A responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais em
caso de aquisição do imóvel mediante arrematação judicial
Por Maria Angélica Jobim de Oliveira
À luz do artigo 1.336, inciso I, do Código Civil, é dever de cada condômino
“contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais,
salvo disposição em contrário na convenção”. Esta obrigação atribuída aos
condôminos pode ser considerada a mais importante do rol de obrigações constante
do artigo supracitado, na medida em que o valor arrecadado com as despesas
condominiais é utilizado para a conservação e manutenção do edifício, além de
destinar-se às obras e inovações aprovadas pelos condôminos.
Nas palavras do ilustre jurista Caio Mário da Silva: “interessando a todos a
manutenção e conservação do edifício, é de princípio que a todos os condôminos
compete concorrer, na proporção de sua parte, para as respectivas despesas”1.
Em relação à natureza jurídica do dever de pagamento das cotas condominiais,
tem-se que se constitui uma obrigação propter rem. Isso porque, o artigo 1.345, do
Código Civil estabelece que o adquirente da unidade responde pelos débitos do
alienante. Vale dizer, caso o imóvel alienado possua dívidas condominiais, o
adquirente deve responder, mesmo que as dívidas sejam anteriores à compra e venda.
1
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p.
110.
1
Nesta mesma linha, o parágrafo único do artigo 4º da Lei 4.591/64, dispõe que
“a alienação ou transferência de direitos de que trata este artigo dependerá de prova
de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio”.
Sendo assim, considerando o caráter propter rem das cotas condominiais
decorrente de lei, nos parece que não há dúvidas de que, na hipótese de ser alienado o
imóvel, seja por venda ou por cessão de direitos, a obrigação passa a ser do
adquirente.
No entanto, a divergência jurisprudencial surge quando falamos em adquirir o
imóvel mediante arrematação judicial. Neste sentido, algumas decisões mantêm o
entendimento de responsabilidade do adquirente - no caso o arrematante - e, em
contrapartida, outras decisões entendem que o arrematante adquire o bem
desembaraçado e livre de quaisquer ônus, não podendo ser responsabilizado por
dívidas anteriores.
A corrente que entende pela responsabilidade do arrematante utiliza como
fundamento o caráter propter rem da dívida. Além disso, sustentam que o interessado
em adquirir um imóvel, seja adquirente ou arrematante, deve procurar conhecer a
situação do bem, isto é, deve procurar saber eventuais dívidas que recaem sobre o
imóvel que pretende adquirir.
Nesta linha, o jurista Luiz Antônio Scavone Junior, em sua obra dedicada ao
direito imobiliário, dispõe que “mesmo na hipótese de o imóvel ser arrematado em
hasta pública, o adquirente permanece responsável pelas despesas pendentes,
podendo, ao depois, se voltar contra o antigo proprietário” 2.
2
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário – teoria e prática. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2012. p. 748.
2
Este mesmo posicionamento foi adotado no julgamento dos Embargos de
Declaração no Recurso Especial nº 1280332/SP, da lavra do Ministro Sidnei Benetti, o
qual dispôs que “o arrematante de imóvel em condomínio é responsável pelo
pagamento das despesas condominiais vencidas, ainda que estas sejam anteriores à
arrematação”3.
De outra banda, há quem defenda a flexibilização do caráter propter rem das
despesas condominiais nos casos em que o imóvel é arrematado em hasta pública e o
edital da praça não faz menção à existência da dívida. O principal fundamento dos
adeptos deste posicionamento é que, se não há a menção no edital acerca das dívidas
pendentes sobre o imóvel, o arrematante adquiriu o bem confiando na declaração do
Poder Judiciário de que a aquisição seria livre de ônus, de tal forma que a eventual
responsabilização posterior do arrematante violaria os Princípios da Segurança Jurídica
e da Proteção da Confiança4.
Outro argumento dos aderentes a este posicionamento é que não se pode
exigir do arrematante que vá averiguar outras informações além daquelas constantes
do edital da praça, tendo em vista que todo o procedimento se dá no âmbito do
devido processo legal5.
Este entendimento parece ser o majoritário no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça, embora ainda haja poucos julgados em sentido contrário.
Oportuno mencionar que o artigo 686 do Código de Processo Civil dispõe
acerca dos requisitos do edital da praça e o seu inciso V prevê expressamente a
necessidade de conter a menção acerca de eventuais ônus existentes sobre o bem.
3
EDcl no REsp 1280332/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe
05/09/2013.
4
REsp 1299081/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe
27/09/2012
5
Apelação Cível Nº 70025803800, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Nelson José Gonzaga, Julgado em 30/06/2011.
3
Além disso, o parágrafo primeiro, inciso III, do artigo 694, do mesmo diploma legal
dispõe que a arrematação poderá ser tornada sem efeito se o arrematante provar,
dentro de 05 (cinco) dias, a existência de ônus real ou de gravame não mencionado no
edital.
Portanto, estas questões processuais acerca da arrematação judicial
corroboram o entendimento de que o arrematante somente responde pelas despesas
condominiais na hipótese da dívida estar expressa no edital da praça, pois, caso o
adquirente não tenha conhecimento destas dívidas em razão da omissão do edital, o
mesmo pode inclusive pedir a anulação da arrematação.
Na esteira do argumento da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso
Especial nº 1297672/SP 6, uma solução para a celeuma seria o arrematante requerer
que as dívidas condominiais anteriores à alienação judicial sejam quitadas com o
produto da própria arrematação. Em outras palavras, o adquirente poderia pedir que
parte do valor da arrematação judicial fosse reservado para a satisfação das dívidas
condominiais.
Esta situação é amplamente utilizada quando se trata de débitos referentes ao
Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, na medida em que esta obrigação tem a
mesma natureza das cotas condominiais (caráter propter rem) e o Código Tributário
Nacional, em seu artigo 130, Parágrafo Único, expressamente prevê esta hipótese,
dispondo que “no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre
o respectivo preço”.
Não temos esta mesma previsão de forma clara e expressa na legislação que
trata das cotas condominiais. No entanto, em que pese à referida omissão, é possível
que se aplique o aludido artigo da legislação tributária por analogia.
6
REsp 1297672/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe
01/10/2013
4
De qualquer forma, considerando a atual divergência pretoriana existente no
âmbito da Corte Superior, mostra-se extremamente relevante que o interessado em
adquirir imóveis – independente da forma pela qual se dará a aquisição – tenha
cautela em procurar conhecer o imóvel, bem como as eventuais dívidas pendentes,
visando não se surpreender em momento posterior à concretização do negócio.
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