O Conceito de Capital Social de Robert Putnam Making Democracy Work Robert Putnam Professor na Escola de Governo da Universidade de Harvard – EUA Ocupa a cadeira Don K. Price A Pesquisa A partir da década de 1970 a Itália deixou de ser um Estado unitário A reforma administrativa criou 20 regiões com capacidade de auto-governo Para compensar as diferenças regionais o governo central adotou um programa de distribuição de recursos e de aplicação de investimentos diferenciado Putnam se propõe a entender como se daria o processo de adaptação das novas regiões, bem como, seu desempenho enquanto governos autônomos Sua pesquisa durou 20 anos (1970-1990) e contou com a colaboração de Robert Leonard (London School of Economics) e de Raffaella Y. Nanetti (Universidade de Illinois, Chicago). Resultados 1) 2) 3) 4) Partindo de certa vertente teórica, Putnam cria alguns índices para avaliar o desempenho institucional dos novos governos: Legislação reformadora Creches Habitação e desenvolvimento urbano Serviços estatísticos e de informação 5) Inovação legislativa 6) Estabilidade do gabinete 7) Clínicas familiares 8) Sensibilidade da burocracia 9) Instrumentos de política industrial 10) Presteza orçamentária 11) Gastos com unidade sanitária local 12) Capacidade de efetuar gastos na agricultura A avaliação do desempenho dos governos regionais italianos,feita por Putnam, a partir dos indicadores acima, mostrou que aqueles governos chegaram a resultados diversos. Os governos que tiveram melhor desempenho institucional foram os da Itália Setentrional Os que tiveram pior desempenho foram os da Itália Meridional IMPORTANTE: A satisfação popular com os governos do Norte perpassa todas as classificações sociológicas ou filiações partidárias Esta constatação levou Putnam à uma indagação: “O que diferencia as regiões do Norte com bom desempenho das regiões do Sul com mau desempenho e, em cada uma dessas partes, as mais prósperas das menos prósperas”? - Explicando o Desempenho Institucional Putnam descarta a tese que associa a democratização à modernização econômica, pois 1) As regiões que mostraram melhor performance institucional não coincidem com as que receberam mais recursos ou investimentos; 2) Apesar de admitir a existência da conexão entre modernidade econômica e democratização, Putnam acha que ela não é direta, precisando de um elemento catalisador. Para o autor a explicação mais plausível é a da existência de uma comunidade cívica na Itália. Características da Comunidade Cívica: - Participação cívica: disposição dos cidadão para a busca do bem comum à custa do puramente individual e mesquinho (referendos X voto preferencial); - Igualdade política: os cidadão agem como iguais, não como patronos e clientes ou como governantes e requerentes (referendos X voto preferencial); - Solidariedade, Confiança e Tolerância: nesta comunidade os cidadãos são prestativos, respeitosos e confiantes uns nos outros. - Associações: são estruturas sociais que incentivam e viabilizam a cooperação (clubes e associações: desportivos, recreativos, atividades culturais, científicas, técnicas, profissionais, etc.); O mapa acima mostra que as regiões que apresentam mais características de comunidade cívica são as localizadas na parte Setentrional (Norte) da Itália; Já o quadro acima ilustra a coincidência, evidenciada por Putnam, entre comunidade cívica e desempenho institucional; Seu estudo constata, portanto, que a eficiência e eficácia administrativa dos governos do Norte se devem à existência de uma comunidade cívica na região Setentrional da Itália. Origens da Comunidade Cívica A partir do século XII o Norte e o Sul da Itália passaram a ser governados por regimes distintos: O Sul: 1) monarquia normanda autocrática; 2) forte máquina administrativa burocrática; 3) reforçou os direitos feudais dos barões; 4) o rei Frederico II delineou os vínculos divinos da coroa; 5) todas cidades eram subordinadas à uma comissão de funcionários centrais; 6) a vida cívica era ordenada do centro para a periferia ou de cima para baixo; 7) atomização da sociedade; 8) após a morte de Frederico II, os barões se fortaleceram e aperfeiçoaram seu domínio sobre as cidades. O Norte: 1) as cidades da Itália Setentrional e Central tornaram-se “ilhas” de governos autônomos num “mar” de governos feudais; 2) seus cidadãos estabeleciam (pela persuasão) as leis e as decisões que governavam suas vidas; 3) o desenvolvimento de laços associativos entre os habitantes das comunas foi a principal estratégia para vencer a insegurança gerada pela violência e anarquia da época; 4) as guildas tinham como principal função a promoção da ajuda mútua; 5) a partir do século XIII os vários estratos sociais e classes profissionais passaram a contar com direito de representação nos conselhos comunais. Para Putnam a história foi capaz de criar tradições cívicas distintas entre os italianos; No Sul: a desconfiança entre os cidadãos e em relação ao governo; autoritarismo governamental; opacidade administrativa; clientelismo burocrático; desinteresse político; baixa vocação participativa (capital social negativo); No Norte: fortes laços de confiança mútua e em relação ao governo; democracia participativa; transparência administrativa; sensibilidade e profissionalismo burocrático; interesse político; participação política (capital social positivo); História → Instituições (ethos) → Política (segundo Putnam, a história molda as instituições e estas a política). Capital Social e Desempenho Institucional 1. Capital social: conjunto de crenças compartilhadas que melhoram o desempenho dos Estados democráticos. Exemplo: confiança. Por que o capital social é, em termos políticos, produtivo? Porque consegue resolver o principal dilema da ação coletiva: a deserção. Teu milho está maduro hoje; o meu estará amanhã. É vantajoso para nós dois que eu te ajude a colhê-lo hoje e que tu me ajudes amanhã. Não tenho amizade por ti e sei que também não tens por mim. Portanto, não farei nenhum esforço em teu favor; e sei que se eu te ajudar, esperando alguma retribuição, certamente me decepcionarei, pois não poderei contar com tua gratidão. Então, deixo de ajudar-te; e tu me pagas na mesma moeda. As estações mudam; e nós dois perdemos nossa colheitas por falta de confiança mútua. (David Hume. Tratado da Natureza Humana, livro III, parte II, seção V) 2 Dois cúmplices são mantidos incomunicáveis, e diz-se a cada um deles que, se delatar o companheiro, ganhará a liberdade, mas se guardar silêncio, e o outro confessar, receberá uma punição especialmente severa. Se ambos mantivessem silêncio, seriam punidos levemente, mas, na impossibilidade de combinarem suas versões, cada qual faz melhor em delatar, independentemente do que o outro venha a fazer. (Dilema do Prisioneiro – Teoria dos Jogos) A Teoria da Escolha Racional (Rational Choice Theory) não é a mais apropriada para resolver estes problemas de ação coletiva. Uma vez admitido que o indivíduo só estará disposto a cooperar se conseguir maximizar seu interesse particular, então, é de se esperar que cada um dos envolvidos na cooperação veja a deserção como o comportamento mais racional. O fenômeno “free-rider” (desertor, oportunista, carona) inibe a cooperação voluntária. O resultado é a perda da colheita, o impasse no governo, o aumento da tarifa de táxi ou da taxa de juros do cheque especial. Note-se, nos exemplo de Hume e do Dilema do Prisioneiro, que a confiança (que Putnam chama de capital social) é essencial para a ação comum. A pesquisa de Putnam se coloca contra o paradigma hobbesiano do “terceiro que coage”, pois para o filósofo inglês, o que faria os homens cooperarem entre si era a coerção de um poder superior. - - “... O desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a conseqüência necessária das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento dos seus pactos e ao respeito àquelas leis da natureza ...”. “As leis da natureza (como a justiça, a eqüidade, a modéstia, a piedade) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias as nossas paixões naturais (...) E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar a menor segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis da natureza, se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros” (HOBBES, Thomas. Leviatã. 2ª parte, cap. XVII.) - - - - Putnam se alinha com a tradição republicana, que remonta à Platão e passa por Maquiavel, atribuindo ao civismo comunitário um papel tanto mobilizador quanto criador de um quadro de referências comuns sobre a realidade. Não se apóia exclusivamente no discurso jurídico-formalista, nem atribui importância exagerada à arquitetura organizacional do poder político (aparato estatal); A liberdade garantida pelo direito (negativa) não garante a participação dos cidadãos nos negócios públicos; pois a cidadania como “intitulação de diretos” define o indivíduo como personalidade apta para fruir de bens e serviços, mas não como personalidade apta para o auto-governo; A capacidade que os indivíduos possuem de participar do processo de decisão política é criada por mecanismos de “treinamento social” (R. Dahl); As tradições cívicas da comunidade não podem ser confundidas com tradicionalismo exclusivista (lembrar que as regiões mais cívicas da Itália são as mais tolerantes e cosmopolitas). A educação moral (política) é privilegiada em relação aos instrumentos exclusivamente jurídicos;;. Bibliografia BAQUERO, Marcello. Construindo uma outra sociedade: o capital social na estruturação de uma cultura política participativa no Brasil. Rev. Sociol. Polit., Nov 2003, no.21, p.83108. http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n21/a07n21.pdf BIGNOTTO, Newton. Maquiavel Republicano. São Paulo: Loyola, 1991. COSTA, Maria Alice Nunes. Sinergia e capital social na construção de políticas sociais: a favela da Mangueira no Rio de Janeiro. Rev. Sociol. Polit., Nov 2003, no.21, p.147-163. http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n21/a10n21.pdf Degenne, Alain. Social capital: a theory of social structure and action. Tempo Soc., Nov 2004, vol.16, no.2, p.303-305. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1997. HUME, David. Tratado da Natureza Humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais. São Paulo: UNESP, 2001. PLATÂO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2005. PUTNAM, Robert D. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. 3 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002. Reis, Bruno Pinheiro W. Capital social e confiança: questões de teoria e método. Rev. Sociol. Polit., Nov 2003, no.21, p.35-49. http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n21/a04n21.pdf SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno. São Paulo: Cia das Letras, 2006. TONELLA, Celene. Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe: en busca de un nuevo paradigma. Rev. Sociol. Polit., Nov 2003, no.21, p.187-190. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010444782003000200012&lng=pt&nrm=iso VALDIVIESO, Patricio. Capital social, crisis de la democracia y educación ciudadana: la experiencia chilena. Rev. Sociol. 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