1 PENSÃO POR MORTE: A EXPECTATIVA DE INCREMENTO SALARIAL DA 1 VÍTIMA COMO DANO RESSARCÍVEL RAFAEL BORTOLOSSO ROVATI RESUMO: Partindo de um caso concreto, o presente trabalho propõe-se a analisar a possibilidade de ser incluída, na pensão de cunho indenizatório, a expectativa de incremento salarial da vítima de dano morte. Sendo a reparação do dano morte norteada pelo Princípio da Reparação Integral, somente atende ao referido princípio a inclusão na pensão da expectativa de incremento salarial da vítima. Essa possibilidade tem sido admitida no Direito Comparado e no Direito Brasileiro, sendo compatível com nosso sistema de Responsabilidade Civil. Palavras-chave: Dano. Perda de Uma Chance. Pensão. Reparação. Indenização. Homicídio. Expectativa de Incremento Salarial. 1. INTRODUÇÃO O objetivo do presente estudo é analisar a questão da expectativa de incremento salarial da vítima (ascensão profissional) como dano ressarcível. Para isso, a abordagem do tema será realizada partindo-se de um caso concreto: um jovem esposo e pai de família, aos 29 anos de idade, teve sua vida interrompida em um momento profissional e financeiramente promissor da carreira. In casu, os autores, viúva e filho da vítima, ajuizaram ação de indenização por danos materiais e morais, requerendo a inclusão da expectativa de aumento da renda do falecido no cálculo do pensionamento mensal devido a eles. O falecido, responsável pelo sustento do filho e da esposa, pertencia à família cujo genitor mantinha participação relevante nas sociedades do Grupo Panambra, sendo o principal administrador do referido grupo. Aos 29 anos de idade, a vítima possuía currículo universitário e profissional privilegiado: graduação em duas faculdades, curso de pós-graduação e de Inglês em Universidades dos Estados Unidos da América, além de experiência profissional em três diferentes 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Dr. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Prof. Dr. Adalberto de Souza Pasqualotto e Prof. Dr. Eduardo Mariotti, em 26 de junho de 2009. 2 empresas, sendo uma delas fundada por ele. Com efeito, tendo em vista a idade da vítima e o seu currículo diferenciado, seria razoável considerar que havia expectativa natural de que os seus rendimentos seriam majorados no decorrer do tempo. No entanto, o pedido da esposa e do filho do falecido para que fosse incluída a expectativa de aumento de renda do falecido na pensão indenizatória não foi acolhido, sendo, inclusive, rechaçado pelo Juiz de Primeiro Grau. Daí serem levantados alguns questionamentos, por que não se leva em consideração a expectativa de incremento salarial que a vítima de dano morte teria se viva estivesse, para fins de quantificação da pensão indenizatória àqueles que são legitimados a pleiteá-la? Em tal caso, em que o ato ilícito acarreta a morte da vítima, está ou não sendo atendido o princípio da reparação integral no que tange ao quantum indenizatório (prestação de alimentos)? Se a lei (art. 948, inciso II do Código Civil Brasileiro), valendo-se de dados estatísticos, é expressa ao admitir a expectativa de vida da vítima para fins de fixação do termo final da pensão alimentícia, por que não admitir a expectativa de incremento da renda da vítima como dano ressarcível? Pelo princípio da reparação integral, todas as pessoas dependentes da vítima de dano morte devem ser ressarcidas, integralmente, através de uma pensão de cunho indenizatório, de forma a recolocá-las no status quo ante a ocorrência do evento morte, nos termos do artigo 944 do Código Civil Brasileiro. Rege o artigo 948, inciso II, do Código Civil Brasileiro que, em se tratando de homicídio, a indenização deverá ser fixada através de pensão alimentícia aos legitimados a ela até a duração provável de vida da vítima do ato ilícito morte. Denota-se, assim, que os legitimados a pleitear a pensão devem ser reparados integralmente, além de terem direito de receberem indenização até a provável duração de vida da vítima de quem dependiam. A contradição se instala, pois, para que o dano seja reparado integralmente, em atendimento ao princípio da reparação integral, necessário seria incluir, na pensão de caráter indenizatório, a expectativa de incremento salarial da vítima. Assim, se a lei é expressa ao admitir, com base em dados estatísticos, a expectativa de vida da vítima para o termo final da pensão, plausível seria, também, admitir a expectativa de incremento da renda da vítima com base nos mesmos dados estatísticos. 3 O foco desses estudos é compreensível e necessário. Tendo em vista a necessidade de ser atendido o princípio da reparação integral de forma a abarcar a expectativa de incremento salarial da vítima como dano ressarcível, para que os legitimados à pensão devida, em virtude da morte daquele de quem dependiam, mantenham o mesmo padrão de vida, como se o evento não tivesse ocorrido. Portanto, o presente trabalho tem o seguinte objetivo: investigar a possibilidade de inserir na pensão indenizatória devida aos dependentes da vítima de dano morte a expectativa de incremento na renda que o ofendido teria se vivo estivesse. O estudo concentrar-se-á inicialmente na caracterização, no alcance e em alguns elementos do dano, principalmente para averiguar se a indenização da expectativa de incremento salarial da vítima fatal trata-se: a) de dano certo ou meramente hipotético; b) de dano emergente ou lucro cessante; ou, especialmente, se pode ser enquadrada; c) como dano pela perda de uma chance, o que é imprescindível para se atingir o objetivo perseguido no presente trabalho. A presente monografia é dividida em duas partes: na primeira, a análise será voltada para a caracterização e alcance do dano, bem como para o estudo de alguns de seus elementos, a fim de investigar qual espécie de dano é passível de indenização; na segunda parte, o foco dessa análise será na pensão por morte de cunho indenizatório. Inicialmente, serão abordadas as formas peculiares de elementos do dano, em especial, a teoria da perda de uma chance. Em seguida, serão expostos os critérios gerais da pensão indenizatória. Devidamente compreendidos tais pontos, será possível proceder à análise da viabilidade de ressarcimento da expectativa de incremento salarial da vítima de dano morte no caso invocado e nos demais casos. Ao final, espera-se que seja possível compreender alguns dos elementos do dano e dos critérios da pensão de cunho indenizatório. Em especial, objetiva-se apontar as hipóteses viáveis para o ressarcimento da expectativa de incremento salarial da vítima de dano morte, as quais, além de aplicáveis no caso invocado, também poderão servir ao menos de inspiração para outros casos, de forma a ocorrer um total atendimento do princípio da reparação integral. 4 2 DANO 2.1 DEFINIÇÃO DO DANO Para uma melhor compreensão do presente trabalho, é fundamental esclarecer o que vem a ser o dano. Atualmente, para a doutrina em geral, o dano é caracterizado como lesão de um bem jurídico, de forma a abranger além do patrimônio a moral.2 Entende-se aqui como bens jurídicos o patrimônio, o corpo, a vida, a saúde, a honra dentre outros. Ao analisar o termo dano, Agostinho Alvim, esclarece: Em sentido amplo vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e ai se inclui o dano moral. Mas em sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Logo, a matéria do dano prende-se à da 3 indenização, de modo que só interessa o estudo do dano indenizável. A Constituição Federal de 1988, demonstrando a abrangência do conceito de dano, consagra o direito da vítima de buscar, além da reparação patrimonial, a reparação moral, conforme se denota de sua base normativa no artigo 5º, incisos V e X.4 Paulo de Tarso Vieira Sanseverino discorre a respeito: No Brasil, a consagração pela CF/88, em seu art. 5º, incisos V e X, da ampla reparabilidade aos danos morais, as cláusulas gerais de responsabilidade civil subjetiva e objetiva dos artigos 186 e 927 do CC/2002, e a abertura feita pelos enunciados dos artigos 948 (homicídio) e 949 (lesões corporais) também do CC/2002, fazem com que tenhamos amplo espaço para uma integral indenizabilidade dos danos pessoais ou 5 corporais. Percebe-se, desde logo, que o conceito de dano tem-se tornado cada vez 2 3 4 5 Nesse sentido, explica Rui Stoco: “O dano - que traduz unidade e sentido de diminuição ou detrimento de um patrimônio ou ofensa de um bem jurídico protegido - tem duas naturezas: patrimonial ou real, que os romanos denominavam damnum factum, vel datum e não patrimonial ou moral” (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1231). ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 3. ed. São Paulo: Jurídica e Universitária, 2003. p. 172. Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. O princípio da reparação integral e a indenização dos danos pessoais. Porto Alegre: UFRGS, 2008. 371f. Tese (Doutorado em Direito Civil), Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008. p. 187. 5 mais abrangente material/econômico, não mas se restringindo englobando mais, também tão ao somente, prejuízo ao prejuízo de ordem psicológico/moral.6 O dano sempre estará ligado a uma idéia de prejuízo ou perda. Por essa razão, é que se criou a noção de “perdas e danos”, que tanto pode ser aquilo que efetivamente se perdeu (dano emergente) ou aquilo que se deixou de ganhar (lucro cessante), em virtude, in casu, do ato ilícito morte. Atualmente, admite-se, em algumas hipóteses e circunstâncias excepcionais, o prejuízo decorrente da perda de uma chance, a qual constitui perfeito exemplo de ampliação do conceito de dano reparável, conforme se demonstrará no decorrer deste trabalho.7 Outrossim, frisa-se que o dano que interessa ao estudo da responsabilidade civil é o que constitui requisito da obrigação de indenizar, pois, conforme entendimento unânime na doutrina, não se pode falar em indenização se não houver dano, até mesmo na hipótese em que alguém tenha acometido um ato ilícito.8 Nesse sentido, disserta o insigne mestre da Responsabilidade Civil, José de Aguiar Dias: O dano é, dos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil, o que suscita menos controvérsia. Com efeito, a unanimidade dos autores convém em que não pode haver responsabilidade sem a existência de um dano, e é verdadeiramente truísmo sustentar esse princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente 9 não pode concretizar-se onde nada há que reparar. Depreende-se, portanto, que o conceito de dano não suscita mais dúvidas quanto a sua abrangência, de total sorte que os dependentes da vítima de dano morte deverão ser reparados tanto pelos danos patrimoniais, quanto pelos danos morais sofridos. Outrossim, como se vê, não restam dúvidas de que o dano é pressuposto da obrigação de indenizar, pois sem dano não há, em hipótese alguma, que se falar em ressarcimento. 6 7 8 9 NEVES, José Roberto de Castro. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: GZ, 2008. p. 377. STOCO, 2007, p. 1232. Conforme explicado por Sergio Cavalieri Filho: “O dano é sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 70). Esse também é o entendimento de Rui Stoco: “o dano é um dos elementos fundamentais e irretiráveis da responsabilidade, ou seja, elemento essencial à configuração da responsabilidade civil e o que suscita menos controvérsias” (STOCO, 2007, p. 1232). DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 969. Nesse mesmo sentido, entende Caitlin Sampaio Mullholland: “Sem prejuízo não há dano, e sem dano não há responsabilidade” (MULLHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ, 2009. p. 24). 6 2.1.1 Alcance do Dano José de Aguiar Dias ensina que “o dano se estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente existente após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não se tivesse produzido: o dano é expresso pela diferença negativa encontrada nesta operação”.10 A reparação do dano é norteada pelo Principio da Reparação Integral, o qual determina que o dano deva ser reparado na sua totalidade. Tal princípio está expressamente enunciado no caput do art. 944 do Código Civil Brasileiro, ao prescrever que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Quanto ao disposto no parágrafo único do referido artigo, estabelecendo que, “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”, assim é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, ao estipular que: “Partindo de uma interpretação sistemática, é de se concluir que o sistema legal brasileiro não admite que a indenização por ato ilícito seja restritiva. Ao contrário a reparação tem que ser a mais ampla possível”.11 Nota-se que, no campo da responsabilidade civil, impera o princípio da reparação integral, o qual preceitua que, através de uma indenização fixada na proporção do dano, buscar-se-á reestabelecer o equilíbrio jurídico-econômico existente entre a vítima e o agente, o qual foi rompido pelo ato ilícito. Sergio Cavalieri filho atenta para o fato de que “limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados”.12 Destarte, em caso de homicídio (como o caso invocado na presente monografia), sendo impossível devolver a vida à vítima, a lei visa a remediar tal situação, impondo ao homicida, uma vez apurada a sua responsabilidade civil, a obrigação de pagar uma pensão mensal às pessoas a quem o falecido sustentava. Com efeito, a reparação do dano deverá ocorrer de forma integral, sempre buscando o retorno ao stato quo ante, ou seja, recolocando a vítima ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito.13 É o que se infere ainda pela 10 11 12 13 DIAS, 2006, p. 975. Para mais informações, vide Recurso Especial nº 171.506. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 13. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. (Responsabilidade civil, v. 4). p. 338. 7 leitura do disposto no art. 402 do Código Civil Brasileiro, in verbis: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu (dano emergente), o que razoavelmente deixou de lucrar (lucro cessante)”. Conceituado e determinado o alcance do dano, importante destacar que os danos podem ser classificados por inúmeros critérios e maneiras diferentes14; no presente estudo, porém, analisar-se-á apenas aquelas modalidades de dano que guardam estreita relação com um possível enquadramento da expectativa de incremento salarial do de cujus como dano reparatório. 2.2 MODALIDADES DE DANO 2.2.1 Dano Patrimonial: Dano Emergente e Lucros Cessantes O dano patrimonial, como se vê, corresponde a apenas uma parte do dano em seu conceito amplo. A doutrina define o dano patrimonial como sendo aquele que atinge bens que integram o patrimônio da vítima, cuja avaliação em dinheiro é sempre possível.15 Esta é a definição de Judith Martins Costa: No dano patrimonial indeniza-se o patrimônio que foi injustamente lesado. É, portanto, um dano ao patrimônio, suscetível de ser diretamente avaliado em dinheiro. Pode decorrer de uma perda, de uma falta de ganhos, de um atentado a bens patrimoniais (um furto, uma destruição, a quebra de um contrato), de atentados à própria pessoa, traduzidos em perda ou em ausência de ganhos patrimoniais (danos médicos, perda de capacidade laborativa), ou de violação a certos direitos (concorrência desleal, publicidade abusiva ou enganosa, campanhas difamatórias, perda de uma 16 oportunidade de concluir contrato, etc.). Outrossim, o dano patrimonial, também chamado de dano material, se subdivide em dano emergente e lucro cessante. Assim, sempre que os efeitos do ato danoso atingirem o patrimônio atual da vítima, estará identificado o damnum emergens; por outro lado, quando os efeitos do ato danoso sobre a vítima incidirem sobre o patrimônio futuro, acarretando a diminuição ou impedindo o seu aumento, 14 15 16 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. (Introdução à responsabilidade civil, v. 1). p. 557. MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996. p. 160. Esse também é o entendimento de: Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 71) e Arnaldo Rizzardo (RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 17). MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. Tomo. 1-2. (Do inadimplemento das obrigações, v. 5). p. 338. 8 estará identificado o lucrum cessans.17 Maria Celina Bodim de Moraes faz esclarecedora distinção entre dano emergente e lucro cessante: Os danos emergentes são os prejuízos que decorrem diretamente do inadimplemento, ao passo que os lucros cessantes são aqueles que o credor lesado razoavelmente deixou de receber em função do incumprimento. Os danos emergentes, assim, espelham o prejuízo concreto, a perda patrimonial, ao passo que os lucros cessantes são uma 18 projeção, o que se deixou de ganhar. Destarte, o dano emergente é o real prejuízo, é todo o decréscimo patrimonial sofrido pela vítima. Sergio Cavalieri Filho, com o intuito de esclarecer o conceito de dano emergente, cita como exemplo uma pessoa que em um acidente de trânsito teve perda total em seu veículo, em que o dano emergente corresponderá ao valor integral do veículo.19 O lucro cessante, por sua vez, nos dizeres de Jorge Cesa Ferreira da Silva, é entendido como a exclusão de um ganho que era ou podia ser esperado, atual ou futuramente, se o fato danoso não tivesse ocorrido. Não se resume, portanto, somente ao que a parte deixou de ganhar, na dicção do art. 402, mas se estende ao que ela ainda ganharia.20 O exemplo corrente, na doutrina de lucro cessante, é o caso do taxista que deixa de trabalhar em virtude de um acidente em seu veículo e, por essa razão, deixa de ganhar nos dias em que o veículo ficou parado para conserto. Outrossim, no supracitado art. 402, percebe-se que o legislador consagrou o princípio da razoabilidade ao conceituar o lucro cessante. A razoabilidade21 expressa no texto legal carrega um juízo de probabilidade, diz respeito ao que é presumível que a vítima lucraria no decorrer do tempo não fosse o prejuízo. No referido caso do taxista, Sérgio Cavalieri Filho atenta para o fato de que, caso o acidente tivesse ocorrido em época de Carnaval, não seria descabido que o taxista viesse a lucrar 17 18 19 20 21 STOCO, 2007, p. 1235. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 143. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 73. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. (Coleção biblioteca de direito civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, v. 7. Coordenação de Miguel Reale e Judith Martins-Costa). p. 164. Para Agostinho Alvim o sentido da expressão “razoavelmente” é este: “até prova em contrário, admite-se que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria. Há ai uma presunção de que os fatos se desenrolariam dentro do seu curso normal, tendo-se em vista os antecedentes” (ALVIM, 2003, p. 189). 9 mais, em virtude do maior número de turistas e gorjetas, por exemplo.22 Assim, conforme ensina José de Aguiar Dias: Para, autorizadamente, se computar o lucro cessante, a mera possibilidade não basta, mas também não se exige a certeza absoluta. O critério acertado está em condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados às 23 circunstâncias particulares ao caso concreto. 2.2.2 Dano Certo, Hipotético, Atual e Futuro Conforme já destacado, só haverá que se falar em indenização se configurado o dano. No entanto, para que o dano seja reparado, a doutrina, de maneira unânime, informa a necessidade de ser certo.24 Nesse sentido, leciona Sérgio Severo: No que toca à certeza, trata-se de uma condição essencial. O dano deve ser certo, porém, como tudo neste mundo, tal condição deve ser encarada com uma razoável relatividade. Considera-se certo o dano que é razoável e não aquele meramente eventual. Em outros termos, o dano deve ser real e efetivo e não puramente eventual ou hipotético. O dano eventual, por sua vez, seria aquele que não passa de uma expectativa, trata-se de um dano 25 hipotético. Quanto à distinção entre dano certo e dano hipotético, Fernando Noronha ensina: São danos certos os prejuízos, econômicos ou não, que são objetos de prova suficiente, tanto da sua verificação como de sua decorrência de um determinado fato antijurídico. E devem ser considerados verificados os prejuízos cuja ocorrência tenha sido demonstrada, se danos presentes, ou cuja ocorrência seja verossímel, se danos futuros. Em contraposição a eles, serão danos eventuais, ou incertos, os prejuízos de verificação duvidosa, 26 meramente hipotética. Percebe-se que, sempre que o dano não for composto pelo elemento de certeza, será qualificado como eventual, e esta espécie de dano jamais será indenizável, eis que demasiadamente hipotético, apenas existente na fantasia ou na imaginação.27 Na reparação, portanto, o que importa é que o prejuízo deva ser certo, dessa forma se estabelece que a reparação não se justifica quando o dano for meramente 22 23 24 25 26 27 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 73. DIAS, 2006, p. 978. Conforme explicado por Antonio Lindbergh C. Montenegro (1996, p. 163): “Dano certo é aquele cuja existência acha-se completamente determinada, de tal modo que dúvidas não pairem quanto a sua efetividade”. SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 9. NORONHA, 2003, p. 581. MARMITT, Arnaldo. Perdas e danos. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 21 10 hipotético. De total sorte que, no que tange à certeza do dano, deverá ser apreciado tanto os prejuízos presentes quanto os prejuízos futuros e ainda os prejuízos pela perda de uma chance. Outrossim, os efeitos do ato danoso certo podem incidir no patrimônio atual, cuja diminuição ele acarreta, o que ocorre, em regra, ou em relação ao futuro, impedindo ou diminuindo o benefício patrimonial a ser deferido à vítima28 e ainda o prejuizo como a perda de uma chance, consoante se demonstrará.29 Quanto à distinção entre dano presente e dano futuro, recorre-se novamente ao professor Fernando Noronha, o qual esclarece que: São danos presentes, ou atuais (ou como, às vezes, também se diz, mas menos adequadamente, pretéritos) os danos efetivamentes ocorridos, isto é, os já verificados no momento em que são apreciados; são futuros os danos que só ocorrerão depois desse momento, embora ainda como consequência adequada do fato lesivo. [...] Por exemplo, a perda de uma mão sofrida por um motorista é desde logo dano corporal e é também dano moral (pelo sofrimento resultante da lesão corporal), que são danos presentes à sua pessoa; ainda danos presentes, mas agora de natureza patrimonial, são as despesas médicas e o custo de eventual próteses substitutiva. [...] Um outro exemplo de dano futuro que só se vai manifestar no futuro é o caso da pessoa atropelada que passou a usar uma perna artificial e que muitos anos depois vem a sofrer uma queda típica de pessoa 30 nessas condições. Contudo, quanto ao dano futuro, posiciona-se diferente Antonio Lindbergh C. Montenegro, ao afirmar que o dano futuro "é o que, apesar de certo, não se encontra definido no tempo da propositura da ação de responsabilidade civil. Caracteriza-se via de regra, como previsível prolongamento ou agravação do dano atual”31, citando Alafredo Orgaz. Rafael Peteffi da Silva alerta que há grande confusão quando se estuda a diferença entre dano futuro e dano presente, ainda mais quando estiver relacionado com a teoria da perda de uma chance.32 No que tange à distinção entre dano presente e futuro, salutar o esclarecimento do insigne mestre da responsabilidade civil, Aguiar Dias, ao ensinar que, no entanto, “não há, pois, que distinguir, para efeito de responsabilidade, entre dano atual e futuro. Todos os autores concordam em que a distinção a fazer, nesse 28 29 30 31 32 DIAS, 2006, p. 977. SEVERO, 1996, p. 9. NORONHA, 2003, p. 578 et seq. ORGAZ, Alfredo. El daño resarcible. Buenos Aires: Ed. Bibliográfica Argentina, 1952, p. 48 apud MONTENEGRO, 1996, p. 164. SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. p. 108. 11 sentido, é tão somente se o dano é ou não certo”.33 Outrossim, é necessário esclarecer que nem sempre as expressões dano emergente e lucro cessante serão sinônimas de dano presente e dano futuro, respectivamente. Isso porque, diferentemente do dano presente e do dano futuro, o dano emergente e o lucro cessante dizem respeito somente aos danos de natureza patrimonial; ademais, os danos emergentes podem não ser atuais, conforme ensina Sérgio Severo, citando Iturraspe.34 Percebe-se, então, que o prejuízo futuro poderá ou não corresponder ao lucro cessante, e será aquele que ainda não surgiu no mundo jurídico - embora certo, ainda não está definido ao ensejo da propositura da demanda indenizatória. E, por sua vez, o prejuízo atual será a lesão de interesses de que a vítima dispõe no presente, o qual também poderá corresponder ao dano emergente, mas não necessariamente. Nota-se ainda que tais classificações são fundamentais para reforçar que somente serão indenizáveis, além do dano certo, os danos que sejam efetivamente comprovados; os danos hipotéticos, atuais ou futuros, nunca serão suscetíveis de reparação, enquanto que os danos certos, independentemente de suas condições, sempre serão indenizáveis.35 Constata-se, por essa breve análise, que a certeza do dano, seja ele classificado como atual ou futuro ou, ainda, mesmo em caso de perda de uma chance, como se verá, reside na suficiência da prova. Com efeito, para uma possível indenização da expectativa de incremento salarial da vítima, faz-se necessária uma prova contundente no sentido de que a vítima realmente obteria uma ascensão profissional, se viva estivesse. Nos dizeres de Sérgio Cavalieri Filho, “condenar sem prova do dano, colide com todos os princípios que regem a matéria”.36 Por fim, nota-se que, embora a indenização do prejuízo esteja estreitamente ligada à certeza do dano, isso não significa dizer que, se na apuração do montante do dano surgirem dificuldades, perder-se-á o requisito da certeza, pois podem surgir questões atinentes à probabilidade de obtenção de um lucro ou perda de uma 33 34 35 36 DIAS, 2006, p. 977. ITURRASPE, Jorge Mosset et al. Responsabilidad por daños. Buenos Aires: Ediar, 1971. (Tomo I, Parte General) apud SEVERO, 1996, p. 10. NORONHA, 2003, p. 581. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 120. 12 chance, conforme se verá.37 Findo o primeiro item da presente monografia, restou esclarecido que, a) o dano é elemento essencial do dever de reparar; b) a reparação consiste em indenizar o prejudicado pelo ato ilícito na proporção do dano sofrido; assim, sem dano, não haverá que se falar em reparação; c) o dano certo, seja presente ou futuro, sempre será passível de indenização. Entretanto, consoante alerta José Roberto de Castro Neves, há “casos em que não se pode precisar a extensão do dano. Mais ainda, sequer é possível indicar se o dano ocorreria. Há apenas a perda da chance em garantir um proveito”38, nesse caso estaremos frente à responsabilidade civil pela perda de uma chance. Assim, no próximo item, será apresentada uma nova categoria de dano indenizável: as chances perdidas. Como se verá, o surgimento dessa categoria de dano se deve muito ao estudo da probabilidade (estatística).39 2.2.3 Perda de Uma Chance Conforme acima aludido, sempre que o dano for certo, restará configurado o dever de indenizar do agente causador de forma integral, abrangendo os danos emergentes, o que efetivamente se perdeu, e os lucros cessantes, o que se deixou de ganhar. No entanto, além dessas espécies de danos, a vítima de prejuízo de um ato ilícito pode vir a ficar privada de obter uma vantagem futura ou de evitar um dano.40 Nesse caso, poderá ocorrer uma demanda indenizatória pela perda de uma chance. Destarte, sempre que a conduta de um terceiro frustrar a vítima de uma probabilidade séria de obter um lucro/benefício, como progredir na carreira profissional, ou de evitar uma perda, como deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, caracterizar-se-á a perda de uma chance.41 A chance de se obter uma vantagem ou de se afastar uma perda pode constituir um dano atual ou futuro. Como caso típico de perda da chance de obter uma vantagem representando um dano atual, tem-se como exemplo o caso do pintor 37 NORONHA, 2003, p. 164. NEVES, 2008, p. 386. 39 SILVA, R., 2007, p. 108. 40 NORONHA, op. cit., p. 668. Nesse mesmo sentido, ensina Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 74): “deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.” 41 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 75. 38 13 impossibilitado de expor suas telas por culpa do transportador, perdendo aquele a chance de ser premiado. Por outro lado, como caso padrão de perda da chance de obter uma vantagem representando um dano futuro, tem-se o exemplo da viúva de um estudante do último semestre de medicina, o qual já trabalhava num hospital, e cujo falecimento frustrou as vantagens que a mesma teria pela evolução da carreira.42 A perda de uma chance de evitar um prejuízo representando um dano atual pode ser vislumbrada na hipótese de um seguro que não foi contratado validamente, em virtude de culpa de outrem (por exemplo, corretor de seguros), ocorrendo, por consequência a perda de um bem. Já no caso do paciente que perdeu a chance de recuperação ou sobrevivência, em virtude de erro médico, estar-se-á diante da perda da oportunidade de evitar um prejuízo caracterizando um dano futuro.43 Embora consagrada na doutrina e na jurisprudência a expressão perda de uma chance, o mais correto e técnico seria utilizar a expressão perda de uma oportunidade, eis que o termo “chance” para os franceses, em sentido jurídico, significa a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda.44 A teoria da perda de uma chance há muito é reconhecida e aplicada pela doutrina e pela jurisprudência francesa, na qual teve seu início, crescendo consideravelmente a sua aplicação também no Brasil.45 Os sistemas de responsabilidade civil francês e italiano apresentam, em alguns de seus dispositivos legais - art. 1.382 do Código Civil Francês46 e art. 2.043 do Código Civil Italiano47 -, um conceito de dano amplo, que abarca todas as espécies de danos, inclusive o dano pela perda de uma chance, de tal sorte que, naqueles países, é totalmente viável a reparação por essa espécie de prejuízo.48 42 43 44 45 46 47 48 SEVERO, 1996, p. 12. Ibid., p. 12. SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 3. No mesmo sentido, é o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa: “Chance é termo admitido em nosso idioma, embora possamos nos referir a esse instituto, muito explorado pelos juristas franceses, como perda de oportunidade ou de expectativa” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. (Responsabilidade civil, v. 4). p. 273). CAVALIERI FILHO, 2008, p. 74-5. Assim prevê o Art. 1.382. “Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autrui um dommage, obligue celui par La faute duqueil Il est arrivé, à le réparer” (Todo ato, qualquer que ele seja, de homem que causar a outrem um dano, obriga aquele por culpa do qual veio ele a acontecer a repará-lo). Assim estabelece o Art. 2.043. “qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri um danno ingiusto, obliga colui che ha comesso il fatto a risarcire il danno” (Qualquer fato doloso ou culposo que cause a outros um dano injusto obriga aquele que cometeu o fato a ressarcir o dano). SAVI, op. cit., p. 83. 14 No Brasil, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, foram alteradas as redações dos arts. 1.537 e 1.538 do Código Civil de 1916 - os quais criavam empecilhos para a admissão da indenização da chance perdida, limitando a aplicação da cláusula geral de responsabilidade dos arts. 18649 e 92750, ambos do novo Código Civil. Com efeito, atualmente não restam mais dúvidas de que o conceito de dano foi alargado, sendo totalmente viável a reparação do dano pela chance perdida, levando-se em consideração uma interpretação sistemática das regras sobre responsabilidade civil, bem como as alterações inseridas nos artigos 94851 e 94952 do Código Civil/02.53 Sérgio Savi ensina que “o acolhimento da responsabilidade civil pela perda de uma chance se deve, ainda, à existência, no ordenamento jurídico brasileiro, do principio da plena reparação dos danos”.54 Nota-se, desde já, que é admissível, no ordenamento jurídico brasileiro, a indenização pela perda de uma chance. Vale notar que há casos em que um determinado evento ofensivo de uma pessoa obsta que algo esperado se concretize, não havendo como determinar, com certeza absoluta, se o resultado final seria obtido sem o ato do ofensor. Nessas hipóteses, o que é possível determinar é a existência de um dano independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo.55 Na aplicação da teoria da perda de uma chance, o dano não se traduz em algo concreto, que se perde ou que se deixa de ganhar, mas em chances perdidas, que o lesado tinha e deixa de ter.56 Percebe-se, então, que a vítima do dano não buscará a reparação da vantagem perdida, mas sim a reparação pela perda da oportunidade de alcançar determinada vantagem ou de evitar um prejuízo, a qual está inteiramente dissociada do resultado final. Dessa forma, o dano pela perda de 49 50 51 52 53 54 55 56 Art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Art. 927. “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Art. 948. “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima; Art. 949. “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. SAVI, 2006, p. 84-86. Ibid., p. 103. Ibid., p. 1-3. SILVA, J., 2007, p. 172. 15 uma chance será passível de indenização, pois sequer esbarrará na incerteza da ocorrência de efetivo prejuízo. Nesse sentido, é esclarecedor o ensinamento de Carlos Alberto Ghersi: La indemnización por pérdida de “chance” no se identifica con la utilidad desajada de percibir, sino que lo resarcible es la “chance” misma, la que debe ser apreciada judicialmente según el mayor o menor grado de probabilidad de convertirse en cierta, sin que pueda nunca identificarse con 57 el eventual beneficio perdido. Quanto ao problema da certeza do dano pela perda de uma chance, discorre Rafael Peteffi da Silva: A questão da perda de uma chance sempre foi tratada dogmaticamente como um problema de certeza. Com efeito, o sistema francês exige que o dano seja certo para ser indenizado. A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma possibilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a 58 ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza. Sergio Savi, com o intuito de eliminar o problema da certeza do dano pela perda de uma chance, ensina que “o problema da certeza resta implicitamente superado se se considerar a chance como uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre a lesão”. Em assim procedendo, acrescenta o autor, tendo em vista que o prejuízo causado à vítima “não se repercute sobre uma vantagem a conseguir, mas sobre um bem, um elemento integrante do patrimônio da vítima já existente e a ela pertencente, não podem restar incertezas sobre a efetiva verificação de um dano”.59 Dessa forma, há casos em que a chance poderá ser considerada um bem integrante do patrimônio da vítima, cuja perda produz um prejuízo, na maior parte das vezes, atual60, o qual, sempre que sua existência for provada, deverá ser ressarcido, mesmo que através de um cálculo de probabilidade.61 Nota-se que a possibilidade de ser indenizada a chance perdida se deve muito ao avanço no estudo das estatísticas e da probabilidade. Rafael Peteffi da 57 58 59 60 61 GHERSI, Carlos Alberto. Teoría general de la reparación de daños. 3. ed. Buenos Aires: Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 2003. p. 516. SILVA, R., 2007, p. 13. SAVI, 2006, p. 101-2. Esse é o entendimento de Carlos Alberto Ghersi: “La ‘chance’ configura um daño actual - no hipotético -, resarcible cuando implica uma probabilidad suficiente de beneficio económico que resulta frustrado por el responsable, y puede ser valorada em si misma aun prescindiendo Del resultado final incierto, em su intríseco valor económico de probabilidad” (GHERSI, op. cit., p. 516). SAVI, op. cit., p. 102. 16 Silva, explica que, em virtude disso, foi possível “criar uma nova categoria de dano indenizável: as chances perdidas”.62 Sérgio Savi discorre a respeito: Graças ao desenvolvimento do estudo das estatísticas e probabilidades, hoje é possível predeterminar, com uma aproximação mais que tolerável, o valor de um dano que inicialmente parecia entregue à própria sorte, a ponto de poder considerá-lo um valor normal, dotado de certa autonomia em relação ao resultado definitivo. Diante dessa evolução, hoje é possível visualizar um dano independente do resultado final. Se, por um lado, a indenização do dano consistente na vitória perdida (na causa judicial, por exemplo) é inadmissível, ante a incerteza que lhe é inerente, por outro lado, não há como negar a existência de uma possibilidade de vitória, antes da ocorrência do fato danoso. Em relação à exclusão da possibilidade de vitória poderá, frise-se, dependendo do caso concreto, existir um dano 63 jurídico certo e passível de indenização. Outrossim, o autor explica que o obstáculo à indenização do dano pela perda de uma chance se devia, muitas vezes, ao fato de que “a própria vítima do dano formulava inadequadamente a sua pretensão. Ao invés de buscar a indenização da perda da oportunidade de obter uma vantagem, requeria indenização em razão da perda da própria vantagem”.64 Um exemplo muito comum na doutrina pátria de possibilidade de indenização pela perda de uma chance, além dos já citados acima, é o caso do advogado que perde o prazo para interpor recurso de apelação contra sentença contrária aos interesses do seu cliente ficando este impossibilitado de ter o seu recurso apreciado. Nesse caso, não se pode afirmar com certeza se, caso interposto, o recurso seria provido; no entanto, é possível analisar as reais chances de provimento do mesmo.65 Nesse mesmo sentido, posiciona-se Sérgio Novais Dias, ao afirmar que “é possível fazer um juízo do resultado provável do julgamento que não houve e, assim, atribuir a responsabilidade civil pela perda de uma chance”.66 No entanto, atenta-se para o fato de que, para que se proceda à indenização pela perda de uma chance, é fundamental que a mesma seja “plausível e não aponte uma simples quimera”,67 devendo as chances serem claras, sérias e reais.68 62 63 64 65 66 67 68 SILVA, R., 2007, p. 10. SAVI, 2006, p. 2-3. Ibid., p. 3. Ibid., p. 1. DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance. São Paulo: LTr, 1999. p. 50. SEVERO, 1996, p. 13. SILVA, J., 2007, p. 173. 17 Nesse sentido, ensina Judith Martins Costa: Será necessário provar - para além da seriedade das chances perdidas - a adequação da indenização à álea inerente às chances perdidas e à perda da “aposta” (ou vantagem) esperada pela vítima. A comprovação da seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado pelos tribunais franceses para separar os danos potenciais e prováveis - e, portanto, indenizáveis - daqueles danos puramente eventuais e hipotéticos, 69 cuja reparação deve ser rechaçada. E mais, entende-se ainda que “na maioria dos casos, a chance somente será considerada séria e real quando a probabilidade de obtenção da vantagem esperada for superior a 50% (cinquenta por cento)”.70 Portanto, para a melhor doutrina, além de séria e real, somente será possível indenizar a chance perdida quando o ofendido demonstrar que a possibilidade de sucesso era superior a cinquenta por cento. Ademais, deve-se esclarecer que não há consenso doutrinário ou jurisprudencial acerca do título a ser concedido à indenização pela perda de uma chance. Percebe-se que parte da doutrina e da jurisprudência entende que a indenização pela perda de uma chance deve ser concedida a título de dano moral, outra parte, a título de dano material e havendo, neste último caso, quem a conceda a título de dano emergente ou a título de lucro cessante.71 O entendimento mais correto parece ser o apresentado por Sérgio Savi, o qual entende que a perda de uma chance “deve ser considerada em nosso ordenamento uma subespécie de dano emergente”.72 Esse é o seu entendimento: Ao se inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial). Ou seja, não estamos diante de uma hipótese de lucros cessantes em razão da impedida vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade que restou frustrada. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regar de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era 73 efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo. 69 70 71 72 73 MARTINS-COSTA, 2004, p. 362. SAVI, 2006, p. 4. Esse também é o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho (op. cit., p. 75): “A perda de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis.” CAVALIERI FILHO, 2008, p. 77. SAVI, op. cit., p. 102. Ibid., p. 102. 18 Nota-se que, caso se considere a perda de uma chance dano emergente, em razão da atual possibilidade que restou frustrada, não haverá que se levantar qualquer questionamento acerca da incerteza do prejuízo, configurando-se, assim, um dano certo e passível de indenização. Diante do exposto, restou demonstrado resumidamente que: a) hoje é admissível, no ordenamento jurídico brasileiro, a indenização pela perda de uma chance, até mesmo, para fins de atendimento do princípio da plena reparação; b) a perda de uma chance é uma espécie de dano independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo; c) a chance é um bem integrante do patrimônio da vítima, afastando-se assim a incerteza do dano; d) a chance que for considerada séria e real - na maioria dos casos, quando a probabilidade de obtenção da vantagem esperada for superior a 50% - será passível de indenização; e, d) a perda de uma chance, segundo o entendimento de Sérgio Savi, deve ser inserida no conceito de dano emergente. Concluído este primeiro capítulo, rememora-se que o objetivo primordial do presente estudo é analisar a possibilidade de ser incluída, na pensão indenizatória devida aos dependentes da vítima de dano morte, a expectativa de aumento da renda da vítima se viva estivesse. No entanto, antes dessa análise, é de fundamental importância proceder a um estudo minucioso do artigo 948, inciso II, do Código Civil, a fim de identificar, principalmente, quem são as pessoas legitimadas à pensão, qual o termo inicial e final da pensão e como se quantifica a pensão. É o que se passa a expor. 3 PENSÃO POR MORTE DO PAI E ESPOSO (ART. 948, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL) O artigo 948 do Código Civil de 2002, correspondente ao artigo 1537 do Código Civil de 1916, regula a reparação de danos para aqueles que guardam estreita relação de dependência com a vítima de homicídio, in verbis: Art. 948 No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. No presente estudo, contudo, serão analisados apenas os prejuízos 19 patrimoniais advindos do dano morte, em face do falecimento do chefe de família, que guardam estreita ligação com o caso invocado (morte do pai e esposo), sendo estes os danos continuados - a prestação de pensão às pessoas a quem o falecido devia alimentos (lucro cessante)74 -, previstos no inciso II do artigo supramencionado. 3.1 PENSÃO POR MORTE X PENSÃO ALIMENTÍCIA Inicialmente, é preciso esclarecer que a alusão a alimentos contida no inciso II do supracitado artigo 948 é apenas ponto de referência para o cálculo da indenização e para a determinação dos beneficiários. Sergio Cavalieri Filho esclarece que “não se trata de prestação de alimentos, que se fixa em proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, e sim de indenização, que visa a reparar, pecuniariamente, o mal originado do ato ilícito”.75 Da mesma forma se manifesta Arnaldo Rizzardo: O significado de alimentos não se confunde com o de prestações alimentícias, devidas em razão do parentesco ou da união matrimonial. Do contrário, a obrigação subsistiria enquanto necessitasse o alimentando, oscilando a prestação de acordo com as suas necessidades e a possibilidade do alimentante. A indenização é procurada por meio de ação judicial. Busca-se encontrar o montante ou a equivalência do prejuízo que redundou para as pessoas a quem a vítima assistia ou prestava alimentos. Para tanto, deve-se conhecer a realidade econômica do ofendido e destacar a parte que aproveitava para as suas despesas. O restante passará para seus herdeiros. A expressão “prestação de alimentos” não corresponde à pensão alimentícia, ou a alimentos, cuja regulamentação encontra-se no direito de família. No seu âmbito incluem-se 76 os alimentos propriamente ditos, sem esgotar o seu conteúdo. Portanto, a expressão “alimentos” utilizada pelo legislador no art. 948, II do Código Civil não se restringe à pensão alimentícia regulada pelo direito de família. Aqueles são devidos em decorrência de um ato ilícito, indenizam-se os prejuízos decorrentes do mesmo, independentemente de necessitarem ou não os herdeiros. A pensão indenizatória, como se vê, poderá englobar não somente a pensão puramente alimentar do direito de família, mas também outras parcelas de fundo econômico atreladas ao ato ilícito, eis que seu objetivo primordial é reparar o dano na integralidade, a fim de restaurar o estado anterior dos dependentes da vítima de 74 75 76 Arnaldo Marmitt (2005, p. 70) explica que “a instituição de pensão e de lucro cessante são coisas que na prática se equivalem, razão pela qual os julgados costumam determinar pagamento de pensionamento a título de indenização por lucros cessantes.” CAVALIERI FILHO, 2008, p. 74. Marco Aurélio S. Viana explica que “Uma coisa são os alimentos devidos em decorrência de dever familiar e outro o oriundo da obrigação alimentícia. Aqueles são mais amplos” (VIANA, Marco Aurélio S. Curso de direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. v. 5. p. 598). RIZZARDO, 2006, p. 214. 20 dano morte como se o evento não tivesse acontecido. 3.1.1 Legitimidade (Dano Reflexo) Determinado o sentido da expressão “alimentos” invocada pelo legislador pátrio, passa-se agora a se proceder a análise das pessoas legitimadas ao pensionamento, consoante o inciso II do supracitado art. 948 do Código Civil. Para tanto, faz-se necessário um estudo aprofundado do dano reflexo. O dano reflexo, também conhecido por dano por ricochete, consiste na repercussão de um dano sofrido por outra pessoa, consubstanciando-se no prejuízo que tem por fato gerador a lesão ao interesse de um terceiro: uma consequência do evento danoso.77 Assim, no caso que inspirou a presente monografia, não se pleiteou a reparação de danos havidos pelo falecido, mas sim, danos próprios havidos pelo filho e pela esposa da vítima em razão da fatalidade. In casu, em razão da morte do pai e marido, o filho e a mulher ficaram sem a pensão que aquele lhes pagava, configurando-se, assim, o dano reflexo.78 Nesse sentido, explica Sérgio Cavalieri Filho: A única exceção que a lei abre a regra geral de que o direito de indenização cabe apenas a quem sofreu diretamente o dano é no caso de morte da vítima; admite-se, como veremos, que a indenização seja pleiteada por aqueles que viviam sob sua dependência econômica (Código Civil, art. 948, 79 II, que corresponde ao art. 1.537, II, do Código de 1916). Este é o entendimento do professor Fernando Noronha: É dano por ricochete aquele que atinge outras pessoas, por estarem ligadas àquela que é vítima imediata de um determinado fato lesivo: essas outras pessoas serão vítimas mediatas. Um exemplo típico é o das lesões sofridas pela esposa e pelos filhos da pessoa que foi morta: são prejuízos que podem ter natureza patrimonial (como os alimentos que o falecido lhes prestava) ou extrapatrimonial, neste caso podendo ainda ser puramente anímicos (como o desgosto que essas pessoas experimentam) ou também 80 biológicos (por exemplo, um infarto). Dessa forma, há situações em que os efeitos do ato ilícito poderão repercutir não apenas diretamente sobre a vítima, mas também sobre terceira pessoa, de forma que esta sofrerá prejuízo mesmo que indiretamente. 77 78 79 80 SEVERO, 1996, p. 23. Esse é exatamente o exemplo apresentado por Antônio Elias Queiroga: “Tomemos, como exemplo, o assassinato de um pai de família. A vítima do dano foi ele, mas os seus filhos sofreram o reflexo, por conta dos alimentos que deixaram de perceber” (QUEIROGA, Antônio Elias. Responsabilidade civil e o novo código civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 31). CAVALIERI FILHO, 2008, p. 103. NORONHA, 2003, p. 578. 21 Contudo, obviamente, há que se ter uma restrição quanto ao alcance do dever de indenizar tais danos reflexos; caso contrário, o amigo mais próximo da vítima, o orfanato que recebia doações periódicas do falecido, o vendedor a quem o falecido havia prometido comprar o carro no dia seguinte, seriam exemplos de pessoas legitimadas para também pleitearem alguma forma de ressarcimento. Não houvesse qualquer restrição, hipóteses de reparação por dano reflexo seriam ilimitadas, o que acarretaria verdadeiro caos jurídico. Destarte, diante da indeterminação da redação do art. 948, inciso II, do Código Civil, doutrina e jurisprudência se encarregaram de encontrar uma solução mais objetiva e adequada para delimitar quem são os legitimados para postular danos reflexos. Sobre o tema, brilhante a análise dos renomados Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, que se utilizaram do direito comparado, do princípio da razoabilidade e da analogia com outros dispositivos para chegar a uma conclusão sobre os reais legitimados para pleitearem a reparação de danos reflexos: O Direito, todavia, é um conjunto de normas lógicas que não podem nos conduzir a conclusões absurdas. Entendemos que também aqui a solução deva ser buscada no princípio da razoabilidade. O Código Civil português, em seu artigo 496, nº 2, tem regra expressa sobre essa questão que pode ser adotada como norte. No caso de morte da vítima, o direito à indenização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da vítima; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e por último aos irmãos ou sobrinhos que o representam. O nosso Código Civil, lamentavelmente, nada dispôs a respeito. A regra do seu artigo 948, II, entretanto, embora pertinente ao direito material, pode ser utilizada para limitar a indenização pelo dano moral àqueles que estavam 81 em estreita relação com a vítima como o cônjuge, filhos e pais [...]. Assim, são partes legítimas para postular ação de reparação por dano reflexo em função do falecimento de uma pessoa o cônjuge e os descendentes do de cujus, sendo estendido tal direito aos ascendentes, na falta de descendentes. Este é exatamente o entendimento de João Manuel de Carvalho Santos, ao afirmar que “o cônjuge sobrevivo, os ascendentes, descendentes e irmão terão direito à indenização correspondente aos alimentos que o falecido teria de prestar se fosse vivo”.82 No entanto, além das pessoas referidas, há entendimento de que a ação de 81 82 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. (Da responsabilidade civil, da preferências e privilégios creditórios, v. 13). p. 109. SANTOS, J. M. Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1978. v. 21. p. 83. Carlos Roberto Gonçalves ressalva que os irmãos devem provar que eram dependentes do falecido, assim como os filhos que não atingiram a idade de 25 anos (GONCALVES, 2008, p. 752). 22 reparação civil por dano reflexo poderá ser proposta ainda por aquelas pessoas que comprovarem a dependência material com o falecido, independentemente do parentesco, incluindo-se estas também no rol de legitimadas.83 Paulo de Tarso Vieira Sanseverino ensina: O reconhecimento de uma pessoa como pensionista é o resultado de uma equação jurídico-econômica, que conduza a conclusão de que ela era efetivamente dependente da vítima direta falecida. Verifica-se, inicialmente, a vinculação jurídica com o enquadramento do postulante nas regras acerca da obrigação de alimentos, que estão elencadas nos artigos 1694 e seguintes do CC/2002. Há necessidade de vínculo de parentesco entre o pretendente, a pensionista e o falecido, englobando, assim, em tese, os cônjuges, os companheiros, os ascendentes, os descendentes e irmãos (art. 1697 do CC/2002). Em segundo momento identifica-se a efetiva dependência econômica do pretendente, em relação ao falecido na época do óbito. Ou seja, o pretendente à condição de pensionista devia viver efetivamente sob a 84 dependência econômico-financeira da vítima do ato ilícito. Parece que os legitimados ao pensionamento em caso de homicídio serão somente aquelas pessoas que possuírem vinculação jurídica, além de estrita relação de dependência econômica com a vítima de dano morte na época do falecimento.85 Por fim, frisa-se que apenas o dano por ricochete certo e que tenha sido consequência direta e imediata da conduta ilícita pode ser objeto de reparação.86 3.1.2 Duração do Pensionamento Apresentadas as partes legítimas à postulação de pensão indenizatória, passa-se agora a demonstrar quais os termos inicial e final do pagamento do pensionamento devido ao filho e à esposa do jovem pai e marido falecido, consoante o exposto no supracitado art. 948, inciso II, do Código Civil. 3.1.2.1 Termo Inicial 83 84 85 86 STOCO, 2007, p. 1244-5. Arnaldo Marmitt posiciona-se em sentido contrário, afirmando “ser irrelevante o fato de o postulante da indenização não depender economicamente da vítima” acrescentando que “tanto o cônjuge sobrevivente como os ascendentes, os descendentes e os irmãos dos vitimados têm legitimidade para a postulação de alimentos que o extinto teria de prestar mais dia menos dia se vivo permanecesse” (MARMITT, 2005, p. 71). SANSEVERINO, 2008, p. 214. Esse é o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 21): “Destarte, beneficiários da pensão são apenas aqueles que tinham dependência econômica com a vítima”. No mesmo sentido também é a posição de Yussef Said Cahali: “[...] coloca-se como pressuposto, em linha de princípio, a existência de uma relação de dependência econômica, efetiva, presumida ou até mesmo eventual, entre os pretensos beneficiários e a falecida vítima” (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 109). CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 103. Nesse sentido, explica Fernando Noronha (2003, p. 578): “Todos os danos, sejam diretos ou indiretos, inclusive os danos por ricochete, devem ser reparados. O que é necessário é que todos sejam certos e ainda que sejam, de acordo com o curso normal das coisas, conseqüência adequada do fato gerador.” 23 Não restam dúvidas de que a pensão a ser paga à viúva e ao filho do falecido deve ter como termo inicial a data do óbito, conforme entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, uma vez ser este o momento em que o ato ilícito do ofensor incidiu sobre o amparo material e moral proporcionado pelo falecido a seus entes.87 Outrossim, esclarece-se que eventuais prejuízos ocorridos antes do óbito, tais como gastos com hospitalização e medicamentos, poderão ser cobrados pelos herdeiros da vítima na ação indenizatória promovida contra o ofensor.88 3.1.2.2 Termo Final No caso de morte do chefe de família (pai e esposo), o termo final do pensionamento deverá ser estabelecido até a idade em que o falecido provavelmente viveria, consoante se infere da leitura da parte final do artigo 948, inciso II, do CC/2002, “levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”. A jurisprudência tem entendido, com base em dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outros órgãos idôneos, que o período médio de vida do brasileiro é entre 65 e 70 anos. Dessa forma, tendo em vista que a vítima faleceu aos 29 anos de idade, sua sobrevida provável seria de mais 36 ou 41 anos, período em que a pensão será, portanto, devida aos seus dependentes.89 No entanto, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino alerta: Essa expressão “duração provável da vida da vítima” tem sido tradicionalmente lida como se fizesse referência aos dados estatísticos do IBGE, quando na realidade, o legislador brasileiro, nessa assertativa, que é novidade do CC/2002, não faz qualquer referência expressa à média de vida da população em geral. A forma mais adequada para interpretação desse enunciado normativo é a adoção de duas etapas hermenêuticas, considerando, inicialmente a expectativa concreta de vida do falecido na fixação do termo final e, apenas em segundo momento, a expectativa média de acordo com os dados estatísticos do IBGE como um critério 90 subsidiário. Parece, então, que o mais correto para fixação do termo final do pensionamento é uma análise casuística, em que o caso concreto irá demonstrar as 87 88 89 90 Nesse sentido: Rui Stoco (Stoco, 2007, p. 1287) e Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (SANSEVERINO, 2008, p. 216). SANSEVERINO, op. cit., p. 216-7. Esse é o posicionamento também de: Sérgio Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 115); Sílvio de Salvo Venosa (2005, p. 296); Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 749-750) e Eduardo Viana Pinto (PINTO, Eduardo Viana. Responsabilidade civil de acordo com o novo código civil. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 115-6). SANSEVERINO, op. cit., p. 217-8. 24 características de cada pessoa individualmente, podendo ser a sua expectativa de vida comprovadamente maior ou menor do que a média nacional de que se vale a jurisprudência pátria. No entanto, tendo em vista que dificilmente é alegado pelas partes ou é produzida a prova nas ações indenizatórias de que a expectativa de vida poderia ser maior ou até mesmo inferior à média nacional, passa-se, diretamente, para a fixação do termo final do pensionamento com base em dados estatísticos oficiais, referentes à expectativa média de vida dos brasileiros.91 Com efeito, foi com base em tais dados que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgando o caso invocado na presente monografia, Recurso Especial número 885126, elevou para 70 anos a idade para pagamento de pensão fixada a título de indenização por danos materiais, com base no incremento da expectativa média de vida dos brasileiros. Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, apesar da existência de diversos precedentes daquela Corte estabelecendo em 65 anos92 a expectativa de vida para fins de recebimento de pensão, constata-se que muitos desses julgados datam do início da década de 90, ou seja, há mais de 15 anos. A relatora, inclusive, fez menção expressa às informações prestadas pelos autores de que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em seu site na internet, aponta que, entre 1980 e 2006, a expectativa de vida do brasileiro elevou-se em 9,7 anos, atingindo os 72,3 anos e devendo chegar aos 78,3 anos em 2030.93 Outrossim, não basta apenas a duração provável de vida da vítima de dano morte para fins de fixação do termo final do pensionamento, sendo necessário ainda comprovar dependência econômica, in casu, do filho e da esposa da vítima. Isto porque, cessada a dependência econômica não há que se falar em pensionamento. Nesse sentido, discorre Carlos Roberto Gonçalves: 91 SANSEVERINO, 2008, p. 218. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 1. Resp. 847.687/GO. Estado de Goiás versus Ministério Público do Estado de Goiás. Relator: Min. José Delgado. Julgado em: 17 out. 2006. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 221, 25 jun. 2007. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. Detento morto após ser recolhido ao estabelecimento prisional. Responsabilidade objetiva do estado. Sobrevida provável (65 anos). Precedentes. [...] 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, para fixar em sessenta e cinco anos o limite temporal para pagamento da pensão mensal estabelecida. 93 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). População: tábuas completas de mortalidade. 2007. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/tabuadevida/2007/default.shtm>. Acesso em: 24 mar. 2009. 92 25 Beneficiários da pensão são apenas aqueles que tinham dependência econômica da vítima. Em relação a cônjuge e aos filhos menores tem-se decidido que a dependência econômica é presumida. No caso, porém, dos ascendentes, do descendentes maiores e irmãos da vítima, tem-se exigido a prova da dependência econômica para que a ação de ressarcimento de 94 dano materiais possa vingar. O pagamento da pensão ao filho menor em caso de morte do pai, consoante o melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial, finda aos 25 anos de idade, pois presume-se que, em tal idade, o menor terá atingido a sua independência econômica em função do término da formação universitária. Gize-se que tal posição tem sido reiterada em decisões recentes.95 No entanto, em situações especiais, como, por exemplo, no caso do menor portador de doença que lhe impeça de auferir renda, a pensão poderá ir além da referida idade.96 Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, reforçando o entendimento da necessidade de dependência econômica do filho com a vítima, atentam para o fato de que “exercendo os filhos trabalho remunerado, com sua vida fora da dependência paterna, não é devida a indenização pelo dano material, mas, somente, pelo dano moral”.97 Quanto ao pagamento de pensão à viúva, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça militava no sentido de que vindo ela a contrair novas núpcias, cessar-se-ia o pagamento da pensão indenizatória. No entanto, atualmente, o Egrégio Tribunal tem se posicionado de forma diferente, afirmando que a viúva, ainda que tenha contraído novo matrimônio, não necessariamente terá a certeza de que as suas necessidades serão supridas.98 94 95 96 97 98 GONÇALVES, 2007, p. 753. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 2. Resp. 1007101/ES. Estado do Espírito Santo versus Carmem Baungarten Bremenkamp e Outros. Relator: Min. Castro Meira. Julgado em: 8 abr. 2008. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 22 abr. 2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE PRESO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. FILHOS DA VÍTIMA. PENSIONAMENTO. TERMO FINAL. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. SÚMULA 83/STJ. 1. [...] 2. A pensão em decorrência da morte do pai deve alcançar a data em que os beneficiários completem 25 anos de idade, quando se presume terem concluído sua formação, incluindo-se a universidade. Precedentes. Súmula 83/STJ. 3. Recurso especial não conhecido. (grifo nosso). Vide, também: DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 7. p. 141. DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2004, p. 412. Nesse sentido também posiciona-se Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 413) e Maria Helena Diniz (2009, p. 140). DIREITO; CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 412. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 2. Resp. 201407/RS. Município de Porto Alegre versus Vilma dos Santos Ribeiro e Outro. Relator: Min. Castro Meira. Julgado em: 28 out. 2003. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 295, 1 dez. 2003. Também publicado em: RNDJ, n. 51, p. 136). Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. TERMO FINAL. NOVAS NÚPCIAS. 26 A posição da doutrina não é uniforme quanto a essa questão. Carlos Roberto Gonçalves entende que a pensão cessará caso a viúva contraia novas núpcias99, entendimento este que não é compartilhado por Pontes de Miranda, para quem “não cessa a prestação da mulher do falecido se ela contrai novas núpcias”, dada a natureza indenizatória da pensão.100 Parece que o melhor entendimento é o de que a pensão prestada à viúva não cessa com o novo vínculo matrimonial, consoante posicionamento mais recente do Superior Tribunal de Justiça e da majoritária doutrina. 3.1.3 Quantificação do Pensionamento Estabelecidos os legitimados e o período de duração do pensionamento em virtude do ato ilícito morte, resta, por fim, definir o quantum indenizatório da pensão. Os parâmetros consagrados na nossa jurisprudência para fins de mensuração do valor da pensão alimentícia são incontroversos. Há consenso nos pretórios de que o valor da pensão deve corresponder a 2/3 (dois terços) da última remuneração total recebida pelo falecido na época do ato ilícito101, sendo o 1/3 (um terço) restante relativo ao que seria despendido pelo falecido com o próprio sustento.102 Nesse sentido, explica Carlos Roberto Gonçalves: 99 100 101 102 HONORÁRIOS. [...] 2. É devida a pensão, nos casos de indenização por responsabilidade civil, mesmo que a viúva venha a contrair novo matrimônio, isso porque não há garantia de que suas necessidades venham a ser supridas com a nova situação. 3. Recurso Especial parcialmente provido. (grifo nosso). GONÇALVES, 2008, p. 413. Nesse mesmo sentido é o posicionamento de Rui Stoco (2007, p. 1286) e Gustavo Tepedino, Heloisa helena Barboza; Maria Celina Bodin de Moraes (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. 2. p. 872). PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 286. Nesse mesmo sentido é o posicionamento de: Sérgio Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 129), Paulo de Tarso Sanseverino (2008, p. 222) e Arnaldo Rizzardo (RIZZARDO, 2006, p. 219). Antonio Lindbergh C. Montenegro ensina que a remuneração corresponde a “tudo aquilo que a vítima, por força da sua capacidade laborativa, faz carrear para a economia doméstica, garantindo-lhe a subsistência e a da família, bem como o gozo de um determinado padrão social” (MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de danos. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 60). BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Turma, 1. Resp. 970673/MG. Município de Unaí versus Cláudio de Souza Oliveira. Relator: Min. Luiz Fux. Julgado em: 9 set. 2008. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 1 out. 2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. [...]4. A pensão mensal a ser paga pelo Estado deve ser fixada desde o falecimento da vítima, à razão de 2/3 do salário mínimo, até a data em que completaria 25 anos de idade; a partir daí, à base de 1/3 do salário mínimo, até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade. Precedentes: REsp 674586/SC Relator Ministro LUIZ FUX DJ 02.05.2006; REsp 740059/RJ DJ 06.08.2007; REsp 703.878/SP, DJ 12.09.2005 [...] (grifo nosso). 27 A indenização, sob a forma de pensão, é calculada com base na renda auferida pela vítima, descontando-se sempre 1/3, porque se ela estivesse viva estaria despendendo pelo menos 1/3 de seus ganhos em sua própria manutenção. Os seus descendentes, ascendentes, esposa ou companheira (os que dela recebiam alimentos, ou de qualquer forma estavam legitimados 103 a pleitear a pensão) estariam recebendo somente 2/3 de sua renda. No entanto, assevera-se que nem todos os julgados seguem a linha acima, eis que há casos com certas peculiaridades especiais, as quais são levadas em consideração para fins de determinação do valor da pensão. Casos, por exemplo, em que o falecido utilizava a maior parte da sua remuneração para uso próprio, como para pagamento de estudos e profissão que exija elevados gastos etc. Nestes casos especiais, se restar comprovado que o falecido gastava mais de 1/3 (um terço) consigo, a pensão aos seus familiares deverá corresponder ao que era realmente despendido com os mesmos. Arnaldo Rizzardo esclarece que o “abatimento de um terço dos rendimentos que auferia a vítima não passa de um parâmetro para as situações de ausência de prova a respeito do patamar das despesas pessoais”.104 Paulo de Tarso Vieira Sanseverino critica esse modo simplista da jurisprudência pátria de fixação do quantum indenizatório com base apenas na renda auferida pela vítima, sugerindo a aplicação do método francês, o qual entende ser o mais adequado. Para o civilista, o referido método, além de estar mais de acordo com a atual conjuntura sócio econômica do país (famílias menores e mulheres em posição de igualdade no mercado de trabalho), concretiza melhor o principio da reparação integral do dano.105 Isso porque o método francês visa a valorizar os efeitos do falecimento da vítima sobre a renda da família, fixando a indenização em três momentos diferentes: a) averiguação dos rendimentos individuais da vítima do dano morte e do seu cônjuge; b) cálculo do prejuízo econômico efetivo alcançado pelos familiares; e c) pagamento em parcela única da indenização, mediante capitalização do seu valor (este último momento pode ser rechaçado, pois não é utilizado no Brasil).106 Sobre esse tema, assim posiciona-se o autor: A função concretizadora do princípio da reparação integral, no sistema 103 104 105 106 GONÇALVES, 2007, p. 758. Nesse sentido, também explica Rui Stoco: “Deve-se deduzir a habitual parte correspondente a 1/3 (um terço), que constituiria despesa mínima necessária à sobrevivência do finado” (STOCO, 2007, p. 1286). RIZZARDO, 2006, p. 220. SANSEVERINO, 2008, p. 224-5. Ibid., p. 225. 28 francês, permite uma melhor individualização da pensão, conforme as necessidades e peculiaridades de cada família. Em primeiro lugar, valoriza a renda familiar total, e não apenas os rendimentos do falecido. Em segundo lugar, leva em consideração cada realidade familiar para se estabelecer a renda necessária para preservação de seu poder aquisitivo e sua adequada manutenção, incidindo, então, um percentual variável de redução pelos gastos próprios da vítima entre 15% e 40%. Em terceiro lugar, a pensão corresponderá apenas ao prejuízo efetivo, considerando a diferença entre a renda familiar e os rendimentos auferidos pelo falecido, o que, na prática, poderá eventualmente inexistir, evitando um enriquecimento injustificado, que afronta a função indenitária do principio 107 da reparação integral. Parece que o modelo francês é mais fiel em relação à fixação do quantum indenizatório do que o método brasileiro, eis que, diferentemente deste - em que a averiguação da renda pessoal da vítima é abatida com 1/3 -, aos rendimentos próprios da vítima do dano morte soma-se à renda auferida, in casu, pela viúva, e assim, alcança-se a renda total familiar. E mais, sobre a renda total da família, incide um percentual variável para reduzir as despesas próprias do de cujus, diminuindo-se ainda a renda própria auferida pela viúva, para, enfim, determinar-se o efetivo prejuízo gerado. Dessa forma, ao assim proceder, chega-se mais precisamente, em cada situação particular, aos danos oriundos pelo falecimento da vítima para a renda da sua estirpe. Outrossim, há de se destacar que a pensão mensal será convertida em salários mínimos, pois, dessa maneira, “a pensão estará automaticamente corrigida sempre que o salário for corrigido”.108 Assim é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, expresso na Súmula 490, ao afirmar que “a pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores”. No entanto, Rui Stoco entende que a pensão terá como parâmetro o salário mínimo vigente, incidindo, portanto, a Súmula 490 somente nos casos em que a vítima do dano morte não exercia trabalho remunerado. Tal se dá em virtude de que, se a vítima estava empregada na data do evento fatal, o quantum indenizatório mensal deve corresponder ao salário do emprego em que se encontrava registrada, sendo reajustado sempre que houver o reajuste dos salários da categoria.109 107 108 109 SANSEVERINO, 2008, p. 226-7. CAVALIERI FILHO, 2008, p. 129. Nesse sentido, discorre Maria Alice Costa Hofmeister: “Com relação aos valores, não há critérios seguros, a fixação é concretizada casuisticamente, tomandose por base o salário mínimo” (HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco. Rio de Jameiro: Renovar, 2002. p. 176). STOCO, 2007, p. 1274. Sílvio de Salvo Venosa explica que “a pensão deve ser reajustada sempre que houver alteracão do salário mínimo (Súmula 490 do STF), ou de salários da categoria profissional da vítima” (VENOSA, 2005, p. 296). 29 Destarte, entendimento pacificado na doutrina e na jurisprudência é o de que, não sendo comprovado o ganho fixo da vítima de dano morte, a pensão deve ser fixada com base em um salário mínimo, pois é o mínimo despendido por uma pessoa para a sua sobrevivência.110 Esclarece-se, por fim, que há divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à inclusão do 13º salário, ou gratificação natalina, no valor da pensão. Parte da doutrina e da jurisprudência111 defende que somente há de se falar em inclusão no pensionamento do 13º salário se a vítima estivesse empregada na época do ato ilícito. Esse é o entendimento de Paulo Nader, ao afirmar que “os alimentos são fixados em salários mínimos, operando-se a conversão de dois terços do que a vítima ganhava mensalmente, aí incluído o décimo terceiro salário se empregado”.112 Por outro lado, parte da doutrina e da jurisprudência113 entende que seria devido o 13º salário estivesse a vítima ou não empregada na data do evento morte. Esse é exatamente o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho, para quem é cabível a inclusão do 13º salário no quantum do pensionamento “ainda que a vítima estivesse desempregada, porque o 13º salário é uma das parcelas do lucro cessante”. Acrescenta ainda o autor que “o fato de não ter a vítima vínculo empregatício quando do seu falecimento, ainda que por sua pouca idade, não permite supor que ela jamais viria a ter um emprego”.114 Nessa senda, necessário esclarecer que, em que pese o entendimento 110 111 112 113 114 CAVALIERI FILHO, 2008, p. 115. BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Turma, 4. Resp. 388300/SP. Francisco Correia do Nascimento versus Rede Ferroviária Federal S/A. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Julgado em: 17 set. 2002. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 238, 25 nov. 2002. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. QUEDA DE TREM. MORTE DE PASSAGEIRO QUE VIAJAVA EM ESCADA DA LOCOMOTIVA. CULPA CONCORRENTE. DANOS MORAIS E MATERIAIS DEVIDOS. REGIMENTO INTERNO, ART. 257. [...] IV. Inexistindo prova de trabalho assalariado, indevido o 13º salário no cálculo da pensão. V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (grifo nosso). NADER, Paulo. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. (Responsabilidade civil, v. 7). p. 234-5. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 3. AgRg no Resp. 644977/RJ. Companhia Brasileira de Trens Urbanos CBTU versus Cláudio Marcos Pereira Augusto. Relator: Min. Castro Filho. Julgado em: 16 nov. 2004. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 308, 6 dez. 2004. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE FERROVIÁRIO - DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO - COMPROVAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO DESNECESSIDADE - CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL - SÚMULA 83/STJ - NEXO CAUSAL - REVISÃO PROBATÓRIA. [...] II - A ausência de prova quanto ao vínculo empregatício da vítima não afasta a possibilidade de inclusão do 13º salário no montante da pensão deferida ao autor da ação. Precedentes. [...] Agravo regimental a que se nega provimento. (grifo nosso). CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 117-8. 30 exposto na Súmula 490 do STF, a melhor doutrina entende que o momento da conversão do valor da pensão em salários mínimos é a data do ato ilícito, e não a época da sentença. Consoante ensina Paulo de Tarso Sanseverino, “a prova produzida, especialmente a documental, indica melhor os valores percebidos na época do evento danoso”.115 Maria Helena Diniz sintetiza bem o tema tratado neste tópico: Pelo STJ a pensão é devida na proporção de 2/3 dos ganhos da vítima comprovados em hollerith e na declaração de imposto de renda. Se não puder obter tal prova, a pensão é calculada com base no salário mínimo, ou nos ganhos presumidos, p. ex., retirada mensal da empresa de que, porventura, seja sócio. Em regra essa pensão baseia-se na renda auferida pela vítima e não no seu padrão de vida, descontando-se 1/3, para que seus dependentes percebam 2/3 (STF, súmula 490), incluindo-se o 13 salário, salvo se se tratar de trabalhador autônomo, e o quantum 116 previdenciário, que dependerá das contribuições pagas pela vítima. No próximo e último item, com base em tudo o que foi exposto, há elementos suficientes para analisar se a expectativa de incremento salarial (ascensão profissional) da vítima trata-se de um dano ressarcível e, portanto, passível de ser incluída no quantum indenizatório devido aos legitimados. Assim, procurar-se-á, através de posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o tema, averiguar a viabilidade de ser enquadrada a referida expectativa no valor do pensionamento, o qual é o interesse de objeto nesta monografia. 3.2 EXPECTATIVA DE INCREMENTO SALARIAL (ASCENSÃO PROFISSIONAL) COMO DANO RESSARCÍVEL 3.2.1 Posição Jurisprudencial e Doutrinária Ressalta-se que, tendo em vista que não há muito material sobre o tema em questão e que a doutrina, na maioria das vezes, analisa-o atrelado a um caso concreto, passa-se agora, em consonância com a doutrina pátria, à análise conjunta dos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários. Destarte, de forma a traçar um eficiente panorama acerca da possibilidade de ser indenizada a expectativa de incremento salarial da vítima fatal, inicia-se demonstrando o que a jurisprudência e alguns autores da doutrina pátria tradicional trabalharam, mesmo que de forma sucinta, sobre este tema. Após, analisar-se-á, de maneira mais precisa, o que alguns autores mais recentes escreveram em suas 115 116 SANSEVERINO, 2008, p. 230. DINIZ, 2009, p. 141. 31 obras, tendo-se por base o trabalho efetuado por Rafael Peteffi da Silva, em Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance, o qual se baseou na doutrina e jurisprudência francesa. José de Aguiar Dias, entende que a expectativa de ascensão profissional da vítima fatal é um prejuízo passível de indenização, dano futuro e não hipotético, como normalmente é caracterizado, em que sua certeza deve ser verificada em cada caso particular. Com vistas a demonstrar tal afirmação, o autor apresenta um caso defendido por ele, em que um incêndio ceifou a vida de um promissor advogado, impossibilitando que este obtivesse um incremento salarial em virtude do crescimento natural na carreira profissional.117 O autor explica que, após ser confirmada a condenação do Estado pelo acidente, requereu em liquidação de sentença, entre diversas verbas, a correspondente à frustrada ascensão profissional, para isso utilizou paradigma do escritório do falecido como referencial. A sentença negou o pleito, entendendo tratarse de um dano hipotético; no entanto, apresentado o recurso de apelação, restou o mesmo devidamente provido, segundo entendimento do autor, para incluir, nos cálculos do dano futuro, a perda da expectativa de incremento salarial da vítima em razão da perda da possibilidade de sua progressão funcional.118 Referente ao caso supramencionado, transcreve-se a ementa: Responsabilidade civil. Morte de marido e pai que pereceu em incêndio irrompido em edifício comercial. Ação de indenização de danos proposta pela viúva e filho menor. Liquidação por artigos de acórdão condenatório. Regras observáveis. Quantificação do valor da indenização. Critério observável. Se inocorrem cirscunstâncias especiais, capazes de desviar o juiz da rota jurisprudencial, a pensão devida a viúva e filho deve ser fixada em 2/3 (dois terços) dos ganhos líquidos do marido e pai, falecido no acidente. Pensão. Duração. Limitação da pensão devida ao filho até o dia em que completará 24 (vinte e quatro) anos de idade. Descabimemto. A pensão devida ao filho da vítima, em razão da morte do pai, é devida a aquele até o dia da sobrevida provável deste, razão não havendo para arbitrária limitação da indenização ao dia em que o menor completará 24 (vinte e quatro) anos de idade. Sobrevida provável da vítima. Definição. Ao influxo da notória melhoria da qualidade de vida dos brasileiros, nestas últimas décadas, sobretudo quanto aos das classes alta e média alta, afigura-se razoável a fixação da vida provável da vítima em 74 (setenta e quatro) anos. Progressão funcional. Dano futuro. Inclusão no quantum debeatur. Cabimento. Razão não existe para deixar de incluir, nos cálculos do dano futuro, representado pela perda da progressão funcional da vítima, calculada de acordo com os rendimentos de paradigma. Apelação provida 119 em parte. Sentença retocada. (grifo nosso). 117 118 119 DIAS, 2006, p. 983. Ibid., p. 983-4. Ibid., p. 984-5. 32 No Superior Tribunal de Justiça, restou mantido o entendimento da reparabilidade do dano futuro referente à perda da ascensão profissional.120 Destaca-se que, para fundamentar o vitorioso pedido no referido caso, o autor fez referência ao entendimento de Antonio Lindbergh C. Montenegro, o qual se posiciona favorável à indenização do provável aumento da remuneração da vítima em virtude do crescimento profissional na carreira. Esse é o seu posicionamento: Outro elemento de natureza não eventual a considerar no cálculo da indenização prende-se à provável melhoria que está para acontecer na atividade laborativa da vítima, segundo o curso normal dos fatos. Entre esses eventos não há como deixar de computar o provável aumento de remuneração, em face do acesso natural na carreira na qual vem o ofendido 121 se dedicando com empenho desde longos anos. Nota-se que o primeiro autor citado, José de Aguiar Dias, afirma que a expectativa de ascensão profissional da vítima é um dano futuro, o qual será indenizado sempre que restar demonstrado no caso concreto os contornos de certeza. Já o segundo autor, Antonio Lindbergh C. Montenegro, embora não indique a modalidade de dano a qual se enquadraria o prejuízo pela perda da melhoria que estava para acontecer na atividade laborativa da vítima, entende tratar-se de um dano não eventual e, dependendo do caso concreto, posiciona-se totalmente favorável à indenizabilidade do provável aumento da remuneração. Parece que, para ambos os autores supracitados, a única exigência que se faz, para incluir na pensão devida aos dependentes legítimos da vítima a expectativa de incremento salarial desta, diz respeito à certeza quanto à existência do dano, presente ou futuro, exigida como requisito para a sua reparabilidade. Isso porque, em sendo o dano certo, este seria sempre indenizável, por outro lado, em sendo o dano eventual, não há que se falar em ressarcimento. Fernando Noronha atenta para as dificuldades de se comprovar o dano futuro, o qual, em muitas vezes, não atingirá o grau de verossimilhança para ser 120 121 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 1. Resp. 202.868/RJ, Condomínio do Edifício Andorinha versus Ana Maria Lyra e Outro. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Julgado em: 20 mar. 2001. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 54, 13 ago. 2001. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. ADMINISTRATIVO - CIVIL - RESPONSABILIDADE POR MORTE EM ACIDENTE PENSIONAMENTO - TERMO FINAL - 65 ANOS - APURAÇÃO DO DANO - MÉTODO COMPARATIVO - PARADIGMAS - CÓDIGO CIVIL (ART. 1.059) - FILHO MENOR - TERMO FINAL DA PENSÃO - 24 ANOS. [...] II - Por se assentar na prova dos autos, não contraria o art. 1.059 do C.C. Método consistente em utilizar paradigmas, no escopo de apurar a ascensão profissional interrompida pela morte da vítima, não se expõe a recurso especial. [...]. (grifo nosso). MONTENEGRO, 2001, p. 63. 33 admitido como certo. Por essa razão, posiciona-se contrariamente à ressarcibilidade da expectativa de aumento da remuneração da vítima como dano futuro. Entretanto, o autor admite que, não obstante a natureza bastante aleatória da alegada possibilidade de vantagem futura, às vezes, ela poderá ser ressarcida, sempre que estiverem presentes os pressupostos da perda da chance.122 Para justificar tal afirmação, o autor apresenta um exemplo bastante semelhante ao que inspirou a presente monografia: Assim, se o pai de família, que foi morto, trabalhava e sustentava os familiares, é possível inferir que no futuro ele provavelmente continuaria a trabalhar e a cuidar deles, porque não viria morrer em anos próximos, não ficaria desempregado, etc. Mas se esse pai de família vinha se revelando um bom profissional, em regra ficará muito difícil inferir, por demasiado hipotético e, por isso, incerto, que no futuro ele viria a ser promovido e que passaria a ganhar mais, podendo proporcionar aos familiares um nível de vida mais elevado, para deste modo justificar a concessão de uma 123 indenização alimentar maior. Outrossim, a aplicação da reparação pela perda de uma chance de melhorar na posição social encontra aceitação na jurisprudência francesa na modalidade de dano reflexo, quando o ato ilícito causado pelo agente afasta a possibilidade da vítima melhorar sua capacidade econômica.124 São as conclusões a que chegou Rafael Peteffi da Silva, as quais se passa a analisar. O autor refere-se à aplicação da perda de uma chance de auferir melhor condição social como dano por ricochete. Citando Geneviéve Viney e Patrice Jourdain, apresenta um dos exemplos clássicos de aplicação da teoria da perda de uma chance, quais sejam: em casos em que os “dependentes de uma vítima, por causa da morte desta, acabaram perdendo a chance de obter uma melhor posição social, seja pela probabilidade de uma futura promoção ou pelo exercício de uma profissão mais lucrativa”.125 Nestes casos, o autor ensina que “a concessão da reparação varia muito de acordo com as nuanças de cada caso concreto, acarretando decisões diversas para casos cujas chances apresentam probabilidade de êxito semelhantes”. Para um melhor entendimento da sua afirmação, o autor apresenta cinco decisões semelhantes extraídas da Corte de Cassação Francesa, três decisões das quais favoráveis à concessão da reparação pela perda de uma chance de melhora da 122 123 124 125 NORONHA, 2003, p. 582-3. Ibid., p. 582-3. SILVA, R., 2007, p. 167 et seq. VINEY, Geneviève; JORDAIN, Patrice. Traité de droit civil. 2. ed. Paris: L. G. D. J., 1988. (v. Lês conditions de la responsabilité) apud SILVA, R., 2007, p. 167. 34 condição social.126 Em um dos referidos casos, em 24 de fevereiro de 1970, a Corte de Cassação manteve acórdão que havia conferido reparação pela perda de uma chance de gozar de uma situação social privilegiada para a jovem viúva de um médico residente. A referida Corte considerou que os parcos vencimentos de um brilhante residente de cirurgia de um hospital de Paris seriam substancialmente elevados com o passar do tempo. Nesse mesmo sentido, posicionou-se em outro caso a mesma Corte de Cassação, em 20 de dezembro de 1996, ao conceder reparação para família de um administrador de uma companhia muito importante, que havia falecido. Os peritos concluíram que a vítima teria um aumento provável de 3,5% por ano de trabalho na mesma empresa.127 O último caso apresentado pelo autor em que houve a reparação pela perda de uma chance de melhora da condição social, também extraído da jurisprudência francesa, diz respeito à família de um professor culposamente eletrocutado em um clube de tênis, a qual ganhou a reparação, tendo em vista que a vítima estava inscrita numa lista provisória para ocupar um cargo superior.128 Veja-se que, nos dois últimos casos concessivos da reparação para os familiares do dano pela perda de uma chance de incremento salarial da vítima fatal, a Corte de Cassação francesa baseou-se em provas concretas (laudo pericial e prova escrita) a indicarem que, muito provavelmente, tal aumento ocorreria. Nesses três casos supramencionados, Rafael Peteffi da Silva, atenta para o fato de que: Imperioso ressaltar o cuidado da Corte de Cassação para não confundir a reparação concedida através da noção de perda de uma chance com a simples indenização dos lucros cessantes, que normalmente são pagos de acordo com os proventos atuais da vítima. Assim, se a vítima, no momento de sua morte, já gozava de um alto salário, pode-se afirmar que é bastante razoável que ela manteria o mesmo nível de seus proventos. Neste caso, a utilização da perda de uma chance não é equivocada, pois há nexo de causalidade entre a perda da vantagem esperada (continuar com o mesmo padrão de vida que os dependentes gozavam antes da morte do 129 responsável) e a ação do agente. No entanto, a mesma Corte de Cassação impediu a reparação pela perda de uma chance de melhora da condição social para a viúva de um policial falecido, pois considerou demais hipotética a alegação da família da vitima de que é muito normal 126 127 128 129 SILVA, R., 2007, p. 167-8. LE TOURNEAU, Philippe. J. C. P., 1970. v. II apud SILVA, R., 2007, p. 168. CHARTIER, Yves. J. C. P., 1985. II, 2. esp. apud SILVA, R., 2007, p. 168-9. Ibid., p. 168. 35 os policiais realizarem serviços de segurança privada após a aposentadoria.130 Neste caso, assim como no caso da viúva do residente médico supramencionado, entende Rafael Peteffi da Silva que “o dano é futuro e contém grande carga de álea, pois as duas vítimas corriam o risco de não conseguir melhorar a sua posição social”.131 Nota-se que, no caso da viúva do residente médico, há entendimento contrário entre jurisprudência e doutrina; enquanto aquela entende tratar-se de dano pela perda de uma chance passível de indenização, esta diz tratar-se de um dano futuro, hipotético, não passível de reparação. Em outro caso, embora a utilização da perda de uma chance tenha sido acertada, a Corte de Cassação Francesa cassou acórdão proferido pela Corte de Apelação de Lyon, favorável à reparação pela perda de uma chance para a viúva de um empregado que teria grandes chances de tomar o lugar do seu chefe na empresa, o qual estava com a aposentadoria programada para o próximo ano.132 Nesse caso, com base na prova concreta de que o chefe da vítima iria se aposentar no próximo ano e, possivelmente, transferiria o cargo de melhor remuneração ao seu empregado, restou configurada a reparabilidade da expectativa de incremento salarial da vítima como dano pela perda de uma chance. No entanto, a reforma do acórdão ocorreu unicamente no que tange à quantificação do dano, pois foi erroneamente incluído o valor total dos vencimentos do chefe da vítima, confundindo-se, assim, lucros cessantes com a perda de uma chance. Com efeito, nessa última situação, ninguém poderia afirmar com certeza que, caso o empregado estivesse sobrevivido, ele assumiria o cargo de seu chefe. Na verdade, o máximo que se poderia aduzir é que o falecido tinha muitas chances de assumir a posição do chefe, sendo essas chances passíveis de indenização. Em outro caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul133, houve a concessão de indenização pela perda de uma chance a uma jovem 130 131 132 133 LECOURTIER, P. D. 1972 apud SILVA, R., 2007, p. 168. LE TOURNEAU, Philippe; CADIET, Loic. droit de la responsabilité: action dalloz. Paris: Dalloz, 1998 apud SILVA, R., 2007, p. 168. CHARTIER, Yves. J. C. P., 1985. II, 2. esp. apud SILVA, R., 2007, p. 168. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Câmara Cível, 2. Apelação n. 70004650305. Sociedade de Ônibus Porto Alegrense Ltda. versus Adriana Lima de Freitas e Outro. Relator: Des. Mário Crespo Brum. Julgado em: 19 dez. 2002. Diário de Justiça, Porto Alegre, 2002. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA CONCORRENTE. DANOS MORAIS. PENSIONAMENTO VITALÍCIO. AJUDA DE CUSTO. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. PERDA DE UMA CHANCE. [...] IV - Sendo a vítima trabalhadora autônoma, revendendo 36 de 19 anos, privada de uma chance plausível de ascensão profissional a médio prazo.134 No entanto, referente a esse caso, Sérgio Savi entende que a concessão da perda de uma chance de ascensão profissional pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi incorreta, pois a chance não era séria e tampouco real; tratava-se de uma mera possibilidade, de um dano hipotético e, dessa forma, não passível de indenização.135 Assim é o entendimento do referido autor: Não obstante a gravidade do acidente, entendemos que, in casu, não há como falar em chance séria e real. A autora tinha 19 anos, sequer havia escolhido a profissão que pretendia cursar e não estava participando de vestibular para qualquer universidade. Sua profissão era de revendedora de produtos de beleza e é impossível afirmar se ela não continuaria 136 trabalhando nesta profissão. Atenta-se para o fato de que este último caso, em que pese não se trate de um caso de homicídio, serve para demonstrar que a expectativa de incremento salarial é um dano que pode vir a ser passível de indenização. Através dos exemplos demonstrados, percebe-se, portanto, que tanto a jurisprudência quanto a doutrina admitem ser viável a reparação da expectativa de incremento salarial da vítima pela perda de uma chance. No entanto, há que se atentar para o fato de que tal reparação dependerá muito de cada caso concreto, devendo dispensar-se atenção para a seriedade das chances de melhora profissional e consequente aumento da remuneração da vítima, se viva estivesse. 3.2.2 Dano Concreto (Expectativa de Vida x Expectativa de Aumento da Renda) Como visto, quando não há data exata para fixação do termo final da pensão, com base na duração provável da vida da vítima, a jurisprudência pátria fixa o termo final com base em dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outros órgãos idôneos. Em sendo assim, forçoso reconhecer que a expectativa de vida média é amplamente utilizada em substituição a uma impossível mensuração exata de quanto tempo uma vítima iria ainda viver. Assim, o 134 135 136 produtos de beleza, é coerente a presunção de que auferisse, no mínimo, dois salários mínimos mensais a título de remuneração, restando evidente que teria ascensão profissional, visto que, na época do acidente, contava apenas 19 anos, estudava e tencionava fazer curso superior em Pedagogia. [...] Apelo desprovido e recurso adesivo parcialmente provido. (grifo nosso). SAVI, 2006, p. 58. Ibid., p. 58. Ibid., p. 102. 37 direito, sabidamente, utiliza a situação do homo medios para o cômputo de tais expectativas. Dessa forma, parece que, ainda que não se possa ter um cálculo exato do valor que o falecido especificamente teria de incremento de sua renda no decorrer da carreira, tal não significa que a referida expectativa não possa ser objeto de indenização. Tendo porque, com base na situação do homo medios, torna-se viável a inclusão dessa expectativa na pensão mensal a ser paga aos dependentes da vítima. Veja-se que a situação do homo medios é facilmente passível de ser analisada através de dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outros órgãos idôneos, referentes à expectativa de aumento da renda dos brasileiros.137 Com efeito, em pesquisa realizada, durante o ano de 1991 pelo IBGE junto a 34.734.715 (trinta e quatro milhões, setecentos e trinta e quatro mil e setecentas e quinze) pessoas, comprovou-se que a renda média cresce bastante até os 44 anos de idade, sofrendo, após, pequena redução.138 Destarte, tendo em vista os dados estatísticos139 utilizados pela jurisprudência pátria para fins de fixação do termo final da pensão com base na expectativa média de vida dos brasileiros, é viável que a mesma também se utilize de dados estatísticos relativos à expectativa de aumento da renda média dos brasileiros. Daí configurando-se um dano concreto passível de inclusão no cálculo da pensão mensal devida aos dependentes da vítima. 3.2.3 O Caso "Martinez” Tendo em vista que, em alguns casos, é possível que a expectativa de ascensão profissional da vítima (incremento salarial) seja um dano ressarcível, neste último tópico retomar-se-á o caso específico que inspirou a presente monografia, a fim 137 138 139 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). População: censos demográficos - resultados da amostra. 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/ estatistica/populacao/censo2000/trabalho_rendimento/tabela_brasil.shtm>. Acesso em: 27 abr. 2009. PORTO ALEGRE. Vara Cível do Foro Regional Tristeza. Ação Ordinária n. 001/1.05.0005743-9, Clarice Beal Martinez e Outro versus Clube Jangadeiros. Juiz de direito: Eduardo Augusto Dias Bainy. Julgado em: 13 ago. 2001. Porto Alegre, p. 143-607, 2001. p. 143-50. Esse é o entendimento de Carlos Alberto Ghersi (2003, p. 81): “Mientras dura ese proceso econômico de generación, existen etapas que son cuantificadas perfectamente por los institutos oficiales y privados, de tal forma que una persona que a los cuarenta años no pudo obtener determinada acumulación muy difícilmente pueda obternela; o por el contrario, quien ya la obtuvo se supone que seguirá el proceso hasta obtener su techo econômico de acumulación.” 38 de averiguar se os autores, viúva e filho da vítima, na ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada, poderiam ou não, in casu, ter obtido êxito ao pedido para que fosse incluída a expectativa de aumento da renda do falecido no cálculo do pensionamento mensal devido a eles em virtude da morte do marido e pai. Rememora-se que o jovem esposo e pai de família faleceu aos 29 anos de idade, quando passava por um momento profissional e financeiramente promissor da carreira. O de cujus era responsável pelo sustento de seu filho e esposa, pertencendo à família cujo genitor mantinha participação relevante nas sociedades do Grupo Panambra, sendo o seu principal administrador. Com apenas 29 anos de idade, a vítima já tinha currículo universitário e profissional privilegiado, graduação em duas Faculdades, curso de pós-graduação e de Inglês em Universidades dos Estados Unidos da América, além de experiência profissional em três diferentes empresas, sendo uma, inclusive, fundada por ele. As provas testemunhais indicavam que naturalmente o falecido galgaria posições gerenciais e diretivas na empresa em que sua família participava do controle, o que lhe proporcionaria maior remuneração. Como se tal não bastasse, a vítima gozava de saúde perfeita, recebendo acompanhamento médico desde a infância, o que lhe colocaria acima da média nacional no que tange à expectativa de vida das pessoas. Tanto é assim que o próprio Superior Tribunal de Justiça fixou a vida provável da vítima em idade superior a 65 anos, conforme já informado. Outrossim, tendo em vista a idade da vítima, seu currículo diferenciado e as provas colacionadas aos autos, razoável considerar que havia expectativa natural de que os seus rendimentos seriam majorados no decorrer do tempo. Isso porque o ápice da carreira se dá a partir dos 40 anos, sobretudo em se tratando de dirigente de empresa. Veja-se que, para comprovar tal afirmação, os autores da ação indenizatória juntaram aos autos a supramencionada pesquisa realizada pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, durante o ano de 1991. No entanto, o pedido da esposa e do filho do falecido para que fosse incluída a expectativa de aumento de renda do falecido na pensão indenizatória não foi acolhido, sendo, inclusive, rechaçado pelo Juiz de Primeiro Grau por entender tratarse de um dano hipotético, em que pese todas as provas acima colacionadas. Quanto à inclusão da expectativa de aumento da renda do falecido no valor da pensão mensal, assim decidiu o E. Juízo a quo: 39 Quanto ao valor do pensionamento a meu juízo, deve este estar baseado em dados concretos, e não em meras projeções - como a alegada expectativa de incremento da renda do falecido - que acabariam por ensejar 140 uma decisão baseada em dados incertos e pouco palpáveis. A esposa e o filho do falecido interpuseram, então, recurso de apelação141, mas não em relação a este ponto específico da sentença, findando, assim, ainda em sede de primeiro grau a discussão acerca da viabilidade de ser incluída a expectativa de incremento salarial da vítima na pensão devida aos seus dependentes, a qual deveria ter sido levada para os órgãos superiores. Nota-se que, in casu, tendo em vista as provas acima referidas, apresentadas pela esposa e filho do falecido, a solução encontrada pelo Juízo de primeiro grau deveria ter sido outra e não a de que a expectativa de incremento da renda do falecido não estaria baseada em dados concretos, em meras projeções. A verificação do prejuízo restou devidamente comprovada, seja com base nos dados estatísticos do IBGE (dados concretos), seja com base na razoabilidade de que certamente a vítima alcançaria posição de mais destaque na empresa em que trabalhava - tendo em vista seu aperfeiçoamento profissional, dedicação durante anos à empresa e, por fim, natural acesso a cargos mais elevados. Assim, neste caso, a expectativa de incremento salarial da vítima, segundo o curso normal dos fatos, nos dizeres Antonio Lindbergh C. Montenegro “é um elemento de natureza não eventual a considerar no cálculo da indenização”.142 140 141 142 PORTO ALEGRE, 2001, p. 594-607. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Câmara Cível, 6. Apelação. 70003620721, Clarice Beal Martinez e Outro versus Clube Jangadeiros. Relator: Des. Cacildo de Andrade Xavier. Julgado em: 19 maio 2004. Diário de Justiça, Porto Alegre, 2004. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE MORTE OCORRIDA NAS DEPENDÊNCIAS DO CLUBE RÉU. DEVER DE INDENIZAR. DENUNCIAÇÃO DA LIDE À SEGURADORA. Apelação do réu. Comprovada a responsabilidade do réu, por culpa, já que manteve instalações elétricas para seus usuários em inadequadas condições de uso e sem segurança, passíveis de ocasionarem acidentes, como o que acarretou a morte do marido e pai dos autores, de modo negligente, presente o dever do réu de indenizar os autores, tanto pelos danos materiais, quanto pelos morais decorrentes. Dano moral. Os autores devem ser indenizados pela lesão moral sofrida, importância que, além de ressarci-los, evite conduta similar por parte do réu. Apelação dos autores. Corrigido erro material da sentença em relação ao valor do saláriomínimo adotado para o cálculo da pensão. Alteração do valor da pensão devida pelo réu. Pensão persistirá até a data em que o falecido completaria 70 anos. Honorários advocatícios fixados em percentual sobre a condenação total, conforme art. 20, § 3º, do CPC. Apelação da seguradora. Denunciação à lide. Um dos efeitos da denunciação à lide aceita é a inclusão do denunciado como litisconsorte do denunciante, daí advindo ingressar no processo como parte. Dever da seguradora suportar o ressarcimento dos danos materiais e morais até o valor contratado. Alimentos provisórios. Pedido de atualização do valor fixado a título de alimentos provisórios em antecipação de tutela. Correção monetária pelo IGP-M. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA. APELAÇÃO DOS AUTORES PROVIDA EM PARTE. APELAÇÃO DA SEGURADORA DESPROVIDA. MONTENEGRO, 2001, p. 63. 40 sendo, portanto, um dano passível de ressarcimento. Destarte, em sendo considerada, in casu, a referida expectativa um dano certo, haveria duas possibilidades para sua ressarcibilidade por meio da pensão mensal devida aos dependentes do falecido. A primeira hipótese viável seria enquadrá-la como um dano futuro, consoante o entendimento supramencionado de José de Aguiar Dias e ratificado pelo Superior Tribunal de Justiça, este, conforme demonstrado, extremamente difícil de verificação. Como visto, entende José de Aguiar Dias que a única exigência que se faz para incluir na pensão devida aos dependentes legítimos da vítima a expectativa de incremento salarial desta diz respeito à certeza quanto à existência do dano, presente ou futura, exigida como requisito para a sua reparabilidade. Outrossim, é necessário atentar-se para as dificuldades de se comprovar o dano futuro, que, em muitas vezes, não atingirá o grau de verossimilhança para ser admitido como certo. No entanto, parece-me que, in casu, consoante o entendimento de José de Aguiar Dias supramencionado, as provas são suficientes para configurar-se o dano futuro e, assim, o ressarcimento da expectativa de incremento salarial da vítima nessa espécie de dano. Por outro lado, outra hipótese viável seria enquadrar a expectativa de incremento da renda da vítima como dano pela perda de uma chance. A vítima teria sido privada de uma chance séria e plausível - probabilidade de obtenção da vantagem esperada for superior a 50% - de ascensão profissional a médio prazo, segundo posicionamento de Rafael Peteffi da Silva já apresentado na monografia. In casu, tornando provada a existência do dano, pelo menos, mesmo em sendo desconsideradas as outras provas apresentadas, através de um cálculo de probabilidade, foram atendidos os pressupostos da responsabilidade civil pela perda de uma chance, já demonstrados na presente monografia. Por fim, no caso que inspirou a presente monografia, a expectativa de incremento salarial da vítima é um dano ressarcível e deveria ter sido incluído na pensão devida aos seus familiares. Conforme o curso normal dos fatos, não há como se desprezar as reais possibilidades que o falecido teria de ser bem sucedido, seu histórico escolar, cursos, idade etc., de total sorte que teria um aumento na sua remuneração. Com efeito, tal dano poderia ter sido enquadrado tanto como dano futuro, como dano pela perda de uma chance, atendendo-se, assim, a reparação integral do dano. 41 4 CONCLUSÃO Partindo da análise de um caso concreto, o presente trabalho visou a averiguar a possibilidade de ressarcimento da expectativa de incremento salarial da vítima de dano morte, em atendimento ao Princípio da Reparação Integral. Na primeira parte do trabalho, estudou-se o dano, a fim de investigar quais suas modalidades e suas espécies passíveis de indenização. Demonstrou-se, que a única exigência imposta à reparabilidade do dano diz respeito à sua certeza, sem a qual o dano será considerado hipotético e, portanto, não indenizável. Concluindo essa primeira parte, demonstrou-se a admissibilidade, no ordenamento jurídico brasileiro da indenização pela perda de uma chance, cujos prejuízos presentes ou futuros devem ser ressarcidos tal qual os danos patrimoniais e morais. Na segunda parte do trabalho, o estudo direcionou-se ao artigo 948, inciso II, do Código Civil, a fim de identificar, principalmente, quem são as pessoas legitimadas à pensão, qual seu termo inicial e seu termo final e como a mesma é quantificada. Partindo-se da análise da posição jurisprudencial e doutrinária, demonstrouse a viabilidade da reparação da expectativa de incremento salarial da vítima de dano morte, seja como dano futuro, seja como dano pela perda de uma chance com a ressalva de que haja a certeza do dano. Também averiguou-se que a evolução no campo das probabilidades e das estatísticas tornou possível aferir o aumento da renda das pessoas no decorrer dos anos, devendo esse acréscimo ser considerado quando do estabelecimento do valor da pensão. Ademais, foi destacado que a inclusão de tal reparação na pensão viria ao encontro do Principio da Reparação Integral, podendo ser enquadrada tanto como dano pela perda de uma chance, como dano futuro. Ao fim do presente estudo, foi possível concluir que a expectativa de incremento salarial da vítima de dano morte, em alguns casos, é um dano passível de indenização, devendo, portanto, ser incluída no valor da pensão mensal indenizatória, tal qual admitido no Direito Comparado e no Direito Brasileiro. 42 REFERÊNCIAS ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 3. ed. São Paulo: Jurídica e Universitária, 2003. BRAGA NETTO, Felipe P. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 1. Resp. 202.868/RJ, Condomínio do Edifício Andorinha versus Ana Maria Lyra e Outro. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. Julgado em: 20 mar. 2001. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, p. 54, 13 ago. 2001. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. ______. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 1. Resp. 847.687/GO. Estado de Goiás versus Ministério Público do Estado de Goiás. Relator: Min. José Delgado. Julgado em: 17 out. 2006. Diário da Justiça Eletrônico¸ Brasília, p. 221, 25 jun. 2007. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. ______. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 2. Resp. 1007101/ES. Estado do Espírito Santo versus Carmem Baungarten Bremenkamp e Outros. Relator: Min. Castro Meira. Julgado em: 8 abr. 2008. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 22 abr. 2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 maio 2009. ______. Superior Tribunal de Justiça. Turma, 2. Resp. 201407/RS. 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