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TEORIA DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO CIVIL
Thales Braghini Leão (Univ. Est. Paulista - UNESP, Franca)
1 - INTRODUÇÃO
Nosso Código de Processo Civil regula a distribuição do ônus da prova em
seu art. 333, estabelecendo critério estático para aferição de a qual das partes
incumbe o ônus de provar suas alegações. De acordo com o mencionado dispositivo
processual, incumbe ao autor a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito,
cabendo ao réu o ônus da prova em relação à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor. Assim, é estabelecido um critério
abstrato de distribuição do onus probandi, analisado aprioristicamente pelo
legislador.
Todavia, a tutela jurídica de determinadas situações específicas demonstra a
imprestabilidade
do
critério
estático,
porquanto
se
mostra
insensível
às
peculiaridades do caso concreto. Por tal razão, o próprio legislador cuidou de
estabelecer casos em que se faz expressa exceção à regra estática. Tal é o caso da
norma de inversão do ônus da prova implementada pelo inciso VIII do art. 6º do
Código de Defesa do Consumidor, considerada como um dos direitos básicos do
consumidor. De acordo com o mencionado dispositivo legal o juiz poderá, a seu
critério, inverter o ônus da prova para favorecer o consumidor nas hipóteses de sua
hipossuficiência ou verossimilhança das suas alegações. Naturalmente, tal
possibilidade de aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova é restrita às relações
de consumo.
Conquanto não haja norma positivada que admita a flexibilização das regras
estáticas da distribuição do onus probandi nas ações que não se refiram a direitos
consumeristas, a doutrina processual tem apontado circunstâncias em que a adoção
da teoria clássica é amplamente inviável. Nesse ínterim, merece destaque a situação
em que a produção da prova por parte de quem possui o ônus mostra-se
demasiadamente difícil ou onerosa, quando não impossível, ao passo que a oferta
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da prova em contrário seria de fácil obtenção pelo outro demandante. Destarte, o
presente trabalho propugna-se à apresentação e definição da teoria dinâmica, bem
como à análise apurada das hipóteses em que ela pode ser aplicada, mesmo não
havendo norma autorizadora expressa em nosso diploma processual civil.
2 – Noções de ônus da prova
Em primeiro lugar, o ônus da prova não pode ser confundido com uma
obrigação probatória da parte. Quando nosso sistema processual estabelece regras
para distribuição do ônus da prova, na realidade está criando apenas uma regra de
julgamento, a ser aplicada pelo juiz unicamente na hipótese de não haver provas
suficientes para julgamento da demanda, ou de determinado capítulo posto à
apreciação jurisdicional.
De fato, a doutrina conceitua o ônus da prova como sendo regra de
julgamento e não de procedimento, sendo aplicável subsidiariamente. Dessa
maneira, “o sistema não determina quem deve produzir a prova, mas sim quem
assume o risco caso ela não se produza” (NERY JR., 2003, p. 723). E a aplicação
apenas subsidiária das regras do ônus da prova fica bem elucidada na seguinte
lição:
A expressão ‘ônus da prova’ sintetiza o problema de se saber quem
responderá pela ausência de prova de determinado fato. Não se trata
de regras que distribuem tarefas processuais (regras de conduta); as
regras de ônus da prova ajudam o magistrado na hora de decidir,
quando não houver prova do fato que tem de ser examinado (regra de
julgamento). Trata-se, pois, de regras de julgamento e de aplicação
subsidiária, porquanto somente incidam se não houver prova do fato
1
probando, que se reputa como não ocorrido (DIDIER JR, p. 75).
O princípio da aquisição processual da prova (ou comunhão da prova)
determina que, uma vez oferecido o elemento probatório, este se incorpora ao
processo, tornando-se irrelevante saber quem efetivamente o ofereceu. A prova
passa a pertencer ao processo, podendo ser livremente apreciada pelo juiz. Dessa
constatação, surgem duas principais conseqüências, consistindo a primeira no fato
de a prova oferecida pela parte poder ser utilizada para formação de juízo contrário
aos seus próprios interesses. A segunda conseqüência refere-se à impossibilidade
de a parte retirar dos autos a prova ali já integrada, salvo exceções previstas no
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ordenamento. Neste ínterim, o §1° e o §2° do art. 1 215 do CPC são apontados como
ressalvas à regra da aquisição processual (DIDIER JR, 2008, p. 32).
Dessa maneira é que devemos entender o ônus da prova como apenas regra
para o julgamento e não como uma obrigação de a parte apresentar as provas.
Porque, mesmo se aquele a quem incumbia o onus probandi dele não se
desincumbir, poderá lhe ser proferido julgamento favorável no caso de a outra parte
ter apresentado provas suficientes para tal convencimento do juiz. O princípio da
aquisição das provas, como já dito, conduz à livre apreciação das provas.
Entretanto, mesmo não havendo qualquer prova para a formação do
entendimento jurisdicional, o magistrado não pode deixar de julgar. É vedado o non
liquet em nosso ordenamento.
E as regras da distribuição do ônus da prova do moderno processo civil
prestam-se exatamente a evitar a situação na qual o juiz romano jurava que a
situação não era clara o bastante, declarando o non liquet, eximindo-se de proferir
qualquer julgamento2. Por isso dizer que consiste em regra de julgamento de
aplicação subsidiária. Somente surgirá se não houver qualquer outro elemento de
prova que possa levar à convicção do juiz, independentemente de quem tenha
trazido tal elemento. Assim, caso a parte a quem incumbia o ônus não apresente a
prova satisfatória, sofrerá a conseqüência de um julgamento contrário.
2.1 – Momento para aplicação das regras do ônus da prova
Há grande divergência doutrinária a respeito de qual seria o momento
adequado para a aplicação das regras de distribuição do ônus da prova.
Quanto ao debate, Didier Jr. apresenta interessante compilação (DIDIER JR,
2008, p. 81) apontando de uma parte os autores que entendem ser o momento da
prolação da sentença o correto para a aplicação das regras de inversão do ônus da
prova, notadamente porque consistem em regras de julgamento e não de
procedimento. Pensam assim Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Cândido
Rangel Dinamarco, João Batista Lopes, Nelson Nery Junior e outros.
E, de outro lado, despontam aqueles que entendem que o juiz não deve
aplicar tais regras diretamente na sentença, pois ofenderia o princípio do devido
processo legal, mormente no que se refere à garantia do contraditório. Tal
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entendimento é esposado por Antonio Gidi, Luiz Guilherme Marinoni, Eduardo
Cambi, Artur Carpes, o próprio Fredie Didier Júnior, dentre outros.
Todavia, para melhor compreensão do mencionado debate doutrinário, há que
se ter em mente a possibilidade de duas maneiras redistribuição do ônus da prova,
uma por determinação legal e outra apenas por permissão legal.
Há
casos
em
que
a
lei
impõe
a
inversão
do
onus
probandi,
independentemente do caso concreto ou da atuação do juiz. Costuma-se denominar
tal situação como sendo de inversão ope legis. Contudo, sendo a própria lei a
determinar a atuação do juiz, é imperioso destacar que na realidade não há qualquer
inversão. É mesmo caso de exceção legal à regra contida no art. 3333.
O exemplo mais apontado pela doutrina como sendo hipótese de inversão
ope legis refere-se aos casos de ações em âmbito consumerista para
responsabilização por propaganda enganosa. De fato, o art. 38 do CDC estabelece
incumbir ao patrocinador da propaganda o ônus de provar que não se trata de meio
enganoso. O texto do dispositivo é extremamente claro, é mesmo uma exceção legal
à regra geral do ônus da prova, não cabendo qualquer atuação do magistrado.
Por outro lado, há casos em que a lei apenas permite a inversão do ônus da
prova, estabelecendo ao juiz meras condições a serem preenchidas para que possa
determinar a redistribuição do ônus. Tal hipótese denomina-se inversão ope judicis.
Aqui a lei não estabelece uma regra abstrata de exceção à regra geral de
distribuição contida no art. 333. Apenas abre-se a possibilidade de o juiz, à luz do
caso concreto, optar por inverter o ônus, caso entenda preenchidos os pressupostos
legais.
E o exemplo mais claro de redistribuição ope judicis é o da inversão do ônus
da prova para favorecer o consumidor, parte na demanda. Tal inversão encontra
respaldo legal no art. 6°, inciso VIII, do CDC, que estabelece como um dos direitos
básicos do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz,
for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências”. Da simples leitura do dispositivo legal é possível
percebermos que nem toda demanda que verse sobre relação de consumo será
palco para inversão do ônus da prova. A lei estabelece critérios a serem ponderados
pelo magistrado, isto é, ela apenas autoriza a inversão, devendo ser observado o
caso concreto.
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Feitos os devidos esclarecimentos, voltemos aos estudos acerca do momento
da distribuição do ônus. Para os defensores da primeira corrente, o momento correto
para pronunciamento a respeito da distribuição do ônus é sempre a prolação da
sentença, pouco importando se a inversão foi determinada aprioristicamente pela lei
(ope legis) ou se foi determinada pelo juiz na análise do caso concreto (ope judicis).
Por sua vez, a segunda corrente sustenta que na realidade os critérios de
distribuição ope legis, por serem exceções previstas legalmente, devem ser
realmente aplicados no momento da sentença, pois consistem em efetivas regras de
julgamento, previamente conhecidas e esperáveis pela parte. Mas, sendo caso de
inversão judicial, deve o juiz determinar a inversão do ônus da prova no curso do
processo, notadamente na fase de saneamento, para que a parte possa se
acautelar, produzindo todas as provas que reputar necessárias ao deslinde favorável
do processo. Tal entendimento é o mais consentâneo com os princípios
constitucionais norteadores do processo, sobretudo o princípio do devido processo
legal em seus diversos desdobramentos e o princípio da cooperação, pelo qual o juiz
e as partes devem cooperar entre si para a obtenção da maior efetividade possível.
Contudo, na realidade não se está a dizer que o juiz deverá aplicar a regra do
ônus da prova antecipadamente, mesmo porque estas ainda nem foram produzidas.
Na realidade, deve o juiz garantir ciência às partes de que haverá modificação da
regra geral do ônus.
2.2 – Classificação do ônus da prova
O ônus da prova pode ser classificado em dois aspectos, objetivo e subjetivo.
Neste, ponto, é elucidativa a lição de José Maria Rosa Tesheiner:
Em sentido objetivo, ônus da prova é regra de julgamento, tendo por
destinatário o juiz. Assim, no processo penal, é regra, fundada na
presunção de inocência, que o juiz deve absolver o réu, não havendo,
nos autos, prova da materialidade do crime e da autoria. Nesse
sentido, há regras sobre o ônus da prova, nada importando que se
trate de processo inquisitorial ou dispositivo. Vedado o “non liquet”, ou
seja, a recusa de julgamento, por falta de certeza quanto aos fatos,
necessariamente há de haver regras que digam ao juiz como julgar,
quando não há prova alguma, ou quando em dúvida invencível
quanto aos fatos essenciais.
Em sentido subjetivo, a idéia de ônus da prova liga-se mais
fortemente aos processos de tipo dispositivo. O ônus da prova é
repartido entre as partes, sucumbindo aquela que dele não se
desincumbe. Assim como o direito subjetivo se vincula a uma regra
de direito objetivo, assim o ônus da prova, em sentido subjetivo,
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vincula-se a uma regra de julgamento (ônus da prova em sentido
objetivo). À luz do artigo 333 do Código de Processo Civil, o autor
sabe que seu pedido será rejeitado, se não fizer prova do fato
constitutivo do seu direito; o réu, por sua vez, sabe que sucumbirá, se
não fizer prova do fato extintivo ou impeditivo, alegado na
contestação (TESHEINER, 2006, p. 356).
Por outras palavras, o sentido subjetivo do ônus da prova relaciona-se com as
partes, indicando quais fatos cada uma deverá provar. E o sentido objetivo é dirigido
ao juiz, impondo-lhe o dever de julgar, mesmo ausentes quaisquer provas. É o
sentido objetivo do ônus da prova que orienta o julgador quando na prolação do
decisorium, “que indica como ele deverá julgar acaso não encontre a prova dos
fatos; que indica qual das partes deverá suportar os riscos advindos do mau êxito na
atividade probatória, amargando uma decisão desfavorável” (DIDIER JR, 2008, p.
73).
Mas, aqui novamente cabe advertir que as regras de distribuição do ônus da
prova não importam em dever ou obrigação para as partes. Já foi visto que o
princípio da aquisição processual permite que a prova seja utilizada na sentença
independentemente de qual foi a parte que a trouxe ao processo, porquanto uma vez
ali inserida passa a fazer parte do processo. Sendo assim, pouco valor tem a
classificação doutrinária do ônus em subjetivo e objetivo. Tanto faz qual das partes
trouxe ao processo o elemento probatório (ônus subjetivo), havendo prova suficiente
o juiz proferirá a decisão sem aplicação das regras da distribuição do ônus.
A única relevância que ainda pode ser creditada a tal classificação é no
sentido de que o ônus subjetivo passa a ser regra de comportamento das partes.
Assim, sabendo-se seu o ônus quanto à prova de determinado fato a parte atuará
com mais vigor para lograr êxito em tal tarefa, evitando o julgamento desfavorável4.
3 – Regra geral de distribuição do ônus da prova: a teoria estática
Como já mencionado, o Código de Processo Civil brasileiro prescreve regra
estática
de
distribuição
do
ônus
da
prova,
estabelecendo
em
abstrato,
aprioristicamente, a quem incumbe o ônus em cada uma das hipóteses elencadas.
Tal regra vem descrita no art. 333, in verbis:
Art. 333 - O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
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II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo o direito do autor.
Parágrafo único - É nula a convenção que distribui de maneira diversa
o ônus a prova quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
Destarte, nosso sistema processual prevê a regra geral de que o ônus da
prova só não recairá ao autor se o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou
extintivo. Caso simplesmente ofereça negativa geral, caberá ao autor comprovar em
juízo a veracidade dos fatos alegados.
Historicamente, tal regra remonta ao Direito Romano, notadamente nas
compilações de Justiniano (Dig., XXII, 3, 2)5.
Comentando o citado dispositivo legal, Luiz Guilherme Marinoni leciona que
tal regra “funda-se na lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o
direito que afirma, mas não a não existência daqueles que impedem a sua
constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção” justificando que “não
há racionalidade em exigir que alguém que afirma um direito deva ser obrigado a se
referir a fatos que impedem o seu reconhecimento. Isso deve ser feito por aquele
que pretende que o direito não seja declarado, isto é, pelo réu” (MARINONI, 2006, p.
2).
Cabe, então, conceituarmos cada um dos qualificativos que o CPC dispõe
como possíveis ao fato alegado. Todavia, adverte-se que tal tarefa não é das mais
fáceis, havendo incessantes debates doutrinários quanto ao tema, sobretudo em
função da imprecisão normativa. Tendo em vista os limites temáticos do presente
trabalho, não nos aprofundaremos em tais discussões teóricas. Apresentaremos
apenas um conceito geral de cada instituto6.
Em primeiro lugar, fato constitutivo nada mais é do que aquele capaz de
propiciar o direito que a parte diz possuir. Ou seja, o fato constitutivo é “o fato
gerador do direito afirmado pelo autor em juízo” (DIDIER JR., p. 76)
O fato extintivo “é aquele que retira a eficácia do fato constitutivo, fulminando
o direito do autor e a pretensão de vê-lo satisfeito” (DIDIER JR., p. 77). Neste ponto,
Tesheiner aponta para o interessante detalhe de que um instituto tipicamente
processual é qualificado por normas de direito material, tendo em vista que os fatos
extintivos são os mencionados no art. 304 e seguintes do Código Civil, como
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exemplo, o pagamento, a compensação, a dação em pagamento, a novação, a
confusão e a remissão da dívida (TESHEINER, 2006, p. 358).
Por sua vez, o fato impeditivo é o que impede a produção dos efeitos do fato
constitutivo. Os exemplos comumente apontados pela doutrina são o erro, o
desequilíbrio contratual e a incapacidade.
Por fim, fato modificativo é aquele que, mesmo não fulminando a existência
do direito alegado pelo autor, pretende alterá-lo, modificá-lo. É o caso da moratória
concedida ao devedor.
4 – A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova
A doutrina aponta como sendo uma teoria originária da Argentina,
especialmente nos trabalhos de Jorge W. Peyrano. Todavia, mesmo não se sabendo
ao certo as verdadeiras origens de tal postulado teórico, é pacífica a aceitação de
que seu desenvolvimento ocorreu graças aos trabalhos do mencionado jurista
argentino7, que a denomina teoria das cargas processuais dinâmicas.
Tal teoria sustenta um contraponto à idéia clássica da distribuição do ônus da
prova, considerada como estática devido ao fato de não considerar as dinâmicas do
caso concreto, definindo abstratamente a resolução para o problema.
Assim, o principal postulado da teoria dinâmica é mesmo a busca das regras
a serem aplicáveis no caso concreto. O ônus da prova será da parte que possuir
melhores condições de esclarecer o fato.
Todavia, sua aplicação ao direito brasileiro merece considerações peculiares,
sobretudo porque nosso ordenamento estabelece como regra a distribuição estática
(art. 333).
Preambularmente, cumpre mencionar que há casos em que a própria
legislação estabelece regra excepcional para a distribuição do ônus da prova. Já foi
citado o exemplo do Código de Defesa do Consumidor que tanto estabelece regra
de redistribuição ope legis (propaganda enganosa) como ope judicis (casos gerais
sobre consumo).
Contudo, afora as exceções previstas no próprio ordenamento, é plenamente
possível que o caso concreto demonstre a completa inviabilidade da fixação do ônus
probatório de acordo com o critério estático previsto no CPC.
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Podem surgir situações nas quais a prova do fato alegado é sobremaneira
dificultosa, quando não impossível. É o que a doutrina vem denominando como
prova diabólica.
Como ilustração, há o exemplo das ações de usucapião especial
constitucional, em que o autor deve demonstrar não possuir outro imóvel para que
possa usufruir das regras especiais de usucapião previstas no texto constitucional.
Aplicando-se a regra estática prevista no CPC o autor da ação deveria se
desincumbir de seu ônus probatório com a apresentação de certidões negativas
expedidas por todos os cartórios imobiliários do mundo. Por outro lado, ao réu
bastaria apresentar a matrícula de um único imóvel registrado em nome do
demandante. É curial que tal hipótese rende ensejo à aplicação da teoria dinâmica
do ônus da prova, invertendo-se o ônus em detrimento daquele que poderia mais
facilmente obter o elemento probatório8.
Outro exemplo de aplicação da teoria dinâmica refere-se às ações de
indenização por erro médico, nas quais o réu certamente possui muito maior
capacidade de demonstrar a precisão de suas técnicas do que o autor de comprovar
a imperícia. Na presente hipótese, a aplicação da distribuição dinâmica vem sendo
aceita não apenas pela doutrina, como também pela jurisprudência brasileira, como
se pode observar do seguinte acórdão do STJ:
RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CLÍNICA. CULPA. PROVA.
1. Não viola regra sobre a prova o acórdão que, além de aceitar
implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o
conjunto probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus.
2. Legitimidade passiva da clínica, inicialmente procurada pelo
paciente.
3. Juntada de textos científicos determinada de ofício pelo juiz.
Regularidade.
4. Responsabilização da clínica e do médico que atendeu o paciente
submetido a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da
medula.
5. Inexistência de ofensa à lei e divergência não demonstrada.
Recurso Especial não conhecido. (STJ, REsp 69.309/SC, Quarta
Turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 18/06/1996)
Assim, considerando que a aplicação de tal teoria dá-se no caso concreto,
inúmeros serão os exemplos de sua aplicação. Deve o magistrado ponderar as
circunstâncias postas para saber se é caso de excepcionalidade à regra geral de
distribuição estática e pré-determinada.
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Por fim, insta salientar que os anteprojetos de Código de Processo Coletivo,
que tramitam em nossas casas legislativas com o objetivo de criação do referido
diploma legal, referem-se diretamente à aplicação da teoria da distribuição dinâmica
nas demandas coletivas. A seguir, transcrevemos a atual redação sobre o tema em
cada um dos códigos-modelo9.
• Art. 11, §1°, do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivo, de
autoria do Instituto Brasileiro de Direito Processual: “O ônus da prova incumbe
à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre
os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração.”
• Art. 19, §1°, do Anteprojeto de Código de Processo Coletivo dos programas
de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
Universidade Estácio de Sá: “O ônus da prova incumbe à parte que detiver
conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior
facilidade em sua demonstração, cabendo ao juiz deliberar sobre a
distribuição do ônus da prova por ocasião da decisão saneadora.”
• Art. 12, §1° do Código Modelo de Processos Coletiv os para a Ibero-América:
“O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou
informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua
demonstração.”
5 – Considerações finais
Apresentados os principais postulados teóricos a respeito do ônus da prova, é
importante novamente salientarmos que a aplicação da teoria dinâmica do ônus da
prova é de aplicação apenas excepcional no Brasil. Notoriamente, a regra geral é
mesmo a aplicação da teoria estática prevista no multicitado dispositivo do CPC.
Outra advertência a ser feita é quanto ao momento de aplicação de uma
possível redistribuição do ônus probatório. Em que pese haver doutrina respeitável
no sentido contrário, entendemos que o mais acertado é mesmo a determinação de
ciência às partes ainda na fase saneadora sobre a decisão de inversão do ônus da
prova. É o que determina o princípio do contraditório e da cooperação.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Direito probatório,
decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. 3
ed. Salvador: Juspodivm, 2008.
LIMA, George Marmelstein. O asno de Buridano, o Non Liquet e as Katchangas.
Disponível
em
<http://direitosfundamentais.net/2009/01/07/o-asno-de-buridano-o-
non-liquet-e-as-katchangas/> Acesso em: 10/03/2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da
prova
segundo
as
peculiaridades
do
caso
concreto.
Disponível
em
<http://bdjur.stj.gov.br/jspui/bitstream/2011/2201/1/Forma%C3%A7%C3%A3o_da_C
onvic%C3%A7%C3%A3o_e_Invers%C3%A3o.pdf> Acesso em: 15/03/2009.
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil
comentado e legislação extravagante. 7 ed., rev. e atua. São Paulo: TR, 2003.
TESHEINER, José Maria Rosa. Sobre o ônus da prova. In: MARINONI, Luiz
Guilherme (Org.). Estudos de Direito Processual Civil - Homenagem ao Professor
Egas Dirceu Moniz de Aragão, p. 355 a 365. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
1
O itálico consta do original.
Cf. LIMA, George Marmelstein. O asno de Buridano, o Non Liquet e as Katchangas. Disponível em
<http://direitosfundamentais.net/2009/01/07/o-asno-de-buridano-o-non-liquet-e-as-katchangas/> Acesso em:
10/03/2009.
3
Neste ponto, Fredie Didier Jr. chega a afirmar que a inversão ope legis nada mais é do que um caso de
presunção legal relativa, DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Direito probatório, decisão
judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 79.
4
No mesmo sentido DIDIER JR., Fredie. Cit., p. 74/75.
5
Cf. NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 7 ed., rev. e amp. São Paulo: RT, 2003, p. 723.
6
Por sua clareza, poder de síntese e precisão técnica adotou-se a conceituação de DIDIER JR. Fredie. Cit., p.
76/78.
7
Cf. TESHEINER, José Maria Rosa. Sobre o ônus da prova. In: MARINONI: Luiz Guilherme (org.). Estudos
de Direito Processual Civil – Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 368.
8
Exemplo colhido em DIDIER JR., Fredie. Cit., p. 87.
9
Cf. DIDIER JR, Fredie. Cit., p. 94.
2
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