Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
O Homem e a Guerra: a (i)moralidade bélica na história da humanidade
a partir do século XIX
Paula Goulart Santos1
"A guerra não é mais o que era. O Direito não é sempre o que deveria
ser. Um progride na força da destruição, enquanto outro persiste na fraqueza das
proteções".
Marie Françoise Furet
Compreender o homem moderno pode ser considerado uma ousadia
intelectual devido à sua complexidade, esta mesma ousadia é proposta por Hannah
Arendt2, que traz em “A Condição Humana” uma reflexão sobre o homem partindo da
Grécia Antiga para, desta forma elucidar o homem moderno, partindo deste homem do
século XIX, nos deparamos com a transformação de conceitos e sentidos que permeiam
a existência deste, e, em momentos de conflito, no caso, bélico, estes mesmos conceitos
se transformam de forma mais brusca e violenta. Este estudo visa compreender como se
dá esta relação entre Homem e Guerra, centrando no conceito de moral.
Neste estudo, partimos do século XIX, e utilizaremos de vários pensadores sobre a
Guerra, o homem e este século na tentativa de compreender o quão importante são estas
noções para que se problematizem os fatos históricos que levaram à humanidade a
períodos bélicos e ao próprio questionamento destes. Para tal estudo, propomos três
ciclos de estudo, cada qual centrando uma “potência” aqui apresentada.
Num primeiro debate, iremos tratar sobre o homem do século XIX, as
transformações que surgem neste e a noção de homem que alguns pensadores debatem
neste período. Em um segundo esforço deste trabalho, nos voltamos para a noção de
moral, discutiremos sobre como este conceito também sofre mudanças e colocaremos
em debate filósofos e historiadores que tratam sobre este, neste ponto, acreditamos ser
válido um debate sobre moral e ética no século XIX. Por fim, focamos na noção de
Guerra, e partindo de algumas teorias levantadas sobre estes períodos específicos vamos
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Graduanda em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Email: [email protected]
Hannah Arendt foi uma filósofa política alemã, de origem judaica, nascida em 1906 e faleceu em 1975.
Neste trabalho utilizamos de parte de sua obra “A Condição Humana”, na qual esta filósofa faz uma
análise, tomando por base a história, sobre a constituição do Homem, no qual centramos, no século XIX.
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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
discutir se há uma moral, ou várias morais, específicas nestes momentos, e partindo da
noção de homem apresentada anteriormente, o que podemos perceber de transformador
em uma sociedade, no que tange a subjetividade dos valores morais e éticos.
Concluímos apresentando as considerações sobre cada ciclo de exposição e debate
de ideias, e destacando a própria importância deste estudo.
O Homem e o Século XIX
O homem é uma corda estendida entre o animal e o além-do-homem –
uma corda sobre o abismo. É o perigo de transpô-lo, o perigo de estar a
caminho, o perigo de olhar para trás, o perigo de tremer e parar. O que é grande,
no homem, é ser ponte, não uma finalidade (Zweck), o que pode amar-se, no
homem, é ser uma transição e um ocaso. (NIETZSCHE, 1986: prólogo, cap. 4)
O século dezenove é mais animal, mais vulgar, mais feio, mais realista,
mas da gentalha, e, em conseqüência disso, ―melhor‖ , mais ―honrado‖ ,
mais flexível a qualquer realidade, mais verdadeiro; porém muito fraco de
vontade, triste e obscuramente desejoso, mais fatalista. Nem terror, nem
respeito diante da ―razão‖
nem diante do ―coração‖ ; intimamente
persuadido do domínio dos apetites (Schopenhauer chama de ―vontade‖ , no
entanto, nada é mais característico para a sua filosofia que a ausência de
vontade). A própria moral reduz-se a um instinto (―compaixão‖ ).
(NIETZSCHE,1978)
Nietzsche, nessas duas passagens trata sobre o homem e o século XIX, partindo
destas questões, podemos compreender que, o homem se faz ponte das transformações
que ocorrem no século XIX, sendo colocado desta forma, ainda podemos compreender
o homem como “principal ator” destas mudanças? É o que podemos entender a partir do
que Hannah Arendt escreve em A Condição Humana.
A relação que Arendt faz do homem, do mundo e das coisas no século XIX entra
em contato íntimo com o que Nietzsche descreve ser este século e este homem. Ao
discorrer sobre o homem, Hannah Arendt apresenta a transformação da noção de
público e privado no século XIX, e como estas levam as máscaras utilizadas no público,
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também para o privado, fazendo com que, o indivíduo, no seu íntimo não distingue até
onde as máscaras o constituem. A sociedade, para esta autora, é a que vigora de forma
ainda mais impositiva para com o homem.
(...) no mundo moderno, os domínios social e político diferem muito
menos entre si. O fato de que a política é apenas uma função da sociedade – de
que a ação, o discurso e o pensamento são, fundamentalmente, superestruturas
assentadas no interesse social não foi descoberto por Karl Marx; pelo contrário,
foi uma das premissas axiomáticas que Marx recebeu acriticamente dos
economistas políticos da era moderna (ARENDT, 2010, p.39).
O que leva esta mudança é primeiramente a transformação do espaço e da noção de
trabalho que se segue. Como Arendt trata:
(...) o novo domínio social transformou todas as comunidades modernas
em sociedades de trabalhadores e empregados; em outras palavras, essas
comunidades concentraram-se imediatamente em torno da única atividade
necessária para manter a vida. (...) A sociedade é formada na qual o fato da
dependência mútua em prol da vida, e de nada mais, adquire importância
pública, e na qual se permite atividades relacionadas com a mera sobrevivência
apareçam em público. (ARENDT, 2010, p.56)
Antes o trabalho era denominado inferior por ser considerado uma necessidade
para a sobrevivência, no século XIX o trabalho passa totalmente ao âmbito público, e
ainda que na diferenciação entre as classes, o trabalho possa surgir ainda como
necessidade, mas por ser entendido também como enriquecedor, a noção de “aquele que
trabalha” ganha outro status, sobre tal, Karl Marx e Friederich A. Engels desenvolve
uma análise que endossa este pensamento.
(...) Indivíduos determinados, que como produtores atuam de um modo também
determinado, estabelecem entre si relações sociais e políticas determinadas. é preciso
que, em cada caso particular, a observação empírica coloque necessariamente em
relevo - empiricamente e sem qualquer especulação ou mistificação - a conexão
entre a estrutura social e política e a produção. A estrutura social e o Estado nascem
constantemente do processo da vida de indivíduos determinados, mas destes
indivíduos não como podem aparecer na imaginação própria ou alheia, mas tal e
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como realmente são, isto é, tal e como atuam e produzem materialmente e,
portanto, tal e como desenvolvem suas atividades sobdeterminados limites,
pressupostos e condições materiais, independentes de sua vontade (MARX, K. &
ENGELS, Fr.A,1993: p.35-36)
Marx e Engels apresentam uma análise que contempla a questão da ação fazer o
ser, ou seja, a divisão de classes a partir da lógica de produção geram experiências
diferentes, e consciências também diferentes. Desta forma, a ação determina a
consciência de classe e a reação, ou seja, o ato transformador. Por assim dizer, observase como o homem se faz ponte para a transformação do trabalho e de si mesmo a partir
da lógica de produção.
Sobre tal noção do trabalho, voltamos a Arendt que o une a materialização das
“coisas”. A autora confronta a noção de trabalho com a necessidade das coisas no
mundo, com isto surge o conceito de “obra”, para Arendt o trabalho faz “ser”. Como
exemplo que a própria Arendt utiliza, o livro é uma “coisa” que surge como um
pensamento, e a partir do trabalho intelectual, da ação, do discurso se transforma em
livro, e a partir deste formato poderá acrescentar ao mundo.
Pode-se entender como o homem, o mundo e as coisas surgem como uma
constante relação, a partir de Hannah Arendt, afinal, as coisas fazem o mundo, o homem
faz as coisas, sem o homem, não haveria as coisas, não havendo o mundo, que por fim
anularia o homem. Voltando ao que Nietzsche apresenta, o homem é a ponte entre as
coisas e o mundo.
Na era moderna, o homem se faz é pelo trabalho, que leva a “ser”, que “faz ser” o
mundo e o homem. A ação “de ser” é o que transforma a sociedade ao que ela é no
século XIX, e ao que o homem tenta ser perante esta sociedade, podendo, inclusive ser
mais de um dentro de si.
A Moral – sentido, transformação e debates
O que difere a moral da ética? Com esta indagação iniciamos este ciclo, vê-se a
ética como aquela que normatiza, e a moral como ação. Sendo assim, a ética faz luz à
moral, mas esta última não necessariamente exerce o papel contrário. Ética provém de
Ethos, do grego, enquanto Moral vem do latino, Mos, e sua definição semântica se
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e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
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assemelha a muito com a de Ética. Tanto que a última já foi utilizada para designar o
estudo da Moral.
Hegel utiliza estes dois conceitos, sendo a ética a verdade da moral, sinaliza moral
como vontade e ética como realização. Vemos assim como a moral é a realização da
vontade, inserida nesta própria, e a ética a realização do espírito. Ética e Moral são
conceitos intrínsecos, ambos dando significâncias distintas a noção de costumes. Cada
qual em seu âmbito específico. Como apresenta Paul Ricoeur:
É preciso distinguir entre moral e ética? A dizer a verdade, nada na
etimologia ou na história do uso das palavras o impõe: uma vem do grego, outra
do latim, e ambas remetem à idéia dos costumes (ethos, mores); pode-se,
todavia, distinguir uma nuance, segundo se ponha o acento sobre o que é
estimado bom ou sobre o que se impõe como obrigatório. É por convenção que
reservarei o termo 'ética' para a intenção da vida boa realizada sob o signo das
ações estimadas boas, e o termo 'moral' para o lado obrigatório, marcado por
normas, obrigações, interdições caracterizadas ao mesmo tempo por uma
exigência de universalidade e por um efeito de constrição. Pode-se facilmente
reconhecer na distinção entre intenção de vida boa e obediência às normas a
oposição entre duas heranças: a herança aristotélica, na qual a ética é
caracterizada por sua perspectiva teleológica (de télos, fim); e uma herança
kantiana, na qual a moral é definida pelo caráter de obrigação da norma,
portanto por um ponto de vista deontológico. (RICOEUR, Paul, 1995: p.3-4)
Seguindo a noção de Ricoeur, obtemos a noção de moral como obrigatoriedade,
que é imposta no momento que um homem está inserido na sociedade, uma sociedade
que possui um fim, e que institui normas para manter este fim sólido, mesmo que não o
alcance.
Estas normas, ou seja, esta moral social se torna plural em cada âmbito da
sociedade como religião, formação/ educação, Estado, família, etc, e também se
transformam com a transformação do homem, ou seja, seguindo a noção de homem
como ponte para a transformação do século XIX que tratamos anteriormente, quando
Arendt nos diz sobre a transformação da noção de trabalho, está deixando claro que uma
assim como a ética (fim) do trabalho se transforma, a moral (vontade) também se
modifica, e é esta moral que exercerá sobre os trabalhadores, de forma explorativa de
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acordo com Marx, fazendo com que estes visualizem um novo fim, e exerçam outras
vontades.
Guerra – a especificidade do período bélico
Em períodos de conflito bélico, observamos como a noção de ética e moral se
transforma, assim podemos inserir a noção de moral bélica para compreender como se
dá esta transformação. Observamos como Thales Cavalacanti Castro, destacando a
teoria da política internacional, expõe a dicotomia que está inclusive permeando esta
área teórica. Castro apresenta duas teorias que englobam a política internacional, a
realista e a idealista.
Quando se trata do realismo observamos uma centralização do poder, que
tangencia as relações internacionais, enquanto o idealismo apresenta o homem como
vinculado à uma sociedade ideal, que sofre um desequilíbrio, como apresenta autor:
Os idealistas fizeram atuar suas idéias entre as duas grandes guerras
mundiais, através da criação da Liga das Nações e do Pacto de Kellog-Briand,
1928. Não obstante, ambos foram "letras mortas" no âmbito internacional. A
Liga das Nações, proposta por Kant e criada após a Primeira Guerra Mundial ,
tinha como propósito a união dos Estados majoritários com intuito de punir
qualquer Estado que cometesse agressão. Haveria um interesse coletivo de as
nações se unirem contra os atos agressivos e o interesse privado de um único
país. A autodeterminação das pequenas nações ficaria igualmente protegida das
mudanças sistêmicas.3 (CASTRO, 2003)
Neste, vamos nos centrar na discussão sobre as teorias realistas, visto que esta se
relaciona com o que Hannah Arendt analisa: a própria noção de poder. Enquanto esta
autora discorre sobre o tema partindo da noção de homem e do século XIX, as teorias
realistas geralmente partem da noção de poder para com a sociedade e o homem, e neste
ponto que se discute a moral, Wight (1985) irá tratar da transformação da moral
partindo da Idade Média à Modernidade, este autor compreende que, a noção de
unidade se rompe na transição destes períodos, quando o espaço nacional apreende sua
3
Artigo disponível no link http://jus.com.br/artigos/5675/a-arqueologia-da-moral-internacional-e-oseu-conceito-de-guerra-justa#ixzz2eRtMS7Sp
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própria noção de ética e moral, e desta forma o que antes estava em uma esfera
internacional, entre países, passa a convencionar-se no âmbito da fronteira.
No interior de uma comunidade, o Estado pode obter sua autoridade
moral da proteção e da educação que oferece a seus cidadãos, aos quais o
vincula uma reciprocidade de direitos e deveres. Se os Estados se encontram,
segundo a velha fórmula, no estado de natureza, se não houver autoridade
superior que arbitre suas disputas, então o sacrifício exigido aos cidadãos no
plano da vida e no da ética, bem como as regras de respeito mútuo, de
cooperação, de fidelidade nos compromissos e de moderação nas relações entre
Estados têm muito menos razões e oportunidades de se imporem no interior de
um meio entregue à competição selvagem ou à guerra de todos contra todos
(HASSNER,2004,p.480).
Este autor irá tratar justamente sobre o que Wight também expõem, mas Hassner
também trata da noção básica do realismo, a questão do poder, este que é responsável
por ser o juiz das disputas internas e externas ao país.
Seria nesta questão, um tanto problemática que Arendt chega ao discutir sobre os
governos autoritários? Esta teoria realista, ao apresentar como indiscutível a centralidade do
poder, abre espaço para a própria discussão do significado deste poder. Seria ele instituído em
bases éticas?
Essas questões é que nos leva a cruzar análises historiográficas e filosóficas com estas
teorias das relações internacionais, fazendo assim uma análise ampla e crítica de tais teorias, que
ainda vigoram no pensar internacional.
A ética e a moral acabam, como elásticos, subjulgadas ao poder ainda que não à sociedade.
Pois, do homem se cobram as “virtudes éticas e morais” enquanto, no plano internacional, ou
até nacional, o poder do Estado assume a responsabilidade do julgo, da aplicação da moral u
transgressão desta, pelas ações que o fará como governo justo ou injusto.
Bibliografia
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Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais
do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história
e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP,
2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6)
ARENDT, Hannah. A condição Humana. Rio de Janeiro. Forense Universitária.
p.26-124. 2010.
D’ASSUMPÇÃO, Evaldo Alves. Comportar-se fazendo bioética para quem se
interessa pela ética. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998
HASSNER, Pierre. Relações internacionais: a normalidade do extremo. In:
CANTOSPERBER,Monique (org.). Dicionário de ética e filosofia moral. São
Leopoldo:Unisinos, 2004. v. 2, p. 479-485.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas. São Paulo: Loyola,
1995, v. III, p. 295.
MARX, K. & ENGELS, Fr. A Ideologia Alemã; trad. José C. Bruni e Marco A. Nogueira. São Paulo: HUCITEC, 1993.
NIETZSCHE, Fr. W. Assim Falou Zaratustra; trad. Mário da Silva. - Rio de
Janeiro:Civilização Brasileira, 1986.
RICOEUR, Paul. Ética e Moral. In: Leituras 1: Em torno ao político. São Paulo:
Loyola, 1995.
WIGHT, Martin. A política do poder. Brasília: Edunb, 1985.
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