OBSERVÂNCIA TRIBUTÁRIA E DIFICULDADES DA INDÚSTRIA
Samuel Pessoa
Volto hoje ao tema que já tratei em algumas colunas, mas que continua presente como nunca:
as dificuldades da indústria.
Uma das maiores dificuldades que o setor enfrenta é o elevadíssimo custo de observância da
legislação tributária. O custo de observância resulta da enorme complexidade dos impostos
indiretos, seja os da União, PIS e Cofins, mas principalmente o ICMS, que é estadual. Cada
Estado tem a sua lei. Há inúmeras alíquotas diferentes, regimes especiais e as diversas
secretarias estaduais de Fazenda emitem decretos e instruções normativas alterando algum
aspecto do seu ICMS quase que diariamente.
Como José Roberto Mendonça de Barros tem afirmado, o custo de observância desempenha
hoje para a eficiência da economia o papel que a inflação desempenhava nos anos 90. Naquela
oportunidade qualquer empresa bem administrada em sua atividade precípua poderia quebrar
se não tivesse uma tesouraria muito competente para gerir o caixa. Adicionalmente, o setor
bancário crescia. Inúmeras agências eram abertas. A atividade do sistema bancário não era
intermediar poupadores e investidores e, com isto, ajudar no financiamento do crescimento
econômico. Naquela época a atividade do sistema bancário era ajudar o setor privado não
bancário a conviver com a inflação. Ofertavam-se serviços de meios de pagamento – por
exemplo, conta remunerada com saque automático – que somente faziam sentido em função
da inflação.
Ou seja, um monte de recursos reais – prédios, trabalhadores e equipamentos – eram
mobilizados para desempenhar atividade que seria desnecessária se a inflação fosse baixa.
Todos esses recursos poderiam ser aplicados em alguma atividade mais produtiva para a
sociedade se a inflação fosse baixa.
Hoje, em vez de uma tesouraria hipertrofiada, as empresas precisam ter um departamento
contábil enorme. No limite, se a empresa vende seu produto para cada Estado da Federação,
precisa ter um contador para cada um dos Estados de sorte a observar as alterações dos
normativos de cada um deles! Adicionalmente, a enorme complexidade cria espaço sem fim
para litígios entre as Receitas Federal e Estaduais e as empresas. Abrem-se inúmeros
escritórios de advocacia tributarista para auxiliar as empresas em seus litígios, que
forçosamente ocorrerão. Em vez de hipertrofia bancária temos a hipertrofia dos escritórios
tributaristas.
Evidentemente essas dificuldades são arcadas por todo o setor produtivo e não somente pela
indústria. No entanto, a indústria, principalmente a de transformação, sofre mais pois é o setor
cujas cadeias produtivas são mais longas. A complexidade tributária afeta toda a rede de
fornecedores e clientes das diversas empresas.
Assim, se o novo governo conseguisse negociar no Congresso Nacional uma reforma tributária
que simplificasse os impostos indiretos e, consequentemente, reduzisse muito o custo de
observância, haveria algum alívio da sofrida indústria de transformação, setor que tem tido o
pior desempenho em seguida à crise e que é o mais afetado pelo desafio chinês.
Os ingredientes para a reforma tributária são bem conhecidos: harmonização das diversas
legislações estaduais de ICMS; redução ao mínimo necessário dos regimes especiais dos vários
impostos, incluindo os federais; cobrança do imposto no destino em vez de na origem, etc. A
difusão do uso da nota fiscal eletrônica reduz em muito as dificuldades técnicas da reforma.
No primeiro mandato da presidente Dilma, o Congresso Nacional, com a liderança do atual
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, à época secretário-executivo do ministro Guido
Mantega na Fazenda, chegou muito perto de aprovar a reforma tributária.
Oxalá no período de lua-de-mel do primeiro ano do segundo mandato a presidente consiga
aprovar a reforma tributária e esta seja, como na analogia no início desta coluna, o plano Real
de Dilma.
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