Curso Online A Escola no Combate ao Trabalho Infantil
O Trabalho Infanto-Juvenil: Características e
Malefícios1
Professora Elvira Mirian Veloso de Mello Cosendey2
1 – Histórico
Historicamente, crianças e adolescentes sempre trabalharam. Desde os tempos
bíblicos há relatos de Jesus ajudando o pai carpinteiro. Os índios mantém em sua cultura a
participação de crianças em atividades laborativas, como caça, pesca, afazeres domésticos
e artesanato. Na nossa cultura, também as crianças e adolescentes sempre exerceram
atividades laborativas para auxiliar a renda, desde a arrumação da casa até nas atividades
produtivas que sustentam financeiramente a família.
Sabemos que esta educação participativa é salutar para o desenvolvimento do ser
humano e a nossa abordagem não nega a importância deste contexto familiar, que propicia
o comprometimento e aguça a responsabilidade e a cooperação, fortalecendo os vínculos
familiares, Queremos abordar aqui o trabalho infantil explorador, que rouba o tempo
precioso de vivenciar uma infância rica em brincadeiras, com boas horas de sono e amplo
tempo para estudar e aprender.
No Brasil, o início do Século XX passa a ser um marco nas relações trabalhistas, pois
ai está o cume do movimento abolicionista e o início da industrialização, que quebra a
relação de trabalho familiar e passa a exigir a relação de trabalho com a obrigação de
produção e cumprimento da jornada rígida de trabalho. Estes acontecimentos contribuíram
para o êxodo do homem do campo para a cidade. A luta das famílias pobres, oriundas do
campo, pela sobrevivência nos grandes aglomerados urbanos foi sempre árdua, pois não
estavam preparadas para exercer funções que lhes rendessem boa remuneração.
Ganhando salários parcos e tendo que arcar com o pagamento de todos os serviços
utilizados (saúde, transporte, alimentação, moradia, água, luz, impostos etc.), os membros
das famílias tiveram que ir à luta. Mães passaram a “abandonar” seus filhos para
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Capítulo 3 do livro TRABALHO INFANTIL: A INFÂNCIA ROUBADA, publicado pela PUC-Minas em parceria
com o Ministério do Trabalho e Emprego. Belo Horizonte, 2002, páginas 47 a 53.
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Técnica de Nível Superior do Ministério do Trabalho e Emprego, coordenadora do Fórum Estadual de
Combate ao Trabalho infantil e Proteção ao Adolescente de Minas Gerais. Agradecemos à autora pela
cessão dos direitos de uso do texto no curso Online A Escola no Combate ao Trabalho Infantil.
complementar a renda familiar, assim como os filhos mais velhos e até as crianças
passaram a contribuir. No início deste processo de industrialização, a participação das
crianças na produção das fábricas não era questionada. Hoje, o trabalho infanto-juvenil
ainda é aceito culturalmente e considerado como uma das etapas do amadurecimento dos
jovens. Porém, existe uma outra corrente de pensamento que acredita que o trabalho
infantil tira oportunidade dos jovens de se desenvolverem em sua plenitude tornando-se
adultos com poucas chances de inserção no mercado de trabalho competitivo, cujas
habilidades intelectuais são cada vez mais exigidas.
2 – A Legislação
O Decreto-Lei 1.313 de 1891 foi a primeira norma legal de proteção ao trabalho
infanto-juvenil. Proibia o trabalho de jovens com menos de 12 anos de idade, fazia
restrições a certas operações com maquinários e limitava a jornada em sete horas diárias,
além de proibir o trabalho noturno.
O Decreto-Lei 16.300 de 1923 chegou a limitar em seis horas a jornada diária dos
adolescentes com menos de 18 anos.
O Decreto 17.943-A aprovou o Código de Menores de 1927, manteve a idade de 12
anos para o ingresso ao trabalho, mas o Decreto-Lei 220.242 de 1932 e as Constituições
de 1934, 1937 e 1946 mantiveram a idade de 14 anos.
A CLT3 em sua primeira edição de 1943, dedicou um capítulo à proteção do menor.
Em 1946, a Constituição proibiu a diferença entre salário do adolescente e do adulto.
Esta prerrogativa se confirmou na Constituição de 1967, que retornou a idade de 12 anos
para o ingresso ao trabalho. Também em 1967, a Lei n o 5.274 alterou o salário dos jovens
conforme a faixa etária. Para conturbar mais ainda este cenário legalista, em 1987 o
Programa Bom Menino flexibilizou as relações trabalhistas e dispensou os empregadores
de arcar com os encargos provenientes destas, permitindo o trabalho de adolescentes
entre 12 e 18 anos.
Em 1988, a Constituição voltou a proibir a diferença salarial entre jovens e adultos e o
trabalho noturno, perigoso ou insalubre para adolescentes com menos de 14 anos, mas
permitiu a aprendizagem a partir dos 12 anos.
o
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Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto-Lei 5.452 de 1 de maio de 1943
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Em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu capítulo V, dedicou os
artigos 69 e 70 ao “Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho”. Vale esclarecer
que o Estatuto da Criança e do Adolescente define como criança aqueles com até 12 anos
(incompletos) e como adolescentes os de 12 a 18 anos (incompletos).
Mais recentemente, foi aprovada a aprovada a Emenda Constitucional número 20 de
16/12/1998, que altera para 16 anos a idade para o ingresso ao trabalho, salvo na condição
de aprendiz, a partir dos 14 anos, e proíbe qualquer trabalho perigoso, insalubre e penoso
para os que têm menos de 18 anos.
A Lei 10.097 de 19/12/2000 vem dar nova roupagem à aprendizagem para aqueles
com idade entre 14 e 18 anos. Destacamos também a ratificação, pelo Brasil, das
Convenções 138 e 182 da OIT4 que tratam, respectivamente, da idade mínima pra ingresso
ao trabalho – 16 anos e proíbem as piores formas de trabalho infantil, aqui consideradas
para os menores de 18 anos.
Nas décadas de 80 e 90, foi aprovado o maior número de leis de garantia dos direitos
das crianças e dos adolescentes, colocando o Brasil em lugar de destaque internacional.
Falta colocá-las em prática.
3 – Contexto Sócio Familiar
Podemos afirmar que a exploração do trabalho infantil existe, principalmente, pela
condição de miserabilidade e desestruturação das famílias, ausência de políticas públicas e
péssima distribuição de renda deste país.
Entre ontem e hoje, existem algumas diferenças. Ontem, os filhos trabalhavam
sempre sob a coordenação e responsabilidade dos pais. A aprendizagem do ofício era
gradualmente absorvida no dia-a-dia. Hoje, a criança pobre é obrigada a trabalhar para
ajudar no sustento da família, não passa mais pela convivência saudável do labor.
Normalmente, os filhos explorados no trabalho são filhos de pais que também
passaram por esta situação e não conseguiram interromper o círculo. Isto é, não tiveram
acesso à educação e consequentemente continuam fora do mercado de trabalho e sem
chance de retornar.
A miséria e a necessidade de sobrevivência levam os pais à conivência com o
trabalho precoce. Chega a ser assustador como os próprios pais exploram os filhos,
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Organização Internacional do Trabalho
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permitindo que prestem serviços em situações perigosas, insalubres e penosas. Existem
pais que, pelo fato de não conseguirem trabalhar outros valores com os filhos, ficam
também vulneráveis ao forte apelo da mídia, insistem em uma vaga em qualquer oficina,
padaria, farmácia etc. para suprirem os desejos consumistas dos filhos. No entanto, na
primeira chance, denunciam aquele que primeiro foi seu salvador, como o vilão e
explorador de seu filho.
Pouco se comenta das ações do judiciário, conselhos tutelares, Ministério Público,
que venham a repreender os pais quanto à exploração da mão-de-obra de seus filhos,
ficam todos acobertados sob o manto da necessidade e da carência material destas
famílias. Destaco aqui o artigo 424 da CLT - “É dever dos responsáveis legais de menores,
pais, mães ou tutores, afastá-los de empregos que diminuam consideravelmente o seu
tempo de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário a sua saúde e constituição
física, ou prejudiquem a sua educação moral”. A sociedade muitas vezes acha que este é o
caminho natural, por se tratar de crianças e adolescentes pobres e acaba, também,
reforçando essa exploração, na medida em que consome produtos oriundos do trabalho
infantil e não denuncia aos órgãos competentes a exploração de mão-de-obra infantojuvenil. Vemos assim, uma total inversão de poder e valores: os pais que deveriam ser
provedores delegam aos filhos este papel, que é aceito e tolerado pela sociedade,
4 – O Trabalho
Esse círculo perverso, pobreza / evasão escolar / pobreza, se fortalece na medida em
que as horas trabalhadas por crianças e adolescentes podem chegar a até 8, 12 ou mais,
seja em horário noturno ou diurno, em atividades formais e informais, na zona rural e
urbana.
No Brasil, é considerado proibido o trabalho infanto-juvenil exercido por criança ou
adolescente com idade inferior a 16 anos. A aprendizagem a partir dos 14 anos é permitida,
desde que as atividades educativas superem as produtivas. Essa idade de 16 anos se
justifica, pois coincide com a idade em que os jovens estão ou deveriam estar concluindo o
ensino fundamental.
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Hoje, ainda encontramos crianças e adolescentes trabalhando nas lavouras, em
pedreiras, carvoarias, olarias, lixões, matadouros, indústria calçadista e na fabricação de
fogos de artifício, como também nas ruas como vendedores, pedintes, guardas-mirins,
lavadores de carros. As condições de trabalho são degradantes, crianças e adolescentes
expostas a longas filas de banco, em contato com agrotóxicos, graxas, óleos, ferramentas
cortantes, descargas elétricas, explosivos, altura etc. Caminham longas distâncias como
vendedores, ambulantes de todo tipo de quinquilharias em sinais e pelas madrugadas.
Sentados em posição incorreta, descascando alho, mandioca, ou quebrando pedras.
Carregam pesos além de sua capacidade física em feiras, comércio e na agricultura.
Expostos a todos os riscos nas ruas, como atropelamentos, abordagem pelo tráfico de
drogas, prostituição e furtos.
O trabalho doméstico é uma forma de trabalho infantil-juvenil amplamente usada em
nossa sociedade no qual meninas vindas do interior e de zonas rurais buscam melhores
condições de vida e, com a promessa de estudo, se empregam em casas de famílias como
babás e empregadas domésticas, permanecendo nesta situação eternamente. Há também
o trabalho ilícito, em que jovens cada vez mais jovens estão sendo utilizados como mãode-obra no tráfico de drogas.
5 – As Consequências
O trabalho infantil impede que a criança tenha um desenvolvimento harmonioso,
existe um amadurecimento precoce. Rouba-lhe a infância. Este período é profícuo, tudo o
que se ensina é rapidamente aprendido. Se uma criança não vai para a escola na época
certa, terá dificuldades em recuperar o que não foi assimilado. Os períodos de “alerta” para
aprendizagem de várias tarefas como ler e andar de bicicleta, quando desperdiçados, tem
comprometida sua recuperação. O cansaço toma conta e não há disposição para
frequentar a escola, dormem em sala de aula ou simplesmente não conseguem ter uma
boa frequência. Quando insistem, a falta de atenção, pelo cansaço, os faz ficar cada vez
mais distante da aprendizagem desejável e, em consequência, sentem-se humilhados
frente aos colegas que acompanham com regularidade a escola. Tal fato vai se agravando
até que o jovem trabalhador perde totalmente o interesse por aprender. A liberdade que
experimentam nas ruas é fascinante e bem mais interessante que os fatos ocorridos em
sala de aula. Mas a frequência acompanhada de aproveitamento, pode representar a sua
única chance de ascensão social.
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Lembramos que as crianças e adolescentes expostas ao trabalho precoce são
oriundos de famílias pobres, muitas vezes sem condições de prover uma alimentação
diversificada e adequada ao seu desenvolvimento físico o que os torna jovens franzinos.
Este particular já os coloca em desvantagem para as duras tarefas do trabalho diário.
Consequentemente, o trabalhador infanto-juvenil está mais propenso às lesões físicas
como deformação óssea, atrofia muscular, intoxicação, perda de membros, picadas de
animais, queimaduras. Lembramos que a lesão nos joelhos de jogadores jovens está
relacionada às exigências físicas a que se submetem estando ainda em uma fase de
desenvolvimento físico. Este mesmo princípio se aplica aos jovens trabalhadores expostos
às atividades físicas além de sua capacidade. A percepção de uma criança é difusa e
desorganizada. Para se ter mais precisão, depende de um período de amadurecimento
onde não há queima de etapas. Este fato em si, falta de atenção, é um agravante para que
aconteçam acidentes de trabalho. “Acidentes” esses, muitas vezes irreversíveis, tornando o
jovem inválido, quando não lhe tira a vida.
O ambiente de trabalho em geral é fastidioso, pouco criativo, repetitivo. A competição
impera, seja para obter ganhos maiores, devido à produtividade, seja para manter o
emprego. Assim, o jovem trabalhador é forçado a um amadurecimento precoce. Sabemos
de jovens com 13 anos que, ao se adequar ao ambiente social de trabalho, iniciou-se em
uso abusivo de álcool e cigarro, isto para ser respeitado e considerado como homem pelo
grupo de adultos em que convivia.
Temos que levar em conta que a adolescência é um período de transformações,
agitação e angústia, em que o jovem está mais vulnerável à influência do grupo. Dentro das
mazelas psíquicas destacamos a baixa estima, o que acaba levando à depressão.
Sabemos que o desenvolvimento psíquico do ser humano passa por etapas que vão desde
a total dependência da mãe e o vencer de fases que gradualmente vão sendo superadas,
mas sempre com uma relação positiva de bons exemplos e de reforços positivos. Relação
esta que é adversa no ambiente de trabalho.
6 – A Saída
O mercado de trabalho está cada vez mais exigente, necessitando de profissionais
mais capazes de desempenhar funções complexas. As atividades automáticas e repetitivas
já são exercidas por máquinas computadorizadas tanto na indústria como na agricultura. O
homem, para ocupar espaço no mundo do trabalho, no século XXI, terá que ter algumas
características como criatividade, capacidade de trabalhar em equipe, atualização através
de estudo constante. Essas exigências nos levam a crer que teremos uma gama da
população improdutiva, tornando-se um peso para a sociedade e sobrevivendo
exclusivamente de programas assistenciais, tais como Renda Mínima e Bolsa Escola. A
ignorância perpetua esta situação, que só poderá ser interrompida através da educação em
sua mais ampla concepção.
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Assim, não basta educar somente as crianças e os adolescentes. Não adianta só
atender o jovem em instituições, pois, quando do retorno para casa, a realidade lhe mostra
uma família desestruturada. Há que se ter políticas públicas voltadas para o atendimento
às famílias que informem sobre os malefícios do trabalho infantil e demandem dos pais
mais responsabilidade em gerar filhos. Hoje não se fala em planejamento familiar, teríamos
que ter ampla campanha conscientizando o que é uma paternidade responsável, quanto
custa ter filhos saudáveis, produtivos e que terão que assumir responsabilidade social
quando adultos.
Entendo que a existência do trabalho infantil é a soma da ausência de várias políticas
públicas que se arrastaram por décadas neste país. Assim falharam as políticas de
educação, saúde, trabalho e geração e distribuição de renda, segurança, assistência social,
planejamento familiar etc. Na verdade, é a falência de todas elas.
Não podemos negar que existem algumas iniciativas de combate ao trabalho infantil,
como: os diversos programas de renda mínima/bolsa escola seja em nível federal, estadual
ou municipal, e o PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, uma iniciativa da
Secretaria de Estado, Assistência Social/MPAS5, que repassa uma bolsa de R$ 25,00 ou
R$ 40,00 para a família manter seus filhos na escola6.
O combate ao trabalho infantil depende de uma nova visão sobre a questão e ampla
discussão pela sociedade. Com este objetivo, foi constituído o Fórum Nacional de
Prevenção de Erradicação do Trabalho Infantil, que congrega os 27 fóruns existentes em
nível estadual, e mais de 40 entidades governamentais e não governamentais. A ação
deste Fórum teve o papel relevante na aprovação das convenções 138 e 182 da OIT e está
acompanhando de perto sua implementação. O fórum também está exigindo que o
Governo Federal adote um plano nacional de prevenção e erradicação do trabalho infantil 7,
baseada no documento Diretrizes para Formulação de uma Política Nacional de Combate
ao Trabalho Infantil, documento este já aprovado pelos 27 fóruns estaduais.
Referências Bibliográficas
PEREIRA, Irandi; CARVALHO, Maria do Carmo Brant de; CALIL, Maria Izabel;
MESTRINER; Maria Luiza. (1994). “Trabalho do Adolescente: Mitos e Dilemas” – Série
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Instituto de Estudos Especiais da
PUC/SP. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
5
Ministério de Assistência e Previdência Social.
Valores de 2002, quando o texto foi publicado.
7
O primeiro plano foi aprovado em 2004, hoje já existe uma segunda versão, de 2011, que pode ser consultada pelo link
http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/ipec/pub/plan-prevencao-trabalhoinfantil-web_758.pdf
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