João Carlos Correia Universidade da Beira Interior Indicadores de Pluralismo: um ensaio de conclusões. O Colóquio sobre Indicadores de Pluralismo nos media, promovido pelo GMCS, constituiu-se como uma oportunidade de reflexão colectiva sobre o pluralismo, o seu significado, o seu conteúdo, as medidas que permitam salvaguardar as suas diversas dimensões sobre o qual assenta o conceito. O colóquio desde já contribuiu para debater e esclarecer as múltiplas dimensões do pluralismo, as quais são, por vezes, escassamente exploradas. Os participantes demonstraram que esta é uma realidade pluridimensional e até susceptível de leituras conflituais. Ou seja, não há entendimentos completamente consensuais sobre o pluralismo e sobre as formas de o atingir. Porém, existe um núcleo de valores comuns que unem os participantes embora tal núcleo coexista com uma pluralidade de escolhas nas políticas concretas que possam ser implementadas para concretizar esses valores. Esta discussão sobre a natureza não necessariamente unidimensional e multifacetada do conceito de pluralismo não vem de hoje e tem sido assumida em muitos fóruns. Por outro lado, o conceito de pluralismo funciona como uma espécie de palavra mágica (um conceito-fetiche, como diria Umberto Eco) que, apesar da áurea consensual em que se encontra envolto, pode ser objecto de interpretações várias e de apropriações diversificadas pelo diferentes actores sociais e profissionais que integram o campo, Uma das tensões que percorreu o colóquio, positivamente, foi o reconhecimento, em última instância, de uma dualidade que alias reflecte outras em que se fundam os debates sobre as principais famílias constitucionais que estruturam o espaço público europeu. Trata-se do debate entre formas de regulação que podem contribuir para o aprofundamento do pluralismo, o qual se polariza, ideal-tipicamente, entre uma regulação estrita que condiciona o exercício da liberdade de expressão e de informação a uma ideia de bem comum (de contornos mais ou menos comunitaristas ou mais ou mais ou menos cosmopolitas) e uma ideia liberal de auto-regulação que, no 1 extremo limite, pode contribuir para a erosão ou minimização da responsabilidade social dos media. A primeira, a ideia de uma regulação estrita que obedece a um critério de bem comum pode ser objecto de um entendimento comunitarista onde prevalece uma ideia de bem comum subordinada a uma ideologia ou a uma identidade colectiva dominante, também ela ideologicamente suportada. Porém, o entendimento da regulação também pode reflectir uma visão cosmopolita e pós-convencional que enfatiza a autonomia individual, articulando-a com a responsabilidade social. Este segundo entendimento não se constitui como um impedimento à afirmação do mercado, à necessidade de constituição de empresas simultaneamente fortes e simultaneamente conscientes da sua missão social. A busca deste equilíbrio óptimo que é obviamente um ideal normativo dificilmente alcançável na sua plenitude e que ocasionalmente se vai conseguindo através de um diálogo comum entre agentes presentes no interior deste campo, acabou por se constituir como pano de fundo dos debates e discordâncias publicamente manifestos. Neste sentido, a comunicação da professora Katrin Levefer consistiu na divulgação de um sistema de avaliação de risco para o pluralismo nos países da União Europeia. Corroborando a ideia apresentada segundo a qual o pluralismo possui múltiplas vertentes, esta ferramenta pretende detectar e monitorizar ameaças ao pluralismo com recurso a indicadores que cobrem considerações de natureza legal, económica e sócio-cultural. Por outro lado, pretende apresentar-se como uma ferramenta compatível com diferentes abordagens normativas e diferentes culturas de regulação, não prescrevendo soluções nem promovendo ideologias. Além disso permite cobrir vários segmentos do mercado dos media (impresso, audiovisual e online, privados, públicos ou comunitários), revelando a preocupação em permitir uma abordagem multifacetada do pluralismo mediático, nomeadamente ao nível cultural, geográfico e politico. Por outro lado, a ferramenta inclui uma dimensão prospectiva que decorre a sua flexibilidade a fim de poder inclui nos diagnósticos a produzir futuros riscos e novos indicadores. Apesar da promessa implícita de uma flexibilidade e maleabilidade dos mecanismos que lhe são subjacentes, a criação desta ferramenta tem sido 2 objecto de controvérsias que receiam a existência de uma fórmula estandardizada de avaliação do pluralismo que corre o risco de subvalorizar as especifidades nacionais. Neste sentido, o Dr. João Palmeiro, da Confederação Nacional dos Media apresentou profundas reservas realçando que a ferramenta apresentada se fundava num estudo do Parlamento Europeu dirigido especificamente para responder aos problemas levantados m relação ao pluralismo relativo aos três países europeus – Itália, Hungria e Roménia. Neste sentido receia-se estar diante de uma ferramenta tecnológica agregadora. A dimensão problemática da regulação e do pluralismo foi apresentada ainda pelo Professor Jónatas Machado da Universidade de Coimbra. A questão foi abordada em torno dos conceitos de pluralismo publicitário, isto é a existência de condições de liberdade para a circulação de correntes controversas na formação de uma opinião pública esclarecida, e o pluralismo concorrencial, isto é a manutenção de liberdade empresarial e regulação mercantil que assegure a presença de empresas fortes e estáveis necessárias para assegurarem a autonomia e qualidade editoriais. Considerou-se, de uma forma lata, que a concorrência não assegura só por si a diversidade mas emerge como uma condição necessária para a mesma. Quanto à ferramenta apresentada pela equipa liderada pela Professora Katrin Levefer considerou-se estar-se diante de um mecanismo preventivo que considera as dimensões geográficas, económicas, politicas demográficas do pluralismo permitindo a elaboração de rankings europeus de pluralismo e de diversidade. As presenças das Entidades Reguladoras, nomeadamente da Entidade Reguladora da Comunicação e da Autoridade da Concorrência permitiram aprofundar de modo particular algumas questões associadas à problemática do pluralismo e da regulação. Em relação ao estudo e a ferramenta apresentada sobre indicadores de pluralismo, a representante da ERC, Professora Estrela Serrano, sublinhou a necessidade de se ter em conta quem procederia à sua implementação nos diverso países, insistindo na necessidade de equipas pluridisciplinares que incluam cientistas e académicos provenientes da área da comunicação, sociologia, direito, história, ciência politica, entre outros. A representante da ERC demonstrou que a complexidade e abrangência das questões conceptuais associadas ao pluralismo e à regulação 3 se repercutem visivelmente na missão da ERC em objectos tão diversos como sejam assegurar a autonomia dos operadores e identificar os poderes de influência sobre o pluralismo e a diversidade. Chamou-se a atenção para a necessidade de precisar cuidadosamente os conceitos postos em jogo em jogo no desempenho desta entidade, como sejam os de rigor, pluralismo e independência. Deu exemplo de alguns trabalhos da ERC que reflectem dificuldades nos media portugueses ao nível da representação pluralista e diversa da acção politica, ao nível da representação de minorias étnicas, sexuais, pessoas com deficiência e também, ao nível de uma representação equilibrada do todo geográfico nacional. O representante da Autoridade da Concorrência, Dr. João Noronha, deu uma perspectiva do enquadramento jurídico em que funciona aquela entidade o modo como esta intervém no sector dos media, divulgando uma cultura de concorrência, evitando o abuso de posição dominante e assegurando um funcionamento virtuoso da concorrência. As diversas estratégias e leituras da ideia de regulação e pluralismo surgiram vincadas nas palavras dos representantes da Confederação Nacional dos Media e do Sindicato dos Jornalistas. A primeira, através do Dr. João Palmeiro, realçou que nem todos os processos de concentração afectam negativamente os meios e que inclusivamente podem ser úteis para o desempenho do jornalismo de investigação. Da mesma forma, discordou da ideia segundo a qual a concentração de media possa constituir-se num atentado ao pluralismo. Na mesma lógica, considerou-se ainda que em Portugal as empresas estão sujeitas a um sistema de regulação sem paralelo. Por outro lado, acrescenta-se que a entidade reguladora não prevê mecanismos de auto-regulação e de co-regulação e se tem pautado nas suas apreciação por critérios merecedores de alguma discussão. Alfredo Maia do Sindicato dos Jornalistas referiu-se ao facto de o actual Presidente da República ter vetado a chamada Lei do Pluralismo e de Não Concentração dos Meios de Comunicação Social, invocando a necessidade de realização de novos estudos. Frisou que este é um tema que diz respeito à comunidade e aos cidadãos e que por isso devia contar, no debate, com a participação de organizações da sociedade civil. Insistiu-se em que os media são uma garantia de transparência para a vida pública, lamentando-se a 4 dependência de agências de centrais noticiosas e a consequente uniformização de conteúdos, ideias e argumentos. Debateu-se igualmente a desprofissionalização decorrente de algumas correntes que apontam para o enfraquecimento das competências jornalísticas e discutiu-se, com perspectivas diferentes, a optimização da oferta formativa dos jornalistas, nomeadamente ao nível da sua formação académica. Não sendo obviamente possível retirarem-se conclusões definitiva de um debate onde se apresentaram posições distintas e contraditórias, tenta-se, de seguida, resumir algumas sugestões compatíveis com as filosofias expressas. Desde já se sabe que as mesmas são incompletas, merecedoras de debate e, eventualmente, resultado de uma leitura própria da realidade do debate. Por outro lado, não reclama para si a originalidade das mesmas conclusões assumindo que a inspiração das mesmas ressalta de uma filosofia expressa em muitos documentos do Parlamento Europeu: a) O conceito de pluralismo dos meios de comunicação não pode limitar-se ao problema da concentração da propriedade desses meios, mas levanta igualmente questões que têm que ver com o serviço público de radiodifusão, o poder político, a concorrência económica, a diversidade cultural, o desenvolvimento de novas tecnologias e a transparência, bem como as condições de trabalho dos jornalistas. b) Os serviços públicos de radiodifusão devem dispor dos recursos e dos instrumentos necessários que lhes garantam uma independência efectiva quer às pressões políticas quer às forças do mercado. Assim reconhece-se a necessidade de serviços públicos qualidade que possam constituir uma verdadeira alternativa à programação das cadeias comerciais e que, sem entrar necessariamente em concorrência para garantir quotas de mercado e receitas publicitárias, tenham uma maior visibilidade enquanto pilares da preservação do pluralismo dos meios de comunicação, do diálogo democrático e do acesso de todos os cidadãos a conteúdos de qualidade; 5 c) O contributo das empresas multinacionais de comunicação social é essencial para a revitalização do sector da comunicação social, mas são também necessárias algumas melhorias nas condições de trabalho e de remuneração dos profissionais. É necessário melhorar as condições e a qualidade do trabalho dos profissionais da comunicação social uma vez que, na ausência de garantias sociais, um número crescente de jornalistas se encontra em condições de emprego precárias. d) As empresas de comunicação social são indispensáveis para o pluralismo da comunicação social e a defesa da democracia, pelo que devem ser mais activamente implicadas em práticas como a ética empresarial e a responsabilidade social. A consciência da importância das empresas e da concorrência entre a mesmas não deve deixar de ter em conta que a concentração da propriedade do sistema mediático pode criar um ambiente que favorece a monopolização do mercado publicitário, erguer barreiras à entrada de novos actores no mercado e conduzir, também, à uniformidade do conteúdo mediático. Assim, o direito da concorrência e a necessidade de constituição de empresas fortes e economicamente viáveis e independentes deve ser equacionado com o direito da comunicação social e a defesa do pluralismo publicitário. e) Salienta-se a importância de uma supervisão independente dos meios de comunicação social a nível nacional que seja efectiva, clara, transparente e de orientada por padrões elevados, garantindo pluralismo na representação das realidades politicas, geográficas, culturais e sociais. f) Reconhece-se que a auto-regulação desempenha um papel importante em prol do pluralismo da comunicação social e saúdam-se as iniciativas do sector neste domínio que contribuam para a accountability dos meios de comunicação social. 6 g) Incentiva-se o uso responsável de novos meios na promoção do dinamismo e da diversidade e enquanto plataforma para os meios de comunicação social comerciais, públicos e comunitários; h) Manifesta-se o acordo com a recomendação do Parlamento Europeu no sentido da inclusão da literacia mediática nas competências básicas europeias e apoia-se o desenvolvimento do currículo essencial europeu para a literacia mediática, salientando simultaneamente o seu papel na superação de qualquer forma de fosso digital. i) Considera-se que a finalidade da literacia mediática deve ser a de proporcionar aos cidadãos meios para efectuar interpretações críticas , utilizando o crescente volume de informações colocado à sua disposição. Simultaneamente este processo de aprendizagem deve permitir aos cidadãos formular mensagens e seleccionar o meio mais adequado para as comunicar, exercendo, deste modo, plenamente os seus direitos em matéria de liberdade de informação e de expressão; j) Considera-se desejável a utilização de ferramentas de diagnóstico dos indicadores de pluralismo nos meios de comunicação as quais devem ser implementada com grande respeito pelas especificidades dos vários países, num amplo diálogo com os representantes dos agentes sociais implicados no campo, sejam estas associações empresariais, sindicatos, entidades reguladoras e sociedade civil. Considera-se também desejável no processo de implementação dessas ferramentas, o recurso a equipas interdisciplinares assentes sobretudo no ensino superior (Universitário e Politécnico) existente. k) A melhoria das condições de trabalho inclui a optimização a oferta formativa que reforce as competências jornalísticas ao nível técnico, ético e deontológico. Esta optimização da oferta informativa deve ter em conta as especificidades e experiência de cada país, nomeadamente a sua realidade económica e cultural e deve ser levado a efeito no contexto de um amplo diálogo com todos os intervenientes o sector, nomadamente sindicatos e associações empresariais. 7 Pensa-se que estas sugestões não esgotam as dimensões da problemática em torno do pluralismo e da regulação. Porém, podem constituir uma base de trabalho mínima. Nesse sentido, há toda uma pedagogia de debate em torno destes problemas que carece de ser praticada a fim de ser possível erguer compromissos viáveis que, simultaneamente, não escondam os problemas que urge enfrentar. 8