O PAPEL DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
Ewerton Marcus de Oliveira Góis
Advogado da União lotado na
Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades
Do perlustrar da Constituição Federal de 1988 - CF/88 - é inevitável deparar-se com
a inserção da Advocacia Pública no capítulo IV, do Título IV, que contempla as Funções
Essenciais à Justiça, compondo a estrutura do Estado e exercendo atividades
indispensáveis à administração da Justiça, concretizada na defesa dos valores e
princípios consagrados pelo nosso ordenamento jurídico.
Destarte, é fácil perceber que na organização dos poderes o Constituinte Originário
optou por posicionar a Advocacia Pública fora dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, pelo que lhe reservou um capítulo à parte, não próprio, tampouco isolado,
estando devidamente acompanhada pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública.
No que atine à organização dos poderes e às funções do Estado, oportuno citar as
lições do mestre Celso Antônio Bandeira de Melo: 1 “ Como se sabe, as funções
legislativas, administrativas (ou executivas) e judiciais estão distribuídas, entre três blocos
orgânicos, denominados ‘Poderes’, os quais, de regra, são explicitamente mencionados
nas constituições modernas do Ocidente. Tais unidades orgânicas absorvem, senão com
absoluta exclusividade, ao menos com manifesta predominância, as funções
correspondentes a seus próprios nomes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa trilogia
não reflete uma verdade, uma essência, algo inexorável proveniente da natureza
das coisas. É pura e simplesmente uma construção política invulgarmente notável e
muito bem sucedida, pois recebeu amplíssima consagração jurídica. Foi composta
em vista de um claro propósito ideológico do Barão de Montesquieu, pensador
ilustre que deu forma explícita à idéia da tripartição. A saber: impedir a concentração de
poderes para preservar a liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos
governantes.” (grifo nosso) 1
O objetivo da construção ideológica do Barão de Montesquieu de cindir as funções
estatais em busca do equilíbrio e da preservação da liberdade dos homens frente aos
abusos dos governantes permanece vivo, oxigenado com o surgimento de novas tarefas
para o Estado.
Assim, imperioso que novéis instituições, fora do paradigma tradicional, estejam
aptas a desempenhá-las.
A busca de separar o abismo existente entre o homem abstrato da lei e o cidadão
concreto da realidade, com fulcros nos fundamentos e objetivos estabelecidos na CF/88,
sobremaneira, a dignidade da pessoa humana e a igualdade material, compõe o rol de
atribuições das Instituições que desempenham as funções essenciais à justiça.
Nessa trilha, à Advocacia-Geral da União – AGU - foi reservado o artigo 131, da
CF/88, assim redigido:
1
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17ªed., São
Paulo: Malheiros, 2003, p. 28-29.
“Artigo 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de
órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos
da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de
consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1.º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre
nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de
notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2.º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo farse-á mediante concurso público de provas e títulos.
§3.º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.”
Dessume-se, pois, a sua função institucional de representar a União judicial e
extrajudicialmente e prestar consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo
Federal, permitindo ao Ministério Público o pleno exercício de sua função constitucional
de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”, prevista no art. 127 da Magna Carta.
Registre-se que, antes do advento da Constituição Federal de 1988 e da entrada em
vigor da Lei Orgânica da AGU, Lei Complementar n° 73, de 10 de fevereiro de 1993, a
União era representada em juízo pela Procuradoria Geral da República, por intermédio do
Ministério Público Federal, com exceção daquela referente às causas de natureza fiscal,
que passaram à antiga Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, desde a promulgação
da Carta Política, por força do art. 29, § 5°, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. 2
Da análise dos dispositivos citados, conforme já assinalado, a intenção do
Constituinte em situar a AGU fora dos três Poderes da República, foi para que pudesse
atender a todos eles, com independência e autonomia, porquanto a representação judicial
da União, engloba os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
No escólio de José Afonso da Silva, “ A União é a entidade federal formada pela
reunião das partes componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno,
autônoma em relação às unidades federadas (ela é unidade federativa, mas não é
unidade federada) e a que cabe exercer as prerrogativas da Soberania do Estado
brasileiro.” O território da União, continua o renomado autor, abrange todo o território
físico estatal, bem como a população constitutiva do Estado brasileiro é a mesma sobre
que domina a ordem jurídica da União. 3
Note-se, a propósito, que ao representar a União judicial e extrajudicialmente, a
AGU não defende exclusivamente os interesses da Fazenda Pública, do Erário, no que
lhe tange às obrigações patrimoniais, mas sim, o interesse do Estado como síntese dos
interesses das coletividades.
2
VALENTE, Maria Jovita Wolney, Histórico da Advocacia-Geral da União. Disponível em
www.agu.gov.br
Nesse particular, José Afonso da Silva afirma que a “Advocacia Pública assume, no
Estado Democrático de Direito, mais do que uma função jurídica de defesa dos interesses
patrimoniais da Fazenda Pública, mais até mesmo do que a defesa do princípio da
legalidade, porque lhe incumbe igualmente, e veementemente, a defesa da moralidade
pública, que se tornou um valor autônomo constitucionalmente garantido. ... Seu
compromisso institucional e funcional é com a defesa do princípio da legalidade e,
especialmente, do principio da constitucionalidade, que significa que no Estado
Democrático de Direito é a Constituição que dirige a marcha da sociedade e vincula,
positiva e negativamente, os atos do poder público.”4
Não é por outro motivo, a inarredável atuação social da AGU, pelo que a Carta da
República reservou incontáveis tarefas à União nesta seara, possibilitando, dessa forma,
uma atuação na defesa do interesse público primário, e não apenas na defesa dos
interesses da Administração, velando pela afirmação de um Estado Democrático de
Direito, um verdadeiro Estado de Justiça.5
No seu mister, não é despiciendo expor a importância que deve ser atribuída às
enormes cifras economizadas e arrecadadas em favor da União, que viabilizam a
implementação das políticas públicas do Governo Federal, estando a AGU debruçada
sobre a ordem constitucional em suas mais variadas matizes, defluindo solarmente claro
seu papel de instituição de Estado.
Neste momento, há uma incansável busca para o aprimoramento da AdvocaciaGeral da União visando, sobretudo, aprimorar a Instituição, buscando exatamente
aproximá-la dos desígnios mirados pelo constituinte de 1988, aos quais me referi linhas
atrás, no sentido de atribuir aos membros da carreira maior independência e autonomia
no exercício das suas atividades. É o mínimo que se espera!
3
1. BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil Anotada, 4ªed.,São Paulo:Saraiva, 2003.
2. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
3. CUNHA, Leonardo José Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo, 4ªed., São Paulo: Dialética, 2006.
4. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17ªed., São Paulo: Malheiros, 2003.
5. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada, 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2004.
6. MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo. As Funções Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais. Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo: n. 36, 1991.
7.SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ªed., São Paulo: Malheiros, 2003.
8.SILVA, José Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros.
9. VALENTE, Maria Jovita Wolney, Histórico da Advocacia-Geral da União. Disponível em www.agu.gov.br
3
p.491.
3
.SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ªed., São Paulo: Malheiros, 2003,
4
.SILVA, José Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, p.605-606.
MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo. As Funções Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais.
Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo: n. 36, 1991.
5
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