Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 28 – Ocupação territorial e variação linguística.
A LÍNGUA BRASILEIRA: FUSÃO E FORMAÇÃO LINGÜÍSTICAS
Dr. Sebastião Elias Milani (Professor Adjunto IV, UFG)
RESUMO: O objeto aqui é a língua brasileira. A língua se individualiza como
expressão de uma nação, não há como separar nação, povo e língua. Os valores válidos
para descrição da nação passam pelo povo e somente podem ser compreendidos através
da língua. No entanto, cabe ressaltar, quando se fala na ocupação lingüística de um
território, que o sistema lingüístico que vai ali permanecer não é aquele transportado por
aquele que chega (imigrante, invasor, conquistador, etc.) nem aquele do povo auctótone,
mas uma fusão, tendo como base um ou outro. Logo, importa primeiro verificar qual
sistema lingüístico é considerado veículo da cultura dominante, porque será esse que
ocupará o espaço físico. Uma historiografia lingüística do Brasil contemplaria episódios
importantes e muito variados. A presença indígena em grande número em 1500, o
domínio da língua geral, as invasões holandesas e francesas da costa brasileira, o
domínio inglês dos mares e do comércio no século XVIII, a importância da cultura
francesa no século XIX. Ainda, a relusitanização do Rio de Janeiro quando da presença
da corte portuguesa de Dom João VI, a renovação causada pela fala dos escravos
durante quatro séculos. E, derradeiramente, durante o século XX, a vinda de homens e
de culturas migrantes, italianos, japoneses, americanos e outros, em valores suficientes
para reedificar os fonemas e ressignificar muitos signos. Assim, aprontou-se
antropofagicamente a língua brasileira do samba, da macaxeira, do urucum, do arroz, do
abajur, do tchau, da pizza, do futebol, da cerveja, do voleibol, do computador, do fusca,
da rapadura e da cachaça.
PONTOS E BASES CONCEITUAIS
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos
vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano,
fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Filiação. O contato com o Brasil Caraíba (Oswald de Andrade,
manifesto Antropofágico, 1928).
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As línguas sempre são um recorte de muitas influências, de tal modo que todas
são misturas de muitas línguas e povos. Os povos migram de um lugar para outro na
busca de novas formas de vida e sempre levam consigo seus hábitos, seus modos de
vida, seu espírito nacional, no lugar que chegam passam pela operação de aculturação e
inevitavelmente misturam seus seres com os de outros já presentes e instalados naquele
lugar. A operação de entrar em um lugar é acima de tudo lingüística, porque antes de
possuir a língua o indivíduo não pode pertencer ao grupo. É inevitável um esforço de
desligamento do passado e um ligamento no presente, mas o ser humano não é livre
para se desligar e se ligar à língua que quiser. Ele pode ligar e desligar a sintaxe e a
morfologia, mas não desligará completamente a fonética de sua língua nativa e da
cultura do passado, porque uma vez assimilada ela torna-se parte dele.
A língua é composta pelo espírito do povo, que é manifestado no falar. Então, no
falar do povo encontram-se a língua e a identidade nacional. Para que o falar do povo
mude, é preciso que ocorram mudanças na identidade nacional. Ao tomar um exemplo,
como as gírias, pode-se observar com precisão a atitude espiritual diferenciada de uma
geração para outra. Dessa forma fica mais ou menos patente que as línguas se
transformam por ciclos ou em períodos. Evidentemente, não há fronteiras exatas entre
os períodos, mas se pode ver que uma atitude extremada, que caia no domínio comum,
ou tende a desaparecer ou permanece como aceitável, às vezes se transformando em
regra.
As mudanças lingüísticas geralmente surgem de necessidades sociais: mudanças
tecnológicas, manifestações culturais, meios de comunicação, etc. Elas ocorrem na
língua nacional, que é, porém, a soma das línguas individuais, então, as mudanças
ocorrem antes nos indivíduos. Por este prisma se pode medir com clareza a relação
língua individual e língua nacional, bem como a importância da participação do
indivíduo no todo. Mas a língua é o veículo por onde as mudanças sociais acontecem e
são conhecidas. Qualquer manifestação que ocorra em um indivíduo ou grupo somente
será possível se estiver prevista e latente na língua nacional. No momento em que
ocorrer a primeira manifestação, a língua deixa de depender do indivíduo para a
reprodução da manifestação, passando a levar até outros indivíduos a primeira produção
e espalhando a novidade, ocasionando as mudanças culturais.
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Quando se observa a evolução dos povos, percebe-se que as manifestações
culturais da nação vão sendo assimiladas à medida e no tempo em que acontecem. Por
isso, o desenvolvimento cultural e lingüístico acontece paulatinamente. Não se pode
esquecer que cultura e civilização, neste caso, se referem a intelectualização do povo. É
por isso que não se deve impor a uma língua selvagem o nível de civilização de uma
língua universal. Não se está dizendo que não se possa fazê-lo, mas, ao se tentar
manifestar um nível espiritual muito mais alto em uma língua desacostumada a
extrapolar o universo de sua nação, acontecem manifestações estranhas e muito
imprecisas. A tendência, nos contatos entre línguas desses níveis espirituais, é o
desaparecimento da língua menos universal. Mesmo que se tente preservá-la, muito
pouco poderá ser feito se não for preservada a unidade nacional do povo: o território, a
cultura nacional, etc.
A intelectualização e a civilização levam a uma humanização dos povos. Porém,
no nível lingüístico, elas são como a língua: fruto do desenvolvimento do espírito
nacional. Nenhum nível intelectual pode ser implantado em uma língua ou em um povo
que não estejam preparados para recebê-lo, e, caso se tente, ou isso os destruirá ou então
o espírito nacional imposto sofrerá avarias irreparáveis e o nível intelectual não
alcançará êxito. A importância de se pensar os danos que a infiltração de uma
civilização culta provoca em povos ainda com hábitos primitivos é a oportunidade de
observar uma manifestação lingüística pura. E, se se pretende preservar as culturas
nacionais desses povos, não se pode esquecer que a cultura tem como elemento básico e
indispensável o território, nas condições em que se manifestou o espírito na origem.
O fato da descrição fonológica de uma língua não se esgota no momento em que
todos os fonemas e suas possibilidades de execução foram identificados. Dentro de um
contexto lingüístico, para encontrar as possibilidades de estruturação da fala, é preciso
verificar o conjunto sociolingüístico que a determina. De qualquer forma que se estude
a organização lingüística faz-se necessário considerar a instância enunciativa, ela traz
para o texto seus traços de origem comunitária, histórica e geográfica; ao lado disso,
contribui com seus traços íntimos: migração, origem dos indivíduos, acesso à educação
e aos meios de comunicação, etc., mas todos eles cooperam para que os discursos
encontrem sua individualidade.
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O pensamento é estruturado e não tem forma. A forma que o pensamento
assume é do som articulado. Porém, entre o pensamento e o som articulado, energia
psíquica e matéria bruta, devem existir o sistema da língua, com suas regras e valores
culturais. O pensamento é sentimento, tal qual diz Humboldt energeia, e se constitui na
possibilidade de um impulso psíquico-motoro transformá-lo em matéria bruta, do tipo
que outros humanos possam perceber.
Conteúdo e expressão se constituem num único elemento, formam uma unidade
reconhecível na expressão, em que as formas da identidade social do falante são
apresentadas: língua nacional, variante regional e local, classe social, nível intelectual,
situação de discurso tensa ou distensa, idioleto, etc. Sempre é assim, do sistema da
língua ao idioleto, a estrutura inteira, presentes e identificáveis a cada exercício
discursivo. Num único ato de linguagem, ou em qualquer ato de linguagem, história do
povo e do indivíduo e a geografia social, física e humana da região e da nação, estão
presentes e discursam por si mesmas.
Assim é que num conjunto de possibilidades lingüísticas paradigmáticas
(fonemas e signos) um falante executa uma determinada forma na cadeia sintagmática
(frase/texto). Isso de modo algum é aleatório naquele discurso. O falante de uma
localidade produz, por razões diacrônicas, determinados fonemas ou alofones,
habitualmente deriva palavras de outras distintamente de outras regiões e aplica
significados a certos significantes ou significantes a certos significados que
individualizam aquele discurso como regional, local, classial, profissional, etc.
A distribuição geográfica de uma língua se realiza pelo conjunto de fatores que
influenciam o manuseio da terra, a distribuição econômica, os interesses políticos.
Esbarram nas características culturais de determinados grupos, na abundância de
recursos em determinados setores, produz-se na onda histórica que enleva e distribui
necessidades humanas.
Quando se estuda a língua numa perspectiva do alcance de sua distribuição
geográfica, é preciso em primeiro lugar determinar qual área é o objeto. A língua se
individualiza como expressão de uma nação, não há como separar nação e língua, da
mesma forma que não dá para separar povo e língua, ou povo e nação. Os valores
válidos para a descrição da nação passam pelo povo e só podem ser compreendidos
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através da língua. Isso já é lugar comum na lingüística desde o século XIX. No entanto,
cabe ressaltar, quando se fala de ocupação lingüística de um território, que o sistema
lingüístico que vai ali permanecer não é aquele transportado pelo que chega (imigrante,
invasor, conquistador, etc.) nem aquele do povo autóctone, mas uma fusão, tendo um ou
outro como base. Logo, importa primeiro verificar qual sistema lingüístico é
considerado veículo da cultura dominante, porque será esse que ocupará o espaço físico.
Se forem estudadas duas nações com línguas que tenham a mesma origem,
por exemplo, as nações de língua portuguesa, não se pode dizer que elas têm
a mesma língua-nacional. As línguas refletem o contexto em que estão
inseridas: o conjunto de fatores socioculturais, socioeconômicos, geográfico
históricos, etc., que varia muito de uma nação para outra, varia também
dentro de uma mesma nação; varia, inclusive, de indivíduo para indivíduo,
por mais próximas que sejam suas experiências de vida (MILANI, 1999).
Quando se pensa num território como o Brasil, os exemplos se avolumam:
considerando o marco histórico da descoberta em 1500, deve-se pensar na existência de
línguas nesse território. Não é incomum se pensar nessa área física como vazia antes
dos portugueses, mas a história da nação Brasil data de 1500; essa é a data histórica da
língua portuguesa do Brasil: a história somente existe se for contada e somente pode ser
contada numa língua. Outras conquistas foram tentadas nesse território, mas não
aconteceram, ficaram perdidas na história contada em língua portuguesa do Brasil,
porém, os locais dessas invasões trazem no linguajar do povo as cicatrizes desses
acontecimentos, marcadamente nos nomes dos locais e nos nomes de coisas típicas, às
vezes, nos traços distintivos de certos fonemas do falar.
A territorialização de uma língua, marcada por fronteiras políticas, segue a onda
dos interesses sociais prestigiados. Os grupos de maior poder dentro da nação se
impõem como dominantes culturais. O poder perpassa por fatores econômicos, que
determinam quem tem prestígio e o que pode ser prestigiado. É assim que imensas áreas
são numa época ignoradas e em outras invadidas. As fases de ocupação de um território
podem ser muitas, em muitas levas de pessoas, ou podem ser contínuas, orientadas por
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uma atração exercida por um território. Aspectos como transportes, recursos agrícolas,
investimentos sociais, tornam áreas desocupadas em áreas atraentes.
No passado, as determinantes de ocupação territorial se fizeram por fuga da
miséria, as doenças, etc., originadas da ausência de recursos nos locais de origem. O
Brasil e os outros países da Américas receberam levas inteiras de imigrantes de todas as
partes do mundo de pessoas que buscavam formas mais dignas de sobrevivência. Há de
se observar que na atualidade existem movimentos, organizados, não por ocupação
territorial, mas para ocupação de postos de trabalho, na direção contrária, saindo dos
países americanos do sul para o bloco de países desenvolvidos. A causa dessas
migrações está na mudança da concentração de recursos em setores produtivos
diferentes: antes era o agrícola, atualmente é o industrial.
É TUDO TÃO ANTIGO
O indo-europeu é uma língua hipotética, da qual as línguas modernas flexionais
se originaram. Essa história ficou conhecida não faz muito tempo, data do início do
século XIX. Na verdade, o que se costuma chamar de a “descoberta do sânscrito”
aconteceu oficialmente no ano de 1789, ano em que o inglês William Jones, vice-rei da
coroa inglesa para as Índias, publicou traduções para sua língua natal de textos dos
livros sagrados do bramanismo/ hinduísmo.
O latim, o grego e o germano já eram de muito tempo conhecidos como línguas
originadas de um mesmo tronco lingüístico, mas elas estavam num mesmo continente,
os povos eram parecidos e estavam sempre se misturando, não havia como regredir, a
partir delas somente, a um passado mais distante. O sânscrito seria a prova concreta de
um passado comum, desconhecido ainda, para os povos europeus. O sânscrito era o
idioma de um povo que residia do outro lado do mundo, e as provas, que valiam para as
ligações entre latim, grego e germano, não valiam para ele.
O sucesso que o sânscrito faria na Europa não está ligado somente ao fato de
concretizar as perspectivas dos filósofos da linguagem a propósito do indo-europeu, a
cultura em língua sânscrita era demais atraente para os povos oprimidos do Ocidente. O
Hinduísmo pregava a suavidade e a mansidão, acreditava na vida pós-morte. O valor
que os europeus desejavam para o ser humano, na cultura indiana era evidente. Os
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deuses indianos emanavam de um deus criador, e o poder dele era absoluto e eterno, tal
qual o Deus cristão; porém, diferente do Deus cristão, não atirava o pecador ao fogo
eterno do inferno e dava a ele a possibilidade de se redimir pelo resgate de seus erros
reencarnando quantas vezes fossem necessárias, até que alcançasse a perfeição.
O espalhamento que teria determinado o nascimento das línguas antigas a partir
da fonte indo-europeu poderia ser aplicado às línguas neolatinas ou às germânicas, etc.
O processo de diversificação das línguas sobre o planeta foi sempre igual, e pode ser
descrito como um processo de busca pelo desconhecido, mas, sobretudo, pela atração
que novas fontes de riqueza e poder exercem sobre os seres humanos. O processo não se
reduz à ocupação das terras pelo invasor, quando se trata de língua, mas da disputa
cultural que se instala a partir da decisão de o invasor se tornar residente. Não se
justificaria discutir qualquer outra hipótese, já que o que se discuti nesse texto é
justamente a formação da língua brasileira, e o território onde é o Brasil, estava ocupado
quando da chegada da língua portuguesa.
A ocupação do território da Península Ibérica pelos romanos é então outro caso
de espalhamento de uma língua sobre um território, nesse caso, o exemplo serve como
modelo de exploração dos recursos da terra e extermínio da população autóctone para
explicar o domínio indiscutível que o latim veio a ter naquelas terras. O português
sofreu resistência na terra dos índios tupi e tupinambás, tanto que em princípio uma
língua intermediária, do tipo geral, teria se formado, tendo essas línguas indígenas como
base, isso enquanto a maioria da população era indígena e não fosse possível confrontar
as vantagens de todos os tipos que esses povos ofereciam.
Certo dia o poder estava muito maior do lado do homem português, e a língua
geral foi sufocada pela maioria portuguesa, mas maioria não é todos, e todos contam na
organização da língua, porque é do pensamento dos falantes que surge a língua, todos
contribuem para ela, por isso o que ficou não foi a língua portuguesa nem a língua geral,
mas a proto língua brasileira, a massa lingüística inicial, a mistura de “Jesus” com
“Tupã”, em que os senhores de Jesus, tomavam, conquistavam, escravizavam e, do
resto, poucos fugiam, e os outros eram mortos. Mas para a língua, somente morre quem
morre ou foge, quem fica tem seu espaço garantido, por isso Tupã não morreu, botou
um canto sabiá nos sons da língua portuguesa e um penacho no chapéu português.
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Papo furado à parte, porque permanece para serem explicadas quais foram as
contribuições fonéticas dessas línguas indígenas para a língua falada no Brasil. Pode-se
especular com se faz muito, empiricamente sabe-se que os sons retroflexos e os nasais
eram abundantes nessas línguas e nas milhares de línguas indígenas que o Brasil tinha
em 1500. No léxico da língua do Brasil têm muitas palavras, um número capaz de
encher dicionários, esses são objetos concretos, mais palpáveis, por isso seria fácil fazer
uma lista deles, não vem ao caso aqui, mas os compêndios de toponímia indígena
publicados podem dar uma idéia a quem quiser verificar.
A massa lingüística para o português fazer o pãozinho francês dos brasileiros
estava misturada. Desse ponto em diante, a partir desse processo de distanciamento do
espírito nacional brasileiro de qualquer outro, inclusive das outras nações colônia de
língua portuguesa. Não se está querendo fazer aqui apologia a um isolamento lingüístico
do Brasil, mas se defende sim o entendimento, já muito avançado em língua inglesa, da
língua portuguesa como arqui-sistema. O que deve ser observado é que as variantes
lingüísticas internas as nações seguem seu curso de mudanças, independente da vontade
política ou do desejo de unificação. Não há meio imposto que consiga fazer a língua
retroceder a estágios anteriores ou que faça com que ela pare, mesmo que seja ele
assentado na base cientifica mais sólida: o falante manifesta sua vontade cultural
segundo seu mundo cultural, historiográfico lingüístico, o faz manifestar.
Destacam-se no horizonte diacrônico da língua falada no Brasil as invasões
francesas e holandesas no Nordeste, centradas respectivamente em São Luís do
Maranhão e Recife no Pernambuco. O Nordeste como cada uma das regiões do imenso
território do Brasil esteve sempre sob interferências singulares, claro que se deve atentar
para o fato de ser o Nordeste um território de grandes proporções, e a comunicação
entre essas partes durante muitos séculos demandava muito esforço, fala-se aqui,
sobretudo, das distâncias. Fato fonético é que os falares nordestinos têm uma
preferência marcante por fonemas vocálicos médios baixos, as chamadas vogais abertas,
enquanto nas outras regiões do Brasil tal incidência não ocorre.
Muitas partes dessa enorme parte do Brasil permaneceram, por muito tempo,
quase isoladas, acontecendo pouquíssimo contato lingüístico de seus habitantes com
outros falares, daí uma clara forma conservada, de traços de uma língua portuguesa
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muito antiga, que muitos teóricos insistem em chamar de arcaísmos, mas que na
verdade são formações de vários níveis de análise lingüística que sofreram poucas
mudanças. Não houve resistência daqueles falantes a formas inovadoras, não existiu
uma opção pelo antigo, mas a conservação da cultura e da língua como em tempos da
colonização portuguesa. Esses traços não fazem daqueles falares locais formas mais
próximas da língua de outras nações lusófonas, mas as identificam como únicas e como
contribuintes para a língua brasileira nas peculiaridades fonéticas do /t/ e do /d/ sempre
dental, das formas ditongadas ainda perfeitas, quando a monotongação de ei e ou é
corrente nos outros falares brasileiros, na conservação quase perfeita do uso das formas
do modo imperativo na fala, enquanto que completamente desaparecido nos outros
falares.
No Sul do Brasil, fato notório é o caso da Serra Gaúcha, onde a alta incidência
de italianos, migrantes no final do século XIX, fez as vogais de final de palavras do
português que marcam gênero e que são fonemas centralizados, permanecerem
pronunciadas sem as centralizações. As centralizações /I/ fazem o /t/ e o /d/ tornarem-se
africados, mas nesse falar isso não acontece, além disso, a pronuncia desses brasileiros
ganhou toque da musicalidade típica da língua dos imigrantes italianos, gerando um
jeito inconfundível de falar.
Em São Paulo, o elemento da nasalidade típica da língua portuguesa foi
misturado à negação da nasalidade da língua italiana dos imigrantes, o resultado são
fonemas consonantais nasais extremamente marcados. No Rio de Janeiro, a vinda de
Dom João VI, no início do século XIX, fez com que a língua falada ali sofresse uma
reaproximação com a língua falada em Portugal na época, assim, a fala do carioca
apresenta traços de fricativos que nenhuma variante da língua brasileira apresenta. São
muitas as histórias que poderiam ser contadas, também são muitos acontecimentos
poderiam ser juntados para identificar o jeito do espírito nacional brasileiro presente nas
línguas dos brasileiros. Mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente, os lingüistas terão de
reconhecer aquilo que os Comparatistas explicaram, como exemplo cita-se Wilhelm von
Humboldt, que a identidade nacional é a única que não pode ser negada pelo ser
humano, porque a língua nacional molda nos ossos da face o formato de seus fonemas e
no pensamento fecunda o espírito da nação.
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Se língua e nação não podem se separar, porque a língua é o armazém cultural
da nação, então a cultura de uma nação só pode ser expressa na língua daquela nação,
porque antes de qualquer identidade cultural está a identidade fonético-cultural, fala-se
aqui da língua falada pelo povo brasileiro, da identidade e da cultura brasileiras. Antes
de mais nada, deve-se reconhecer as diferenças e acima de tudo aceitá-las: ao ser
diferente, não se pode negar a individualidade, então, aqui, interessou falar das
individualidades da língua brasileira enquanto armazém da cultura e do espírito nacional
brasileiro.
REFERÊNCIAS
HUMBOLDT, Wilhelm Karl von. Sobre la diversidad de la estrutura del lenguaje
humano y su influencia sobre el desarrollo espiritual de la humanidad. Barcelona,
Anthropos, 1990, 1ª. ed. Traducción y prólogo de Ana Agud.
--------- Sobre el origen de las formas gramaticales y sobre su influencia en el
desarrollo de las ideas - Carta a M. Abel Rémusat sobre la naturaleza de las formas
gramaticales en general y sobre el genio de la lengua china en particular. Barcelona,
Anagrama, 1972. Traducción de Carmen Artal.
--------- De l'origine des formes grammaticales et de leur influence sur le
développement des idées. Paris, A. Franck, 1859. Traduction de Alfred Tonnellé.
--------- Escritos políticos. México, 1943. Traducción de Wenceslao Roces.
MILANI, Sebastião Elias. As idéias lingüísticas de Wilhelm von Humboldt. FFLCH/
USP, São Paulo, 1994. Dissertação de Mestrado/www.letras.ufg.br/imago.
--------- Humboldt, Whitney e Saussure: Romantismo e Cientificismo-Simbolismo na
história
da
lingüística.
São
Paulo/USP,
2000.
Tese
de
Doutoramento/
www.letras.ufg.br/imago.
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