PALESTRA CISG Data: 17 de abril Local: Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB Histórico A Convenção das Nações Unidas sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias ou, em inglês, Convention on Contracts for International Sales of Goods – CISG é de 1980. Hoje já conta com a adesão de 80 países, então não há dúvidas em afirmar que é um tratado internacional de sucesso – ao menos sob esse aspecto. Para compreender o sucesso da CISG hoje, vale pena recuar um pouco no tempo para examinar seus antecedentes. É o que o sucesso de hoje é fruto de insucesso do passado. Sempre que a comunidade jurídica menciona a harmonização de sistemas e modelos legais, um nome vem sempre à mente, Ernst Rabel. O professor Rabel era austríaco. No início do século XX, ele foi um conceituado professor de direito privado e de direito comparado. Em 1928, ele propôs à UNIDROIT a realização de estudos para unificação da legislação sobre compra e venda internacional. Havia no início do século XX a crença que a harmonização do Direito poderia levar a aproximação dos povos. UNIDROIT é o Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado, entidade criada inicialmente em 1926, com sede em Roma. O próprio Rabel apresentou estudos a esse respeito entre os anos de 1929 e 1936, mas o advento da Segunda Guerra Mundial inviabilizou o prosseguimento dos debates na década de 1940. Em janeiro de 1951, a Conferência de Haia, na Holanda, criou uma comissão para trabalhar em uma legislação de compra e venda internacional. Ernest Rabel participou da Comissão até a sua morte em 1955. Em 1956, o UNIDROIT encampou a ideia e iniciou estudos para criação de uma lei aplicável à formação dos contratos. Em 1964, a Conferência de Haia aprovou dois instrumentos normativos distintos: 1 - a Lei Uniforme sobre Formação de Contratos de Compra e Venda Internacional (Uniform Law on the Formation of Contracts for the International Sale of Goods – ULFIS); - a Lei Uniforme sobre Compra e Venda de bens (Uniform Law on the International Sale of Goods – ULIS). Os tratados foram um fracasso de público. A adesão política aos instrumentos legais foi baixa, apenas nove países europeus as ratificaram. Jamais tiveram importância significativa para o comércio internacional. Quais foram os problemas detectados? O que criou tal resistência? Uma das razões foi que a Guerra Fria estava a pleno vapor, então de plano já se tem uma natural resistências ideológica dos países do bloco socialista. Soma-se a isso a impressões das nações em desenvolvimento de que as regras possuíam claro viés pró-vendedor (seller oriented). Quer dizer, as regras eram inclinadas a dar maior proteção ao vendedor e, numa relação de compra e venda de mercadorias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, na maior parte das vezes, o vendedor está no país desenvolvido. Em suma, favorecia o país desenvolvido em detrimento do país em desenvolvimento. Da compreensão dos fracassos dos tratados anteriores, surgiu a oportunidade de um novo projeto que levaria à CISG. O ponto de partida é a criação da UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional) em 1966, logo após a aprovação das Convenções de Haia. O desafio da UNCITRAL era, a partir daquelas leis-modelo aprovadas em Haia, alcançar um ponto de equilíbrio maior aos direitos de comprador e vendedor. Inicialmente, os Estados Membros foram convidados a apresentar comentários sobre a ULIS e a ULF. A UNCITRAL formou Grupos de Trabalho específicos para desenvolver uma nova lei uniforme sobre o comércio internacional. Os primeiros resultados dos estudos da Uncitral começaram a aparecer em 1978, com a minuta de uma lei uniforme que continha regras de formação de contrato e de direito material. Finalmente, na Convenção de Viena de 1980, quarenta e dois países votaram a favor da Convenção sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (Convention on Contracts for International Sales of Goods – CISG). 2 O que essa Convenção tinha (e tem) de diferente das anteriores? Primeiro, ela contou com a participação de juristas de diferentes sistemas jurídicos. Com isso, conseguiu equilibrar – tanto quanto possível – a presença de institutos de common law e de civil law. Segundo, adotou postura mais neutra no equilíbrio de forças entre direitos do vendedor e direitos do comprador. Terceiro, encontrou menor resistência ideológica do bloco socialista. A Convenção entrou em vigor em 1988, após a adesão de onze Estados e, desde então, o número de países que a ela aderiram aumentou sensivelmente. Atualmente, oitenta nações são partes da Convenção, distribuídas pelas mais diversas categorias de países: desenvolvidos e em desenvolvimento; de tradição anglo-saxônica e romanogermânica; ocidentais e orientais, capitalistas e ex-comunistas e até mesmo Cuba. Dentre as nações de maior fluxo comercial internacional, apenas Inglaterra, Escócia, Irlanda, Índia, Portugal e África do Sul a ela não aderiram. É o mais importante tratado internacional para a uniformização do Direito Comercial. Apesar de a Convenção e NY (1958) ter mais de 140 Estados-Membros regula apenas aspectos de solução de controvérsia. Os princípios da UNIDROIT e os INCOTERMS da ICC não são tratados internacionais. Já a CISG trata de tema de direito material. Consequências da ratificação da CISG no Brasil O Brasil, por meio Decreto Legislativo n. 538/2012, tornou-se o 79º (septuagésimo nono) membro. Em março de 2013, o Brasil depositou junto à ONU o instrumento de adesão à CISG. A Convenção entrou em vigor no Brasil no último dia 1º de abril. O curioso é que o Brasil além de estar presente na Conferência de Viena de 1980, que aprovou o texto da CISG em 1980, participou ativamente dos debates e negociação. Ainda assim, levamos 32 anos para ratificar. Não conhecemos uma razão oficial para tanta demora. Especulam-se duas hipóteses. Uma que não era havia interesse político na ratificação. E outra de ordem mais prática e burocrática que a Convenção teria sido esquecida em uma gaveta qualquer... 3 A partir de 1º de abril de 2014, a CISG passou a constituir parte do direito brasileiro, ou seja, passa a ser o diploma legal aplicável aos contratos internacionais de compra e venda. Sendo, portanto, de extrema importância que os operadores do Direito conheçam a fundo suas disposições e saibam identificar o que permanece e o que muda na matéria. A mudança de paradigma merece ser melhor explicada. Antes mesmo da ratificação e entrada em vigor da CISG, essa lei uniforme poderia ser aplicável a partes residentes no Brasil, se a CISG constasse expressamente do contrato. Quer dizer, as partes, no exercício de sua autonomia da vontade e de seu poder de barganha nas negociações, optavam expressamente – com cláusula escrita no instrumento contratual – pela CISG como lei aplicável àquela relação jurídica. Se o contrato instituísse também a arbitragem como método de solução de controvérsias, a escolha da CISG não gerava maiores dificuldades em razão da previsão do § 1º do artigo 2º da Lei de Arbitragem: Art. 2º [...] § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Como a CISG não viola os bons costumes e a ordem pública, sua aplicação na arbitragem era – e continuar a ser – plenamente válida. Quando o litígio precisava ser solucionado no Poder Judiciário, ali se identificava uma dificuldade, o artigo 9º, caput e § 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga LICC): Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § 1º [...] § 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. 4 De acordo com esse dispositivo, se o proponente fosse residente no Brasil – típico caso de nossas empresas brasileiras –, necessariamente o contrato precisaria ser regido pela lei brasileira. Segue daí que a CISG não podia ser escolhida pelo empresário brasileiro proponente do negócio jurídico para reger o contrato internacional, se o litígio fosse ser resolvido pelo Judiciário. É que a Lei de Introdução adota o critério lex loci contractus e, com isso, limita a autonomia das partes para escolher a regra aplicável ao contrato. A única possibilidade de aplicação da CISG no Judiciário ocorria no caso em que as regras de solução de conflito de leis no direito internacional privado levassem à aplicação do direito de um Estado já signatário da Convenção. A ratificação da Convenção pelo Brasil muda significativamente esse panorama. Agora, a CISG existe como parte do ordenamento jurídico brasileiro e, a partir de 1º de abril de 2014, passa a ter eficácia. Isso significa que o Judiciário deverá aplicar a CISG para resolver litígios relacionados a contratos internacionais de compra e venda de bens móveis. Agora, o empresário brasileiro pode negociar seus contratos com partes de países signatários tendo como marco legal de ambas o mesmo diploma normativo. Além disso, no que tange aos contratos com partes de nações não signatárias da Convenção, o empresário brasileiro pode prever expressamente no contrato a aplicação da CISG, sem a necessidade de recorrer à arbitragem – que por vezes é muito custosa para empresas de pequeno e médio porte. Por outro lado, a ratificação da CISG expande o conhecimento de parte da legislação brasileira a todos os demais operadores do direito que já trabalham com a CISG pelo mundo. Do ponto de vista jurídico, portanto, a ratificação da CISG no Brasil tem por consequência a harmonização entre o nosso direito interno e o de outras setenta e nove nações no mundo. Estrutura da CISG Parte I: campo de aplicação e dispositivos gerais; 5 Parte II: prevê normas sobre a formação do contrato; Parte III: trata dos direitos e obrigações do vendedor e do comprador; Parte IV: obrigações recíprocas entre os estados-parte. Ferramentas de acesso à informação É impossível aplicar adequadamente a CISG sem estudar a jurisprudência internacional. Por isso, vale a pena conhecer os sites da UNIDROIT, UNCITRAL, PACE, CISG ADVISORY COUNCIL, CISG-BRASIL. 6