Creatinina sérica em recémnascidos de muito baixo peso durante os primeiros dias de vida Larissa Rocha Reis Lia Nogueira Lima Coordenação: Paulo R. Margotto www.paulomargotto.com.br Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS)SES/DF Serum creatinine in very low birth weight infants during their first days of life A Auron and MJ Mhanna Department of Pediatrics, MetroHealth Medical Center, Case Western Reserve University, Cleveland, OH, USA J Perinatol 2006;26:755-760 Introdução A função renal é imatura nos primeiros dias de vida nos recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP) e prematuros; Nos RN, a creatinina sérica é elevada na primeira semana de vida; O clearance de creatinina e a creatinina sérica aumentam com a idade pós-natal nos prematuros; Pouco se sabe a respeito da relação entre IG, peso ao nascimento e creatinina sérica nos RNMBP. Objetivos Determinar as alterações na creatinina sérica pós-natal nos RNMBP; Determinar a existência de correlação entre IG ou peso ao nascimento e creatinina sérica nos RNMBP durante os primeiros dias de vida. Pacientes e Métodos Pacientes Os registros de todos os RNMBP (< 1500g ao nascimento), admitidos nesta unidade intensiva de cuidados neonatais (UICN) entre 1º de maio de 1998 e 1º de maio de 2001, foram identificados por meio de pesquisa na base eletrônica de dados; Foram considerados: escore de APGAR no 5º e 10º min, ventilação mecânica, CPAP, ingestão diária de líquidos, débito urinário, ingestão protéica, uréia nitrogenada sangüínea e creatinina sérica durante os seis primeiros dias de vida; Pacientes que estavam em ventilação de alta freqüência e que receberam dopamina, dobutatamina, indometacina, gentamicina, xantinas ( aminofilina, cafeína) e diuréticos também foram identificados; Valores laboratoriais foram analisados e as amostras hemolizadas foram excluídas; Valores laboratoriais foram coletados durante a primeira semana de vida entre os dias 2 e 6. ( o 2º dia de vida foi considerado a primeira manhã depois das primeiras 24h de vida); Critério de inclusão: Todos os RNMBP admitidos na UICN durante o período de estudo; Critérios de exclusão: Todos os pacientes com oligúria/anúria (débito urinário em 24h < 1ml/kg/hora), em uso de indometacina, anfotericina e diuréticos, hemodinamicamente instáveis, com anomalias congênitas maiores e com APGAR no 5º min < 5; A creatinina sérica foi determinada pelo método Jaffe, usando o sistema SYNCHRON LX 20; O estudo foi aprovado pelo Institutional Review Board na MetroHealth Medical Center. Análise Estatística: A medida repetida da análise de variância (ANOVA) foi usada para avaliar a diferença de creatinina sérica, uréia, infusão de líquidos IV e débito urinário de todos os RNMBP; Um teste t pareado (com a correção de Bonferroni) foi usado para comparação entre os dias 2,3,4 e 5 e o dia 6; O teste de Pearson também foi usado para a correlação entre a creatinina sérica e o peso ao nascimento; P<0,05 foi considerado estatisticamente significativo; Para dados nominais foi utilizado o teste quiquadrado. Resultados 1977 RN foram admitidos na UICN; 28% com IG ≤ 32semanas; Somente 138 RN entraram no critério de inclusão; Houve decréscimo na creatinina sérica do RNMBP durante os primeiros dias de vida (p=0,004, n=138). Houve ≠ estatisticamente significativa entre os dias 2 e 6 (p<0,001) e 3 e 6 (p=0,001). Não houve entre os dias 4 e 6 (p=0,063) e 5 e 6 (p=0,65). Houve aumento na uréia sérica em RNMBP durante os 1ºs dias de vida (p=0,004) e houve ≠ estatisticamente significativa entre os dias 2 e 6 (p=0,004). Durante os 1ºs dias de vida, houve aumento na infusão de líquidos IV (p<0,001) e no débito urinário entre o dia 2 e 6 (p=0,004). Na análise dos subgrupos, não houve decréscimo significativo na creatinina sérica dos RN com IG < 29 sem (p=0,076). Já nos RN com IG entre 29 e 32 sem, houve um decréscimo significativo(p<0,016) Não houve decréscimo significativo na creatinina sérica em RN<1000g (p=0,298). Já nos RN entre 1000 e 1500g, houve decréscimo significativo (p=0,004) No 5º dia de vida, foi observado decréscimo na creatinina sérica com o aumento da IG (coef. de Pearson: 0,206; p=0,05) e do peso ao nascimento (coef. de Pearson: 0,236; p=0,05). Entre os pacientes, 89% receberam gentamicina, 48% xantinas (aminofilina e/ou cafeína) e 21% foram submetidos à ventilação mecânica (intubação) ou ao CPAP durante o período do estudo; Considerando o uso de gentamicina, xantinas e ventilação mecânica/CPAP como possíveis fatores de confundimento que pudessem alterar os níveis de creatinina sérica, foi usada análise de regressão logística; Decréscimo ≥ 10% na creatinina sérica (entre o dia 2 e 6) foi escolhido como variável dependente e o uso de gentamicina, xantinas e ventilação mecânica/CPAP como variáveis independentes; Não houve efeito estastísticamente significativo da gentamicina, xantinas ou ventilação mecânica/CPAP na variação da creatinina sérica entre o dia 2 e 6. O decréscimo de creatinina sérica ≥ 10% foi escolhido pela queda de 0.75 no 2º dia para 0.65 no 6º dia. Para determinar se ventilação mecânica/CPAP em RN com IG < 29 semanas contribui para um aumento dos níveis séricos de creatinina no 6° dia de vida, uma análise de subgrupo foi realizada; Não houve ≠ significativa entre o % de RN ventilados ou tratados com CPAP com IG< 29 semanas e IG≥ 29 semanas durante o período do estudo. Discussão Observou-se em uma grande coorte de RNMBP (459 a 1493g) que a creatinina sérica está elevada no 2° dia de vida e decresce no período pós-natal para alcançar um platô entre o 4° e o 6° dia de vida; No entanto, em uma análise de subgrupo, foi observado que a creatinina sérica não decresce significativamente durante os 6 primeiros dias de vida em RN com IG< 29 semanas e peso ao nascer< 1000g; A alta morbidade dos RNMBP durante os dois primeiros dias de vida e a exposição a múltiplos agentes que podem prejudicar a função renal tornam difícil estabelecer valores de referência normais para a creatinina nos primeiros dias de vida; Durante os dois primeiros dias de vida, os altos níveis de creatinina dos RN podem ser atribuídos a combinação de: níveis maternos de creatinina, imaturidade da filtração glomerular e aumento da reabsorção tubular de creatinina; Os achados deste estudo são consistentes com outros: Bueva et al mostrou um decréscimo da creatinina sérica entre o dia 1 e 2 e 8 e 9 em 11 pacientes ( 1001 a 1500g); Em um pequeno n° de pacientes, divididos em dois grupos de IG< 30 semanas e entre 31 e 34 semanas, Vanpee et al mostrou que o desenvolvimento da função renal pós-natal é mais lenta em RN prematuros que a termo. Estes autores mostraram que da 1ª a 5ª semana pós-natal, o clearance de creatinina (em ml/min/1,73m2) aumentou de 10 para 20 com IG< 30 semanas e de 15 para 30 com IG entre 31 e 34 semanas. Estes achados são consistentes com os do presente estudo; Neste estudo não foi medida a taxa de filtração glomerular, mas se observou que em RN com IG < 29 semanas e peso < 1000g, a creatinina sérica se manteve elevada durante os primeiros dias de vida, provavelmente secundária a um baixo clearance de creatinina nesses RN extremamente prematuros; A uréia sérica também aumentou nos primeiros dias de vida, provavelmente secundária a um aumento na ingesta protéica entre o 2° e o 6° dia de vida; A infusão de líquidos IV e o débito urinário aumentaram durante os primeiros dias de vida, Houve decréscimo nos níveis séricos de creatinina com o aumento da IG. Estes achados são consistentes com achados prévios de Bueva et al, que mostrou que a concentração plasmática de creatinina é significativamente maior em RN pré-termos quando comparados aos de termo entre o 1° e o 2º dias de vida e que o clearance de creatinina correlaciona-se com a IG; Em outro estudo, Gallini et al mostraram uma correlação entre creatinina sérica e idade pós-natal em 83 RN com IG< 32 semanas. Não houve diferença na creatinina sérica entre RN de diferentes IG ao nascimento, mas estes autores encontraram uma correlação inversa entre creatinina sérica e IG do 3° dia de vida a 5ª semana; Durante a 1ª semana de vida, o valor máximo de creatinina sérica foi significativamente maior no grupo de RN com IG < 32 semanas do que naquele entre 27 e 32 semanas. Estes dados são consistentes com os deste estudo; Este estudo mostrou que a creatinina sérica em RN com IG< 29 semanas e peso < 1000g não decresceu significativamente durante a 1ª semana de vida em comparação aos RN com IG entre 29 e 32 semanas e peso ao nascer de 1000 a 1500g; Este estudo apresentou limitações: Revisão retrospectiva dos dados; Não houva medição do clearance de creatinina; Não houve dados médicos pré-natais para serem revisados; Alguma exposição pré-natal a medicações nefrotóxicas, como os inibidores de prostaglandinas poderia ter alterado os resultados do estudo; A possibilidade da presença de um PDA silencioso que possa ter afetado a função e a perfusão renal ( foram excluídos pacientes com PDA sintomáticos e com ecocardiograma para confirmar este diagnóstico); Apesar de haver a possibilidade de dano renal em virtude da ventilação mecânica ou CPAP, durante a análise de regressão logística não foram observados efeitos estatisticamente significativos entre estes e a creatinina sérica durante o período do estudo. Estudos prospectivos são necessários para explorar a maturação da função renal em RN prematuros e para determinar a existência de um retardo na maturação e função renal que se estende do período neonatal para infância, adolescência e ou idade adulta. Conclusão Em RNMBP, os níveis de creatinina sérica decrescem nos primeiros dias de vida para alcançar um platô entre o 4º e o 6º dia de vida, provavelmente refletindo mais a própria creatinina do que a da mãe; Em RN com IG< 29 semanas ou peso < 1000g ao nascimento, existe um retardo no decréscimo da creatinina sérica, que se estende até por volta do 6° dia de vida; Durante os primeiros dias de vida (no 5°) e nos RNMBP, a creatinina sérica decresce com o avançar da IG e o peso ao nascimento. Abstract Objectives: Little is known about the relationship between gestational age (GA) or birth weight (BW) and serum creatinine (SCr) in very low birth weight (VLBW) infants. We sought to study postnatal SCr changes and determine if there is a correlation between GA or BW and SCr in VLBW infants, during their first days of life. Study Design: Medical records of all VLBW infants, who were admitted to our neonatal intensive care unit (NICU) between 1 May 1998 and 1 May 2001, were reviewed. Medical records were reviewed for: BW, GA, gender, race, APGAR scores, mechanical ventilation, use of medications, fluid intake, urinary output, protein intake, blood urea nitrogen (BUN) and SCr during the first days of life. Patients with anuria/oliguria, major congenital anomalies, low APGAR scores at 5 min, on high ventilator settings (on the oscillator), hemodynamically unstable (on pressors, inotropes) and on indomethacin and diuretics were excluded. Results: In total, 138 infants met our inclusion criteria. SCr was found to decrease postnatally, reaching a plateau on day 5 of life in all VLBW infants (repeated measure analysis of variance; P=0.004); however, there was a delay in the decrease of SCr in the subgroup of infants <29 weeks GA, and <1000 g BW. SCr (on day 5 of life) was also found to decrease with increasing GA and BW (Pearson correlation coefficient: -0.206 (P=0.05) and -0.236 (P=0.05) respectively). Conclusion: In VLBW infants SCr decreases significantly during the first days of life; however, in infants younger than 29 weeks GA or smaller than 1000 g BW there is a delay in the decrease of their SCr that extends beyond the first days of life. We also conclude that during the first days of life, and in VLBW infants SCr decreases with advancing GA and BW. Keywords: gestational age, very low birth weight, serum creatinine, postnatal age, infants, neonatal intensive care unit Referências do artigo: Chevalier RL. 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