Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 13 – Estudo e ensino de Língua Portuguesa: interface entre língua X, literatura e cultura de diferentes povos.
ENSINO DE LITERATURA E PRÁTICA DE LEITURA: A QUESTÃO DA
FORMAÇÃO DE LEITORES
Alexandra Santos PINHEIRO1
RESUMO:
O artigo é resultado do trabalho com a disciplina de Estágio Supervisionado e de nosso
engajamento na Formação continuada de Professores. Partimos do princípio de que a
democratização da leitura é a garantia de que a sua prática não seja um mecanismo de
exclusão. Desta forma, o acesso aos conhecimentos que a Literatura oferece deve ser
destinado a todos. Na maioria das vezes, as experiências de leitura dão-se nas escolas,
por isso, se o aluno não tiver contato com obras variadas e de qualidade, nesse período,
poderá não ter outra chance de aprender a apreciar a arte literária. Mas, para fazer valer
a democratização da leitura literária, num país em que a injusta distribuição de renda
não permite a todos a compra de livros, é preciso mudar a postura dos professores,
vistos por nós como os principais mediadores entre o livro e o leitor. Nesse sentido, a
presente comunicação tem o objetivo de discutir a prática docente do professor de
Literatura. A análise não pretende desmerecer o educador, desejamos, ao contrário,
compreender esse profissional, refém de baixos salários e pelo pouco reconhecimento
social que, no Brasil, atribui-se à profissão de educador. Desejamos, ainda, pensar em
alternativas para que o principal mediador entre livros e leitores em idade escolar possa
trabalhar em prol da formação de leitores.
PALAVRAS CHAVE: Literatura, Formação continuada, leitores, Ensino
1
Professora adjunta da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD – Brasil - Mato Grosso do
Sul. Doutora em Teoria Literária pela Unicamp e membro do grupo de pesquisa”Núcleo de Estudos
Literários”, cadastrado no CNPq. E-mail: [email protected].
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Introdução:
“Se, por não ser que de excesso de socialismo ou barbárie,
todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino,
exceto uma, é a disciplina literária que devia ser salva, pois
todas as outras ciências estão presentes no monumento
literário” (BARTHES, R. Aula, 1980).
Tratar do Ensino de Literatura implica em caminhar por vários desafios:
políticas públicas de leitura; a seleção de obras diante de um mercado editorial que
oferece inúmeros títulos, principalmente para o Ensino Fundamental; a falta de diálogo
entre escola, professores, órgãos públicos e comunidade; o uso que se faz nas escolas
dos livros didáticos. Por isso, pela necessidade de delimitar o caminho a percorrer para a
elaboração dessa análise, o presente artigo “Ensino de Literatura e prática de leitura:
a questão da formação de leitores” tratará do Ensino da Literatura a partir de duas
perspectivas: a importância e a função da Literatura e o seu ingresso na escola; a
importância do trabalho docente para que efetivas práticas de leitura possam promover a
formação de leitor.
O referencial teórico que sustenta a análise é pautado em pesquisas que
confirmam a importância de se pensar a prática e a teoria mais significativas para o
ensino de Literatura. Em primeiro lugar, contamos com a análise da proposta dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e com as Orientações Curriculares (2006).
O primeiro, como destacou Faria (1999), trata da Literatura em pouco mais de uma
página, englobando a disciplina numa área maior: a da Linguagem. As Orientações
Curriculares, por sua vez, vão destacar alguns equívocos cometidos pelos PCNs,
salientando a necessidade de se repensar as fundamentações teóricas e metodológicas do
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ensino de Literatura, pois só assim seria possível rever a forma utilitarista de se levar a
arte literária para sala de aula: no Ensino Fundamental, como forma de moralizar ou
ensinar gramática e outros conhecimentos de diferentes áreas das Ciências Humanas.
No Ensino Médio, como preparação para o vestibular.
Regina Zilberman (1882) é trazida para o debate porque a obra Literatura em
crise na escola, organizada por ela, traz autores que sistematizam o debate sobre Ensino
de Literatura, versando sobre problemáticas e apontando soluções que ainda são
recorrentes nos mais recentes estudos sobre o tema: políticas públicas de leitura;
desigualdade social, acesso ao livro; equívocos das práticas de leitura levadas para sala
de aula e desencontro entre escola, governo, comunidade e família, uma vez que a
formação de leitores seria um trabalho em conjunto.
Não poderia faltar, nesse ensaio, o diálogo com a obra A leitura e o ensino de
leitura, também de Regina Zilberman (1988). Apesar de lançado no final da década de
80, a obra versa sobre temas atuais, já que muitos dos desafios apontados pela
pesquisadora ainda permanecem no século XXI: democracia, concepção de leitura,
importância do texto literário lido na integra não por fragmentos. Desse livro,
destacamos, em especial, o capítulo em que a autora trata da importância da teoria
literária para o trabalho docente nos Ensinos Fundamental e Médio. Questão também
destacada por Rildo Cosson (2006), quando apresentou, em seu livro Letramento
Literário, a importância do suporte teórico para a prática docente.
Se a teoria é um fator significativo para a prática docente, não poderia faltar em
nosso referencial a obra de Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira Aguiar (1993). As
autoras apresentam algumas metodologias teóricas para conduzir o Ensino de Literatura.
Das metodologias destacadas, percebemos, no diálogo com professores, em projetos de
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formação continuada, que o método criativo é o mais utilizado em sala de aula, todavia,
como apresentaremos no decorrer da exposição, isso é feito, muitas vezes, de forma
equivocada.
A última obra que merece ser destacada como referencial teórico do presente
ensaio é Caminhos para formação de leitores, organizada por Renata Junqueira (2004).
Desse livro, trabalhamos, em especial, com o capítulo “Formação de leitor e razões para
a Literatura”, de Ricardo Azevedo. Embora esses autores sejam as principais referências
teóricas desse ensaio, no decorrer da análise, outros nomes serão citados para enriquecer
o debate. Após a apresentação do referencial teórico, entramos nas questões que
norteiam o debate proposto: a importância e a função da Literatura e o seu ingresso na
escola; a importância do trabalho docente para que efetivas práticas de leitura possam
promover a formação de leitor.
A importância e a função da Literatura e o seu ingresso na escola
Ao longo do século XIX, a Literatura foi amparada pela crença de que a palavra
tinha um poder ilimitado e de que a sua prática era uma espécie de veículo tradutor da
realidade, com o poder de espelhar o mundo e seus contornos. Hoje, a visão da
Literatura busca, como afirma Marisa Lajolo (2002, p. 33), a “grande aventura da
significação provisória”, transformando esse provisório na “arma de sua permanência”.
A arte literária passa a ser vista como “instauração de uma realidade, apreensível apenas
na medida em que permite o encontro de escritor e leitor sem que, entre ambos, haja
qualquer acordo prévio quanto a valores, representações, etc.
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As escolas são instituições às quais a sociedade delega a responsabilidade de
prover as novas gerações das habilidades, conhecimentos, crenças, valores e atitudes
consideradas essenciais à formação de qualquer cidadão. Mas, baseando-nos em
pesquisas de Kleiman (2001/2003), Rojo (2006), Soares (2003), a relação entre escola e
letramento é complexa. Há uma espécie de 'controle' da escola, ao invés de expandir
práticas sociais. O LETRAMENTO ESCOLAR é insuficiente para medir e avaliar as
habilidades de leitura e de escrita. Em países como o Brasil, o funcionamento
inconsistente e discriminatório gera padrões múltiplos e diferenciados de aquisição do
letramento. Desse modo, tendo ciência deste tipo de letramento efetuado nas escolas,
seria significativo avançar para as práticas sociais que marcam a vida dos sujeitos
envolvidos. Entendemos, assim, que o docente/discente inserido em práticas sociais de
leitura/escrita de gêneros diversos que circulam socialmente (da esfera literária e não
literária, como sugerem os PCNs) deve ser considerado uma pessoa
letrada.
Compreendemos, ainda, que o direito ao acesso à leitura e a dinâmica que lhe envolve
deve ser um direito inalienável do homem, em época de extrema competitividade e
globalização.
Em se tratando do letramento literário, é preciso pensar em várias questões: o
acesso aos livros, dentre elas, uma das mais significativas seria a questão da tecnologia.
Professores e demais profissionais da educação apontam a tecnologia como o
responsável pela pouca leitura na escola. Todavia, no final da década de 70, quando o
acesso aos meios digitais era escasso, pesquisadores como Regina Zilberman (1982) já
mostrava algumas contradições em relação à chamada crise de leitura. De acordo com
sua pesquisa, quando iniciaram efetivamente as reflexões sobre a (não) leitura,
acontecia o crescimento da população urbana, decorrente da oferta de trabalho nas
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indústrias. Esse aumento da população, por sua vez, exigiu uma reformulação da
estrutura escolar, devido à ampliação do número de alunos. Assim, dentre as novas
propostas pela reforma de ensino instituída na nesse período, o texto literário ganhou
destaque em sala de aula, as editoras passaram a investir na publicação de obras infantis
e um elevado número de livros passou a circular nos acervos escolares.
O apontamento histórico demonstra que, aparentemente, não havia lugar para a
chamada crise de leitura. Se houve o aumento do público leitor e a ampliação na oferta
de obras literárias, onde estaria a crise? De acordo com Zilberman (1982), a contradição
instalava-se na recusa à leitura. O público leitor, em potencial, não demonstrava
interesse pela leitura das obras literárias. Essa recusa, infelizmente, ainda é a motivação
para o debate acerca do ensino de Literatura. A diferença é que ao debate é acrescido a
tecnologia como motivador dessa recusa. Talvez devêssemos pensar que a (não) leitura
é uma questão que não perpassa apenas a questão pedagógica, pois, se assim fosse, a
diversidade de obras que ensina a “ensinar a ler” já a teria solucionado. A história da
leitura demonstra que esse assunto envolve poder político, poder econômico e poder
social. A história da leitura, vale lembrar, também é marcada, como elucida o trabalho
de Márcia Abreu (2003), pela censura, ou seja, pelo poder de definir o que podia e o que
não podia ser impresso.
Pelo que consta em sua história, é compreensível que a questão ainda seja
discutida. Será que os professores (e aqui incluímos os professores universitários) não
seriam hoje os novos censores? Será que ao repudiar a tecnologia ele não estaria
refutando a possibilidade de se utilizar dela para navegar em sites com conteúdo
literário? Será que cada aluno não poderia criar um site sobre suas leituras preferidas? O
que está explícito é que o estudante é leitor. Talvez ele não ele o que consideramos “boa
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Literatura”, mas os relatórios de estágios dos estudantes do curso de Letras da cidade de
Dourados têm mostrado que a leitura faz parte do dia a dia de um número significativos
de adolescentes. Quadrinhos japoneses, gibis, livros de temática espírita e narrativas
como Harry Potter e O crespúculo não apenas fazem parte do contexto dos alunos
como são trazidos para as conversas informais na hora do intervalo.
Ao nos referirmos à leitura, ainda seria interessante observar que concebemos o
ato de ler como um processo trabalhoso que exige “esforço, treino, capacitação e
acumulação” (Ricardo Azevedo, 2006). Sobre a definição de leitura, optamos pela de
Eni Orlandi (2006), que, pela visão da Análise do Discurso, define a leitura como
“compreensão, não apenas decodificação”. A leitura seria o momento crítico da
construção do texto, um processo de interação verbal que faz desencadear a assimilação
dos sentidos. O leitor, por sua vez, seria aquele que consegue atribuir sentido a um
diversificado número de textos. É leitor aquele que, devido à familiaridade com a
escrita, consegue diferenciar os tipos de gêneros literários e não literários e os motivos
que o levam a escolher uma leitura em detrimento da outra.
Nesse sentido, para que a leitura seja inserida como uma forma de aproveitar o
tempo livre, ou seja, para que seja vista como lazer, faz-se necessário que o indivíduo
torne-se um leitor e esse processo, como vimos, exige esforço e dedicação. É necessário
saber por que lemos, precisamos atribuir sentido ao que lemos, e isso exige prática,
treino, acúmulo de informação, raciocínio. A arte literária, se observada pela afirmação
de Barthes (ver epígrafe desse texto), deveria fazer parte do ambiente familiar e escolar
desde os primeiros meses de vida. Essa afirmação pode parecer utópica, mas não é. Ela
está fundamentada em um referencial teórico que nos permite acreditar que a
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democratização do ensino exigiria um repensar sobre nossa história sócio-econômica de
exclusão.
A introdução aos Parâmetros para 5ª a 8ª série lembra a importância de a equipe
escolar conhecer o contexto social, histórico e econômico em que os alunos estão
inseridos, para, desta forma, compreenderem seus anseios, contribuindo para que os
educandos vivenciem, de maneira saudável, o seu momento presente. As aulas de
Literatura no Ensino Médio constituem um exemplo prático dessa observação feita nos
Parâmetros. Diferentemente da proposta dos novos ordenamentos pedagógicos, a
Literatura é estudada como uma preparação para o vestibular, o contato com o texto
literário é substituído pelo resumo e a discussão da obra pela síntese da época e das
características da escola literária que íntegra o seu autor. Desta forma, a Literatura só
existe condicionada às exigências do vestibular e não como fonte de conhecimento
subjetivo, psicológico, cognitivo, social, etc.
Quando trata da linguagem, os Parâmetros demonstram a interdisciplinaridade
que a envolve, lembrando que várias áreas do conhecimento buscam na linguagem o
suporte para seus objetos de estudo. De acordo com os Parâmetros, a linguagem só pode
ser estudada em sua interação social, só existe enquanto expressão comunicativa entre
os sujeitos. O efetivo ensino de Literatura pode atender a essa expectativa. A Literatura
é por natureza interdisciplinar, está inserida em um tempo e é escrita a partir de um
enfoque histórico, social e político. A Literatura também é a prova de que a linguagem
só existe enquanto interação social, pois é escrita por alguém que deseja ser
compreendido pelo outro, sem a relação entre autor, texto e leitor não há Literatura.
Mesmo compreendendo que os Parâmetros não são (e não pretendem ser) a solução
definitiva para o problema do Ensino de Literatura e para a crise da leitura, sentimos
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falta de um maior destaque à Literatura e a sua importância para a formação do sujeito
social e ético, como sinalizam os Parâmetros.
Para tratar da importância do Ensino de Literatura na Formação do estudante dos
ensinos Fundamental e Médio faz-se necessário, antes de qualquer questão, dialogar
com algumas concepções de Literatura. Com base nas funções da Literatura
apresentadas por Antonio Candido, no livro Aula, de Roland Barthes, e com base, ainda,
na pesquisa de estudiosos da prática de Literatura, desenvolveremos um debate que
pretende trazer à tona questões como: o lugar da Literatura nos Parâmetros Curriculares;
a formação docente; e o lugar da Literatura nos ensinos Fundamental e Médio,
abordando, nesse último tópico, a questão da metodologia e da seleção de obras.
Diante de uma sociedade tão tecnológica, com importantes descobertas
científicas, em que o indivíduo, na mais tenra idade, tem acesso à internet e a partir dela
ouve música, joga, assiste filmes, conhece lugares e pessoas, por que insistir na
Literatura (no livro literário)? Por que se empenhar para que nossos alunos (e nós
também) tenham na obra literária uma opção para o prazer, para o conhecimento e para
a formação subjetiva e social? Nas palavras de Roland Barthes, encontramos um
primeiro argumento em defesa da permanência ou da implantação da leitura literária
(ver epígrafe deste artigo ou BARTHES, Roland, 1980, p. 05). O texto do estudioso
pode ser sustentado, inclusive, com a Teoria da Literatura Comparada, responsável por
mostrar o quanto tênue é a fronteira entre a Literatura e outras áreas do saber: pintura,
música, antropologia, sociologia, psicologia, História, etc.
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A importância do trabalho docente para que efetivas práticas de leitura possam
promover a formação de leitor
Acreditamos que a leitura é um dos instrumentos mais significativos para a
formação do cidadão. Todavia, a prática precisa ser acompanhada a partir de um
referencial teórico-metodológico que permita ao estudante estabelecer relação entre o
texto e o leitor, contemplando sua subjetividade e seu meio social. Além disso, como
afirmam teóricos como Rildo Cosson (2006), Magda Soares (2007) e Eni Orlandi
(2006), faz-se necessário oferecer ao leitor em formação mecanismos para que ele
consiga perceber a intertextualidade, o ponto de vista do autor, a origem do texto, a
contextualização do material impresso, dentre outros elementos que permitam a
transformação do sujeito e, em conseqüência, a resignificação do meio que o cerca.
Diante do exposto, trabalhar a partir da teoria do Letramento pode contribuir para que a
prática dos docentes seja redimensionada para projetos que promovam, efetivamente, o
Letramento (social, escolar, literário).
Ao enfocarmos a importância do professor para a formação de leitores literários,
não desejamos atribuir somente a ele a responsabilidade por despertar nos educandos o
prazer à leitura literária. Sabemos que essa é uma questão, no Brasil, comprometida pela
desigualdade social, pelo preço dos livros, etc. Mas também é preciso ter consciência de
que a maioria dos alunos de escolas públicas terá os primeiros contatos com livros na
escola, o que torna significativo o papel desse mediador. Da mesma forma que
constatamos essa realidade, percebemos, nos cursos de formação continuada, o pouco
contato do professor com o livro. Raramente, o professor de Língua Portuguesa e de
Literatura lembra-se do último livro literário que leu na integra. A questão surge quando
iniciamos o curso de formação continuada e indagamos, no intuito de conhecer o
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público com quem iremos dialogar, o que é Literatura para eles, como selecionam o
texto a ser discutido, como acontecem suas aulas de Literatura, qual o último livro que
leram ou que estão lendo.
A maioria escolhe a partir da orientação do livro didático, não aborda a literatura
produzida em seu estado ou cidade e não dialoga com a Academia de Letras de seu
município. Acerca do que lêem, raramente algum professor aponta uma leitura literária,
a maioria, quando está lendo, indica livros classificados como auto-ajuda. Outro aspecto
que impressiona refere-se ao dialogo entre a graduação e sua prática docente.
Abordamos em nossos cursos de formação continuada a importância de utilizar o
conhecimento da teoria literária para ensinar a ler literatura, apontamos também, a
necessidade de instigar o educando a perceber os elementos que marcam os gêneros
literários e como esses elementos se relacionam no texto.
Nesse ponto, fica explícito que a maioria não consegue se lembrar das aulas de
teoria que tiveram durante a graduação. Ao invés de se auto-questionar, grande parte
afirma que a deficiência não está em saber ou não a teoria que marca cada gênero, mas
sim, na falta de interesse dos educandos. De que não há como incentivá-los a gostar de
ficção. Todavia, são esses mesmo jovens que alimentam a audiência das séries para
adolescentes como Malhação e Hanna Montana. O que são essas séries? São ficção,
enredos pautados em personagens que correspondem aos aspectos físicos e psicológicos
dos jovens que acompanham as ações. Também se trata de uma ficção marcada por
temas clássicos como amor, traição, o bem e o mal. Somado a temas modernos como a
questão do consumismo. Munido de conhecimento teórico, o professor teria pouca
dificuldade em mostrar a esses educandos que se dizem desinteressados pela leitura
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literária como a prática social e familiar e as escolhas dos programas que assistem na
TV afirmam o contrário.
No Brasil, as Orientações Curriculares (2006) definem o Letramento como
“Estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as
práticas sociais que usam a escrita”. O Letramento Literário seria visto, então, como
estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se
apropria efetivamente por meio da experiência estética. Todavia, a trajetória de
formação do leitor de Literatura sempre privilegiou o fragmento literário, o recorte feito
por alguém, não o livro. Desta forma, os fragmentos literários, a maioria presente em
Livro Didático, tira da escola o livro, que congrega autor e obra, sociedade e mundo
representado, cultura e economia.
Ao professor caberia explorar as potencialidades de diferentes tipos de texto
literário, criando as condições para que o encontro do aluno com a literatura fosse uma
busca plena de sentido. Por essa perspectiva, teríamos o ensino da Literatura pautado no
Letramento, ou seja, na busca do conhecimento, a partir do texto literário, pelo próprio
aluno e no cotidiano social em que todos estão inseridos. O problema é que quando o
educador atua em sala, geralmente, baseia-se nos fragmentos literários encontrados nos
livros didáticos e na síntese das características literárias na qual determinado autor e
obra estão inseridos. Mas como formar professores leitores? O professor deve perceber
que a prática de leitura só pode ser atingida a partir de uma reflexão pautada num
referencial teórico sustentado pela importância da Literatura para a formação social,
psicológica e cognitiva do cidadão. É preciso, ainda, que o professor tenha uma prática
docente sustentada por pesquisa.
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De modo geral, os cursos de formação continuada possibilitam apreender as
dificuldades teórico-metodológicas da prática dos professores da Educação Básica ao
mesmo tempo em que se constituem como um espaço para repensar a sua prática. Na
questão do Letramento Literário, orientamos que só é possível formar leitores literários
quando os docentes são envolvidos pela prática da leitura. Mas, infelizmente, o que se
espera são fórmulas prontas para ensinar os alunos a gostarem de Literatura. Assim, sem
o engajamento de professores leitores, também se torna difícil explicar que o
Letramento literário deve partir das práticas de leitura dos alunos (novelas, filmes,
diários, desenhos animados...) para leituras mais elaboradas, que exigem um esforço
maior de interpretação.
Diante de um grupo significativo de professores que demonstra pouca
familiaridade com os livros, recorremos mais uma vez aos estudos de Regina Zilberman
(1982). Para a autora, a ênfase dada ao ensino da língua como um meio para melhorar a
qualidade da produção lingüística” poderia significar uma ruptura com o ensino
tradicional, mas um olhar atento, de acordo com a autora, pode conduzir o ensino da
língua, caso se prenda em demasia à meta de oferecer “um conjunto de atividades que
possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de
uso público da linguagem”, ao antigo ensino de retórica, com uma concepção apenas
pragmática e utilitária da língua.
Seria ingenuidade afirmar que alguns professores resumam a aula de Língua
Portuguesa ao estudo da gramática, da redação e da interpretação de texto apenas pelo
pouco comprometimento com a leitura. Acreditamos que, da mesma forma que a leitura
está presa a uma história de censura e de equívocos, o ensino de Literatura está
comprometido pela grade curricular dos cursos de Letras, pelo não comprometimento de
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alguns docentes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio com a leitura; pelos salários
desestimulantes dos educadores, pela injusta distribuição de renda praticada no Brasil,
dentre outros elementos. Os cursos de licenciaturas, especialmente o de Letras,
poderiam contribuir para que os acadêmicos tivessem a oportunidade de refletir sobre a
rede que envolve a questão da leitura e do ensino de literatura no Brasil.
Portanto, para compreender a dinâmica desse professor é preciso perceber essa
postura enquanto reflexo da trajetória educacional desse sujeito, mas, também, do seu
curso de licenciatura. As Universidades, mesmo as públicas, parecem que firmaram o
pacto da aprovação, mesmo que o acadêmico apresente poucas habilidades para a leitura
e a produção do texto escrito e oral. Para muitos, a reprovação seria uma forma de
desmotivar esse indivíduo que superou vários obstáculos para ocupar uma cadeira
universitária. Para nós, o pacto da aprovação implica em alimentar o sistema
educacional brasileiro, marcado por aulas medíocres, pautadas em livros didáticos e na
pouca ênfase ao processo de ensinar a ler Literatura e a Reescrever, a partir da correção
interativa, o texto.
Nos cursos de formação de professores, insistentemente lembramos que só
ensinamos o que sabemos e que com os crianças e adolescentes a política do “faça o que
eu digo não o que eu faço” não emplaca. Mesmo assim, é comum ouvirmos
depoimentos em que os professores colocam-se como sujeitos desmotivados
financeiramente e desvalorizados demais para trocar a novela das oito por uma
Literatura: “é minha hora de lazer”, afirmou, no ano passado, uma professora da 4ª
série, do município onde trabalhávamos. De certa forma, essa professora tem razão.
Embora a obra literária possa, como aponta Antonio Candido, contribuir para refletir
sobre a vida e o mundo, oferecendo mecanismos para compreender nossas
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subjetividades, nossas alteridades, a questão da sexualidade, da morte e da ética, para
citar apenas alguns pontos, o ato de ler é um processo trabalhoso que exige, como
salienta Ricardo Azevedo “esforço, treino, capacitação e acumulação” (Apud,
JUNQUEIRA, Renata, 2004, p. 23).
O curso de licenciatura em Letras deveria, a nosso ver, possibilitar o debate
sobre o Ensino de Literatura no ensino Fundamental e no Ensino Médio. Isso deveria
ocorrer não apenas nas disciplinas de Estágio e prática, mas num dialogo constante com
as demais disciplinas de Literatura, uma vez que todas são essenciais para, com o
perdão da redundância, a formação de formadores de leitores. Acreditamos ser o estágio
o responsável por apresentar ao graduando a realidade escolar e por incutir-lhe o
sentimento de que os conhecimentos adquiridos ao longo da graduação não são
suficientes para o exercício docente, mostrando-lhe, assim, a necessidade de constante
pesquisa. Todavia, sem o conhecimento teórico das demais disciplinas, a prática docente
fica incompleta.
Para tratar da questão da formação de professores, na concepção de professorpesquisador, tomamos como referência a obra de Selma Pimenta, O estágio na
formação de professores; a pesquisa de Ivani Fazenda, “o papel do estágio nos cursos
de formação de professores”, publicada na obra A prática de ensino e o estágio
supervisionado, obras que versam mais sobre a importância do estágio, e o livro
Pesquisa: princípios científicos e educativos, de Pedro Demo, que vai apontar caminhos
para a atuação de um professor-pesquisador.
Apesar de sua obra se ater à investigação da formação do magistério, Selma
Pimenta constata um fato que, muitas vezes, pode ser percebido nos cursos de
licenciatura do ensino superior. Conforme a autora, os estagiários ficam confusos
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durante a regência porque percebem que os conteúdos aprendidos durante o curso não
condizem com a realidade da sala de aula do ensino fundamental. Se pensarmos no
curso de licenciatura em Letras, quantos graduados, diante de sua primeira experiência
profissional sentem-se perdidos diante dos conteúdos a serem ministrados?
A carga horária destinada ao estudo da lingüística não lhe dá subsídios para
trabalhar com alunos que, muitas vezes, chegam ao final do ensino fundamental, ou
mesmo do ensino médio, sem as habilidades necessárias para estruturar um texto escrito
com o mínimo de coerência e coesão. E o que dizer das aulas de Teoria Literária? Como
ler com os educandos do Ensino Médio as obras de Machado de Assis, Guimarães Rosa,
João Cabral de Melo Neto? Cânones que, no discurso dos professores de teoria literária
pareciam tão inteligíveis, mas que para a maioria dos “leitores” do Ensino Médio são
incompreensíveis.
Acreditamos que o Estágio supervisionado deveria oportunizar essa reflexão.
Deveria representar o momento em que o acadêmico pensaria sobre o curso de Letras,
sobre o conhecimento adquirido e sobre as limitações dele (graduando) e de seu curso
diante da realidade que o espera do lado de fora da Universidade. Nesse sentido, o
Estágio deveria oferecer ao futuro licenciado a oportunidade de compreender o
conteúdo teórico do curso seria tão importante quanto pensar sobre a melhor
metodologia para passá-lo aos alunos dos ensinos fundamental e médio.
Embora a experiência da pesquisadora Ivani Fazenda seja voltada para a
licenciatura em Pedagogia, vale a pena trazer as suas considerações para o debate sobre
o Estágio. A partir do relato de uma pesquisa-ação, a autora mostra possíveis
alternativas para superar os desafios dos estágios supervisionados nos cursos de
licenciatura. Fazenda caracteriza a trajetória escolar dos acadêmicos de licenciatura
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como estados de hibernação, porque poucas vezes é possibilitado a eles refletir sobre o
conteúdo, apenas copiam fragmentos quando uma pesquisa, ao longo dos ensinos
fundamental e médio, é recomendada.
Diante dessa constatação, a atitude da pesquisadora foi a de promover aos seus
orientandos de estágio o processo de autoconhecimento. Assim, antes de observar e agir
na realidade escolar, os acadêmicos investigaram a realidade escolar que antecedeu o
nível superior de ensino. Em seguida, os acadêmicos pesquisaram, a partir de
entrevistas, a realidade da escola em que fariam o Estágio, que passou a ser um Estágiopesquisa.
A denominação adotada por Ivani Fazenda levou-nos a investigar a concepção
de pesquisa para Pedro Demo, um autor chave para a reflexão teórico-metodológica da
pesquisa. De acordo com Pedro Demo, o professor dos ensino Fundamental e médio não
se coloca como pesquisador porque, na universidade, foi “domesticado”(palavra do
autor) a imitar. Para deixar de ser um “reles ensinador” (novamente adotamos a
terminologia do autor), o professor necessitaria, para Pedro Demo, repensar sua atitude
e aprender a ser pesquisador.
Ao tratar da prática do educador, Pedro Demo afirma que ela (a prática) deve
estar pautada na teoria, que deve, por sua vez, ser confrontada com a realidade histórica.
Como ficaria, diante das apreciações acima, o Ensino de Literatura? O curso de Letras,
de forma geral, tem a responsabilidade de formar professores com conhecimento teórico
para atuar no ensino de Literatura, adotando uma prática coerente com o referencial
teórico e com a realidade social, econômica e histórica do grupo que pretende formar. A
união entre teoria e prática deveria nortear a prática docente. Desta forma, o ensino de
Literatura no ensino Fundamental e no Ensino Médio não ficaria prejudicado pela
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fragilidade conceitual de alguns docentes que se escondem nos livros didáticos e os
usam sem nenhum tipo de senso crítico.
Conclusão possível
O papel do professor leitor na Formação de leitores literários seria, primeiro, o
de ser leitor literário; segundo, o de estar em constante formação e, terceiro, o de
encarar a disciplina de Literatura como algo que vai além das escolas literárias. É
preciso ensinar a ler Literatura, é imprescindível ensinar a ler os diferentes gêneros
literários, é necessário valorizar a Literatura com a qual o educando convive, mas,
também, é preciso ensinar a ler a Literatura que compõe a tradição literária. A missão
não é das mais fáceis, por isso, provoca tantos pesquisadores a procurar por respostas
para as dificuldades dos professores e dos leitores em formação. O debate proposto para
esse artigo é fruto de leituras teóricas associadas a nossa presença nas escolas. O
diálogo com professores e estudantes apontam caminhos: há a leitura entre os jovens,
apesar da escolha desses jovens ser desconsiderada pelos docentes; ao invés de apontar
a tecnologia como a responsável pela recusa à leitura, é preciso fazer dela uma aliada
para a promoção do texto literário. Por fim, sem que a comunidade escolar acredite na
importância da Literatura para a formação do indivíduo, a arte literária se manterá nas
salas de aula apenas pelo olhar utilitarista que muitos livros didáticos e docentes lançam
a ela.
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