Curso Online A Escola no Combate ao Trabalho Infantil
Professora Marcia Acioli1
Vídeo Aula 22
Participação e Protagonismo – Direitos enquanto vivência cotidiana
Ao defendermos o trabalho com o Estatuto na escola, ou seja, com os direitos da
criança e do adolescente, é interessante perceber que nós, educadores e educadoras,
temos que conhecer o que o Estatuto preconiza. Quais são os direitos, as formas de
defendê-los, que diferenças eles podem fazer na sociedade e na vida das crianças e dos
adolescentes. Mas, como recurso ou como objetivo pedagógico, não é necessário pegar
item por item e fazer uma aula de direitos, não é exatamente isso que importa. O
importante é que a noção de direito e de ser sujeito de direitos seja percebida, sentida,
experimentada na própria vida de crianças e adolescentes. Que eles percebam o que fazer
para defender a realização plena destes direitos, já garantidos pelo ECA, e também a
realização de outros que serão necessários ao longo da vida.
Eu costumo partir, em minha experiência pedagógica de trabalho com direitos, do
artigo quarto do Estatuto que é, para mim, uma espécie de “espírito do ECA”, ou seja,
aquilo que ilumina o restante, que ilumina todo o resto que é detalhado a seguir.
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
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Márcia Acioli é arte educadora formada pela Universidade de Brasília, especialista em Violência Doméstica,
pela USP e mestre em educação. Foi professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal por 17 anos e
Assessora Nacional do Programa de Defesa e Promoção dos Direitos da Infância, Adolescência e Juventude
da Cáritas Brasileira por 5 anos. Desde setembro de 2008 é Assessora Pedagógica do Instituto de Estudos
Socioeconômicos – INESC (www.inesc.org.br).
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Foram feitas apenas as adaptações necessárias à transposição do texto falado para o texto escrito.
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
ECA - Artigo 4o
Desse artigo decorre uma série de coisas que são fundamentais, são essenciais.
Quero destacar que compreender-se como sujeito de direitos, dessa série de direitos que
estão elencados neste artigo e em todo o Estatuto, significa dar um novo lugar, perceber
um novo lugar social para si. Isso é fundamental.
Cada criança e cada adolescente deve se perceber, se situar, dentro deste contexto
de direitos. Quando isso ocorre, muda o olhar da criança sobre si mesma, e sobre o seu
lugar no mundo. É importantíssimo, porém, pontuarmos que isto não significa uma
mudança arrogante, como alguns profissionais da educação debatem muito comigo,
quando dizem, por exemplo: “Se a criança se perceber como alguém que tem direitos,
então vai ter uma posição arrogante”. E isso não é verdade. Perceber-se como sujeito de
direitos estabelece uma posição de autoconfiança, de percepção não subserviente. A
criança percebe que não deve nada a ninguém, mas, que tem direito. Percebe, por
exemplo, que tem direito a estudar em condições igualitárias, em uma escola de qualidade,
que garanta o se desenvolvimento pleno, tanto como para qualquer outra criança.
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Obviamente, não dá para o professor sozinho trabalhar tantas coisas. Falar de
saúde, de educação, de alimentação, de tantas coisas. Portanto, se faz necessário um
diálogo com o extramuros, ou seja, para fora da escola. É possível convidar pessoas para
conversar sobre o que é o direito à educação, o que é uma alimentação adequada, ou o
direito a saúde em quais contextos ele se dá. Este diálogo com a comunidade se faz
necessário não só para se compreender melhor esta série de direitos, como também é
interessantíssimo para a própria comunidade, dialogar neste patamar, com o pano de fundo
dos direitos. As crianças e os adolescentes também educam os nossos companheiros de
comunidade. A educação é movimento, não é uma coisa linear, é uma ação de diálogo de
várias perspectivas. Portanto, compreender a proteção integral, significa compreender a
vida social de uma maneira mais complexa também.
Voltando para o papel do professor e da professora, nós temos algumas
possibilidades para trabalhar com os direitos nos vários espaços da escola, sempre com a
perspectiva pedagógica. É possível promover uma série de momentos diferentes como
gincanas, entrevistas na comunidade, fotografia, desenho, observações sobre como o
direito está sendo cumprido ou não, além do reconhecimento de quais são os órgãos e
lugares que existem para defender e promover direitos na comunidade. Nesta experiência
concreta, vai se internalizando e naturalizando este novo lugar, que é o lugar de direitos.
Uma série de atividades diferentes e diversificadas, vão somar no amadurecimento deste
processo.
Na secretaria de educação, no Distrito Federal, nós desenvolvemos um trabalho que
foi uma provocação a todos os diretores e diretoras de escolas públicas, na época umas
600 escolas, para que os professores desenvolvessem alguma proposta pedagógica na
área de direitos e mais especificamente sobre o Estatuto.
É interessante perceber que as crianças, nesta experiência que utilizava a
linguagem artística, conseguiram captar da forma poética e traduzir de uma maneira
absolutamente profunda o que nenhum texto consegue dizer sobre os direitos. Elas
conseguiram chegar, às vezes poeticamente, a conclusões muito densas. Uma das frases,
que eu acho muito bonita, é de um garoto que trata da dignidade, dizendo o seguinte:
“Dignidade é a palavra que o surdo ouve e o cego vê”, ou seja, a dignidade é uma
experiência tão concreta que ela extrapola as próprias limitações. Outra criança chegou à
conclusão de que “a dignidade é uma palavra esquisita, não sei bem o que é, mas
acho que é um sentimento que, se destruído, dói por dentro”. Percebam que crianças,
quando passam por este tipo de experiência pedagógica, jamais vão esquecer estes
conceitos. É uma coisa que se internaliza, se transformando em uma forma de perceber a
própria vida.
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Eu trago também uma experiência como visitante em escolas, organizando
adolescentes em oficinas para, juntos, efetivarmos uma aventura pedagógica que
movimenta a escola inteira. Nós possibilitamos, assim, um olhar mais crítico e sensível.
Esta é uma dimensão fundamental no processo, que constrói relações absolutamente
transformadoras, ou seja, que contemplam a participação e o protagonismo. É preciso
ressaltar sempre que educação em direitos e o protagonismo, jamais têm a intenção de ser
uma experiência de confronto de autoridades. Infelizmente, muitos educadores ainda
possuem esta visão de que protagonismo significa questionar autoridade. Quando falamos
de protagonismo, estamos tratando de um campo de diálogo no qual todas as pessoas são
importantes, pois se trata de uma ação fundamentada no diálogo. Isso não significa dizer
que o adolescente tem sempre razão, mas sim, que ele tem opinião, assim como os
professores, os pais e mães etc., e que todas estas opiniões são colocadas para a
construção de uma nova perspectiva coletiva. Muitas vezes, não é possível construir
consenso, mas sempre podemos intensificar o diálogo, e, quando isso acontece, as
relações da escola se transformam. As relações de conflito, por exemplo, deixam de ser
agressivas, ainda que o conflito continue existindo, pois ele é da natureza humana e da
sociedade democrática. Considerado necessário para a democracia, o conflito é visto como
negociação de realidade, de opiniões e de ideias. O que se transforma é a maneira de lidar
com os conflitos.
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Quando defendemos uma educação em direitos, que trate da participação, ou seja,
de todos se colocarem dentro do processo para se construir novos saberes e novas
realidades, nós estamos falando de respeito, e isso é fantástico, é muito bonito. E gostaria
de chamar a atenção que muitas vezes nós, adultos, temos alguns vícios que impedem a
real vivência do protagonismo. Algumas coisas que podem parecer detalhes mostram,
como foi dito, que o nosso olhar determina o tipo de relação que nós temos com qualquer
pessoa, mas, em especial com os alunos, crianças e adolescentes. Quando utilizamos, por
exemplo, uma frase como: “temos que dar a voz aos adolescentes”, ela significa que o
entendimento é que a voz nos pertence, e nós a concedemos aos outros. Mas não é assim.
Todo mundo tem voz. Até aqueles que não falam! Eles têm a sua voz simbólica, falam com
as mãos, com desenhos, com a escrita... Uma vez, no Fórum Social Mundial, em Quito, no
Equador, eu vi uma frase num muro que não me saiu mais da cabeça: “Pra que calar se eu
nasci gritando?” Ela nos lembra que não devemos silenciar o outro, mas ouvi-lo, e ouvir
significa considerar. Não necessariamente aceitando. Podemos não aceitar, mas devemos
considerar, como uma questão ou uma perspectiva importante do processo educativo no
qual todas as pessoas são importantes e se transformam, inclusive nós.
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