ESAPL
IPVC
Licenciatura em Engenharia do
Ambiente e dos Recursos Rurais
Economia Ambiental
Tema 5
OS DIREITOS DE
PROPRIEDADE E O
TEOREMA DE COASE
Aspectos Pendentes Desde o
Tema Anterior
Vimos que, na presença de custos externos o nível
socialmente óptimo de actividade económica não coincide
com o nível óptimo privado.
Vimos também que esse nível socialmente óptimo de
actividade económica é o que conduz ao nível óptimo de
contaminação ou poluição – um óptimo Paretiano.
Temos então de colocar as seguintes questões:
Que fazer para atingir esse óptimo social ? Será
necessária a intervenção dos governos ? Que tipo de
regulamentação poderá ou deverá ser utilizada ? E será
mesmo necessária alguma regulamentação ? Será que os
privados alguma vez deixarão de produzir no seu óptimo,
para passarem a produzir no óptimo social ?
Aspectos Pendentes Desde o
Tema Anterior
Há uma escola de pensamento económico que considera
que, ainda que os mercados possam não assegurar a
quantidade óptima de externalidade, eles podem ser
levados a tal, de uma forma simples, e sem o recurso de
actividades reguladoras completas.
Esta ideia foi colocada pela primeira vez pelo economista
Ronald Coase, em 1960, num artigo intitulado “The
Problem of Social Cost”, o qual muito mais tarde, em 1991,
lhe veio a valer a atribuição do Prémio Nobel da Economia.
Mas para se entender a argumentação simples
desenvolvida por Coase, há que entender primeiro o
conceito de Direitos de Propriedade.
O Conceito de Direitos de
Propriedade
Quando se fala em direitos de propriedade, fala-se em algo
que se relaciona com o direito a usar um recurso.
É por isso um conceito mais amplo do que aquele a que
estamos habituados em linguagem coloquial. Aqui referimonos a qualquer recurso ou bem. Como o meio ambiente é um
recurso, então também falamos de propriedade e de direitos
de propriedade sobre o meio ambiente.
Assim, se falamos do direito a cultivar a terra que se possui,
ou a habitar a casa que se comprou, também falamos do
direito a respirar um ar limpo, ou do direito a despejar os
resíduos de uma indústria numa qualquer linha de água.
Direitos de Propriedade e
Poluição
Roanld Coase demonstrou que, em presença de poluição,
uma transacção entre agentes (contaminador e vítima) pode
ser vantajosa e conducente a uma utilização eficiente dos
recursos.
Ele demonstrou ainda que essa transacção se realiza
espontaneamente se houver uma definição de direitos de
propriedade clara e precisa, ou seja, se estiverem
perfeitamente definidos os direitos de uso dos recursos
ambientais.
Ronald Coase defende portanto , na presença de direitos de
propriedade bem definidos, a NÃO NECESSIDADE DE
MECANISMOS DE REGULAÇÃO da poluição, uma vez que
os próprios agentes (através do mercado) se encarregam de
encontrar o nível social óptimo de actividade económica.
O que são Direitos de
Propriedade Bem Definidos ?
Uma estrutura de direitos de propriedade bem definidos deve
possuir quatro características fundamentais:
1.
Universalidade – todos os recursos existentes podem ser
apropriados por privados;
2.
Exclusividade – todos os custos e todos os benefícios gerados
pela posse e uso dos recursos devem ser suportados pelos
proprietários, seja directamente, seja através de qualquer
mecanismo de troca no mercado;
3.
Transmissibilidade – todos os direitos são transferíveis
através de trocas voluntárias entre os agentes detentores dos
títulos de propriedade correspondentes;
4.
Segurança – os direitos encontram-se protegidos contra toda a
usurpação voluntária ou involuntária de terceiros.
Voltemos a Ronald Coase e
ao exemplo por ele apontado
Para ilustrar a sua teoria, Ronald Coase começa por dar o
exemplo de um criador pecuário e de um agricultor, cujas
explorações são contíguas.
Na ausência de vedações, o gado do produtor pecuário
danifica as culturas do agricultor.
O agricultor sofre portanto do efeito de uma externalidade
negativa, uma vez que o seu bem-estar é prejudicado pela
actividade económica desenvolvida pelo criador de gado.
Para resolver este problema de externalidades, Ronald Coase
distingue e analisa duas situações jurídicas opostas:
- Na primeira a lei favorece o criador de gado;
- Na segunda a lei favorece o agricultor.
1. A lei favorece o produtor de
gado (contaminador)
Se a lei favorece o produtor de gado, isto é, se a lei lhe atribui
o direito de utilização livre do recurso terra, então os seus
animais podem divagar livremente pelos campos vizinhos.
O agricultor estará então interessado em negociar com o
criador, no sentido deste diminuir o seu efectivo, por forma a
que as suas culturas sejam menos danificadas.
Para que tal possa acontecer, o agricultor deverá indemnizar
o criador, e a indemnização deverá ser igual à perda de lucro
devida à diminuição do efectivo pecuário.
Esta negociação conduz a um equilíbrio caracterizado pela
igualdade entre o custo marginal dos prejuízos e o lucro
marginal.
2. A lei favorece o agricultor
(vítima)
Se a lei estiver do lado do agricultor, é ele quem detém o
direito exclusivo de utilização da terra. O criador é agora o
responsável pelos prejuízos causados pelo gado.
Nesta situação é o criador quem está interessado em
negociar com o agricultor, para que este lhe permita que os
animais circulem nos seus campos.
O criador deverá então compensar o agricultor pelas perdas
que este vai sofrer devido à passagem do gado.
O processo de negociação conduzirá exactamente ao mesmo
ponto de equilíbrio que o anterior.
O equilíbrio é único e independente da situação jurídica de
partida. Simplesmente foi necessária uma definição clara de
direitos de propriedade para que tal ocorresse.
Analisemos o problema
graficamente
€
Vejamos de novo o gráfico básico da externalidade óptima. Na ausência
de regulação ou de direitos de propriedade claros o contaminador fará
por operar em Qπ, onde maximiza os seus benefícios, mas o óptimo
social está em Q*. O funcionamento do mercado e o objectivo do
óptimo social parecem ser incompatíveis.
Πm
CEm
0
Q*
Qπ
Q
Analisemos o problema
graficamente
Mas consideremos agora a situação em que o contaminado (a vítima)
tem os direitos de propriedade.
Isto quer dizer que o prejudicado tem direito a não ser
contaminado, e o contaminador não tem direito a
contaminar.
€
Πm
Neste caso, o ponto de partida será a origem do
gráfico.
CEm
0
Q*
Qπ
Q
Analisemos o problema
graficamente
O prejudicado preferirá que não se produza contaminação
absolutamente nenhuma e, por deter os direitos de propriedade, a sua
posição é a que tem mais força e é também a que prevalece.
€
Mas que se passaria se as duas partes decidissem
negociar o nível de externalidade ?
Πm
CEm
0
Q*
Qπ
Q
Analisemos o problema
graficamente
O prejudicado preferirá que não se produza contaminação
absolutamente nenhuma e, por deter os direitos de propriedade, a sua
posição é a que tem mais força e é também a que prevalece.
€
a
Mas que se passaria se as duas partes decidissem
negociar o nível de externalidade ?
Πm
b
E suponhamos ainda que a questão era deslocar-se a
actividade económica até ao ponto d, ou não.
CEm
c
0
d
Q*
Qπ
Q
Analisemos o problema
graficamente
O contaminador ganharia 0abd, de lucro total. Mas o contaminado
perderia 0cd. Contudo, como 0abd é maior que 0cd, há claramente
espaço para negociação
€
a
Πm
b
O contaminador pode compensar o contaminado num
montante superior a 0cd, e inferior a 0abd, continuando
assim a ter um ganho líquido. Podendo-se chegar a este
acordo, estar-se-ia perante uma melhoria Paretiana.
E se tudo isto é
possível, então
porque não prolongar
o processo negocial
até Q* ?
CEm
Será possível ir além
de Q* ? Porquê ?
c
0
d
Q*
Qπ
Q
Analisemos o problema
graficamente
Imaginemos agora que a titularidade dos direitos de propriedade é
do contaminador.
Isto quer dizer que ele tem o direito de dispor do meio
ambiente para despejar os seus produtos residuais.
€
Πm
Neste caso, o ponto de partida já não será a origem do
gráfico, mas sim Qπ.
CEm
0
Q*
Qπ
Q
Analisemos o problema
graficamente
€
Ainda que o ponto de partida seja Qπ, por ser o ponto para que tende o
contaminador quando dispõe do direito a contaminar, pode bem
acontecer que ambas as partes se encontrem e considerem a
possibilidade de uma passagem de Qπ a f.
Πm
Neste caso teria de ser o contaminado a compensar o
contaminador, para este reduzir um pouco a sua
actividade.
i
CEm
h
g
0
Q*
f
Qπ
Q
Analisemos o problema
graficamente
Como o contaminado tem de tolerar uma perda de fhiQπ quando não
se dá o deslocamento até f, ele está disposto a oferecer qualquer
quantidade inferior a esta, para que tal deslocamento se verifique.
€
Πm
Por seu lado, o contaminador está disposto a aceitar
qualquer quantidade superior a fgQπ, ou seja, aos
benefícios a que tem de renunciar.
i
De novo há
potencial para
acordo, e chegarse-á a f.
CEm
h
E porque não a Q*,
como na situação
anterior ?
g
0
Q*
f
Qπ
Q
Será possível ir
além de Q* ?
O Teorema de Coase
Então, desde que se possa chegar a um acordo entre
contaminador e contaminado, o mercado conduzirá,
segundo esta argumentação, ao ÓPTIMO SOCIAL – Q*.
Independentemente da titularidade dos direitos de
propriedade, existe uma tendência automática de
aproximação ao óptimo social.
E se isto é correcto, a regulação governamental da
externalidade não é necessária, porque o mercado se
auto-regula.
É esta argumentação que é conhecida por Teorema de
Coase. Apesar da sua simplicidade e elegância, ele coloca
muitas questões e levanta muitas críticas. Seguidamente
analisaremos apenas algumas das mais importantes.
Críticas ao Teorema de Coase
1. A ausência de Concorrência Perfeita
Assumiu-se que a externalidade óptima, alcançada no ponto em que
os benefícios marginais (Πm) igualam os custos externos marginais
(CEm), acontece apenas em situações de concorrência perfeita.
Ora a concorrência perfeita é fundamentalmente uma abstracção,
conveniente para a formulação de modelos económicos, mas muito
distanciada da descrição do mundo real. Em muitos casos reina a
concorrência imperfeita – monopólios, oligopólios, etc..
Nesta situação passamos a ter, na negociação, de considerar o
posicionamento de três tipos de agentes: o contaminador, o
consumidor do produto disponibilizado pelo contaminador, e o
contaminado (que em muitos casos também pode ser consumidor).
Considerar a possibilidade de se chegar a um acordo entre estes
três tipos de agentes não parece ser muito realista.
Críticas ao Teorema de Coase
2. Custos de Transacção elevados
É muito difícil encontrar exemplos de negociações deste tipo na vida
real. Mas como a existência de externalidades negativas é tão
comum, seria de esperar que a existência de acordos fosse a regra,
e não a excepção.
Então, ou o Teorema de Coase está demasiado afastado da
realidade, ou existem demasiados obstáculos para que ele se
efective.
Os defensores da negociação de mercado defendem que os
obstáculos residem fundamentalmente nos elevados custos de
transacção.
Custos de Transacção são os custos decorrentes de todo o processo
de organização do encontro entre as duas partes; da identificação
dos contaminados, normalmente dispersos e difíceis de identificar;
de redacção do próprio acordo, etc..
Críticas ao Teorema de Coase
2. Custos de Transacção elevados (continuação)
Os Custos de Transacção são portanto custos tão reais quanto
quaisquer outros, e não há qualquer razão para que não sejam
considerados.
Além disso, parece razoável que eles recaiam sobre a parte que não
detém os direitos de propriedade.
Se os Custos de Transacção são, para qualquer uma das partes,
maiores que os benefícios esperados da transacção, essa parte
abandonará a transacção, ou pode mesmo acontecer que ela nem
chegue a iniciar-se. Neste caso, o óptimo seria não alcançar acordo
nenhum… o que parece muito pouco lógico.
A existência de Custos de Transacção elevados pode assim explicar
porque se dá, em muitos casos a intervenção governamental. Se
esta é mais barata, pode ser ela a ter de conseguir a chegada ao
ponto óptimo.
Críticas ao Teorema de Coase
3. Dificuldades na identificação das partes negociadoras
Muitos poluentes podem permanecer no meio ambiente por períodos
de tempo enormes (séculos mesmo). Sendo assim, as vítimas
podem ainda não ter nascido, sendo impossível organizar um
encontro entre as partes.
Quanto muito, alguns grupos da geração actual podem negociar em
nome das gerações futuras. É o que se observa em muitas das
regulamentações actuais, e é o papel que esperamos que seja bem
desempenhado pelos governos.
Problema semelhante surge com os Recursos de Acesso Livre.
Neste caso o recurso não é propriedade de ninguém, não estando
claro quem deva negociar com quem, particularmente quando
nenhum indivíduo tenha um incentivo para reduzir o seu acesso ao
recurso.
Finalmente, é muitas vezes difícil identificar quem é o contaminador
e quem é o contaminado. Ou os contaminados podem não estar
conscientes dos danos que lhes são causados.
Críticas ao Teorema de Coase
4. As situações de Propriedade Comum
Neste caso, e em termos dos gráficos anteriores, Πm e CEm
“pertencem” às mesmas pessoas.
Indivíduos racionais e cooperativos compensarão os custos e os
benefícios para chegarem ao seu Q* pessoal, de tal forma que a
soma das posições individuais seja o óptimo social.
O pior é que a qualquer indivíduo pode compensar ir mais além de
Q*, se ele ou ela julgarem que se “podem safar” e ter ganhos a curto
prazo bastante grandes à custa dos outros utilizadores actuais e
futuros.
Este é o problema normalmente conhecido pelo problema do “Free
Rider” ou do “Passageiro Clandestino”.
Críticas ao Teorema de Coase
5. Ameaças
Outro problema com a solução negociada das externalidades é que
ela pode, potencialmente, converter ameaças numa actividade
económica.
Se um contaminado compensa um contaminador porque este último
é o titular dos direitos de propriedade, existe a possibilidade de que
outros contaminadores entrem no jogo e reclamem o seu direito à
compensação.
O uso de ameaças não pode ser considerado como um uso racional
de recursos económicos escassos.
Mais uma vez aparece aqui a relevância da intervenção dos
governos, definindo cuidadosamente quem são os titulares dos
direitos de propriedade, e negando-os por exemplo aos potenciais
ameaçadores.
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