Caso clínico: Leishmaniose Visceral (Calazar) Apresentação: Leandro R. Soares Tiago Ferreira de Paula Coordenação: Luciana Sugai Escola Superior de Ciências da Saúde(ESCS)/HRAS/SES/DF www.paulomargotto.com.br Caso Clínico ID: KAS, masculino, 03 anos, negro, natural e procedente de Unaí-MG. Informante, o pai. QP: “Febre há 8 dias” HDA Pai relata que há 8 dias criança iniciou quadro de febre, aferida (38,1C - 39,0C), intermitente, que cessava temporariamente com uso de sintomático. Relata também adinamia, hiporexia e taquidispnéia esporádica associados ao início da febre. Relata diurese concentrada, com odor normal e coloração alaranjada, não evacua há 3 dias. Nega tosse, náusea, vômitos e qualquer outro sinal e/ou sintoma associados ao quadro atual. Não faz uso crônico de medicação e nem fez tratamento medicamentoso recentemente. Como não houve remissão espontânea do quadro, o pai procurou atendimento no hospital municipal de Unaí, onde foi feito 2 doses de Keflin e prontamente encaminhado para o HRAS para melhor condução diagnóstica. RS: NDN A. Fisiológicos: Gemelar 1, Nascido de parto normal, prematuro de 32 sem, PN 2750g, sem complicações no período neonatal. Mãe GIIPnIIIA0 (Gemelar2 faleceu no parto), fez pré-natal com 8 consultas. AP: Teve varicela como doença típica da infância. Relata 1 internação por diarréia+vômitos há 18 meses. Nega cirurgia prévia. Nega hemotransfusão e refere imunizações em dia. AF: Pai saudável, etilista social. Mãe com HAS. Nega história de Asma e DM na família. HV: Reside em sítio, casa de alvenaria, com fossa séptica, energia elétrica e água encanada. Nega ter animais domésticos. Exame físico BEG, hipocorado +/4+, hidratado, acianótico, anictérico, orientado, letárgico, eupneico e afebril. Oroscopia: Hiperemia leve, sem sinais de infecção. Otoscopia: Cerumem bilateral, sem hiperemia. AR: MV+, sem RA, FR: 26ipm ACV: RCR, 2T, BNF, sem sopros, FC: 122bpm ABD: Flácido, RHA+, indolor à palpação, Fígado (2cm do RCD), Baço (2cm do RCE) SNC: Sem alterações Leishmaniose Visceral (Calazar) Introdução Cala-azar é uma palavra de origem hindu que significa “febre negra””. A primeira descrição do parasito foi feita por William Leishman em 1903 na Índia, ao realizar a autópsia em um cadáver de um soldado que estava com disenteria e hepatoesplenomegalia. Definição e Etiologia Trata-se de uma protozoose sistêmica febril. Protozoário da Família Trypanosomatidae, gênero Leishmania e espécie donovani. Três subespécies importantes: L.(L.)donovani (Índia, África) L.(L.)infantum (Mediterrâneo, Oriente Médio. Rússia) L.(L.)chagasi (América Latina) Características do agente etiológico Leishmanias são parasitas intracelulares obrigatórios. Seu desenvolvimento ocorre dentro do sistema fagocítico mononuclear dos mamíferos suscetíveis. Apresenta dimorfismo: No organismo de mamíferos, tem a forma de amastigota (não flagelada). No trato digestivo dos vetores (inseto flebótomo) assume a forma promastigota (flagelada). Leishmanias Ciclo de vida Vetor (inseto flebótomo) inseto Lutzomyia sp. Mosquito -palha/ birigui Reservatório Em áreas urbanas, o cão é a principal fonte de infecção. Em ambientes silvestres, os reservatórios são as raposas e os marsupiais. Estes animais quando doentes apresentam unhas compridas e pêlos eriçados. Epidemiologia No mundo: 12 milhões de indivíduos infectados, 1-2 milhões de novos casos/ano; Principais países: Índia, Bangladesh, Sudão e Brasil; No Brasil: 3000 casos/ano, letalidade de 8% Focos de grande endemicidade: Minas Gerais, Bahia, Ceará, Piauí, Maranhão; Predomina no meio periurbano; Epidemiologia Período de incubação Varia de 10 a 24 meses. Média de 2 a 6 meses. Fisiopatologia A leishmania consegue escapar aos potentes mecanismos oxidativos dos macrófagos. Ocorrem alterações na imunidade celular e humoral. Há predomínio da produção de interleucinas do subtipo Th2 (IL-4,IL-10), com conseqüente ativação policlonal dos linfócitos B e produção de anticorpos. A leishmania pode ser encontrada nos pulmões, no intestino e nos rins. Ocorre principalmente nos órgãos que tem o sistema fagocítico-mononuclear proeminente (fígado, baço, medula óssea). Fisiopatologia Fígado: Hipertrofia e hiperplasia difusa das células de Kupffer. Numerosas formas amastigotas de Leishmania nestas células. Moderada expansão dos espaços porta por infiltrado de linfócitos, plasmócitos e macrófagos. Hepatócitos com leve grau de tumefação e esteatose. Fisiopatologia Medula óssea: Hipocelularidade da série granulocítica e bloqueio de granulócitos da linhagem neutrofílica. Hipercelularidade relativa da série vermelha proporcionalmente à série granulocítica, com predominância de microeritroblastos. A série megacariocítica é normo- ou hipocelular com redução das plaquetas. Os macrófagos estão aumentados de volume e parasitados pelas formas amastigotas. Fisiopatologia Pulmão: presença de tosse seca e persistente, que surge com o início dos sintomas, prolonga-se durante o período de estado e desaparece com a cura. O quadro histopatológico pulmonar mais freqüentemente encontrado é o de pneumonite intersticial. É comum a presença de broncopneumonias como infecção secundária, caracterizando uma complicação da doença. Fisiopatologia Rim: A principal alteração anatomo-patológica é a nefrite intersticial. Podem ocorrer manifestações clínicas de proteinúria e hematúria. Linfonodos: Hiperplasia, hipertrofia e parasitismo dos macrofágos. Em geral, não estão aumentados de volume. Fisiopatologia Baço: A reatividade do sistema fagocítico-mononuclear (SFM) e a congestão dos sinusóides esplênicos são responsáveis pela esplenomegalia. Hiperplasia e hipertrofia das células do SFM, com macrófagos intensamente parasitados pelas amastigotas. Quadro clínico Num extremo, o sistema micro e macrofágico é capaz de destruir as leishmanias e resolver o processo inflamatório reacional. No outro extremo, a doença se desenvolve com manifestações sistêmicas exuberantes. Existem formas intermediárias, são formas oligossintomáticas. Forma assintomática • Ocorre na maioria dos indivíduos que vivem em área endêmica. • Diagnóstico é feito pelos exames sorológicos (ELISA ou IFI) e pelo teste de intradermorreação de Montenegro. • É necessário que o indivíduo seja de área endêmica, onde há evidências epidemiológicas e imunológicas da infecção. Forma oligossintomática Nas áreas endêmicas, esta é a forma mais comum da doença. Sintomas inespecíficos: febre baixa, tosse seca, diarréia, sudorese e adinamia; Sinais: Hepatomegalia discreta; 60 a 70% evolui com resolução espontânea do quadro em 3-6 meses; Forma Aguda Febre alta, calafrios, diarréia; Esplenomegalia de até 5cm do RCE; Hemograma com PANCITOPENIA Não há eosinofilia. Período inicial Forma Crônica – Calazar Clássico Predomina em crianças menores de 10 anos ou em imunodeprimidos; Curso prolongado e insidioso; Febre pode ser persistente ( 38,5 C), tosse seca, astenia, anorexia e sintomas gastrointestinais; Perda ponderal; Palidez cutaneomucosa; Hepatoesplenomegalia importante; Pancitopenia; Hipoabuminemia com hipergamoglobulinemia policlonal. Inversão da relação Alb/Glb; Discreta elevação das transaminases, raramente das bilirrubinas. Calazar Clássico Diagnóstico Diferencial Malária Linfoma Brucelose Febre tifóide Mieloma múltiplo Esquistossomose hepatoesplênica Forma aguda da Doença de Chagas Salmonelose septicêmica prolongada Diagnóstico • Específico Imunofluorescência indireta ELISA - S: 98% - E: 96% • Exame parasitológico Baço – 98% * Medula óssea – 54-86% Linfonodos – 64% Diagnóstico • Inespecíficos Hemograma -Pancitopenia com linfocitose relativa -Ausência de eusinófilos Dosagem de proteínas -Hipoalbuminemia -Hipergamaglobulinemia Inversão Alb / Glb transaminases e alterações de TP , TTPA e fator V Diagnóstico • Teste Intradérmico de Montenegro memória imunológica – Th1 vigilância epidemiológica Tratamento • Antimonial Pentavalente Estibogluconato de sódio (Pentostan®) Antimoniato N-metil glucamina (Glucantime®) - 20mg Sb/Kg/dia IV ou IM por 20 dias -Efeitos colaterais: Anorexia Nefrotoxicidade Vômitos Hepatoxicidade Cefaléia Artralgia Cardiotoxicidade Trombose venosa sistêmica por IV Tratamento • Anfotericina B Elevado custo e tolerância Desoxicolato # Lipossomal 1mg/Kg/dia por 10-20 dias # 3mg/Kg/ dia por 07 dias -Efeitos colaterais: Nefrotoxicidade Obrigado