AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.367-1 DISTRITO FEDERAL RELATOR REQUERENTE(S) : MIN. CEZAR PELUSO : ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS AMB : ALBERTO PAVIE RIBEIRO E OUTRO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL ADVOGADO(A/S) REQUERIDO(A/S) V O T O O SENHOR MINISTRO Eros Grau: A separação dos poderes, como observei em texto de doutrina 1, constitui um dos mitos mais eficazes do Estado liberal, coroado na afirmação, inscrita no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, de que “qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição”. Trata-se de separação uma dos idéia poderes dominante; ainda mostra-se hoje como a idéia doutrina da dominante, enunciada como “lei eterna” 2. Essa doutrina chega até nós a partir da exposição de Montesquieu, e não pela via da postulação norte-americana dos freios Montesquieu e contrapesos. na sua De formulação resto, merece mesmo a prioridade questionamentos, de seja desde a ponderação de antecedentes remotos, em Aristóteles, seja na sua enunciação por Bolinbroke e na contribuição de Locke. 1 O d i r ei t o p os to e o d i r ei t o p r e ss u pos t o, 5 ª e d i ç ão , S ã o P au l o , M a l he i ros E di t ore s , 2 . 003 , pá g s. 2 2 5 e ss . 2 C f . M A RX e E N G LE S , A i de o l og i a a l e mã, 5 ª e d i ç ão, t r a d . d e J o s é C a r lo s B r u ni e M a r co Aur é l io Nog u e ir a , S ã o P a ulo , Hu c ite c , i . 986 , pá g . 7 2 . ADI 3.367 / DF 2. John Locke, no Segundo Tratado sobre o governo, propõe uma efetiva separação entre Poderes Executivo, Legislativo leis e Federativo. naturais da O primeiro sociedade, compreende dentro dos a execução das seus limites, com relação a todos que a ela pertencem. O Poder Federativo, a gestão de segurança juntamente com e todos do interesse quantos do poderão público receber fora dela, benefício ou sofrer dano por ela causado. O Poder Legislativo é o que tem o direito de estabelecer como se deverá utilizar a força da comunidade no sentido da preservação dela própria e de seus membros. Segundo Legislativo podem e Executivo separar-se pessoas distintas exigindo a Locke, força e é conveniente fiquem colocar-se os Poderes da separados. ao mesmo Executivo sociedade para os Mas Poderes dificilmente tempo e seu que em mãos Federativo: exercício, é de ambos quase impraticável colocar-se a força do Estado em mãos distintas e não subordinadas; além disso — transcrevo palavras de Locke —, na colocação destes poderes em mãos de pessoas que possam agir comandos separadamente, diferentes, o que a força do poderia público ocasionar, ficaria em sob qualquer ocasião, desordem e ruína. Para logo se vê, destarte, que no pensamento de Locke surge perfeitamente delineado o princípio da separação dos poderes. De toda sorte, observa-se que, embora visualize três tipos de poder, a separação que surge como conveniente e viável é a que se operaria entre o Legislativo, de um lado, e o Executivo e o Federativo, de outro. O que Locke 2 ADI 3.367 / DF propõe é uma separação dual — e não tríplice — entre os três poderes que descreve. 3. Montesquieu jamais propôs a separação dos poderes. Sua exposição encontra-se no capítulo VI do Livro IX de O espírito das leis. As idéias que coloca inicialmente, neste capítulo, a sumariam: “Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o Poder Legislativo, o Poder Executivo das coisas que dependem dependem do do direito direito das civil. gentes, Pelo e o Executivo primeiro, o das que príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente, o Poder Executivo do Estado. A liberdade política num cidadão é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião que cada um possui de liberdade, cidadão sua segurança: cumpre não que possa o e, governo temer outro para que seja de cidadão. se tal tenha modo, Quando esta que na um mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o Poder Legislativo está reunido ao Poder Executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo Senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do Poder Legislativo e do Executivo. Se estivesse ligado ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de 3 um opressor. Tudo estaria ADI 3.367 / DF perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”. É certo, ademais, que Montesquieu não sustenta a impenetrabilidade, um pelos outros, dos poderes que refere. Assim, por um lado afirma que: “apesar de que, em geral, o poder de julgar não deva estar ligado a nenhuma parte do Legislativo, isso está sujeito a três exceções, baseadas no interesse particular de quem deve ser julgado”. Por outro lado, distinguindo entre faculdade de estatuir — o direito de ordenar por si mesmo, ou de corrigir o que foi ordenado por outrem — e faculdade de impedir — o direito de anular uma resolução tomada por qualquer outro (isto é, poder de veto) —, entende deva esta última estar atribuída ao Poder Executivo, em relação às funções do Legislativo; com isso, o Poder Executivo faz parte do Legislativo, em virtude do direito de veto: “Se o Poder Executivo não tem o direito de vetar os empreendimentos do campo Legislativo, este último seria despótico porque, como pode atribuir a si próprio todo o poder que possa imaginar, destruiria todos os demais poderes”. “O Poder Executivo, como dissemos, deve participar da legislação através do direito de veto, sem o quê seria despojado de suas prerrogativas”. O que importa verificar, inicialmente, na construção de Montesquieu, é o fato de que não cogita de uma efetiva separação de poderes, mas sim de uma distinção entre eles, que, não obstante, devem atuar em clima de equilíbrio. Isso fica bastante nítido na análise de outro trecho de sua 4 ADI 3.367 / DF obra: “Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos. partes, uma impedir. O corpo legislativo paralisará Todas as a outra duas sendo por serão sua composto mútua de duas faculdade paralisadas pelo de Poder Executivo, que o será, por sua vez, pelo Poder Legislativo. Estes três poderes deveriam formar uma pausa ou uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a caminhar, serão forçados a caminhar de acordo”. De exposição outra resulta parte, a importa distinção enfatizar entre que Poderes já da sua Executivo e Legislativo, de um lado, e funções executiva e legislativa, de outro. Segundo Montesquieu, o Poder Executivo deve estar dotado de funções executivas e — pela titularidade da faculdade de impedir (poder de veto) — também de parcela das funções legislativas. Da mesma forma, entende deva o Poder Legislativo, em casos excepcionais, estar dotado de funções jurisdicionais. 4. O alinhamento procedido, das colocações de Locke e de Montesquieu, permite-nos verificar que o primeiro propõe uma separação dual entre três poderes — o Legislativo, de um lado, e o Executivo e o Federativo, de outro — e o segundo sugere três não a poderes divisão ou distintos separação, — o mas o Legislativo, equilíbrio o Executivo entre e o Judiciário. Mais ainda: de modo bastante nítido na exposição de Montesquieu — o que está implícito na postulação de Locke — visualizamos a necessidade de distinguir entre poderes e funções. Para que o equilíbrio 5 a perseguir seja logrado, ADI 3.367 / DF impõe-se, v.g., que o Poder Executivo exercite parcelas de função não executiva — mas legislativa. A Constituição do Brasil afirma que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si --- artigo 2º --- ainda que o § 4º do seu artigo 60 mencione “separação dos Poderes”. O vocábulo “separação” neste parágrafo indica, no entanto, sem qualquer dúvida, independência e harmonia entre teórica de eles e não cisão entre os poderes. A construção Montesquieu merece, contudo, não apenas ser descrita, porém ser também analisada desde a perspectiva crítica. 5. Detenho-me, inicialmente, Charles Eisenmann 3, nos fundamentos da assertiva quais de sobre dois encontra que a textos Althusser 4 “separação dos de os poderes” não passa de um mito. Montesquieu, como vimos, além de jamais ter cogitado de uma efetiva separação moderação entre dos eles poderes, como na divisão verdade dos enuncia poderes entre a as potências e a limitação ou moderação das pretensões de uma potência pelo Althusser 5, a poder das “separação outras. dos Daí poderes” 3 por não que, como passa da observa divisão “ L ’e s pr i t d e s l o is et l a s ép a r at i on d e s p ou v o ir s ”. C a hi e rs d e p h i lo s oph i e p o lit i q ue ( Mo n t es q uie u ) . B rux e l le s , É d i ti o ns O u p i a , 1 9 8 5 ( p p . 3 - 34 ) e “L a p e n sé e c o n st i tut i o nn e lle d e Mo nt e s qu i eu” . C ah i er s d e p h i lo s oph i e p o lit i q ue ( Mo n t es q uie u ) . B rux e l le s , É d i ti o ns O u p i a , 1 9 8 5 ( p p . 3 5-6 6 ) . 4 M o nt e squ i e u — La p ol i tiq u e e t l’ h i st o ire . 6 a e d. P ar i s, P U F, 198 5 . 5 O b . c it. , pá g . 1 0 4 . 6 ADI 3.367 / DF ponderada do poder entre potências determinadas: o rei, a nobreza e o “povo”. Eu exposição de gostaria de avançar Montesquieu, mas nesta não análise vou maçar crítica a Corte da com essas considerações. O mínimo, no entanto, há de ser dito. O ponto de partida de Montesquieu no Livro IX de O espírito das leis é a liberdade: nos Estados Estados abusa “Encontra-se moderados. moderados: do poder; só mas a liberdade Porém ela existe a política nem nesses experiência unicamente sempre últimos eterna existe quando mostra nos não que se todo homem que tem poder é tentado a abusar dele; vai até onde encontra limites (...). Para poder é preciso que, pela freie o poder”. Ora, se Estados moderados nos que não se disposição a liberdade quais possa das só ninguém abusar coisas, pode abuse o poder existir do do nos poder, a divisão dos poderes encerra em si a virtude, precisamente, do equilíbrio. Esse equilíbrio é que Althusser 6 visualiza na divisão dos poderes entre as potências — o que importa que, nos Estados moderados, o poder não seja absoluto, porque, mercê daquele equilíbrio, controlado 7. Daí a indagação que se introduz: a quem beneficia o equilíbrio outros que termos, perguntas provém quem dá-nos da divisão controla Althusser o na 6 dos poder? afirmação A de poderes? Ou, resposta a que em tais Montesquieu O b . c it. , pá g s. 1 0 3- 1 04. V i de Mic h e l M iai l l e, E l E s ta d o d e l D e rec h o, t rad . de Jea n He n neq u i n , U n i ve r sid a d A u tôn o m a d e P u e bl a , P u e bl a , 1 . 9 85 , pá g . 2 0 0. 7 7 ADI 3.367 / DF fazia da nobreza a beneficiária de tal equilíbrio — a nobreza controlava o poder. A aplicação política, finda Executivo e da por teoria, demonstrar Legislativo contudo, que estejam não na praxis apenas controlados quando pela mesma classe ou fração hegemônica a divisão dos poderes é, no seu funcionamento, mesmo quando unidade inexistente; são do grupos poder pois — diferentes Poulantzas 8 observa os que institucionalizado se os —, controlam, mantém no a lugar predominante onde se reflete a classe ou fração hegemônica. Diz o próprio Montesquieu: “Assim, em Veneza, ao Grande Conselho cabe a legislação; guaranties, o poder de julgar. Mas o diferentes são formados por magistrados tribunais corpo, o que quase faz aos com pregandi, que a execução; mal componham é um que esses do mesmo aos mesmo poder” (grifei). 6. O Estado. que Para nos tem faltado compreendê-lo é seria reflexão conveniente a respeito do recorrermos a Hegel 9: o Estado político, diz ele, divide-se nas seguintes diferenças substanciais: a) o poder de definir e estabelecer o universal --- poder domínios particulares universal --- poder decisão suprema último, os da legislativo; e de dos diferentes casos governo; vontade --- poderes 8 b) c) subsunção individuais a poder são a sob subjetividade do reunidos príncipe. em uma dos o como Neste unidade P o uv o ir p o li t iqu e et cl a s se s so c i al e s, v o l. II , Ma s per o , P a ris , 1 . 9 68 , pá g . 1 3 5. 9 - P r i n ci p e s d e l a p h i los o p hi e du d r o i t o u d r o it n a t u r el e t s c i en c e d e l ' E ta t en a b ré g é, s e co n de é d it i on , L ib r ai r i e P h il o s op h iqu e J . Vr i n , P a r is , 1. 9 9 3, par . 27 3 , p á g . 2 83. 8 ADI 3.367 / DF individual e, por conseqüência, este poder é a suma e a base do todo. Mas o Estado político, erigido sobre a Constituição racional --- racional na medida em que, continua Hegel 10, o Estado determina e distribui sua atividade entre vários poderes, porém de modo que cada um deles seja, em si mesmo, a totalidade, ou seja, um todo individual único --- o Estado político, dizia eu, é uma totalidade. Ensina, em passos sucessivos, o velho HEGEL: “O princípio da divisão dos poderes contém, com efeito, o momento essencial da diferença, da racionalidade real. Ora, o entendimento abstrato apreende-o de um modo que implica, por um lado, a determinação errônea da autonomia absoluta dos poderes uns com relação aos outros, e, por outro lado, um procedimento unilateral que consiste em tomar seu relacionamento mútuo como algo negativo, como uma restrição recíproca. Esse modo de ver encerra uma hostilidade, um temor, de cada qual em face do outro; cada um aparece como um mal para o outro e o determina a opor-se a ele, o que certamente leva a um equilíbrio geral de contrapesos, mas de modo algum a uma unidade viva” 11; “... saibamos que nem sempre aquilo que espontaneamente vem à mente, ou aquilo que mais impressiona, é o essencial. É assim, é verdade, que devem ser distinguidos os poderes do Estado, mas cada um deles deve constituir um todo nele próprio, e conter nele os outros momentos. Quando se fala da diversidade de eficácia dos poderes, de sua ação e de sua eficiência, é necessário evitar incorrer no enorme erro de considerar as coisas como se cada poder estivesse supostamente lá abstratamente, por ele próprio, quando os diferentes poderes supostamente se diferenciam apenas enquanto momentos do conceito” 12. 10 11 12 - Id e m, p a r. 272 , pá g . 2 8 0 . - Id e m, p a r. 272 , ob s erv a ç ão , pá g s . 2 82. - Id e m, p a r. 272 , ad e ndo , pá g . 2 8 0 . 9 ADI 3.367 / DF Disse-o, de modo diverso, Carlos Maximiliano 13, ao afirmar que “[c]omo no corpo do homem, não há no Estado isolamento de órgãos, e, sim, especialização de funções”. 7. Devo vincado. deixar Também um em outro texto aspecto, neste doutrina 14 de ponto, observei bem ser necessário distinguirmos o discurso que trata do direito no plano das lidade(s) abstrações daquele concreta(s). É que que não dele cogita existe, como rea- concretamente, o direito; apenas existem, concretamente, os direitos. O realidade direito social, não é uma externa a simples ela, representação mas, sim, um da nível funcional do todo social. Produto cultural, é, sempre, fruto de uma determinada cultura. Por isso não pode ser concebido como um fenômeno universal e atemporal. Lembro Aristóteles 15 n’A Política: “il n’est pas possible, en effet, que les mêmes lois soient bonnes pour toutes les démocraties, s’il est vrai qu’il existe plusieurs espèces de chacun de ces régimes, et non pas uniquement une seule démocratie ou une seule oligarchie”. 8. Precisamente por isso não há um modelo universal de “separação” ou harmonia e equilíbrio entre os poderes, a cada sociedade política correspondendo um modelo particular e específico seu. 13 - C o m e nt á r io s à C o n st i tu i ç ão b ra s i le i ra, t e rc e ir a e di ç ão , L iv r aria d o Gl o bo, P or t o A l e gr e , 1 . 9 29 , pá g . 3 0 4. 14 - O d ire i t o p ost o e o di r e it o pr e s su p ost o, c i t., p ág . 19 e s s . 15 T r ad . J. T ri c ot, J . V rin , Pa r is, 1 .9 8 2 [ I V , 1 , 1 2 8 9 a 20 - 2 5] . 10 ADI 3.367 / DF O modelo brasileiro de harmonia e independência entre os poderes é desenhado pela Constituição do Brasil, a Emenda Constitucional controle da Judiciário juízes. atuação e do Esse acuidade n. 45 tendo administrativa cumprimento controle Sergio em Bermudes, e dos verdade em a ele incorporado financeira deveres não é do ensaio Poder funcionais externo. há o dos Diz poucos com dias publicado 16: “A instituição do Conselho Nacional de Justiça constitui vitória da ampla corrente, a que me filiei, contrária ao controle externo do Poder Judiciário”. Disse-o também recentemente Gilberto Bercovici 17, professor do Largo de São Francisco: “Como podemos perceber, toda polêmica gerada sobre o ‘controle externo’ do Poder Judiciário e do Ministério Público não faz nenhum sentido. [...] no nosso caso não foi criado nenhum controle externo real”. A ADI questiona a presença de membros, no Conselho Nacional de Justiça, indicados pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, além de dois indicados pelo Ministério Público e dos dois advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB. Não visualizo, contudo, na presença dos dois primeiros, ingerência de um Poder --- o Legislativo --- em outro --- o Judiciário. A admitir-se, apenas para efeito de argumentação, que representassem o esses Senado e dois a membros Câmara, 16 do dar-se-ia colegiado aqui, no A r e f o rm a d o J ud i c iá r io p e l a E me n d a C ons t i tu c ion a l n . 45 , E d i tor a F o r en s e, R i o d e J a n ei r o, 2 . 00 5 , p á g . 1 32. 17 “ O c o ntr o l e e xte r n o d o J u d ic i ári o e a so b e ra n ia p o pu l ar” , in Ref o r m a d o J ud i ci á r io , [o r g . A n dr é R am o s T a v ar e s e t al i i] , E di t or a M ét o do , São P a u lo , 2. 0 0 5, pág . 19 0 . 11 ADI 3.367 / DF controle a ser exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, algo semelhante orçamentária, à ampla fiscalização operacional externo” exercidos órgãos do pelo Poder e contábil, patrimonial Congresso e Nacional Judiciário. É financeira, ao em “controle relação aos inquestionável a constitucionalidade dessa fiscalização e desse controle, que se compõem, harmonia harmoniosamente, e coerentes, independência ao admitirmos no modelo entre fosse os brasileiro poderes. A inconstitucional a de sermos presença de membros indicados pelo Senado e pela Câmara dos Deputados no Conselho Nacional de Justiça haveríamos de incisivamente afirmar a inconstitucionalidade daquela fiscalização e controle, o que está fora de qualquer cogitação. É o quanto basta. Quanto do Ministério à presença, Público e dos no colegiado, dois de advogados dois membros indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, limito-me a observar permanente, 127) e a que o Ministério essencial aludir ao à função fato de Público “é instituição jurisdicional” que a (CB, Constituição do artigo Brasil confere atribuições de extrema relevância à OAB, a propósito bastando ressaltar o disposto no inciso VIII do artigo 103 da Constituição, que confere legitimidade ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, bem assim a definição do advogado como essencial à promoção da Justiça, ao qual é assegurada inviolabilidade no que tange aos seus atos e manifestações no exercício da profissão. 12 ADI 3.367 / DF De mais a mais, como anota ainda Sergio Bermudes 18, os conselheiros indicados pelos tribunais, pela OAB e pelo Ministério Público “não representarão os órgãos de origem. Sem qualquer subordinação a eles, exercerão, autonomamente, as suas funções, com toda independência”. O mesmo há de ser dito em relação aos dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada indicados um pela Câmara dos Deputados e o outro pelo colegiado, nenhum a de Senado Câmara nós, Federal. e membros o Eles Senado, desta não representarão, evidentemente. Corte, a ela Tal no como aportados por indicação do Presidente da República, após aprovação de seus nomes pelo Senado Federal, representa, em nosso colegiado, este ou aquele. 9. Força harmonia e recomendação é, na análise do modelo equilíbrio entre os poderes faço mesmo, sem desejar a mim brasileiro --- é de essa ensiná-la aos meus pares; limito-me a chamar a atenção de todos para este ponto --- força é, nesta análise, seguindo as anotações de Hegel, coisas não como incorrermos se cada no enorme poder erro de estivesse considerar supostamente as lá abstratamente, por ele próprio, quando os diferentes poderes supostamente se diferenciam apenas enquanto momentos do conceito. 10. De importância atribuída resto --- ao --- e este Conselho competência ponto Nacional nenhuma que é de de fundamental Justiça permita não a é sua interferência na independência funcional do magistrado. Cabe 18 O b . c it. , pá g s. 1 3 2- 1 33. 13 ADI 3.367 / DF a ele exclusivamente o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, nada mais do que isso. Sua presença, como órgão do Poder Judiciário, no modelo brasileiro de harmonia e equilíbrio entre os poderes, não conformará nem informará --- nem mesmo afetará --- o dever-poder de decidir conforme a Constituição e as leis que vincula os membros da magistratura. O controle que exercerá está adstrito ao plano “da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”. Embora órgão integrante do Poder Judiciário --- razão pela qual desempenha autêntico controle interno --- não exerce função jurisdicional. 11. Há mais, todavia, a ser considerado. É que esta Corte é um tribunal político. Político, sim, no sentido de que provê a viabilidade da polis. Cumprenos compreender a singularidade de cada situação no âmbito da polis, isto é, do Estado. Por isso não estamos aqui para sacrificar a realidade interpretamos apenas realidade, modo de em benefício textos que o de normativos, significado da doutrinas. mas Não também a Constituição é produzido, pelo intérprete, contemporaneamente à realidade. A uma Constituição sociedade em um é a ordem determinado jurídica momento fundamental histórico e, de como ela é um dinamismo, é contemporânea à realidade. Daí porque tenho afirmado que não existe a Constituição de 1.988. O que hoje realmente há, aqui e agora, é a Constituição do Brasil, 14 ADI 3.367 / DF tal como hoje, aqui e agora, ela é interpretada/aplicada por esta Corte. 12. Ademais, racionalidade o [a discurso social como humanas de sujeição justifica sua a ordem Constituição, imaginário e da controle alienação da lei] e De intérprete à o o disciplina poder 19. ao do a abrange lugar lugar das modo da do condutas que realidade não se social, constituída também pelas aspirações da sociedade. Frustrar a existência efetiva do Conselho Nacional de Justiça, a pretexto de incompatibilidade da presença, nele, de membros indicados pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, Conselho bem Federal assim da OAB, pelo Ministério frustrar sua Público existência e pelo efetiva, dizia, a pretexto de incompatibilidade dessa presença com a doutrina da “separação dos poderes”, isso não se justifica. O confronto nutre, com neste o imaginário momento, sem social que e uma as expectativas razão que constitucional definitiva houvesse a justificá-lo --- e, se ela houvesse, eu estaria pronto, sem qualquer temor, a enfrentar as reações que haveria de provocar --- confronto dessa ordem, sem que uma justificá-lo, razão repito, constitucional definitiva comprometeria a força houvesse normativa a da Constituição. A Constituição então produzida por esta Corte, na interpretação da Emenda n. 45, afrontaria a natureza singular do presente. 19 C f . E nr i q ue M ar í , P a p el e s A i r es , 1. 9 9 3, pág s . 2 1 9 e s s. de f i l os o fia , 15 E d it or i a l Bi bl o s , Bu en o s ADI 3.367 / DF Lembro, neste passo, as conhecidas observações de KONRAD HESSE 20: "Em síntese, pode-se afirmar: a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade pretensão de eficácia realizada se se Constatam-se quando a natureza os da levar limites ordenação singular Constituição em da concreta conta força presente essa não seu tempo. somente pode realidade. normativa constitucional do do da mais (individuelle A ser (...) Constituição se baseia na Beschaffenheit der Gegenwart)". A esta Corte --- não havendo razão constitucional definitiva a justificá-lo [e, no caso, não há mesmo] --- não é dado o poder de, interpretando-a de modo a privilegiar a particularidade dos interesses da magistratura, produzir uma Constituição escrita adversa às expectativas da sociedade e ao interesse geral. Fazendo-o, isso não apenas comprometeria a força normativa da Constituição, mas também a efetividade da atuação do Poder Judiciário, que sairia desse episódio bastante machucado. 13. Quanto improcede. à Note-se, alegada à violação vista do do pacto disposto no federativo, artigo 92 da Constituição, que os Tribunais e Juízes dos Estados-membros, do Distrito Judiciário essência Federal (inciso nacional, e dos VII), junto Territórios componentes com o são de Supremo órgãos um mesmo Tribunal do Poder todo, de Federal (inciso I), o Superior Tribunal de Justiça (inciso II), os 20 A f o r ça n o r ma ti v a d a C o n st i tui ç ã o, t ra d u çã o de G i l ma r F e r r ei ra M e n de s , S e r gi o An t o ni o Fa b r is Edi t o r, Por t o A l egr e , 1 . 991 , pá g . 2 4 . 16 ADI 3.367 / DF Tribunais Juízes Regionais Federais Trabalho (inciso do Eleitorais (inciso V) e (inciso IV), os III), os os Tribunais Tribunais Tribunais e e Juízes e Juízes Militares (inciso VI). Bem por isso, a Constituição refere-se a todos esses órgãos como "categorias da estrutura judiciária nacional". A tratamentos Executivo, federal, o Constituição aos três cogita do Poderes. Brasil Quanto exclusivamente Congresso Nacional do (arts. confere ao que 44 distintos Legislativo respeita e à e ao esfera seguintes) e a Presidência da República (arts. 76 e seguintes). Já no que concerne ao Poder Judiciário, no entanto, ela abarca todas as esferas e áreas de jurisdição. Daí concebido como a unidade Judiciário do Judiciário, Nacional 21, que há excepcionando de ser algumas exigências da Federação. 21 E s s e car á t er , na c i on a l, d o P o der J u d ic iá r i o, t em s i d o af i r ma d o p e l o S u p re m o T r i bu n al F e d er a l. J O SÉ NÉ R I DA SI L V EI R A, e m p al es t r a p r of e r id a n e s ta Co r t e ( “A s p ec t os i n s ti tu c i on a is e e st r u tu r ais do P o d er J u d ic i ári o b ra s il e i ro ” , i n S AL V IO D E F IG U E IR E DO T E I XE I RA [ c oo r d. ] O J u d ic i ári o e a C o n st i tui ç ã o, S ão P a ul o , S a r ai v a, 1 9 94 , p á g s. 3 e 9 ) , tomando o "...poder judiciário como a pedra angular do edifício f e d er a l”, a f ir m a q u e "N a g u a rd a d e s se p ri n c íp i o, c o n ti d o n o ar t . 9 9 da L e i M ai or , q u e re s p ei t a à i n d ep en d ê nc i a d o P o de r J u d i ci ár i o e afi r m a seu c ará t e r nac i o na l , o S u pr e m o Tri b u na l F e d er a l tem ad o t ad o p r o vi d ênc i a s c o nc r e ta s no q u e re s p ei t a à f i xa ç ão d e v en c i me n tos da m a g is t rat u r a f e de r a l ( o q u e s e e s t en d e t a m bé m à e sf er a d os E s t ad o sM e m br o s) (...) Bem de r e c onh e c er , a s s im , é, n e ssa i m p ort a n te c o m pe t ênc i a , q u e s e pr oc l a ma n ão a p en a s o c ar át e r na c io n a l d o P o d er J u d ic i ári o , ma s a a tr ib u i çã o a s e u ó rg ã o de c ú p ul a de i n ic i at i v a p r i va t iva , e m n om e d o P od e r a q ue s e d e st i n a a no r m at i vid a d e p r ev i s ta , p a r a qu e, e m l ei c o m pl em e n ta r , s e t r ac em d i s ci pl i n as c on d u ce n tes , i n e qu i voc a m en t e, à u n i for m i da d e d e t r at am e n to d a m a g i st ra t u ra n ac i o na l e à u nid a d e d o P o d er J u d ic i ári o , em t o r no d e p r i nc í pi o s e va l o re s f u n da m ent a i s, na b u sc a dos i n t er e sse s m ai or e s da i n s ti tu i ç ão j u d ic i ári a " ( ne gr i t ei ) . L ê - se t am b é m, n o v o t o do M i n is tr o M O RE IR A A L V ES em d ec i sã o do ST F [R e pr e s en t açã o n° 1. 1 5 5- D F]: “ .. . ap ó s a 17 ADI 3.367 / DF 14. Tem-se, destarte, que o Poder Judiciário compreende a magistratura federal e a magistratura estadual, a Constituição estaduais e do Brasil federais, as outorgando mesmas a todos garantias os juizes, [vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos], os mesmos direitos, as mesmas vedações e as mesmas vantagens. Em suma, a Constituição consagra igualdade de tratamento a todos os membros do Poder Judiciário, o que, ademais, se impõe em benefício da sua autonomia e independência. Não há ofensa, no caso, ao pacto federativo. 15. Por fim, no que tange à inconstitucionalidade formal apontada na ADI, as informações prestadas pelo Senado Federal espancam a questão. C o n st i tui ç ã o d e 1 . 8 91 , já o b se r va v a , a p es a r de no s s a f e de r a çã o es t ar no n as ce d o ur o , que o P o d er J u d ic iá r i o, me s m o n el a , ap re s e nt a va c a r ac t erí s t ic a di v e rs a do s de m ais P od e res d o E st a d o: tin h a c a rát e r n a c io n al. E st a c o n ce p ção – O P o d er Jud i c iá r io e m an a d a so b era n i a n a c io n al – f o i i n e qu i voc a d am e nte a c o l hid a p e l a E m e n d a C o n s t itu c i on a l n . º 1 / 69 , on d e s e d ec l a ra , n o tí t ul o co n ce r n en t e à Or ga n i za ç ão N a c io n al, q u e o P o d er J u d ic i ári o , ao c o n tr á rio d o q ue o c or r e c o m r e l aç ã o a o P o de r E x e c ut iv o e a o P o d e r Le g i sl a tiv o , é con s t it u ído n ã o s ó p e l os T r i b u nai s e j uí z e s f ede r a is , ma s t a m bém p e l o s T r i b u nai s e j u í ze s Es t a du a is. . . [. . .] Com isso ... quis a Constituição acentuar q u e o Po d e r J u di c i ár i o é n a ci o na l p or e m a na r da s o be r an i a na c io n al, m a s n ão e x c l ui u, p o r qu e a p r e ss u p õe n as n o r ma s s o b r e e s s e Po de r , a s e p ar a ção , no s â m b it o s f u n ci o nal , no ad m i ni s tra t i vo , en t r e o P o d er J u d ic i ári o d a U ni ã o e o s P o d er e s J u d ic i ár i o s d o s E s ta d os - M em b ros ” ( in R T J 1 0 8/ 4 8 6 (1. 9 8 4) ) 21. N o m e sm o s e nti d o , a o b s er v açã o d e GA L E NO L A C ER D A ( “ O ju i z e a J u s tiç a n o B r a si l ”, i n O J u d ic i ári o e a C o n st i tui ç ã o, ci t . , p ág . 12 7 ): “ .. . a p es a r d e e xi s t ir um P od e r J u d ic i ári o F e d er a l , a o l a d o do s E s t ad u a is , a v e r d ad e é q ue e s sa d i s ti n ção t a m bém s e mo s t ra ar t i fi c ial , u m a v e z qu e o s J u i ze s e T r i bu n ais d os E st a d os - Mem b r os apl i c am tam b é m a le g i sl a ção f ed e ral e m c e r ca d e 9 9 % d e s u a s d e ci s õ es . Po r i ss o , s e r ia ma i s pr ó pr i o fa l ar , no B r a si l , e m J us t iç a u ni t ár i a na c io n a l. A v e r da d e é q ue p e r ma n ece n as i n s ti t uiç õ e s br a s il e ira s a p r e dom i n ân c ia do P o d er C e n tr a l , r e m in i scê n c ia , ta l v ez , do E st a do m o ná r qui c o o r igi n á ri o ". 18 ADI 3.367 / DF Sendo assim, acompanho o Ministro Relator, não conhecendo da ação quanto ao § 8º do art. 125, inexistente na EC n. 45/04, julgando improcedente a ADI com relação aos demais preceitos impugnados . 19