Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora
ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 44 – Geolinguística sem fronteiras, juntando culturas
OS FATOS DA LÍNGUA NA TRAJETÓRIA DA MEMÓRIA COLETIVA: UMA
HISTÓRIA COMPARTILHADA PELA SIGNIFICAÇÃO
Márcia Regina Teixeira da ENCARNAÇÃO
RESUMO
A língua revela o modo de ser do grupo que dela se utiliza e reconduz o universo social e
político de sua história. É ela que confere a uma comunidade: a sua memória social; a sua
consciência histórica; a consciência de sua identidade cultural e a consciência de sua
permanência no tempo. Todo grupo social humano elabora e constitui um universo
completo de conhecimentos integrados e possui fortes ligações com o meio em que vive.
Em um país pluriétnico, como é o caso do Brasil, a cultura, acumulada ao longo do tempo,
relaciona-se com realidades socioculturais distintas, graças à necessidade de convívio entre
elas. Como resultado disso, formou-se um verdadeiro mosaico linguístico.
Segundo Rastier e Bouquet, (2002):
Uma comunidade linguística e sociocultural caracteriza-se como um
complexo conjunto de saberes e valores compartilhados, construídos,
reiterados, modificados ao longo do processo histórico. Além disso, uma
cultura não é um sistema fechado; ela se forma, se desenvolve, evolui, por
vezes desaparece, em função de seus contatos, dos confrontos ou conflitos
com outras culturas, e resulta, sempre, a cada momento, de uma história
compartilhada.
Esta pesquisa está fundamentada nos pressupostos da Geolinguística. É imensurável a
importância desse método, pois, com ele, torna-se possível a busca pelas particularidades
do local, manifestadas nas escolhas lexicais dos sujeitos entrevistados. Para a obtenção dos
dados que compõem o corpus desse trabalho, realizou-se pesquisa de campo, com a
aplicação do QSL - questionário semântico-lexical do Projeto ALiB - Atlas Linguístico do
Brasil. Escolheu-se a pergunta: (Como se chama) “.... a bolinha que nasce na pálpebra, fica
vermelha e incha?”, da subárea Corpo Humano. Para nortear o pesquisador, o Comitê
Nacional do Projeto ALiB aponta terçol como sugestão de resposta para essa questão.
Partindo das lexias encontradas em São Sebastião, buscamos a relação parassinonímica que
existe entre as respostas dos sujeitos da região e ainda, dos sujeitos de Iguape e do Grande
ABC, municípios do Estado de São Paulo. Baseamo-nos nos postulados de Houaiss (1991 e
1995), que afirma que a língua abre caminho para dizer a cultura de um povo e para
intermediá-la junto a outras culturas. A Parassinonímia, tanto no campo linguístico, quanto
no conceitual, exerce grande pressão sobre a dimensão produtiva da linguagem.
ENCARNAÇÃO, Márcia Regina Teixeira da. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, Faculdade 127
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Linguística, Avenida Ana Costa,
516, apto. 21, C.E.P.: 11060-002, Santos, São Paulo, Brasil, [email protected]
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PALAVRAS-CHAVE: Dialetologia;
semântico-lexical; Parassinonímia.
Geolinguística;
Variações
lexicais;
Análise
Considerações iniciais
Quando se pensa em estudar a realidade linguística do Brasil é imprescindível dizer do
contato dos colonizadores portugueses com milhares de aloglotas, falantes de diversas
línguas indígenas autóctones e de cerca de quatro milhões de africanos trazidos como
escravos, uma vez que esse é o principal parâmetro histórico para a contextualização das
variações linguísticas do português brasileiro.
Nessas localidades litorâneas, que ora nos dedicamos a estudar, as situações de contato
entre essas línguas estão de forma bastante marcante, na base da formação da norma
linguística da região. Segundo Coseriu (1980), “o plano do saber histórico não contém só
fatos linguísticos, mas também outras tradições, relacionadas, estas, com as ‘coisas’, vale
dizer, com o mundo extralinguístico”. O homem caiçara, morador do litoral, vive no
interstício da Mata Atlântica e do mar, em estuários, mangues, restingas e lagunas, e faz
uso dos recursos naturais para a reprodução de seu modo de vida. Preservou um território
rico em diversidade biológica e cultural, pois recebeu, além da herança linguística, técnicas
patrimoniais de índios e negros. Assim como os quilombolas, vargeiros, sertanejos, os
caiçaras fazem parte do grande número de populações brasileiras tradicionais.
Mas, ao longo do século XX, em função do vasto processo de urbanização, ocorreram
significativas mudanças no panorama cultural e linguístico da região. As transformações e
as mudanças socioculturais têm sido uma constante, desde 1960, com o declínio da
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agricultura e a crescente expulsão do nativo de suas terras. Um contingente cada vez maior
passou a migrar para áreas suburbanas onde passaram a viver em bairros pobres,
verdadeiras favelas, nas quais o modo de vida tradicional está ameaçado.
As mudanças, motivadas pela ação fortemente niveladora dos atuais meios de
comunicação, determinando posturas, padronizando e generalizando comportamentos e
também pelo contato direto, proporcionado pelas modernas condições das rodovias que
atraem os turistas de todas as partes do Brasil e do mundo, provocaram alterações nos
hábitos, costumes, valores, bem como na língua, que vem sofrendo bruscas transformações.
O turismo é uma prática que se desenvolveu rapidamente e se tornou o principal
responsável pela atual e acelerada modificação na paisagem local e no modo de vida dos
habitantes do litoral.
Neste atual contexto, estão também em vias de desaparecimento as marcas de contato entre
as línguas, ocorrido nos séculos anteriores, uma vez que, a fala desses sujeitos está sendo
profundamente afetada, perdendo todas as suas particularidades, na medida em que a
coletividade que as usava, passou, então, a desarticulá-las.
Desse modo, os diversos processos de padronização em curso estão colocando em risco a
possibilidade de se registrar essa característica essencial da situação de contato linguístico
massivo ocorrido na sua formação.
Trabalhos de recolha lexical tornam-se cada, vez mais, imprescindíveis para os atuais
estudos linguísticos, como nos falou Gaston Paris (apud CUNHA, 1986), “se não podemos
impedir a flora de nossos campos de perecer em face da cultura que a substitui, devemos
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antes que ela desapareça totalmente, recolher com cuidado seus espécimes, descrevê-los e
classificá-los piedosamente num grande herbário nacional.”
A Trajetória da memória coletiva
Ao falarmos de memória coletiva, estamos nos referindo ao“conjunto de saberes e valores
compartilhados”, de Rastier e Bouquet, (2002) e usamos o termo memória para tratar do
conhecimento coletivo acumulado por determinado grupo em certo contexto social.
Para Halbwachs (2004), a memória coletiva, vista como imagem partilhada do passado, tem
como função principal promover um laço de filiação entre os membros de um grupo com
base no seu passado coletivo, cristalizando os valores desse grupo ao qual as memórias se
referem.
Dessa forma, considera que a memória coletiva é o locus de ancoragem da identidade do
grupo, o que assegura a sua continuidade no tempo e no espaço. Considera, ainda, que as
memórias subsistem porque fazem parte de um conjunto de acepções e de valorações que
são comuns a todos os membros do grupo.
As mudanças nesta trajetória implicam em mudanças irreversíveis no modo de viver desse
grupo e, consequentemente, promovem variações linguísticas facilmente observadas na fala
dos sujeitos, uma vez que, toda e qualquer variação observada na fala de uma comunidade
linguística não é aleatória, mas determinada, tanto pela estrutura da língua, quanto pela
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estrutura social da comunidade. As transformações ocorridas em uma geram as mudanças
da outra.
As pesquisas de cunho geolinguístico tornam possível a recolha e o registro das
particularidades do local, manifestadas nas escolhas lexicais dos sujeitos entrevistados. É
neste momento que se constata que as mudanças linguísticas e as alterações nas frequências
de uso estão intimamente relacionadas.
O método geolinguístico e a análise quantitativa
Com a aplicação do método de pesquisa geolinguístico podemos conhecer, identificar, fazer
os registros dessa realidade, analisar a variação linguística existente e documentá-la em
cartogramas. Nas etapas anteriores à aplicação do método, ao definirmos a pesquisa,
fazemos as seguintes indagações: Onde perguntar – os pontos; A quem perguntar – os
sujeitos; O que perguntar – o questionário; Quem irá perguntar – o pesquisador; Como
serão coletadas as respostas – o gravador; Onde essas serão documentadas – os
cartogramas.
A soma dos cartogramas formará o mosaico que constituirá o Atlas linguístico da região
pesquisada. E é com a elaboração desses atlas que serão ressaltados diversos fenômenos
que nos permitirão compreender melhor alguns fatores da história da língua, dando-nos
uma noção de conjunto. As análises posteriores provenientes desse material coletado
direcionam-se cada vez mais para a dimensão sócio-histórica do fenômeno linguístico, ou
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seja, para a constituição histórica da língua concebida como fato social de uma determinada
comunidade.
Para registrar as frequências de uso de uma determinada lexia, dada como resposta a uma
pergunta, baseamo-nos em Muller (1968, p.12) que diz: “qualquer manifestação de
linguagem, um discurso qualquer, escrito ou falado, breve ou longo, literário ou não, não
está livre do domínio numérico”. Diz ainda que cada vocábulo que aparece em um texto é
dotado de frequência, e que essa frequência é determinada pelo número de suas ocorrências
no texto. Buscamos verificar a frequência absoluta e a relativa das lexias dadas como
respostas pelos sujeitos entrevistados.
A Análise qualitativa
Esta pesquisa irá se basear, para o estudo qualitativo do léxico, em elementos de obras de
Hjelmeslev (1971), Pottier (1975), Lyons (1977), e em Houaiss (1991e 1995). Buscamos a
relação parassinonímica que consiste em buscar o sema de relação de sentido entre dois ou
mais vocábulos de significação muito próxima que permite muitas vezes que um seja
escolhido pelo outro em alguns contextos, sem alterar o sentido literal da sentença como
um todo. Segundo Encarnação (2005), toda língua tem seu repertório lexical infindável e os
limites de uso estão no indivíduo que não tem, senão parte do repertório lexical para
mobilizar as manifestações da cadeia falada no eixo da interlocução. Nesse limite, abre-se
espaço para a mobilização do universo polissêmico da linguagem. Está no indivíduo,
usuário da língua, a função de estabelecer parâmetros de criação de novas dimensões de
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sentidos de um mesmo significante, conforme as circunstâncias de uso, no contexto social,
cultural e histórico.
Segundo Houaiss (1991), é possível que se possa estabelecer critérios para que a ampliação
de sentidos não seja tão distensa e tão flutuante quanto se imagina, até porque tudo será
uma questão de visão de mundo, de realidades históricas, sociais e culturais. Nessa
dimensão, a palavra toma posição na situação interlocutiva da linguagem e, mesmo dentro
da aparente imprecisão de sentidos, torna-se parte do universo de conhecimento, pois não
se pode dispensar nem o conceito, nem a palavra, tampouco a distensão de sentidos. É com
ela que se organizam as mobilizações do saber, registrando-se, nos dicionários e nas
enciclopédias, a frequência e a situação de uso da língua, traduzidas pelas definições,
ocorrência na comunidade.
A Análise quantitativa e o registro nos dicionários
A pesquisa foi realizada na praia de Boiçucanga, praia de São Sebastião, litoral norte de
São Paulo. Entrevistamos seis sujeitos adultos, de 50 a 65 anos, de ambos os gêneros, sendo
3 homens e 3 mulheres com nível de escolaridade até a 4 série do Ensino Fundamental. Foi
utilizada a subárea Corpo Humano, do QSL - questionário semântico-lexical, que traz a
seguinte pergunta: (Como se chama) “... a bolinha que nasce na pálpebra, fica vermelha e
incha?”.
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O Comitê Nacional do Projeto ALiB aponta terçol como provável resposta a essa questão,
entretanto, a lexia sapirunhá, aparece com maior frequência e menor número de variação,
conforme podemos conferir nos dados registrados no histograma a seguir:
Histograma 1: Número de Ocorrências (frequência absoluta e relativa) X Variantes
Nº de o c o rrênc ias x
Variantes L exic ais
Nº de ocorrências
50
40
30
20
10
0
abs oluta
relativa
s apirunhá
terç ol
terç olho
terç ogo
3
1
1
1
50,00
16,67
16,67
16,67
Nesta questão, obtivemos quatro variações lexicais, conforme pudemos observar. Dos seis
sujeitos entrevistados, dois homens e uma mulher responderam “sapirunhá” que obteve
frequência absoluta 3 e frequência relativa 50,00%. As lexias “terçol”, “terçolho” e
“terçogo” obtiveram frequência absoluta 1 e frequência relativa 16,67%.
A lexia “sapirunhá” não está dicionarizada.
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Ao pesquisarmos em Cunha (1999) encontramos a lexia sapiranga, vimos que é proveniente
do Tupi: esapi’rana, e’as - olho; pi’rana - vermelho e significa “inflamação das
pálpebras”.
Holanda (1999) traz que sapiranga é proveniente do tupi e significa “olho esfolado”.
Chiaradia (2008), traz que sapiranga é blefarite, com queda de pestanas; sapirã, sapiroca,
mucuim e pipoca.
Cunha (1999) traz ainda: blefarite, século XIX, proveniente do grego blépharon -'pálpebra';
'cílio', o que derivou os termos: blefarite: inflamação de pálpebra; blefaroplegia : paralisia
palpebral; blefaroblastia: intervenção cirúrgica plástica em pálpebra; blefarectomia: excisão
de porção palpebral que contém lesão; blefarotomia: incisão praticada em pálpebra. Há
também a forma sapiroca, proveniente do tupi e-sapi’roka em es’a - olho e pi’ roka esfolado, o que formou a derivação sapiroquento, aquele que está com o olho inflamado.
Houaiss (2001) explica que a forma hordéolo deriva do latim hordeulus, cujo diminutivo é
hordeum, que significa cevada ou trigo. Esse chega ao espanhol como orzuelo, que origina
o arcaísmo português orçoo, que uma etimologia popular interpretara como torce olho. A
etimologia popular é um fenômeno que “une uma palavra a outra por semelhança fonética e
alguma associação semântica, sem qualquer base no parentesco genético” (HOUAISS,
2001). Assim, a forma torce olho passou por processos fonéticos na fala popular, gerando
as variantes fonológicas torçolho,terçolho, torçol, terçol, treçol, terçó, reçó, terçogo. O
termo do latim hordeulus (pequeno grão de cevada) também deu origem ao galego orizó, ao
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francês orgelet, ao italiano orzaiolo, ao romano urcior, ao alemão gerstenkorn . O étimo
latino também originou em galego o termo orxo, referindo-se especificamente a esse cereal.
Neste caso, estamos diante de uma nomeação metafórica baseada na semelhança física
desses dois grãos. Coseriu (1985) diz que o homem é um animal simbólico e essa atividade
simbólica é a característica essencial da linguagem. Coseriu (1985, p.84) acrescenta ainda:
Tampoco coinciden en cada caso con la realidad histórica las relaciones
que el sentimiento lingüístico establece entre los signos del sistema,
entendiéndose a menudo varios de ellos como derivados de otros, con los
que históricamente nada tienen que ver, y, por consiguiente, como dotados
de un valor descriptivo o metafórico que no les correspondería desde el
punto de vista etimológico.
As relações de significação
Ao estudarmos o léxico, obtido no conjunto de respostas dos sujeitos entrevistados,
concordamos com Vilela (1994:6) que afirma que:
O léxico é a parte da língua que primeiramente configura a realidade
extralingüística e arquiva o saber lingüístico duma comunidade. Avanços
e recuos civilizacionais, descobertas e inventos, encontros entre povos e
culturas, mitos e crenças, afinal, quase tudo, antes de passar para a língua
e para a cultura dos povos, tem um nome e esse nome faz parte do léxico.
É na história que se produz o conhecimento, que se estabelecem as relações de sentidos,
que se demarca a dimensão significativa da palavra em ocorrência na comunidade. É no
curso da história que se distendem as práticas ideológicas e sociais, sociais e discursivas.
Toda prática social vincula-se ao contexto ideológico, por onde passam as particularidades
culturais de um povo. Consequentemente, todo registro vocabular do grupo social define-se
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pela prática discursiva. Não há como tratar da parassinonímia fora das condições históricas
e sociais, ideológicas e culturais. Segundo Houaiss (1991), as línguas são fatos sociais,
históricos e culturais, naturais e históricos e se registram como tal. Contribuem para
formação da identidade cultural de povos e de nações integrando-se e interagindo
conhecimento de mundo, dentro do que é dado como unidade e diversidade – espaço aberto
para produção e registro de um saber.
Dessa forma, toda língua, seja qual for a sua natureza, passa a veicular situações de uso,
refletindo as características culturais de um povo, reconduzindo o universo social e político
de sua história. Marca, em consequência, o jeito de pensar o mundo.
Trataremos da Parassinonímia como sendo fonte de produção de conhecimento tendo como
ponto de partida a dimensão língua e cultura.
As relações entre o significado e o significante recebem a denominação de relação de
significação ou função semiótica.
Para Hjelmeslev (1975):
PC (Plano do Conteúdo)
_____________________
PE (Plano da Expressão)
Para Pottier (1975):
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Semema
_________
Significante
Semema é um conjunto de semas distintivos em um dado conjunto. Tomamos como
definição de semas um conjunto mínimo de significados que individualizam cada signo
linguístico, sem isolá-lo no conjunto e, ao contrário, defini-lo por oposição aos demais
signos, em vários tipos de relações de dependência. Um sema pode ou não pertencer a um
determinado semema.
Essa relação de parassinonímia será estabelecida entre algumas lexias presentes no corpus
da nossa pesquisa, na de Silveira (2009) que registrou as variações encontradas em Iguape,
litoral sul de São Paulo e em Cristianini (2007), que estudou as variações no Grande ABC
paulista.
Segundo Silveira (2009, p.88): Do total de sujeitos ouvidos em Iguape, a expressiva
maioria emprega a lexia “viúva”, com frequência de 83, 33%, para se referir ‘à bolinha que
nasce na pálpebra, fica vermelha e incha’. Trata-se de uma norma semântico-lexical da
localidade. E uma minoria emprega ‘terçol’.
Em Cristianini (2007, p.218) a lexia “terçol” constitui-se em norma da região do Grande
ABC paulista, presente em todos os pontos, com alta frequência e distribuição regular,
registrando um total de 77,78% das ocorrências. Aparece também a lexia “viúva” com 2,78
de frequência.
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Diegues (2005, p.247) registra a lexia ‘viúva’ como “o mesmo que terçol. Inflamação dos
olhos, conjuntivite”.
Nas citações:
F1 “O tratamento do terçol é feito com aplicação local de calor úmido e de colírios ou
pomadas com antibióticos”. “(…) terçolho é o abcesso vermelho, mole e inchado,
localizado no bordo da pálpebra”.
F2 (...) O lodo que se ajunta por fora das paredes é meizinha infalível para a cura de
sapiranga. (...) Igualmente, para sapiranga, usam urina de boi ou vaca. (...) A urina do
chamado boi santo do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, por exemplo, curava de moda
infalível a sapiranga.
F3 “Também usam esfregar o indicador na palma da outra mão e, em seguida, tocar o ponto
do viúvo.” “O que é aquela viúva que dá no olho. Fica inchado, dói! Alguém sabe o que é
bom fazer quando tem uma?”
Além desses, podemos incluir a lexia hordéolo, derivada do latim hordeulus e que
originou etimologicamente as outras formas, conforme vimos acima.
(…) O hordéolo não comporta nenhuma gravidade especial, mas pode ser muito doloroso.
A inflamação normalmente é causada por uma infecção bacteriana e ocorre com muito mais
frequência em crianças. (…)
Dentre as possíveis relações de conjunto significante e conjunto significado, nos deteremos
no estudo da Homossemia, mais especificamente, na Homonímia parcial ou
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Parassinonímia. Nestes casos, uma lexia poderá ser escolhida pelo outra em alguns
contextos, sem alterar o sentido literal da sentença como um todo.
Terçolho
Terçogo
Sapiranga
TERÇOL
Viúvo
Viúva
Hordéolo
Quadro 1: Variações encontradas X resposta sugerida
A relação será definida em função da implicação recíproca, ou seja, em função da
equivalência: Se uma frase, F1, implica a frase F2 e essa, por sua vez, implica a frase F3; e
se F3 implica F2 e implica F1, podemos dizer que são frases equivalentes:
F1  F2  F3 e se, F3  F2  F1, então F1  F2  F3
Em que  significa “implica” e  significa “equivalente a”.
ENCARNAÇÃO, Márcia Regina Teixeira da. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, Faculdade 140
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Linguística, Avenida Ana Costa,
516, apto. 21, C.E.P.: 11060-002, Santos, São Paulo, Brasil, [email protected]
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora
ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 44 – Geolinguística sem fronteiras, juntando culturas
Se as frases equivalentes diferem uma da outra apenas pelo fato de uma ter a unidade
lexical x, a outra tem y e a outra tem z então podemos dizer que x, y e z são
parassinônimas.
Considerações finais
Vimos que a Parassinonímia, tanto no campo lingüístico quanto no conceptual exerce
grande pressão sobre a dimensão produtiva da linguagem, considerando-se que a unidade
de sentidos é, por assim dizer, a palavra em uso no discurso.
Percebemos, nos efeitos produzidos, que a intersubjetividade da linguagem tem a sua
função, em que se articulem mundo e sujeito, sujeito e mundo.
Uma série de pesquisadores realizam atualmente profícuas investigações a respeito da
inserção da mudança linguística na estrutura social da comunidade de fala, buscando
revelar seus pontos de origem na estrutura social e suas vias de propagação pela
identificação dos setores e/ou fatores que impulsionam essas mudanças e aqueles que
tendem a refreá-las.
O registro dessas variações, tanto no plano diatópico, quanto no plano diastrático, depende
de uma apurada compreensão do processo histórico de sua formação.
A compreensão dessa realidade constitui um amplo campo de pesquisa a ser estudado.
Concordamos com Câmara (1975), quando ele nos afirma que “Assim, a língua, em face do
resto da cultura, é o resultado dessa cultura, ou sua súmula, é o meio para ela operar, e é a
condição para ela subsistir.
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de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Linguística, Avenida Ana Costa,
516, apto. 21, C.E.P.: 11060-002, Santos, São Paulo, Brasil, [email protected]
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Referências bibliográficas
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(Doutorado em Linguística) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
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Sites consultados:
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http://br.answers.yahoo.com
http://cefaleias.com.br
http://www.revistas.ufg.br
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