1
Empresa Familiar e as dificuldades de administração entre as gerações
Resumo
O objetivo central deste trabalho é o de identificar as principais dificuldades encontradas
por empresas administradas pela família empresária no que se refere à continuidade dos negócios
entre as gerações. O método aplicado para este estudo caracteriza-se, inicialmente, como
exploratório, o que decorre da necessidade de varrer a literatura produzida a respeito do tema nos
últimos tempos. Com base neste levantamento, procedeu-se a um estudo de caso em
profundidade, tendo como objeto um conglomerado empresarial familiar brasileiro de grande
porte. Para tanto, foi empregado o método de entrevistas por pauta, utilizando um roteiro com
questões formuladas para identificar quais as principais dificuldades da terceira geração da
família empresária na condução dos negócios. O principal resultado da pesquisa indica a falta de
planejamento no processo sucessório como sendo o maior obstáculo ao bom andamento dos
negócios. No presente estudo, houve certa lentidão na passagem do comando pelo fundador aos
membros da segunda geração, fato que volta a acontecer na sucessão da segunda para a terceira
geração. Outros fatores identificados foram: falta de critérios na contratação de familiares;
conflitos de gerações; definição da participação dos outros parentes; direitos e deveres de
acionistas familiares; e falta de comunicação horizontal e vertical entre os interessados familiares.
Palavras-Chave: Empresa familiar; conflitos; sucessão
1
INTRODUÇÃO
De acordo com Bethem (1994) cerca de 90% dos grandes grupos empresariais brasileiros
são de propriedade familiar. A gestão destes empreendimentos está na maioria das vezes restrito
aos membros da própria família. A partir desta constatação e com o aumento da concorrência
internacional a partir da abertura comercial na década de 90, a dinâmica dos negócios começou a
exigir um alto nível de competitividade e uma administração adequada às exigências desta nova
2
realidade. Esta dinâmica vem impondo cada vez mais desafios à continuidade dos negócios sob o
comando familiar.
Por outro lado, estas empresas apresentam uma série de vantagens que, quando bem
aproveitadas, transformam-se em importantes diferenciais competitivos. Os recursos de capital da
família, por exemplo, podem ser utilizados nos momentos de crises. Entretanto, é também um
ambiente fértil à proliferação dos problemas originados da relação família-empresa que, quando
não são identificados e tratados em tempo, podem comprometer o desempenho da organização.
A existência de problemas de sobrevivência do empreendimento familiar tem relação com
fatores relacionados à ineficácia da gestão, ao processo sucessório, à profissionalização de
quadros e aos conflitos entre integrantes da família. Estes e outros motivos são tratados na
literatura, onde se verifica que tais problemas não estão ligados ao tamanho da empresa
(FUJIOKA, 2002). Este autor destaca que a cultura e a filosofia de vida da família interfere
bastante no estilo de gestão. Além disso, o processo de sucessão em empresas familiares é falho.
Quando a herança é passada para a seguinte geração, muitas vezes a experiência acumulada não é
transmitida ou bem aceita. Assim, observa-se que, de geração a geração, as questões familiares
podem agravar a condução dos negócios, afastando o empreendimento da gestão profissional.
Neste sentido, Lodi (1998) aponta alguns conflitos de interesses entre família e empresa,
destacando quatro problemas freqüentes: 1) uso indevido dos recursos da empresa por seus
membros; 2) falta de sistemas de planejamento financeiro e de apuração de custo; 3) resistência à
modernização; e 4) emprego e promoção de parentes por favoritismo e não por competência.
A partir desta problemática, o presente estudo tem como objetivo identificar as principais
dificuldades encontradas por empresas administradas pela família empresária no que se refere à
continuidade dos negócios entre as gerações. A relevância deste tipo de estudo está no fato de que
as empresas familiares que sobrevivem à gestão do seu fundador constituem uma exceção. De
3
fato, de acordo com Fritz (1993), 30% das empresas familiares passam para a segunda geração e
apenas 10% para a terceira.
1.1
ESTUDO DAS EMPRESAS FAMILIARES NO BRASIL
Apesar da importância deste tema, observam-se parcas pesquisas sobre administração de
empresas familiares, sucessão, conflitos e outros assuntos relacionados, o que limita o campo de
discussão. Levantamento realizado pelos autores nos artigos publicados nos anais do Encontro
Nacional de Pós-Graduação em Administração - ENANPAD no período de 1999 e 2004 e nos
conteúdos das Teses e Dissertações encontradas no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – CAPES, período de 1996 a 2003 observa-se que este tema é pouco
explorado. No ENANPAD, observou-se que dos 3.073 artigos publicados no período citado,
apenas 14 abordavam o tema empresa familiar, conforme quadro a seguir.
Título
A Empresa Familiar: Oportunidades para Pesquisas
Organizações familiares e tipologias de análise: o caso da organização Odebrecht
Sucessão Familiar: Prática em empresa de transporte – Uma visão dos dirigentes
Empresa Familiar no Brasil: Inserção e perspectivas no mercado globalizado
Mulher, conhecimento e gestão empresarial: um estudo nas empresas familiares
Atitudes e comportamentos da cúpula e os processos de profissionalização,
formalização estrutural e sucessão em empresas familiares: um estudo exploratório
Relações de poder no processo de sucessão em empresa familiar: o caso das
Indústrias Filizola S.A.
O Saara não é um deserto :o processo sucessório de suas empresas é repleto de
conhecimentos
O isomorfismo como balizador da formulação estratégica organizacional: Um
estudo multicaso de empresas familiares do setor de edificações
Profissionalização x modernização: um estudo de caso de uma empresa familiar do
setor têxtil.
Análise de Ações no Processo Sucessório das Empresas Familiares
Organizações familiares: desafios, provocações e contribuições para a pesquisa
organizacional
As organizações familiares e os processos de profissionalização, sucessão e
administração de conflitos: uma análise baseada no conceito de ciclo de vida
Ano
Autores
1999
1999
2000
2000
2001
Bethlem
Silva et al.
Gueiros, Oliveira
Macedo
Boscarin e outros
2001
Castro e outros
2001
Capelão e Melo
2002
Leone
2002
Rossetto e Rossetto
2002
Rocha
2003
Silveira e Biehl
2003
Davel e Colbari
2003
Neto e Freitas
4
Aplicabilidade do “modelo dos três círculos” em empresas familiares brasileiras:
um estudo de caso.
2004
Daniela Meirelles
Andrade e Denize
Grzybovski
Fonte: ENANPAD 1999 a 2004
Quadro 1 - Artigos apresentados no ENANPAD entre os anos de 1999 a 2004.
Já na pesquisa realizada na página eletrônica da CAPES, período de 1996 a 2003,
constatou-se que das 397 teses e 5294 dissertações produzidas neste período, apenas 42
abordavam a temática “empresa familiar”. Veja o foco dessas pesquisas no quadro a seguir.
Título
As empresas familiares da região de piracicaba sob a ótica dos empresários:
uma investigação.
Empresa Familiar: Relações, Sentimentos e Conflitos..
Suceder ou Ceder? Um Estudo Exploratório das Relações entre Empresa
Familiar Herdeiras e Processo Sucessório..
À baiana de acarajé, uma empresa familiar de sucesso.
A empresa familiar e o exercício do poder.
A Abordagem Psicanalítica do Processo Sucessório em Empresa Familiar: um
estudo de caso.
Fatores que contribuíram para que as indústrias familiares de Santa Cruz do
Sul superassem a condição de pequenas empresas: estudo de casos.
A empresa familiar e a distribuição dos produtos industrializados: um estudo
de caso da Filler S.A..
Competências gerenciais específicas para a gestão profissional da empresa
familiar um estudo de caso.
Empresas familiares: ciclos de vida e processos de liderança.
Organizações Familiares e Tipologias de Análise: o caso da Organização
Odebrecht.
Programas de profissionalização e sucessão: um estudo em empresas
familiares de pequeno porte de São Paulo
Psicodinâmica nas organizações: Poder, Cultura e decisão na empresa familiar.
Avaliação do Planejamento Estratégico nas Indústrias de Pequeno Porte de
Fortaleza com Administração Familiar de mais de 15 anos
Desempenho Organizacional: Planejamento Financeiro em Empresas
Familiares.
O Perfil das Empresas Familiares de Pequeno e Médio Porte de Fortaleza: um
Estudo da Gestão, da Propriedade e da Família.
Os determinantes da Estrutura de Capital de Empresas Familiares durante os
processos sucessórios Contribuição da Teoria da Firma.
A Genealogia do Poder no Processo de Sucessão em Empreendimentos
Familiares Brasileiros: O caso das Indústrias Filizola.
A Profissionalização da Gestão das Empresas Familiares num Contexto de
Mudança: Um Estudo de Caso no Setor Têxtil.
Análise de fatores determinantes do sucesso na sucessão de empresas
familiares de médio porte com destaque na economia regional do Extremo
Oeste de Santa Catarina: estudo de multicasos.
Gestão de Recursos Humanos em Empresas de Administração familiar de
Ribeirão Preto.
Interesses Familiares e Interesses Empresariais - Impactos e Repercussões na
Ano
1996
Autor
Carrão. A. M. R.
1996 Cepelowicz. S.
Barbieri. E. M. B.
1996
1997 Dias. T. M. C.
1997 Flores. S. P.
Campos. L. J.
1998
1998
1999
1999
Ribeiro. V. B.
Filho. M. P. R.
Cardoso. O.
1999 Tondo. C. T. G.
Silva. J. C. S.
1999
1999
Junior. A. L. M.
1999 Macedo. K. B.
Farias. D. M.
2000
2000
2000
2000
2001
2001
2001
2001
Teló. A. R.
Reis. F. P. P. M.
Gorgatti V.
Capelão. L. G. F.
Rocha. C.H.M
Agostini. S. R.
Brandão. A. M.
2001 Júnior. A. S.
Nível
M
M
M
M
M
M
M
M
M
D
M
M
D
M
M
M
M
M
M
M
M
M
5
Empresa Familiar.
Posições e Superposições de Papéis na Empresa Familiar: Família,
Propriedade e Gestão.
A gestão das terceiras gerações na continuidade das empresas familiares
industriais.
Balanced Scorecard para Empresas Familiares
Características Personalistas de Gestão dos Empresários Brasileiros e
Estratégias em Empresas Familiares: estudo comparativo de casos em
empresas do setor têxtil.
Difusão de poder e crescimento organizacional: um estudo de caso numa
empresa familiar.
Empresa Familiar: Possibilidades de Conflitos Sucessórios.
Governança corporativa: um estudo de sua aplicação na continuidade de
empresas familiares brasileiras em gerações avançadas.
O processo de profissionalização de empresas familiares na área de bares e
restaurantes na cidade de Salvador-Ba..
Processo Sucessório de Uma Empresa Familiar: o caso da Universidade X.
Profissionalização na empresa familiar: a visão do dirigente sucessor.
Sucessão em empresas familiares - o grupo garra: um caso bem sucedido..
A Dinâmica das Empresas Familiares nas Regiões de Dourados e Três Lagoas
e seus Reflexos no Desenvolvimento Local.
A liderança nos processos de sucessão nas empresas familiares comerciais e de
serviços da grande São Paulo.
A utilização do marketing interno em empresa familiar: estudo de caso.
Análise de Investimentos para Abertura de Pontos de Venda no Setor
Supermercadista: o Caso de uma Pequena Empresa Familiar.
Analise do Processo de sucessão em uma Empresa Familiar: O caso ALPHA.
Inserção e perspectivas de uma empresa familiar de comunicação no mercado
globalizado: um caso de reestruturação produtiva e gerencial.
O Impacto da Profissionalização na Gestão de uma Organização Familiar: O
caso da Condor S.A.
Proposição de um Construto para Análise da Cultura de Devoção nas
Empresas Familiares e Visionárias.
Relações de gênero em posições de poder: o lugar das herdeiras no processo de
sucessão de uma empresa familiar de Curitiba-PR.
2001
2002
Girardi. M. T.
Frugis. L. F.
2002 Tondo. P. C.
Lemos. M. F. M.
2002
2002
Júnior. R. S.
2002 Michelan. A. A.
Curimbaba. M. C.
2002
2002
Agulha. A. P.
2002 Santos. P. D. C.
Nizzo. D. M. B.
2002
T.
2002 Macedo. T. O.
Saad. S. M.
2003
2003
Piñeiro. J. M. V.
M
M
F
M
F
M
M
M
F
F
F
M
M
2003 Jacinto. E. S. S.
Kappel. R. S.
2003
M
2003 Deus. D. F.
Rocca. R. L.
2003
F
2003
2003
2003
Nenevê. M.
Fossá. M. I. T.
Spanger. M. A. F.
C.
F
M
M
D
M
Legenda: D – Doutorado M – Mestrado Acadêmico F – Mestrado Profissionalizante
Fonte: CAPES – Banco de Teses. Disponível em http://servicos.capes.gov.br/capesdw/. Acesso em 20 março de
2005.
Quadro 2- Pesquisa das teses e dissertações disponíveis no banco de dados da Capes
Nesta análise, identifica-se ainda que em nenhum artigo, tese ou dissertação a
administração da terceira geração foi tema de análise. Por outro lado, observou-se que há
evidências empíricas que consolidam o principal mito em torno das empresas familiares que é a
dificuldade de continuidade dos negócios através das gerações. Neste sentido, discutir os aspectos
6
e dificuldades de gestão das empresas familiares brasileiras administradas pela terceira geração
torna-se um tema extremamente relevante.
2
EMPRESAS FAMILIARES
Segundo Grzybovski e Tedesco (2002), com a criação das capitanias hereditárias, o Brasil
foi dividido em quinze espaços geopolíticos. Sendo hereditárias, estas capitanias podiam ser
transmitidas por herança sob os mesmos princípios seguidos pela Monarquia, isto é, os filhos
diretos herdavam todo o patrimônio. De acordo com Fausto (2003), a carta de doação era o
documento pelo qual o rei fazia ao donatário a concessão da terra e dos seus direitos sobre ela. O
Floral determinava os direitos e deveres dos donatários, que recebiam as terras não como
''proprietários'' e sim como ''administradores'', bem como os tributos reservados aos donatários.
Assim, de uma certa forma, as capitanias hereditárias podem ser consideradas as primeiras
empresas familiares brasileiras.
Não há um consenso na literatura sobre o que é uma empresa familiar. O conceito de
empresa familiar defendido por Donnelley (1967), Lodi (1998) e Ricca (1998) é aquele em que a
família controla o negócio há pelo menos duas gerações. Nesta situação, existe uma influência
recíproca da política geral da firma e dos interesses e objetivos familiares. Já o conceito de Leone
(1991), caracteriza a empresa familiar pela observação dos seguintes aspectos: a) iniciada por um
membro da família; b) membros da família participantes da propriedade e/ou da direção; c)
valores institucionais se identificando com um sobrenome de família ou com a figura do
fundador; d) sucessão ligada ao fator hereditário. Nesse sentido, esse conceito congrega três
vertentes. A primeira é a propriedade, a segunda é a gestão e a terceira é a sucessão. Vidigal
(1996), por sua vez, diz que todas as empresas, a rigor, tiveram um fundador ou um pequeno
7
grupo de fundadores, que eram seus donos. As ações ou cotas de empresa seriam provavelmente
herdadas por seus filhos. Praticamente, todas as empresas, portanto, foram familiares na origem.
Para efeito deste trabalho, tomou-se como base o conceito de Bernhoeft (1989), segundo o
qual uma empresa familiar é aquela que tem sua origem e sua história vinculadas a uma família,
ou ainda, aquela que mantém membros da família na administração dos negócios em seguidas
gerações.
2.1
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS EMPRESAS FAMILIARES
A empresa familiar no Brasil tem uma profunda relação com os fluxos migratórios que
aportaram no país entre e após as duas grandes guerras mundiais. O pioneirismo que caracterizou
o espírito empreendedor da maioria dos fundadores impregna de maneira muito forte a história de
identidades destas organizações no Brasil (BERNHOEFT, 1989) e mesmo em outras nações
(VIDIGAL, 1996; LODI, 1998). Em muitos países, essas empresas resultaram em dinastias
familiares bem estabelecidas.
Conforme aponta Lodi (1998), os principais pontos fortes das empresas familiares são: a)
recursos de capital disponíveis pela família; b) aval pessoal e patrimônio de familiares que podem
ser levantados nos momentos de crise; c) reputação e relações no país, onde a família estende o
seu tradicional nome na proteção aos novos investimentos; d) lealdade aos empregados, dirigida a
pessoas concretas e não a objetivos impessoais; e) união entre acionistas, onde a compreensão
transcende a sala do conselho; f) sensibilidade para evitar atos contrários ao interesse social; g)
continuidade sucessória.
Entender as características das empresas familiares, segundo este autor, torna-se elemento
importante para a sucessão, pois, o que pode originar as dificuldades é o desconhecimento dos
problemas de relacionamento entre família e empresa e a ausência de um código de relações.
8
Acrescenta o autor que a pouca objetividade para avaliação da real contribuição dos parentes para
a administração da mesma é um fator limitante, sendo que a empresa familiar precisa reconhecer
e neutralizar seus pontos fracos e construir e intensificar seus pontos fortes.
Bernhoeft (1989), por sua vez, apresenta as seguintes características das empresas
familiares: a) forte valorização da confiança mútua, independente de vínculos familiares
(exemplos são os velhos de casa ou ainda os que começaram com o velho); b) laços afetivos
extremamente fortes influenciando os comportamentos, relacionamentos e decisões da
organização; c) valorização do passado como um atributo que supera a exigência de eficácia e
competência; d) exigência de dedicação, caracterizada por atitudes tais como ter horário para sair,
levar trabalho para a casa e dispor dos fins-de-semana para convivência com pessoas do trabalho;
e) postura de austeridade, seja na forma de vestir, seja na administração de gastos; f) expectativa
da alta fidelidade, manifestada por meio de comportamentos como não ter outras atividades
profissionais não relacionadas com a vida da empresa; g) dificuldades na separação entre o que é
emocional e racional, tendendo mais para o emocional; h) jogos de poder, onde muitas vezes
mais vale a habilidade política do que a capacidade de administrar.
2.2
MODELO DE ANÁLISE DAS EMPRESAS FAMILIARES
Entre os vários modelos de análise de empresas familiares apresentados pela literatura,
destaca-se o modelo dos três círculos, elaborado por Gersick et al. (1997). Nele as empresas são
interpretadas a partir de três dimensões interdependentes e sobrepostas: a propriedade, a família e
a empresa. O Modelo proposto por estes autores combina os vários estágios do desenvolvimento
da família, da empresa e da propriedade para explicar as várias fases e estágios de
desenvolvimento por que passam as empresas familiares.
9
Fonte: Adaptado de GERSICK, K. et al. De geração para geração: ciclo de vida das empresas familiares. 3ª.ed.,
São Paulo: Negócio, 1997, p. 6
Figura 1- Modelo de Três Círculos da Empresa Familiar
A constituição dos subsistemas segue o seguinte critério: 1) Família: Familiares
Herdeiros; 2) Propriedade: Proprietários (Sócios); 3) Gestão: Executivos contratados; 4)
Proprietário que é membro da família; 5) Proprietário e gestor que não é membro da família; 6)
Gestor dos negócios, não proprietário, e membro da família; 7) Proprietário, membro da família,
e gestor do negócio.
2.3
SUCESSÃO E CONFLITO NA EMPRESA FAMILIAR
Lodi (1987) e Bernhoeft (1989) sustentam que uma das principais dificuldades
encontradas pela empresa familiar, tratando-se de sua sobrevivência no longo prazo, é a
transferência do poder do fundador para seus possíveis sucessores. De acordo com Lodi (1987), a
sucessão é um processo de transferência do poder que leva um longo tempo de amadurecimento.
Este autor enumera três grupos de medidas que poderiam amenizar os conflitos de sucessão. O
primeiro diz respeito à formação de base dos sucessores, que é caracterizado pelas experiências
10
de trabalhos fora da empresa da família. O segundo é o do desenvolvimento dos sucessores
dentro da empresa, onde o sucessor deve iniciar seu trabalho no setor de produção, possibilitando
a ele conhecer todo o processo produtivo, para depois subir pela hierarquia. Finalmente o último
grupo trata das medidas de caráter organizacional e jurídico. Nesta fase, que também é analisada
por Costa e Luz (2003), são requeridas modificações estruturais na empresa para preparar a
carreira do sucessor e para facilitar o seu poder na organização.
Bernhoeft (1989) traça uma análise de cinco pontos considerados fundamentais, tratandose do processo de sucessão: 1) O sucessor: precisa gostar do negócio que vai assumir e ter
competência; 2) A família: deve existir um mínimo de convergência e definição de papéis na
família; 3) A empresa: clientes e fornecedores têm interferência direta na sucessão; 5) A
comunidade: a empresa deve assumir responsabilidades sociais.
Para Lodi (1998), o êxito de um programa sucessório depende da maneira como a
liderança do fundador (que também é o presidente da empresa) preparou a família para o poder e
a riqueza. A raiz do problema das crises na hora da sucessão empresarial está muitas vezes
relacionada com a distância entre a energia gasta no empreendimento e a dedicação do líder às
questões familiares. Seria, segundo este autor, importante levar em conta algumas diretrizes para
a entrada da segunda e terceira gerações na empresa familiar: a) aprendizado profissional dos
potenciais sucessores em outras empresas; b) começar de baixo, aprendendo as áreas-chave da
empresa; c) o líder não deve forçar a entrada dos herdeiros nos negócios; d) gênero e ordem de
nascimento do sucessor não são critérios válidos para a seleção. O sucessor deve, ainda,
compreender o que se caracteriza ter sucesso nessa empresa e se preparar para assumir a
liderança quando chegar o momento. O sucessor potencial deve ter a confiança não só dos
membros da família que estão ativamente envolvidos na gestão, mas também daqueles que estão
de fora.
11
Como se pode perceber na literatura consultada, o foco de discussão da empresa familiar
está no processo sucessório, até porque a sucessão da direção está ligada ao fator hereditário. Os
valores institucionais da empresa identificam-se com o sobrenome da família ou com a figura do
fundador. A sucessão representa uma fase complicada na vida das empresas familiares porque
envolve o processo de transferência de poder e capital para as novas gerações. Muitas empresas
familiares têm enfrentado dificuldades de continuidade, principalmente ao alcançarem a terceira
geração de sucessores. Diversos autores apontam a falta de planejamento e a condução pouco
adequada do processo sucessório. É possível identificar características marcantes nos
empreendedores de sucesso como liderança, profunda dedicação ao dia-a-dia do negócio, grande
nível de participação em todas as decisões da empresa, entre outras. Porém, a capacidade
empreendedora desses homens, no entanto, nem sempre é suficiente para garantir o futuro
crescimento e sobrevivência da empresa que criaram pois freqüentemente as empresas perdem
velocidade na segunda geração e em outros casos desaparecem na terceira.
3
MÉTODO DE PESQUISA
Cooper e Schindler (2003) referem-se à pesquisa no campo da administração como uma
investigação sistemática que gera informações para orientar as decisões organizacionais. Estes
autores apontam que uma pesquisa em administração feita com critérios sólidos fornece dados e
informações confiáveis para a tomada de decisão gerencial e estratégica. A presente pesquisa foi
desenhada exatamente para cumprir tais requisitos. Está concebida inicialmente como um campo
a ser explorado pela sua importância na realidade empresarial brasileira. Por meio de um estudo
de caso, visa levantar evidências e contribuir para o entendimento das características e
dificuldades de gestão das relações família-empresa encontradas na terceira geração da família
empresária.
12
A utilização do estudo de caso é recomendada quando se colocam questões do tipo:
“como” ocorre o processo sucessório e “por que” existem tantas evidências de ser esta uma
questão problemática no contexto das organizações. Neste tema, o pesquisador obviamente está
distante da ação empresarial, não tendo controle sobre os eventos sendo investigados, muito
embora o objeto de investigação se encontra inserido como fenômeno contemporâneo relevante
(YIN, 2001).
O presente estudo é ainda de caráter exploratório pois a literatura desenvolvida sobre o
assunto é escassa, sendo necessário desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias em
torno do tema (GIL, 1999). Como visto, a falta de estudos e pesquisas sobre o tema é evidenciada
em levantamento realizado pelos autores nos anais do ENANPAD (1999-2004) e nas teses e
dissertações da base de dados da CAPES (1996-2003).
Para alcançar o objetivo proposto, escolheu-se por conveniência um conglomerado, aqui
denominado Alpha, formado por doze empresas, fundado no sul do país, com ramificações no
sudeste. Este conglomerado foi fundado há mais de 50 anos e atualmente é dirigido pelos cinco
filhos do fundador, todos atuando como diretores e membros do conselho do conglomerado.
Desses cinco filhos, os braços da família empresária se expandem para quatorze netos, sendo que
quatro deles ocupam cargo de gestão nas empresas do grupo. Os critérios de escolha do
conglomerado como estudo de caso foram dois. O primeiro, porque o mesmo apresenta todas as
características de uma empresa familiar apontadas pela literatura, sendo administrado pela
segunda e terceira gerações da família empresária. O segundo critério consistiu na disposição dos
membros da família empresária (fundador, filhos e netos) em contribuir para a construção de um
estudo acadêmico, garantido o sigilo necessário sobre a identidade do conglomerado.
13
Utilizou-se como o instrumento de coleta de dados primários uma entrevista individual
por pauta, com a concordância do respondente. Este método é apresentado por Spink (2000) que
indica os procedimentos e práticas de pesquisas discursivas. Este tipo de instrumento apresenta
certo grau de estruturação, como um guia que relaciona as questões de interesse, baseando-se na
literatura revisada. Os tópicos discutidos na seção abaixo são aqueles que estruturaram o
questionário.
4
4.1
RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO
PERFIL DOS DIRIGENTES
O perfil do fundador do conglomerado se caracteriza pelo espírito empreendedor. O
ingresso dos filhos na empresa ocorreu de forma natural, sem conflitos aparentes. Estão
diretamente envolvidos na gestão do conglomerado os cinco filhos do fundador (2ª geração).
Quatro netos (3ª geração), num total de 14, estão envolvidos na direção das empresas que fazem
parte do conglomerado. No Quadro 3 a seguir são apresentadas informações sintetizadas sobre o
conglomerado e a participação de membros da família empresária.
Variáveis
Idade
Escolaridade
Formação
Filho
1
64
Sup.
Eng.
Filho
2
63
Sup.
Eng.
Perfil dos Membros da família empresária
Filho
3
61
Sup.
Adm.
Filho
4
55
Sup.
Eco.
Filho
5
53
Sup.
Eco.
Especialização
Participação
societária (%)
Neto
1
30
Sup.
Eco.
Neta
2
32
Sup.
Adm.
MBA
MBA
Neta
3
36
Sup.
Adm.
Neto
4
39
Sup.
Adv.
Fundador
91
Básico
-
MBA
13,20
13,20
13,20
13,20
13,20
-
-
-
-
-
Geração
2ª
2ª
2ª
2ª
2ª
3ª
3ª
3ª
3ª
1ª
Gênero
Função na
Empresa
Experiência
M
M
M
M
M
MC
MC
MC
MC
Não
Não
Não
Não
Não
F
Ger.
Mkt
Sim
M
Dir.
Com.
Não
F
Dir.
Geral
Sim
M
MC
F
Dir.
Exec.
Sim
Não
14
Profissional
(anterior)
(E)
(E)
Legenda: (MC) Membro do Conselho; (E) Estagiário; (1ª) Primeira Geração; (2ª) Segunda Geração, (3ª)Terceira
Geração; (M) Masculino; (F) Feminino.
Quadro 3 - Perfil dos Membros da família empresária
No quadro acima fica evidente a melhor preparação educacional da terceira geração de
membros da família empresaria, tanto em relação ao fundador quanto à segunda geração.
Conforme atesta Lodi (1999), é comum entre as empresas brasileiras que o fundador não tenha
formação educacional formal, como é o caso estudado. No entanto, torna-se evidente que estes
empresários fundadores de grandes conglomerados possuem uma forte visão de futuro. Neste
caso, observa-se que seus filhos têm formações variadas, que direta ou indiretamente servem ao
propósito do conglomerado.
Em termos de participação acionária, é interessante observar que o fundador detém 66%
do capital acionário, sendo que este total dividido em cinco partes iguais de 13,20%. É intenção
do fundador que estas partes naturalmente fluam para os filhos sucessores em equilíbrio préestabelecido. Os outros 34% estão divididos entre os outros membros da família do fundador.
O Quadro também revela uma tendência de sucessão para a terceira geração na gestão
do empreendimento. Com uma única exceção (Neto 3), os netos tem experiência profissional
anterior em outras empresas. No entanto, todos procuram se formar para conduzir os altos
negócios das empresas do conglomerado no futuro.
4.2
GESTÃO DAS RELAÇÕES FAMÍLIA-EMPRESA
A história do Conglomerado Alpha revela um grande oportunismo de mercado sob a
liderança do fundador. No caso, é ele que mede o grau de tendência ao risco e que ousa em entrar
ou ampliar mercados e atividades. No entanto, ao realizar a entrevista com o fundador, fica
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patente a presença de princípios e valores familiares sobre a condução dos negócios. Segundo as
palavras do fundador:
Nosso conglomerado tem um forte perfil familiar, em que honestidade e eficiência têm
igual valor e são as garantias da confiabilidade. É o perfil de um conglomerado que
existe não apenas para ganhar dinheiro e acumular riqueza, mas também para servir a
comunidade e ao país com honra e lealdade. Por mais talentosos, competentes e
profissionais que sejam os próximos dirigentes, eles não devem esquecer que para ser
grande, antes de tudo, é preciso servir. Pois foi assim que crescemos.
Em termos de prática gerencial, o que parece ser mais desafiador é saber se essa
“identidade” do Conglomerado está sendo percebida pelas gerações seguintes à do fundador.
Com a intenção de desvendar essas nuanças, os herdeiros da terceira geração foram ouvidos sobre
a noção de empresa familiar que cultuam. As entrevistas “provocaram” os herdeiros sobre a visão
do fundador, mas as respostas típicas foram as seguintes:
A empresa é familiar porque o capital social é concentrado, permanecendo em
propriedade de três famílias que fizeram parte da fundação do grupo. (Filhos)
A empresa é familiar porque a família está no comando. (Netos)
Os depoimentos transcritos revelam um distanciamento de identidade entre o fundador e
os membros dirigentes herdeiros e que pode resultar em conflitos no futuro. Primeiro, porque o
fundador deseja que a empresa tenha continuidade com estrutura familiar devido aos valores de
honestidade e lealdade até então cultuados. Os herdeiros, no entanto, vinculam empresa familiar
apenas ao controle do capital social. Mas, ao explorar melhor os relacionamentos familiares na
empresa, encontram-se algumas evidências fortes de vínculos familiares e envolvimento afetivo
muito maior do que envolvimento lógico-racional.
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A empresa é familiar mesmo! Descendo o nível de gestão para o nível operacional, em
todas as empresas, o contador é primo do outro, o vendedor é primo do auxiliar, até o
recrutamento interno é tudo dentro da família. (Neta-2)
4.3
SUCESSÃO
De acordo com Lodi (1999), as sementes da destruição estão dentro do próprio fundador.
O autor destaca que a transferência do poder do fundador para os sucessores é a principal
dificuldade da empresa familiar sobreviver. No caso do Conglomerado Alpha não foi diferente.
Isto pode ser observado no depoimento da Neta-3:
Meu avô, depois de muita briga com os filhos, consegue efetivamente se afastar da
presidência da empresa. Na teoria, era desejo dele deixar o cargo, mas na prática
ninguém larga o “cedro” tão facilmente. Foi isso que de certa forma prejudicou muito o
desenvolvimento da empresa.
Como apontam Bernhoeft (1989, 1995) e Lodi (1999), o assunto sucessão, quando não é
tratado no seu devido tempo, acarreta sérios problemas posteriores, especialmente aos membros
da terceira geração. Há uma expectativa, de muitos fundadores, de que as coisas se resolverão por
si só, com o passar do tempo, mas isso não tem acontecido, como é evidenciado neste estudo de
caso.
A máxima de que o filho homem mais velho deve assumir os negócios no lugar do pai foi
observado no Conglomerado Alpha. Lodi (1999) afirma que o sexo ou a ordem de nascimento
não são critérios válidos para a seleção. O sucessor deve se preparar para assumir a liderança
quando chegar o momento. O sucessor potencial deve ter a confiança não só dos membros da
família que estão ativamente envolvidos na gestão, mas também com os clientes e fornecedores,
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(BERNHOEFT, 2004). Fica evidente que, independente do preparo do filho sucessor, existe
contestação sobre sua liderança.
Sempre se teve aquele conceito de família Italiana: o filho mais velho vai assumir o
cargo e a posição do pai. Para você ter uma idéia, a diferença de idade do primeiro filho
para o segundo é de onze meses de idade. Qualquer um poderia ser o líder. Na
concepção deles (filhos), permanece o critério de que o mais velho deve assumir o
comando (Netos).
4.4
CONSELHO ADMINISTRATIVO
Para Lodi (1987), um conselho de administração cujos membros sejam todos ligados por
laços de parentesco é uma arena propícia para a sentimentalização das relações. Neste caso,
convém introduzir conselheiros externos. A presença destes ajudaria a dirimir os debates entre os
membros da família na empresa e a formalização de procedimentos.
Além de não possuir membros externos no conselho, os netos que dirigem as empresas
não fazem parte do mesmo, o que distancia as decisões tomadas da realidade observada pelos
gestores (terceira geração) das empresas. Neste sentido o Neto-1 fala que:
É... nós deveríamos estar sendo preparados para participar do conselho, sim! Porém um
dos grandes problemas é que o conselho hoje... muitas vezes mistura assuntos de gestão
familiar com gestão empresarial e nós não sabemos qual rumo as empresas irão tomar.
Seria interessante contar com membros externos para ampliar o nosso conhecimento.
Fornecedores e clientes também deveriam ser mais ouvidos.
Os netos concordam que seria importante a participação deles nas reuniões do conselho,
haja vista que eles têm dificuldades em saber o futuro da empresa, que negócios são interessantes
para a continuidade do conglomerado.
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Nós não sabemos o que acontece, muitas vezes fico sabendo das decisões que foram
tomadas, em uma conversa com o meu pai, ou com o meu tio. Não sei se deveríamos
fazer parte do conselho diretamente, mas de um processo que avalie as estratégias
globais do conglomerado. Esta é uma parte que é função do conselho. Por isso que acho
que deveríamos ter algum representante da terceira geração. (Neto-2)
4.5
RIVALIDADES ENTRE OS FILHOS
Não está provado que o que é bom para a harmonia da família é bom para a empresa
Levinson (1971), apud Lodi (1999). Este autor chegou a sugerir que, para superar suas
rivalidades, cada filho deveria receber um negócio para dirigir. Isto pode funcionar ou não,
porque o sucesso de cada empreendimento não depende só do titular. Esta afirmação é ratificada
pelos netos, falando sobre o direcionamento de investimentos por parte dos filhos do fundador:
Um filho é mais arrojado que o outro. Um é mais empreendedor ou sonhador. Em
determinado momento alguns filhos estavam mais vinculados a um negócio e aí
procuravam favorecer, investir no negócio em que estavam comandando, ou seja, cada
um dos cinco filhos tinha uma empresa e esta era do coração. Então eles sabiam
facilmente apontar milhões de defeitos nas outras empresas e não naquela que eles
tinham um vinculo maior.
Esta situação mostra que, contrariamente ao que foi apontado na literatura, não existe
fórmula para evitar conflitos pois as rivalidades aparecem em situações as mais diferentes
possíveis. Vejam o que revela um dos filhos.
As apostas em novos negócios são estudadas e discutidas entre todos nós que
comandamos os empreendimentos. No entanto, via de regra, é um de nós que ganha os
louros ou as críticas, dependendo do resultado final. Muitas vezes, para evitar o fracasso
um de nós continua apostando em um barco furado. Quando o comando é único, tal
situação não ocorre (Filho-1).
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4.6
ENTRADA DE FAMILIARES NA EMPRESA
A entrada de novos membros da família na direção das empresas do conglomerado
aconteceu sem planejamento formal. Lodi (1998) afirma que é importante que os filhos façam
aprendizado profissional em outras empresas para assumir postos de liderança. Diz ele que é
aconselhável começar de baixo, aprendendo o funcionamento de áreas chaves da empresa, mas
considera que o fundamental é o pai não forçar a entrada dos filhos no negócio. A respeito disso,
a herdeira que hoje ocupa a função de Diretora Executiva revela que:
As coisas foram acontecendo. Nunca houve planejamento de nada. Isto teoricamente
não está certo, mas eu me preparei para estar neste cargo hoje. Nunca houve um plano
de carreira dentro da empresa. Mas deveria haver. (Neta-3)
Sobre como são decididas as entradas e saídas de familiares na empresa, uma das
herdeiras da terceira geração, que ocupa uma função gerencial, afirma que:
É a segunda geração quem decide, quem convida [...] Como no meu caso: eu tive
diversos convites. Aí chegou uma hora que decidi. Foi um dos meus tios quem me
convidou para trabalhar em uma das empresas. (Neta-2)
Esse depoimento deixa evidente a falta de regras básicas de gestão de recursos humanos,
especialmente para os cargos de gerência ou de direção. Percebe-se que não estão definidas as
regras de contratação de familiares e nem mesmo as funções que eles devem exercer. Isto é
reforçado pela fala de um dos netos “Não há decisões, quem decide é o pai ou o tio, não existe
regra nenhuma”.
Esta falta de regra está preocupando os quatro netos que já estão participando da
administração da empresa. Para eles, a falta de definição sobre a inclusão de outros netos na
gestão das empresas pode ocasionar sérios problemas. Um dos netos revela que:
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Um dos principais problemas que pode ser evitado está relacionado à capacidade da
empresa manter salários para todos os membros da família, que se reproduz numa
velocidade maior do que a geração de recursos. Não tem uma regra para diferenciar
quem tem salário ou quem tem participação. E a cada geração aumenta o número de
sócios. (Neta-3)
4.7
PROFISSIONALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO
Alguns membros da segunda geração são contra a profissionalização da empresa, pois
consideram que todos que trabalham são profissionais. Esta visão da segunda geração vem ao
encontro com o que o próprio fundador apregoava: “um dos critérios principais a serem usados,
na minha opinião, é o de promover primeiramente os filhos de casa”. Ele faz a seguinte
ponderação:
Não quero dizer com isso que não se deve recrutar executivos de fora, com outras
experiências e métodos de trabalho. Eventualmente pode ser uma necessidade, que até
pode enriquecer nosso quadro dirigente. Contudo, será sempre uma exceção, jamais a
regra do nosso conglomerado. (Fundador)
De acordo com Bernhoeft (1989 e 1995), profissionalizar a empresa não significa apenas
seguir um manual administrativo, nem tampouco entregar a administração do negócio a um
profissional do mercado. O processo deve começar pela família, ou seja, os herdeiros devem
ocupar o conselho administrativo da empresa com a finalidade de elaborar o seu planejamento
estratégico, deixando evidente a distinção entre gestão e propriedade da família.
Os dados observados e sistematizados por meio das entrevistas concedidas pelas gerações
da família empresária do Conglomerado revelam indecisões na seleção de herdeiros para
continuarem os negócios. Na segunda geração os sucedidos foram escolhidos pelo próprio pai
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para dar continuidade aos negócios. Contudo, na terceira geração o problema se repete de forma
diferenciada, pois os membros da família “eleitos” para sucederem os negócios são convidados a
integrar a equipe de diretores na empresa. Porém sem nenhum critério profissional aparente.
5
CONCLUSÕES
O objetivo proposto nesta pesquisa foi atingido pela identificação das principais
dificuldades encontradas pelas empresas administradas pela da família empresária no que se
refere a continuidade dos seus negócios. Entretanto, sem pretensão de encontrar todas as
respostas para o assunto abordado, ficam recomendações voltadas à continuidade deste tipo de
investigação, especialmente nas lacunas deixadas por este trabalho.
As empresas familiares ocupam um lugar de destaque na economia brasileira e também
no contexto mundial. Paradoxalmente, existe pouca literatura sobre o tema, observação esta que
nos alerta para um profícuo campo de pesquisa. Ao realizar uma pesquisa exploratória por meio
de levantamento bibliográfico, foi possível identificar que as principais dificuldades na gestão
empresarial deste tipo de organização referem-se à manutenção e ampliação do empreendimento
familiar. Esse tema envolve discutir problemas como a realização da transferência de poder de
uma geração para outra, os obstáculos para o desenvolvimento do processo de profissionalização
e também os conflitos entre os familiares na empresa.
Em relação a essa temática, o caso estudado apresentou um quadro próximo da literatura
consultada. Nota-se que a sucessão na empresa familiar é uma das mais difíceis tarefas no
desenvolvimento empresarial. São vários fatores que interferem nesse processo: família, clientes,
fornecedores, empregados, herdeiros e sucessores na gestão.
Com base nesse conjunto de dados percebe-se que diferentes fatores influenciam as
empresas familiares que estão na terceira geração a passarem por dificuldades. Dentre eles estão:
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a) falta de planejamento no processo sucessório, tanto do fundador para com os filhos (2ª
geração) quando dos filhos para os netos (3ª geração); b) falta de critérios na contratação de
parentes. As contratações são feitas por meio de convite, sem que o familiar passe por qualquer
tipo de processo seletivo que venha avaliar sua real capacidade para assumir um cargo de gestão,
o que de certa forma pode gerar conflitos; c) definição da participação dos outros herdeiros de
terceira geração na gestão das empresas. Neste sentido, os netos que já trabalham na empresa
temem que no futuro, seus primos, venham a ingressar na empresa e no quadro gerencial sem o
devido preparo; d) definição dos direitos e obrigações dos familiares acionistas. Não está definido
quem receberá remuneração ou será apenas acionista; e) falta de comunicação entre os membros
do conselho de administração (2ª geração) e os netos (3ª geração), que muitas vezes ficam
sabendo das decisões tomadas pelo conselho em conversas informais.
Estes problemas identificados merecem uma aprofundamento em termos de investigação
científica uma vez que o estudo de caso carrega uma limitação crítica que é a impossibilidade de
generalização. Porém, este estudo estimula a continuidade da investigação sobre um aspecto
crítico da organização dos conglomerados e mesmo das pequenas e médias empresas familiares
no Brasil.
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1 Empresa Familiar e as dificuldades de administração entre as