ESCS – Escola Superior de Ciências da Saúde Internato – Pediatria – março 2006 Febre Reumática Paula Veloso Aquino Coordenação: Elisa de Carvalho Caso Clínico PTAJ, 12 anos, sexo: feminino, estudante. Natural: Ceilândia – DF. Procedente: Samambaia – DF. Data da internação PSI: 06/03/06 Data da história: 07/03/06 Caso Clínico Q P: Movimentos estranhos há 03 dias. HDA: Mãe refere que há cerca de 03 semanas, criança iniciou quadro gripal brando com pouca dor em orofaringe associado a agitação psicomotora leve, que se resolveu espontaneamente em 01 semana. Manteve-se assintomática até que há 01 semana voltou a apresentar agitação psicomotora e há 03 dias iniciou movimentos involuntários, incoordenados, deixando cair objetos, associados a hiporexia e sudorese fria. Procurou então, há 01 dia, o PSI do HRAS. Nega febre, artralgia e alterações cutâneas. Caso Clínico Revisão dos sistemas: – Geral: Nega febre e astenia. – Cardiovasc. e Resp.: Nega tosse, rinorréia, dor torácica, dispnéia, palpitações e edema – Digestivo: Nega vômito e diarréia. – Urinário: Nega disúria, hematúria ou colúria. Urina de cor amarelada. – Nervoso: Refere agitação e nervosismo Caso Clínico Antecedentes fisiológicos: – Mãe fez pré natal, gravidez sem intercorrências, tomou sulfato ferroso. – Parto normal, a termo, pesou: 3,600Kg – Aleitamento materno exclusivo: 06 meses – Aleitamento materno total: 02 anos – Desenvolvimento neuropsicomotor: normal – Vacinação : completa (sic.) Caso Clínico Antecedentes patológicos: – Doenças prévias: Varicela aos 06 anos. – Nega: Alergias; Uso crônico de medicamentos; Internações prévias; Traumatismos; Cirurgias; Transfusões sangüíneas. Caso Clínico Antecedentes familiares: – Mãe: 41 anos, 4ªsérie ensino fundamental, diarista. Tireoidopatia não tratada e hipertensão arterial sistêmica. Não fuma. – Pai: 47 anos, 5ªsérie ensino fundamental, ascensorista. Epilepsia (Fenobarbital). Extabagista (parou há 03 anos) – Irmã: 21 anos, saudável – Avó materna: cardiopatia chagásica. Caso Clínico Antecedentes sociais: – Reside com os pais e uma irmã – Casa de alvenaria saneamento básico completo; 06 cômodos, 04 moradores; Nega: poeira, mofo e fumantes em casa – Animal de estimação: periquito. Caso Clínico Exame físico: – BEG, normocorada, anictérica, acianótica, normohidratada, eupneica, afebril, ativa e reativa, orientada. – Orofaringe: hiperemia e pontos de pus em véu palatino; – Ap. resp: MVF, sem ruídos adventícios ou esforço respitatório; – Ap. cardiov: RCR 2T BNF, sem sopros – Abd: plano, RHA+, timpânico, normotenso, indolor à palpação, sem visceromegalias; – Extr: bem perfundidas, sem edema, movimentos involuntários, incoordenados em todo o corpo, principalmente cabeça e membros. Caso Clínico Exames Laboratoriais: 06/03/06 10/03/06 Hemácias 4,32 4,93 Hemoglobina 11,7 13,0 Hematócrito 34,3 40,4 Plaquetas 109.000 115.000 Leucócitos 4,7mil 6,7mil Seg 62 70 Bast 01 02 Linf 32 26 Mono 03 01 Eos 02 01 Caso Clínico Exames Laboratoriais: 06/03/06: VHS = 18 mm PCR = 0,47 mg/dl ASLO = 56 UI/ml 10/03/06: EAS = normal ECG = normal 13/03/06: Síflis : HAI = não regente VDRL = 1/1 Toxo: HAI = não reagente Elisa IgG = negativo Elisa IgA = negativo FR = < 9,5 UI/ml CMV : IgG = 54 C3 = 56,9 mg/dl C4 = < 5,3 mg/dl Caso Clínico Hipótese diagnóstica: – Febre Reumática Conduta: – 06/03/06 (PS): Penicilina benzatina : 1.200.000 UI IM Haloperidol : 1mg/dia VO – 07/ 03/06 (Ala A): Haloperidol : 1mg 12/12h VO – 13/03/06 (Ala B): Haloperidol : 1 mg 8/8h VO Febre Reumática Febre Reumática Doença inflamatória, sistêmica, deflagrada pelo Streptococcus β-hemolítico do grupo A, que ocorre, provavelmente, em pessoas geneticamente predispostas Febre Reumática Epidemiologia Idêntica à das infecções das vias respiratórias superiores por estreptococos do grupo A: – Mais freqüente em crianças (5 – 15 anos) – Adultos – final da 2ª a início da 3ª década de vida Fatores de risco epidemiológico: – Baixo padrão socioeconômico Aglomerações – Faringite por estreptococo do grupo A Sorotipos 1, 3, 5, 6 e 18 (mais associadas à FR) Febre Reumática Patogenia A FR está associada à infecção, pelo estreptococo β-hemolítico do grupo A, de vias aéreas superiores (não de pele). Mecanismo patogênico obscuro. – 03 hipóteses: Infecção direta pelo estreptococo do grupo A Efeito tóxico de produtos extracelulares bactéria Resposta imune anormal da Febre Reumática Patogenia Hipótese mais aceita: Resposta imune anormal ou disfuncional. – Produção de anticorpos contra a proteína M de certas cepas estreptocócicas, os quais exibem reação cruzada com glicoproteínas teciduais no coração, articulações e outros tecidos. Reforça esta hipótese: – Período de latência entre infecção e início dos sintomas de FR de 1 a 3 semanas. Febre Reumática Diagnóstico Diagnóstico ainda se baseia em um grupo de critérios: Critérios de Jones. De acordo com a última revisão, realizada em 1992 pela American Heart Association (AHA), terse-á alta probabilidade de febre reumática quando: Evidência de infecção prévia pelo Streptococcus β-hemolítico do grupo A associada a: – 2 critérios maiores ou – 1 critério maior e 2 menores. Critérios de Jones (Atualizados em 1992 – AHA) Critérios maiores Cardite Poliartrite migratória Coréia de Sydenham Nódulos subcutâneos Eritema marginado Critérios menores Febre Artralgia VHS ou PCR elevados PR prolongado no ECG Mais: Evidências de infecção recente por estreptococos do grupo A (cultura positiva de faringe, teste rápido de detecção de antígenos ou título de anticorpos antiestreptocócicos elevado ou crescente. exceção: coréia isolada, de etiologia não definida. (diagnóstico de febre reumática independe de outros achados) Febre Reumática Manifestações clínicas Manifestações clínicas de febre reumática podem exibir características peculiares Quando encontradas, elevam o valor preditivo positivo do respectivo achado. Febre Reumática Manifestações clínicas Poliartrite (até 75%) – Grandes articulações são as mais afetadas. – Padrão é migratório – Extremamente dolorosa – Totalmente resolutivo – Não deixa seqüelas (maioria dos casos) – Excelente resposta aos AINE – Remissão dos sintomas em 48-72 horas Febre Reumática Manifestações clínicas Cardite (40 a 60%) – Pancardite (pericárdio, miocárdio e endocárdio) – Varia de leve a intensa – Sinais de cardite: Taquicardia sinusal B3 com galope Arritmias (bloqueio AV de 1ºgrau e até 3º grau) Atrito pericárdico Sopro de regurgitação mitral Cardiomegalia Sinais de ICC Febre Reumática Manifestações clínicas Cardite – Valvulite reumática: Cicatrização pode causar espessamento fibroso e aderência resultando em estenose e/ou insuficiência valvares Valva Mitral é a mais acometida Valva Aórtica (simultaneamente à Mitral) Valvas Tricúspide e Pulmonar raramente são acometidas. – Mesmo pequenos graus de comprometimento valvar predispõe à endocardite infecciosa Febre Reumática Manifestações clínicas Coréia de Sydenham (<10%) – movimentos descoordenados, involuntários, abruptos, de grupos musculares estriados esqueléticos. tropeços à deambulação fala arrastada ou “enrolada” deixar cair objetos escrita ruim Labilidade emocional intensa – Atinge mais adolescentes e sexo feminino – Período de latência de até vários meses – Diagnóstico diferencial: lúpus eritematoso sistêmico, (especialmente casos de difícil controle terapêutico) Febre Reumática Manifestações clínicas Eritema marginado (<10%) – Altamente específico de FR – Lesão macular com halo hiperemiado e centro opaco – Manifesta-se inicialmente, como máculas róseas inespecíficas Em geral: – Não pruriginoso; – Concentra-se no tronco; – Poupa a face. – Pode agravar-se com aplicação de calor Eritema Marginado Eritema Marginado Figura eritema marginado Febre Reumática Manifestações clínicas Nódulos subcutâneos – São raros, mas altamente específicos de febre reumática – São indolores – Usualmente em superfícies extensoras das articulações e ao longo de tendões – Associados à presença de cardite Nódulos Subcutâneos Febre Reumática Diagnóstico Laboratorial Cultura de orofaringe Inespecíficos VHS PCR Leucocitose e leve anemia Antiestreptolisina-O (ASO) = pico 3 – 6 sem. – Crianças: elevadas quando > 320 U Todd Antidesoxirribonuclease B (ADB) = pico 6 – 8 sem. Febre Reumática Diagnóstico ECG – Intervalo PR prolongado – Bloqueio AV de 1º, 2º ou 3º grau Raio X de tórax – Nenhum achado específico – Cardiomegalia é comum Ecodopplercardiograma – detectar lesões cardíacas valvulares na fase aguda da doença (mais sensível ) – Solicitar em todos casos suspeitos de FR => detectar lesões valvulares “silenciosas” Febre Reumática Diagnóstico Diferencial Artrite Reumatóide infantil Doenças do tecido conjuntivo Endocardite infecciosa Doença de Lyme (exantema ) Febre Reumática Tratamento Primeira conduta: Erradicação do Streptococcus β-hemolítico do grupo A: – Penicilina benzatina, IM 1.200.000 U, crianças com peso > 25 kg; 600.000 U, crianças com peso até 25 kg. Febre Reumática Tratamento Aternativas: – Doenças hemorrágicas: não usar IM Penicilina-V oral (50mg/kg/dia, 6/6 h) por 10 dias ou Amoxicilina VO (50mg/kg/dia, 8/8 h), por 10 dias. – Alergia à penicilina e derivados: Eritromicina (40mg/kg/dia, 6/6 h, por 10 dias). Macrolídeos (azitromicina, VO, por cinco dias) e cefalosporinas orais (por 10 dias) também podem ser utilizados (custo muito maior). – Não usar: Tetraciclinas (alta prevalência de resistência); Sulfonamidas (não erradicam o agente); Cloranfenicol (alta toxicidade). Febre Reumática Tratamento das manifestações Cardite: – Prednisona, 1 a 2,5 mg/kg/dia (máx. 60mg/dia) VO, Dose plena, fracionada , 2 ou 3 tomadas diárias, durante 15 dias; depois, reduzir 20% a 25% da dose, por semana. Obs: – Caso de artrite e cardite concomitantes, não é necessário o uso de AINEs; – durante redução gradual da prednisona, não é necessário introduzir AINE, desde que redução semanal não ultrapasse 25%. Febre Reumática Tratamento das manifestações Coréia: – Haloperidol, VO, 1mg/ dia em 2 tomadas diárias. Aumentar 0,5 mg a cada três dias, até boa resposta (mais de 75% de remissão dos movimentos) ou até dose máxima de 5 mg/ dia. Duração do tratamento por três meses. OBS: doses próximas à dose máxima podem causar impregnação ou síndrome extrapiramidal. Alternativa: ácido valpróico (30 mg/kg/dia, VO, iniciando com 10 mg/kg/dia e aumentando 10mg/kg, semanalmente) Febre Reumática Tratamento das manifestações Artrite: Antiinflamatórios não hormonais: – Aproximadamente por 7-10 dias, VO. Preferencialmente: Ácido acetil-salicílico (80-100mg/kg/dia); Naproxeno (10-20 mg/kg/dia); Ibuprofeno (30-40 mg/kg/dia). Febre Reumática Tratamento das manifestações Nódulos subcutâneos e Eritema marginado: Não há tratamento específico. Febre Reumática Profilaxia Primária – Tratamento adequados das infecções de vias aéreas superiores, como faringo-amigdalites, causados pelo Streptococcus b-hemolítico do grupo A. – A recomendação de antibióticos é a mesma usada na erradicação do agente quando do tratamento, como descrito anteriormente. Febre Reumática Profilaxia Secundária Uso periódico e por longo prazo de antibióticos que mantenham concentrações inibitórias mínimas para o Streptococcus b-hemolítico do grupo A, visando impedir recidivas de febre reumática em pacientes que já apresentaram um primeiro surto da doença: Penicilina benzatina, IM, – 1.200.000 U crianças > 25 kg A cada 21 dias – 600.000 U crianças com até 25 kg. Febre Reumática Profilaxia Secundária (Alternativas): Doenças hemorrágicas: – Penicilina-V oral (250 mg, duas vezes ao dia, todos os dias). Alérgicos à penicilina e derivados: – Eritromicina (250 mg, duas vezes por dia) ou – Sulfadiazina (500mg para pacientes até 25 kg, 1g para maiores de 25 kg), ambas em todos os dias. Febre Reumática Profilaxia secundária: – Pacientes que não apresentaram cardite: Até os 18 anos de idade ou Até cinco anos após o último episódio, em caso de recidivas. A opção que durar mais. – Pacientes que apresentaram cardite: Até os 40 anos de idade ou Até 10 anos após o último episódio, em caso de recidivas. A opção que durar mais. Bliografia KAPLAN,E.L. Febre Reumática. In: BRAUNWALD,E; et al.Harrison Medicina Interna. Rio de Janeiro: McGrawHill,2002. p.1418 – 1421. TODD, J. K. Streptococcus do Grupo A. In BEHRMAN, R.E; et al. Nelson Tratado de Pediatria16ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p 794 – 802. Robbins, Patologia Estrutural e Funcional, 6a Edição, 2000. Pereira B.A.F.; Sociedade Brasileira de Pediatria. Projeto Diretrizes – Febre Reumática. 2002 (http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/051 .pdf)