste, razão não havendo para
arbitrária limitação da indenização ao dia em que o menor completará 24
(vinte e quatro) anos de idade. Sobrevida provável da vítima. Definição. Ao
influxo da notória melhoria da qualidade de vida dos brasileiros, nestas
últimas décadas, sobretudo quanto aos das classes alta e média alta,
afigura-se razoável a fixação da vida provável da vítima em 74 (setenta e
quatro) anos. Progressão funcional. Dano futuro. Inclusão no quantum
debeatur. Cabimento. Razão não existe para deixar de incluir, nos cálculos
do dano futuro, representado pela perda da progressão funcional da vítima,
calculada de acordo com os rendimentos de paradigma. Apelação provida
119
em parte. Sentença retocada. (grifo nosso).
117
118
119
DIAS, 2006, p. 983.
Ibid., p. 983-4.
Ibid., p. 984-5.
32
No Superior Tribunal de Justiça, restou mantido o entendimento da
reparabilidade do dano futuro referente à perda da ascensão profissional.120
Destaca-se que, para fundamentar o vitorioso pedido no referido caso, o
autor fez referência ao entendimento de Antonio Lindbergh C. Montenegro, o qual se
posiciona favorável à indenização do provável aumento da remuneração da vítima
em virtude do crescimento profissional na carreira.
Esse é o seu posicionamento:
Outro elemento de natureza não eventual a considerar no cálculo da
indenização prende-se à provável melhoria que está para acontecer na
atividade laborativa da vítima, segundo o curso normal dos fatos. Entre
esses eventos não há como deixar de computar o provável aumento de
remuneração, em face do acesso natural na carreira na qual vem o ofendido
121
se dedicando com empenho desde longos anos.
Nota-se que o primeiro autor citado, José de Aguiar Dias, afirma que a
expectativa de ascensão profissional da vítima é um dano futuro, o qual será
indenizado sempre que restar demonstrado no caso concreto os contornos de
certeza. Já o segundo autor, Antonio Lindbergh C. Montenegro, embora não indique
a modalidade de dano a qual se enquadraria o prejuízo pela perda da melhoria que
estava para acontecer na atividade laborativa da vítima, entende tratar-se de um
dano não eventual e, dependendo do caso concreto, posiciona-se totalmente
favorável à indenizabilidade do provável aumento da remuneração.
Parece que, para ambos os autores supracitados, a única exigência que se
faz, para incluir na pensão devida aos dependentes legítimos da vítima a expectativa
de incremento salarial desta, diz respeito à certeza quanto à existência do dano,
presente ou futuro, exigida como requisito para a sua reparabilidade. Isso porque,
em sendo o dano certo, este seria sempre indenizável, por outro lado, em sendo o
dano eventual, não há que se falar em ressarcimento.
Fernando Noronha atenta para as dificuldades de se comprovar o dano
futuro, o qual, em muitas vezes, não atingirá o grau de verossimilhança para ser
120
121
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 1. Resp. 202.868/RJ, Condomínio do Edifício
Andorinha versus Ana Maria Lyra e Outro. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Julgado em:
20 mar. 2001. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 54, 13 ago. 2001. Disponível em:
<www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. ADMINISTRATIVO - CIVIL - RESPONSABILIDADE
POR MORTE EM ACIDENTE PENSIONAMENTO - TERMO FINAL - 65 ANOS - APURAÇÃO DO
DANO - MÉTODO COMPARATIVO - PARADIGMAS - CÓDIGO CIVIL (ART. 1.059) - FILHO
MENOR - TERMO FINAL DA PENSÃO - 24 ANOS. [...] II - Por se assentar na prova dos autos,
não contraria o art. 1.059 do C.C. Método consistente em utilizar paradigmas, no escopo de
apurar a ascensão profissional interrompida pela morte da vítima, não se expõe a recurso
especial. [...]. (grifo nosso).
MONTENEGRO, 2001, p. 63.
33
admitido como certo. Por essa razão, posiciona-se contrariamente à ressarcibilidade
da expectativa de aumento da remuneração da vítima como dano futuro. Entretanto,
o autor admite que, não obstante a natureza bastante aleatória da alegada
possibilidade de vantagem futura, às vezes, ela poderá ser ressarcida, sempre que
estiverem presentes os pressupostos da perda da chance.122
Para justificar tal afirmação, o autor apresenta um exemplo bastante
semelhante ao que inspirou a presente monografia:
Assim, se o pai de família, que foi morto, trabalhava e sustentava os
familiares, é possível inferir que no futuro ele provavelmente continuaria a
trabalhar e a cuidar deles, porque não viria morrer em anos próximos, não
ficaria desempregado, etc. Mas se esse pai de família vinha se revelando
um bom profissional, em regra ficará muito difícil inferir, por demasiado
hipotético e, por isso, incerto, que no futuro ele viria a ser promovido e que
passaria a ganhar mais, podendo proporcionar aos familiares um nível de
vida mais elevado, para deste modo justificar a concessão de uma
123
indenização alimentar maior.
Outrossim, a aplicação da reparação pela perda de uma chance de melhorar
na posição social encontra aceitação na jurisprudência francesa na modalidade de
dano reflexo, quando o ato ilícito causado pelo agente afasta a possibilidade da
vítima melhorar sua capacidade econômica.124 São as conclusões a que chegou
Rafael Peteffi da Silva, as quais se passa a analisar.
O autor refere-se à aplicação da perda de uma chance de auferir melhor
condição social como dano por ricochete. Citando Geneviéve Viney e Patrice
Jourdain, apresenta um dos exemplos clássicos de aplicação da teoria da perda de
uma chance, quais sejam: em casos em que os “dependentes de uma vítima, por
causa da morte desta, acabaram perdendo a chance de obter uma melhor posição
social, seja pela probabilidade de uma futura promoção ou pelo exercício de uma
profissão mais lucrativa”.125
Nestes casos, o autor ensina que “a concessão da reparação varia muito de
acordo com as nuanças de cada caso concreto, acarretando decisões diversas para
casos cujas chances apresentam probabilidade de êxito semelhantes”. Para um
melhor entendimento da sua afirmação, o autor apresenta cinco decisões
semelhantes extraídas da Corte de Cassação Francesa, três decisões das quais
favoráveis à concessão da reparação pela perda de uma chance de melhora da
122
123
124
125
NORONHA, 2003, p. 582-3.
Ibid., p. 582-3.
SILVA, R., 2007, p. 167 et seq.
VINEY, Geneviève; JORDAIN, Patrice. Traité de droit civil. 2. ed. Paris: L. G. D. J., 1988. (v. Lês
conditions de la responsabilité) apud SILVA, R., 2007, p. 167.
34
condição social.126
Em um dos referidos casos, em 24 de fevereiro de 1970, a Corte de
Cassação manteve acórdão que havia conferido reparação pela perda de uma
chance de gozar de uma situação social privilegiada para a jovem viúva de um
médico residente. A referida Corte considerou que os parcos vencimentos de um
brilhante residente de cirurgia de um hospital de Paris seriam substancialmente
elevados com o passar do tempo. Nesse mesmo sentido, posicionou-se em outro
caso a mesma Corte de Cassação, em 20 de dezembro de 1996, ao conceder
reparação para família de um administrador de uma companhia muito importante,
que havia falecido. Os peritos concluíram que a vítima teria um aumento provável de
3,5% por ano de trabalho na mesma empresa.127
O último caso apresentado pelo autor em que houve a reparação pela perda
de uma chance de melhora da condição social, também extraído da jurisprudência
francesa, diz respeito à família de um professor culposamente eletrocutado em um
clube de tênis, a qual ganhou a reparação, tendo em vista que a vítima estava
inscrita numa lista provisória para ocupar um cargo superior.128
Veja-se que, nos dois últimos casos concessivos da reparação para os
familiares do dano pela perda de uma chance de incremento salarial da vítima fatal,
a Corte de Cassação francesa baseou-se em provas concretas (laudo pericial e
prova escrita) a indicarem que, muito provavelmente, tal aumento ocorreria.
Nesses três casos supramencionados, Rafael Peteffi da Silva, atenta para o
fato de que:
Imperioso ressaltar o cuidado da Corte de Cassação para não confundir a
reparação concedida através da noção de perda de uma chance com a
simples indenização dos lucros cessantes, que normalmente são pagos de
acordo com os proventos atuais da vítima. Assim, se a vítima, no momento
de sua morte, já gozava de um alto salário, pode-se afirmar que é bastante
razoável que ela manteria o mesmo nível de seus proventos. Neste caso, a
utilização da perda de uma chance não é equivocada, pois há nexo de
causalidade entre a perda da vantagem esperada (continuar com o mesmo
padrão de vida que os dependentes gozavam antes da morte do
129
responsável) e a ação do agente.
No entanto, a mesma Corte de Cassação impediu a reparação pela perda de
uma chance de melhora da condição social para a viúva de um policial falecido, pois
considerou demais hipotética a alegação da família da vitima de que é muito normal
126
127
128
129
SILVA, R., 2007, p. 167-8.
LE TOURNEAU, Philippe. J. C. P., 1970. v. II apud SILVA, R., 2007, p. 168.
CHARTIER, Yves. J. C. P., 1985. II, 2. esp. apud SILVA, R., 2007, p. 168-9.
Ibid., p. 168.
35
os policiais realizarem serviços de segurança privada após a aposentadoria.130
Neste caso, assim como no caso da viúva do residente médico supramencionado,
entende Rafael Peteffi da Silva que “o dano é futuro e contém grande carga de álea,
pois as duas vítimas corriam o risco de não conseguir melhorar a sua posição
social”.131
Nota-se que, no caso da viúva do residente médico, há entendimento
contrário entre jurisprudência e doutrina; enquanto aquela entende tratar-se de dano
pela perda de uma chance passível de indenização, esta diz tratar-se de um dano
futuro, hipotético, não passível de reparação.
Em outro caso, embora a utilização da perda de uma chance tenha sido
acertada, a Corte de Cassação Francesa cassou acórdão proferido pela Corte de
Apelação de Lyon, favorável à reparação pela perda de uma chance para a viúva de
um empregado que teria grandes chances de tomar o lugar do seu chefe na
empresa, o qual estava com a aposentadoria programada para o próximo ano.132
Nesse caso, com base na prova concreta de que o chefe da vítima iria se
aposentar no próximo ano e, possivelmente, transferiria o cargo de melhor
remuneração ao seu empregado, restou configurada a reparabilidade da expectativa
de incremento salarial da vítima como dano pela perda de uma chance. No entanto,
a reforma do acórdão ocorreu unicamente no que tange à quantificação do dano,
pois foi erroneamente incluído o valor total dos vencimentos do chefe da vítima,
confundindo-se, assim, lucros cessantes com a perda de uma chance.
Com efeito, nessa última situação, ninguém poderia afirmar com certeza
que, caso o empregado estivesse sobrevivido, ele assumiria o cargo de seu chefe.
Na verdade, o máximo que se poderia aduzir é que o falecido tinha muitas chances
de assumir a posição do chefe, sendo essas chances passíveis de indenização.
Em outro caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul133, houve a concessão de indenização pela perda de uma chance a uma jovem
130
131
132
133
LECOURTIER, P. D. 1972 apud SILVA, R., 2007, p. 168.
LE TOURNEAU, Philippe; CADIET, Loic. droit de la responsabilité: action dalloz. Paris: Dalloz,
1998 apud SILVA, R., 2007, p. 168.
CHARTIER, Yves. J. C. P., 1985. II, 2. esp. apud SILVA, R., 2007, p. 168.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Câmara Cível, 2. Apelação n. 70004650305. Sociedade
de Ônibus Porto Alegrense Ltda. versus Adriana Lima de Freitas e Outro. Relator: Des. Mário Crespo
Brum. Julgado em: 19 dez. 2002. Diário de Justiça, Porto Alegre, 2002. Disponível em:
<www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA CONCORRENTE.
DANOS MORAIS. PENSIONAMENTO VITALÍCIO. AJUDA DE CUSTO. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO
MÍNIMO. PERDA DE UMA CHANCE. [...] IV - Sendo a vítima trabalhadora autônoma, revendendo
36
de 19 anos, privada de uma chance plausível de ascensão profissional a médio
prazo.134
No entanto, referente a esse caso, Sérgio Savi entende que a concessão da
perda de uma chance de ascensão profissional pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul foi incorreta, pois a chance não era séria e tampouco real; tratava-se
de uma mera possibilidade, de um dano hipotético e, dessa forma, não passível de
indenização.135
Assim é o entendimento do referido autor:
Não obstante a gravidade do acidente, entendemos que, in casu, não há
como falar em chance séria e real. A autora tinha 19 anos, sequer havia
escolhido a profissão que pretendia cursar e não estava participando de
vestibular para qualquer universidade. Sua profissão era de revendedora de
produtos de beleza e é impossível afirmar se ela não continuaria
136
trabalhando nesta profissão.
Atenta-se para o fato de que este último caso, em que pese não se trate de
um caso de homicídio, serve para demonstrar que a expectativa de incremento
salarial é um dano que pode vir a ser passível de indenização.
Através dos exemplos demonstrados, percebe-se, portanto, que tanto a
jurisprudência quanto a doutrina admitem ser viável a reparação da expectativa de
incremento salarial da vítima pela perda de uma chance. No entanto, há que se
atentar para o fato de que tal reparação dependerá muito de cada caso concreto,
devendo dispensar-se atenção para a seriedade das chances de melhora
profissional e consequente aumento da remuneração da vítima, se viva estivesse.
3.2.2 Dano Concreto (Expectativa de Vida x Expectativa de Aumento da Renda)
Como visto, quando não há data exata para fixação do termo final da
pensão, com base na duração provável da vida da vítima, a jurisprudência pátria fixa
o termo final com base em dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e outros órgãos idôneos. Em sendo assim, forçoso reconhecer
que a expectativa de vida média é amplamente utilizada em substituição a uma
impossível mensuração exata de quanto tempo uma vítima iria ainda viver. Assim, o
134
135
136
produtos de beleza, é coerente a presunção de que auferisse, no mínimo, dois salários mínimos
mensais a título de remuneração, restando evidente que teria ascensão profissional, visto que,
na época do acidente, contava apenas 19 anos, estudava e tencionava fazer curso superior em
Pedagogia. [...] Apelo desprovido e recurso adesivo parcialmente provido. (grifo nosso).
SAVI, 2006, p. 58.
Ibid., p. 58.
Ibid., p. 102.
37
direito, sabidamente, utiliza a situação do homo medios para o cômputo de tais
expectativas.
Dessa forma, parece que, ainda que não se possa ter um cálculo exato do
valor que o falecido especificamente teria de incremento de sua renda no decorrer
da carreira, tal não significa que a referida expectativa não possa ser objeto de
indenização. Tendo porque, com base na situação do homo medios, torna-se viável
a inclusão dessa expectativa na pensão mensal a ser paga aos dependentes da
vítima.
Veja-se que a situação do homo medios é facilmente passível de ser
analisada através de dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e outros órgãos idôneos, referentes à expectativa de aumento da
renda dos brasileiros.137 Com efeito, em pesquisa realizada, durante o ano de 1991
pelo IBGE junto a 34.734.715 (trinta e quatro milhões, setecentos e trinta e quatro
mil e setecentas e quinze) pessoas, comprovou-se que a renda média cresce
bastante até os 44 anos de idade, sofrendo, após, pequena redução.138
Destarte,
tendo
em
vista
os
dados
estatísticos139
utilizados
pela
jurisprudência pátria para fins de fixação do termo final da pensão com base na
expectativa média de vida dos brasileiros, é viável que a mesma também se utilize
de dados estatísticos relativos à expectativa de aumento da renda média dos
brasileiros. Daí configurando-se um dano concreto passível de inclusão no cálculo
da pensão mensal devida aos dependentes da vítima.
3.2.3 O Caso "Martinez”
Tendo em vista que, em alguns casos, é possível que a expectativa de
ascensão profissional da vítima (incremento salarial) seja um dano ressarcível, neste
último tópico retomar-se-á o caso específico que inspirou a presente monografia, a fim
137
138
139
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). População: censos
demográficos - resultados da amostra. 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/
estatistica/populacao/censo2000/trabalho_rendimento/tabela_brasil.shtm>. Acesso em: 27 abr.
2009.
PORTO ALEGRE. Vara Cível do Foro Regional Tristeza. Ação Ordinária n. 001/1.05.0005743-9,
Clarice Beal Martinez e Outro versus Clube Jangadeiros. Juiz de direito: Eduardo Augusto Dias
Bainy. Julgado em: 13 ago. 2001. Porto Alegre, p. 143-607, 2001. p. 143-50.
Esse é o entendimento de Carlos Alberto Ghersi (2003, p. 81): “Mientras dura ese proceso
econômico de generación, existen etapas que son cuantificadas perfectamente por los institutos
oficiales y privados, de tal forma que una persona que a los cuarenta años no pudo obtener
determinada acumulación muy difícilmente pueda obternela; o por el contrario, quien ya la obtuvo
se supone que seguirá el proceso hasta obtener su techo econômico de acumulación.”
38
de averiguar se os autores, viúva e filho da vítima, na ação de indenização por danos
materiais e morais ajuizada, poderiam ou não, in casu, ter obtido êxito ao pedido para
que fosse incluída a expectativa de aumento da renda do falecido no cálculo do
pensionamento mensal devido a eles em virtude da morte do marido e pai.
Rememora-se que o jovem esposo e pai de família faleceu aos 29 anos de
idade, quando passava por um momento profissional e financeiramente promissor
da carreira.
O de cujus era responsável pelo sustento de seu filho e esposa, pertencendo
à família cujo genitor mantinha participação relevante nas sociedades do Grupo
Panambra, sendo o seu principal administrador. Com apenas 29 anos de idade, a
vítima já tinha currículo universitário e profissional privilegiado, graduação em duas
Faculdades, curso de pós-graduação e de Inglês em Universidades dos Estados
Unidos da América, além de experiência profissional em três diferentes empresas,
sendo uma, inclusive, fundada por ele.
As provas testemunhais indicavam que naturalmente o falecido galgaria
posições gerenciais e diretivas na empresa em que sua família participava do
controle, o que lhe proporcionaria maior remuneração. Como se tal não bastasse, a
vítima gozava de saúde perfeita, recebendo acompanhamento médico desde a
infância, o que lhe colocaria acima da média nacional no que tange à expectativa de
vida das pessoas. Tanto é assim que o próprio Superior Tribunal de Justiça fixou a
vida provável da vítima em idade superior a 65 anos, conforme já informado.
Outrossim, tendo em vista a idade da vítima, seu currículo diferenciado e as
provas colacionadas aos autos, razoável considerar que havia expectativa natural de
que os seus rendimentos seriam majorados no decorrer do tempo. Isso porque o
ápice da carreira se dá a partir dos 40 anos, sobretudo em se tratando de dirigente
de empresa. Veja-se que, para comprovar tal afirmação, os autores da ação
indenizatória juntaram aos autos a supramencionada pesquisa realizada pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, durante o ano de 1991.
No entanto, o pedido da esposa e do filho do falecido para que fosse incluída
a expectativa de aumento de renda do falecido na pensão indenizatória não foi
acolhido, sendo, inclusive, rechaçado pelo Juiz de Primeiro Grau por entender tratarse de um dano hipotético, em que pese todas as provas acima colacionadas.
Quanto à inclusão da expectativa de aumento da renda do falecido no valor
da pensão mensal, assim decidiu o E. Juízo a quo:
39
Quanto ao valor do pensionamento a meu juízo, deve este estar baseado
em dados concretos, e não em meras projeções - como a alegada
expectativa de incremento da renda do falecido - que acabariam por ensejar
140
uma decisão baseada em dados incertos e pouco palpáveis.
A esposa e o filho do falecido interpuseram, então, recurso de apelação141,
mas não em relação a este ponto específico da sentença, findando, assim, ainda em
sede de primeiro grau a discussão acerca da viabilidade de ser incluída a
expectativa de incremento salarial da vítima na pensão devida aos seus
dependentes, a qual deveria ter sido levada para os órgãos superiores.
Nota-se que, in casu, tendo em vista as provas acima referidas,
apresentadas pela esposa e filho do falecido, a solução encontrada pelo Juízo de
primeiro grau deveria ter sido outra e não a de que a expectativa de incremento da
renda do falecido não estaria baseada em dados concretos, em meras projeções.
A verificação do prejuízo restou devidamente comprovada, seja com base
nos dados estatísticos do IBGE (dados concretos), seja com base na razoabilidade
de que certamente a vítima alcançaria posição de mais destaque na empresa em
que trabalhava - tendo em vista seu aperfeiçoamento profissional, dedicação durante
anos à empresa e, por fim, natural acesso a cargos mais elevados.
Assim, neste caso, a expectativa de incremento salarial da vítima, segundo o
curso normal dos fatos, nos dizeres Antonio Lindbergh C. Montenegro “é um
elemento de natureza não eventual a considerar no cálculo da indenização”.142
140
141
142
PORTO ALEGRE, 2001, p. 594-607.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Câmara Cível, 6. Apelação. 70003620721, Clarice
Beal Martinez e Outro versus Clube Jangadeiros. Relator: Des. Cacildo de Andrade Xavier.
Julgado em: 19 maio 2004. Diário de Justiça, Porto Alegre, 2004. Disponível em:
<www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE MORTE
OCORRIDA NAS DEPENDÊNCIAS DO CLUBE RÉU. DEVER DE INDENIZAR. DENUNCIAÇÃO
DA LIDE À SEGURADORA. Apelação do réu. Comprovada a responsabilidade do réu, por culpa,
já que manteve instalações elétricas para seus usuários em inadequadas condições de uso e sem
segurança, passíveis de ocasionarem acidentes, como o que acarretou a morte do marido e pai
dos autores, de modo negligente, presente o dever do réu de indenizar os autores, tanto pelos
danos materiais, quanto pelos morais decorrentes. Dano moral. Os autores devem ser indenizados
pela lesão moral sofrida, importância que, além de ressarci-los, evite conduta similar por parte do
réu. Apelação dos autores. Corrigido erro material da sentença em relação ao valor do saláriomínimo adotado para o cálculo da pensão. Alteração do valor da pensão devida pelo réu. Pensão
persistirá até a data em que o falecido completaria 70 anos. Honorários advocatícios fixados em
percentual sobre a condenação total, conforme art. 20, § 3º, do CPC. Apelação da seguradora.
Denunciação à lide. Um dos efeitos da denunciação à lide aceita é a inclusão do denunciado como
litisconsorte do denunciante, daí advindo ingressar no processo como parte. Dever da seguradora
suportar o ressarcimento dos danos materiais e morais até o valor contratado. Alimentos
provisórios. Pedido de atualização do valor fixado a título de alimentos provisórios em antecipação
de tutela. Correção monetária pelo IGP-M. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA. APELAÇÃO DOS
AUTORES PROVIDA EM PARTE. APELAÇÃO DA SEGURADORA DESPROVIDA.
MONTENEGRO, 2001, p. 63.
40
sendo, portanto, um dano passível de ressarcimento.
Destarte, em sendo considerada, in casu, a referida expectativa um dano
certo, haveria duas possibilidades para sua ressarcibilidade por meio da pensão
mensal devida aos dependentes do falecido. A primeira hipótese viável seria
enquadrá-la como um dano futuro, consoante o entendimento supramencionado de
José de Aguiar Dias e ratificado pelo Superior Tribunal de Justiça, este, conforme
demonstrado, extremamente difícil de verificação.
Como visto, entende José de Aguiar Dias que a única exigência que se faz
para incluir na pensão devida aos dependentes legítimos da vítima a expectativa de
incremento salarial desta diz respeito à certeza quanto à existência do dano,
presente ou futura, exigida como requisito para a sua reparabilidade.
Outrossim, é necessário atentar-se para as dificuldades de se comprovar o
dano futuro, que, em muitas vezes, não atingirá o grau de verossimilhança para ser
admitido como certo. No entanto, parece-me que, in casu, consoante o
entendimento de José de Aguiar Dias supramencionado, as provas são suficientes
para configurar-se o dano futuro e, assim, o ressarcimento da expectativa de
incremento salarial da vítima nessa espécie de dano.
Por outro lado, outra hipótese viável seria enquadrar a expectativa de
incremento da renda da vítima como dano pela perda de uma chance. A vítima teria
sido privada de uma chance séria e plausível - probabilidade de obtenção da
vantagem esperada for superior a 50% - de ascensão profissional a médio prazo,
segundo posicionamento de Rafael Peteffi da Silva já apresentado na monografia.
In casu, tornando provada a existência do dano, pelo menos, mesmo em
sendo desconsideradas as outras provas apresentadas, através de um cálculo de
probabilidade, foram atendidos os pressupostos da responsabilidade civil pela perda
de uma chance, já demonstrados na presente monografia.
Por fim, no caso que inspirou a presente monografia, a expectativa de
incremento salarial da vítima é um dano ressarcível e deveria ter sido incluído na
pensão devida aos seus familiares. Conforme o curso normal dos fatos, não há
como se desprezar as reais possibilidades que o falecido teria de ser bem sucedido,
seu histórico escolar, cursos, idade etc., de total sorte que teria um aumento na sua
remuneração. Com efeito, tal dano poderia ter sido enquadrado tanto como dano
futuro, como dano pela perda de uma chance, atendendo-se, assim, a reparação
integral do dano.
41
4 CONCLUSÃO
Partindo da análise de um caso concreto, o presente trabalho visou a
averiguar a possibilidade de ressarcimento da expectativa de incremento salarial da
vítima de dano morte, em atendimento ao Princípio da Reparação Integral.
Na primeira parte do trabalho, estudou-se o dano, a fim de investigar quais
suas modalidades e suas espécies passíveis de indenização. Demonstrou-se, que a
única exigência imposta à reparabilidade do dano diz respeito à sua certeza, sem a
qual o dano será considerado hipotético e, portanto, não indenizável.
Concluindo essa primeira parte, demonstrou-se a admissibilidade, no
ordenamento jurídico brasileiro da indenização pela perda de uma chance, cujos
prejuízos presentes ou futuros devem ser ressarcidos tal qual os danos patrimoniais
e morais.
Na segunda parte do trabalho, o estudo direcionou-se ao artigo 948, inciso II,
do Código Civil, a fim de identificar, principalmente, quem são as pessoas
legitimadas à pensão, qual seu termo inicial e seu termo final e como a mesma é
quantificada.
Partindo-se da análise da posição jurisprudencial e doutrinária, demonstrouse a viabilidade da reparação da expectativa de incremento salarial da vítima de
dano morte, seja como dano futuro, seja como dano pela perda de uma chance com a ressalva de que haja a certeza do dano. Também averiguou-se que a
evolução no campo das probabilidades e das estatísticas tornou possível aferir o
aumento da renda das pessoas no decorrer dos anos, devendo esse acréscimo ser
considerado quando do estabelecimento do valor da pensão.
Ademais, foi destacado que a inclusão de tal reparação na pensão viria ao
encontro do Principio da Reparação Integral, podendo ser enquadrada tanto como
dano pela perda de uma chance, como dano futuro.
Ao fim do presente estudo, foi possível concluir que a expectativa de
incremento salarial da vítima de dano morte, em alguns casos, é um dano passível
de indenização, devendo, portanto, ser incluída no valor da pensão mensal
indenizatória, tal qual admitido no Direito Comparado e no Direito Brasileiro.
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