Caso clínico
Calasar
Priscila Carvalho (Interna ESCS)
Coordenação:Luciana Sugai
Brasília, 17/5/2011
www.paulomargotto.com.br

Identificação: A.A., masculino, 1 ano e seis meses,
procedente de Paracatu-MG

QP.: Febre há 8 dias

HDA: Mãe informa que há 8 dias criança iniciou quadro
de febre aferida 38.5 a 39.5°C contínua que cede
apenas com uso de Dipirona. Há 3 dias com tosse seca
predominantemente noturna, coriza hialina e lesões na
mucosa oral. Apetite diminuído, eliminações fisiológicas
preservadas.
Antecedentes:

Nascido a termo de parto normal sem intercorrências neonatais

Dieta atual sem restrições + leite materno.

Vacinas em dia

OMA aos 8 meses

Episódio de sibilância há 1 mês.

Viagem para Valparaizo-GO há 1 mês

2 irmãos com diagnóstico de Calazar há 1 ano
Ao exame: P: 11,8Kg






Ausência de linfonodomegalia
Pele: sem manchas ou lesões
ACV: RCR 2T BNF s/sopros ou desdobramentos
AR: MVF s/ RA, sem esforço, FR: 28 (muito choroso ao
exame)
ABD:plano, flácido, fígado a 4cm RCD, baço a 2cm
RCE, indolor, RHA +
EXT: boa perfusão s/ edema
Exames:








BT 0,39
Ur 21, Cr 0.3
glic 98, K 4.3
LDH 991, gama-GT 11, TGO 45, TGP 14
Prot 7.3, alb 4.1, glob 3.2
HC: Hb 9.3, leuc 8600 (neut 20, bast 0, linf 71) , plaq
131.000, VHS 45
EAS: pH 6, prot +, Nit negativo, Hb negativo, CED 2 leuc
6, flora 1+
Teste rápido para Calazar: negativo
3°DIH-8°DIH: Permanece com picos diários de febre,
aferida a 38-39°C; vômitos esporádicos; edeme em
membros inferiores (1+/4+)
9°DIH: Abd: plano, RHA+, hipertimpânico, indolor a
palpação, fígado a 4 cm do RCD, baço a 2cm do RCE.
Exames laboratoriais: Hb 8,3 / Ht 24,5% / Plaq 26
mil / Leuco 5600 (0-0-0-0-2-17-79-2) NT=1008 / TGO
364 / TGP 82 / GGT 408 / Glicemia 120 / Na 134 / K 5,0
/ Cl 96
Teste rápido para Calazar: positivo
Iniciado Glucantime
Após 20 doses de Glucantime, recebe alta em boas
condições, com melhora clínica e laboratorial
Calazar
Etiologia







Kala-azar
Protozoose sistêmica febril
Leishmania donovani
Classe Mastigophora
Transmitida por mosquito flebotomínio, Lutzomia
longipalpis, conhecido popularmente como mosquitopalha, birigui ou tatuquira
Dimorfismo
Reservatório: cão e raposa
Epidemiologia







Endêmico em 88 países
12 milhões de pessoas infectadas
1-2 milhões de novos casos/ano
Maior parte: Índia, Bangladesh, Sudão e Brasil
Brasil é responsável por 90% dos casos na Am. Latina
Maior incidência no Nordeste: Bahia, Ceará, Piauí e
Maranhão
Roraima, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, MG e RJ

Am. Latina: Leishmania chagasi

Índia, China e leste da África: Leishmania donovani

Países do Mediterrâneo e norte da África: Leishmania
infantum
Ciclo evolutivo
Período de incubação

No homem: 10 dias a 24 meses, com média entre 2 a 6
meses.

No cão: bastante variável, de 3 meses a vários anos
com média de 3 a 7 meses
Resposta imunológica

Pequena parcela dos indivíduos infectados desenvolve sinais e
sintomas da doença (15-20%)

Resposta Th1 eficaz, geralmente, é capaz de conter o processo
infeccioso → formas assintomáticas ou oligossintomáticas

Resposta Th1 frustrada → multiplicação dos parasitas nos
macrófagos do sistema retículo-endotelial → hiperplasia reativa →
hepato-esplenomegalia e pancitopenia

Macrófagos → TNF α → febre e síndrome consumptiva

Grande quantidade de antígenos → sistema imune
humoral, linfócito Th2 → IL4 e IL10 → ativação linfócitos
B → plasmocitose medular e hipergamaglobulinemia
policlonal
Quadro clínico
Forma oligossintomática

Sinais e sintomas inespecífico
Febrícula, tosse seca, adinamia, diarréia, sudorese, discreta hepatomegalia


60-70% : resolução espontânea em 3-6 meses

Restante evolui para Calazar clássico
Forma aguda

Febre alta, calafrios, diarréia, esplenomegalia de grande
monta

Hemograma com pancitopenia: Hg<10g/dL; leucometria
entre 2.000-4.000/mm³; plaquetometria<200.000/mm³;
não há eosinofilia

DD: Síndromes febris agudas q cursam com
esplenomegalia (Febre tifóide, Malária, Febre de
Katayama da esquistossomose, Doença de Chagas
aguda, Endocardite bacteriana...)
Forma crônica- Calazar clássico

Predomina em crianças < 10 anos e imunocomprometidos

Curso prolongado e insidioso

Febre persistente ou intermitente irregular, tosse seca,
mal-estar, astenia, sintomas gastrointestinais (anorexia,
diarréia, disenteria, constipação), perda ponderal

Ao exame: palidez cutâneo-mucosa, desnutrição,
cabelos quebradiços, pele de coloração pardacenta ou
de cera vermelha, abdome volumoso (hepatoesplenomegalia)

Complicações da pancitopenia: astenia, dispnéia, insuf.
cardíaca (anemia); infecções bacterianas, septicemia
(neutropenia); epistaxe/gengivorragia (plaquetopenia)

Infecção bacteriana potencialmente fatal

Achados laboratoriais: (1) Pancitopenia; (2) VHS
elevado; (3) Hipoalbuminemia+Hipergamaglobulinemia
policlonal-Inversão da relação Alb/Glb; (4) Discreta
elevação das transaminases e raramente das
bilirrubinas
Quadro clínico no cão

Aparente estado sadio a severo estágio final

Cães assintomáticos: s/ sinais clínicos
• Cães oligossintomáticos: adenopatia linfóide, onicogrivose, pequena
perda de peso e pêlo opaco
• Cães sintomáticos: todos ou alguns sinais mais comuns da doença
como as alterações cutâneas (alopecia, eczema furfuráceo, úlceras,
hiperqueratose), emagrecimento, ceratoconjuntivite e paresia dos
membros posteriores.
Principais diagnósticos diferenciais

Febre tifóide: anemia e esplenomegalia menos
proeminentes

Malária: Acessos febris com calafrios e suderese
profusa

Endocardite infecciosa: anemia e esplenomegalia
menos proeminentes; geralmente, leucocitose c/ desvio
p/ esq., doença cardíaca prévia de risco e alterações
cutâneas características

Enterobacteriose septicêmica prolongada; lobo esq. do
fígado é maior q. o direito; hemograma c/ leucocitose

Doenças hematológicas: febre e prostração menos
proeminentes
˗ Síndromes mieloproliferativas crônicas: LMC, metaplasia
mielóide agnogênica, fase avançada da policitemia vera)
˗Doenças linfoproliferativas: leucemia de cels pilosas, LLC,
linfomas, mieloma múltiplo)
Confirmação diagnóstica
Detecção do parasita:
 Esfregaço do sg periférico→30% de positividade
→50% na co-infecção
Leishmania-HIV
 Aspirado de medula óssea→70%
 Aspirado esplênico→95% (padrão ouro)
Requisitos: esplenomegalia ˃3cm; atividade de
protrombina ˃60%; plaquetopenia˃40.000/mm³
 Cultura
Exames sorológicos:
 ELISA

Reatividade cruzada: doença de Chagas, tuberculose,
lepra, leishmaniose tegumentar e histoplasmose

Resultado→confirmar por pesquisa parasitária

Pacientes co-infectados pelo HIV, testes sorológicos
costumam ser negativos
Teste intradérmico de Montenegro


Sempre negativo durante a fase ativa
Permanece positivo por longos anos
Tratamento

Internar

Uréia, creatinina sérica, amilasemia, eletrólitos,
eletrocardiograma e RX de tórax

Antimoniais Pentavalentes: 1ª escolha
20mg/Kg 1ˣ/dia, IV ou IM, por 20-30dias
Preparações do mercado: Antimoniato de N-metilglucamina (Glucantime); Estibogluconato de sódio
(Pentostan)

Refratariedade aos antimoniais:
→ Mais comum nas formas graves e avançadas de
Calazar (esplenomegalia˃10cm; hepatomegalia˃8cm;
leucometria<3.000/mm³ e/ou plaquetometria
<40.000/mm³
→ Falha terapêutica: não melhora clínica e
parasitológica após 20 dias de antimônio

Efeitos colaterais dos antimoniais
→Artralgias, mialgias, dor abdominal, náuseas e vômitos
→Aumento da amilase e lipase, anemia, leucopenia,
trombocitopenia, hematúria e elevação das
transaminases
→ECG c/ alterações da repolarização ventricular:
achatamento ou inversão da onda T e aumento do
intervalo QT
→Morte súbita

Anfotericina B: 2ª escolha
→Desoxicolato: 0,5-1mg/Kg/dia até dose cumulativa de
20-30mg/Kg, durante 40-60 dias
→Lipossomal: 2-3mg/Kg/dia, por 10-21 dias
Profilaxia

Detecção ativa e passiva de casos suspeitos

Detecção e eliminação de reservatórios infectados

Controle dos vetores flebotomínios
Bibliografia
Cecil. Tratado de medicina interna.
22°edição.
 Manual de vigilância e controle da
leishmaniose visceral/ Ministério da
Saúde, 2003.
 Marconde, Eduardo. Pediatria básica
volume 2. Editora sarvier 1994.

Obrigada
Download

Caso clínico Pediatria - Paulo Roberto Margotto