Caso Clínico: FEBRE REUMÁTICA Internato – Pediatria Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS)/SES/DF Marcos Vinícius Melo de Assis Coordenação: Luciana Sugai www.paulomargotto.com.br 27/7/2009 Caso clínico D.S.S, 8 anos, sexo feminino, parda, natural residente e procedente de Formosa – GO, estudante Data de admissão no PSI: 11/06/2009 QP: cansaço há 7 dias HDA: Irmã refere que há um mês paciente iniciou quadro de inapetência e astenia. Há uma semana paciente evoluiu com piora do estado geral, febre diária, odinofagia e dor abdominal. Foi levada ao Hospital de Formosa, onde foi diagnosticado faringoamigdalite, sendo prescrito cefalexina, há 1 semana. Sem melhora do quadro e referindo taquicardia, procurou novamente atendimento e a criança foi internada apresentando sopro sistólico e suspeita de pneumonia. Realizado ECG, paciente foi encaminhada para HBDF para avaliação da cardiologia, que suspeitou de ICC, insuficiência mitral e pneumonia e encaminhou paciente para HRAS. OBS.: irmã má informante. Revisão de sistemas Ap. Digestivo: refere diarréia líquida há um dia; Artralgia inespecífica de grandes articulações, sem flogose; Antecedentes Patológicos A criança nunca se consultou previamente. Desconhece outros antecedentes. Antecedentes Fisiológicos Irmã mal informante, refere condiçoes normais de gestação e desenvolvimento neuro-psico-motor. Cartão vacinal completo. Condições socioeconômicas e Hábitos de Vida Casa alugada, zona urbana. (na verdade paciente não tem residência fixa, pois as vezes reside com a irmã, as vezes com o pai em chácara.) tem cachorro em casa; Água filtrada Exame Físico REG, emagrecida, hipocorada (2+/4+), anictérica, acianótica, hidratada, taquipnéica; Orofaringe hiperemiada e edemaciada, s/ exsudato ACV.: RC irregular, em 3 tempos, bulhas hiperfonéticas com sopro holossistólico (4+/6+) audível em todos os focos, com irradiação p/ axila; B2 hiperfonética em FP; B1 diminuída e encoberta pelo Sopro; presença de frêmito sistólico, FC: 72bpm Ap. Resp.: MV rude, sem RA, FR: 44 irpm Abd: plano, flácido, normotenso, RHA+ e normais, indolor, sem visceromegalias ou tumoração palpável, fígado palpável em RCD, a 2 cm (borda lisa); Ext.: boa perfusão, sem edemas Exames Laboratoriais – 11/06/2009 (Admissão) Hemograma: Hb: 10,1 HT: 30,4 Hipocromia: +2 Anisocitose: +2 Leuc.: 9.300 Neut.: 70 Bast.: 1 Linf.: 21 Mono.: 4 Eos.: 3 Plaq.:630.000 VHS: 60 Glicose: 109 Uréia: 16 Creatinina: 0,5 TGO: 13 TGP: 5 Ca: 9,5 Na: 141 K: 4,7 Cl: 107 PCR: 6,05 Ferritina: 78,9 GAC: 301 Exames – 11/06/2009 (Admissão) EAS: Densidade: 1.025 pH: 6,0 Proteína, glicose, acetona, Hb, bilirrubina, Urobilinogênio: ausentes CED: raros Leucócitos: raros Hemácias, cilindros: ausentes Flora bacteriana: ligeiramente aumentada Muco: presente RX Tórax: Índice cárdio-torácico: 0,55 Sinais de congestão pulmonar Exames Laboratoriais – 12/06/2009 Hemograma Hb: 10,0 HT: 29,4 Leuc.: 8690 Neut.: 72 Bast.:0 Linf.:21 Mono.:3 Eos.: 4 Plaq.:600.000 ASLO: 689 PCR: 4,08 VHS: 61 Exames Laboratoriais – 18/06/2009 Hemocultura + antibiograma cultura negativa Exames Laboratoriais – 26/06/2009 ASLO: 372 GAC: 135 PCR < 0,3 Hemograma Hb: 12,2 HT: 35,9 Leuc.: 14.100 Neut.: 75 Bast.: 2 Linf.: 21 Mono.: 2 Eos.: 0 Plaq.: 439.000 Exames Laboratoriais – 03/07/2009 PCR < 0,3 GAC: 111 ECG: Eixo: +60º; ritmo sinusal, sobrecarga de átrio e de ventrículo esquerdo Infiltrado intersticial em 1/3 médio de ambos pulmões, com aumento de AE e VE. Ecocardiograma Transtorácico: Regurgitação mitral acentuada. Disfunção de VE de grau discreto. Conduta: PSI (11/06/2009) Dieta hipossódica, albendazol, Penicilina Cristalina 700.000 UI, Furosemida, Espironolactona, Pril, digoxina, dobutamina dipirona e Ceftriaxone posteriormente, prednisona, cálcio, cabeceira elevada, medir diurese, À ala A FEBRE REUMÁTICA Conceito Doença auto-imune que ocorre após infecção orofaríngea causada por Estreptococos Beta- Hemolíticos do Grupo A (EBHGA) – cepas “reumatogênicas”. Pode ocorrer acometimento cardíaco, articular, nervoso, cutâneo e subcutâneo. Epidemiologia Antecedente de Infecção Orofaríngea por EBHGA, tanto nos primeiros surtos como nas recidivas Freqüência: 0,5 – 3,0% após faringoamigdalites estreptocócicas Em portadores de FR: recidiva de 40-50% após novas faringoamigdalites estreptocócicas Epidemiologia O comprometimento cardíaco (cardite) ocorre em 50 – 75% das crianças no primeiro surto da doença Em países subdesenvolvidos, a cardiopatia reumática tem uma taxa de prevalência de 18,6/1000, o que a torna uma das principais causas de morbimortalidade cardiovascular entre crianças em idade escolar. Etiopatogenia Suscetibilidade genética (HLA de classe II – DR7 e DR53) Sorotipos reumatogênicos do EBHGA Fatores ambientais: Más condições de higiene/ moradia Assistência médica precária Desnutrição Etiopatogenia Patogênese não esclarecida Evidências sugerem que há uma resposta imune celular e humoral dirigida contra antígenos estreptocócicos semelhantes a estruturas humanas Ex.: anticorpos anti-carboidrato do estreptococo atacam a miosina cardíaca, levando à lesão valvular Quadro Clínico Início: 2 semanas ( 1 a 5 semanas) a 6 meses após faringoamigdalite estreptocócica, sintomática (60-70%) ou assintomática. Acomete preferencialmente crianças em idade escolar, sem predomínio de sexos*. * A coréia predomina no sexo feminino. FARINGITE FEBRE REUMÁTICA CARDITE ARTRITE CORÉIA ERITEMA MARGINADO NODULOS SUBCUTANEOS Cardite Em crianças é a manifestação mais importante – mortalidade Início: 1 semana a 3 meses após infecção orofaríngea por EBHGA Sopro cardíaco (insuficiência mitral): holossistólico, alta frequência, irradiação para axila Cardite Critérios diagnósticos: Sopro orgânico anteriormente ausente: 95 – 100% Aumento da área cardíaca: 50% Insuficiência cardíaca: 5 – 10% Pericardite (e pancardite): 5 – 10% Duração: 1 – 6 meses (média 3 meses) Cardite Evolução: Surto inicial Cardite leve: 80% curam em 5 anos Cardite grave com ICC: 30% curam em 5 anos Doença cardíaca prévia: 100% com seqüelas após 5 anos Endocardite x Miocardite x Pericardite Artrite Comprometimento articular típico da febre reumática: Início: 1 - 3 sem. após infecção orofaríngea por EBHGA Poliartrite aguda, migratória, em grandes articulações (joelhos, cotovelo, ombro) Duração: 1 a 5 dias em cada articulação. A duração total do surto articular varia de 1 a 3 semanas TTO: AINE Coréia A freqüência de coréia tem aumentado, variando de 20-40%. Predomina em meninas em idade escolar e início da adolescência Período de latência prolongado (exames laboratoriais sem evidências de estreptococcia anterior) Eritema Marginado Bordas nítidas avermelhadas, serpiginosas, com centro claro, não pruriginosas, localização preferencial em tronco ou porções proximais de membros. Duram algumas horas ou mesmo minutos e podem ocorrer durante meses Nódulos Subcutâneos Ocorre em menos de 3% das crianças, em geral associado com cardite. Nódulos duros, indolores, imóveis, localizados no couro cabeludo e nas superfícies articulares sobre proeminências ósseas. Regressão espontânea, com recorrências freqüentes. Exames laboratoriais Hemograma: anemia/ leucocitose discretas Provas de fase aguda: VHS, PCR, α1- glicoproteína ácida, α2- globulina Infec. estreptocócica anterior: cultura de orofaringe positiva para EBHGA*, teste rápido p/ detecção de antíg. estreptocócico, ASLO * No início dos sintomas a cultura é + em apenas 20 – 30% dos casos. Critérios para diagnóstico da febre reumática e da doença reumática cardíaca (WHO, 2002-2003), baseados nos critérios de Jones modificados, 1992 CRITÉRIOS Sinais menores: Sinais maiores: Cardite; Poliartrite; Coréia; Nódulos subcutâneos; Eritema marginado; Febre; Poliartralgia; Alteração das provas de fase aguda; Evidência de infecção estreptocócica prévia nos últimos 45 dias; Alargamento do esp. P-R no eletrocardiograma; Critérios para diagnóstico da febre reumática e da doença reumática cardíaca (WHO, 2002-2003), baseados nos critérios de Jones modificados, 1992 DIAGNÓSTICO Evidência de infecção estreptocócica prévia mais 2 sinais maiores ou 1 sinal maior e 2 menores ?????????????? Tratamento Artrite: AINE por 7-10 d., VO, preferencialmente: Erradicar EBHGA: Penicilina benzatina 1.200.000 U (acima de 25kg) Cardite: prednisona (1 a 2 mg/kg/dia),VO, máx. de 60mg/dia. Fracionar em 2 ou 3 tomadas diárias, durante 15 dias; depois, reduzir 20% a 25% da dose, por semana. Ácido acetil-salicílico (80100mg/kg/dia); Naproxeno (10-20 mg/kg/dia); Ibuprofeno (30-40 mg/kg/dia). Coréia: haloperidol, VO, 1mg/ dia, 2 vezes por dia. Aumentar 0,5 mg a cada 3 dias, até atingir boa resposta (mais de 75% de remissão dos movimentos) ou até dose máxima de 5 mg/ dia. Duração do tratamento por 3 meses. Profilaxia Profilaxia primária – reconhecimento e tto adequados de faringoamigdalites, causados pelo EBHGA. A recomendação de antibióticos é a mesma usada na erradicação do agente quando do tto. Profilaxia secundária – uso periódico de antibióticos que mantenham concentrações inibitórias mínimas para o EBHGA, visando impedir recidivas de febre reumática em pacientes que já apresentaram um primeiro surto da doença. Penicilina benzatina, IM, a cada 21 dias, 1.200.000 U, para crianças com peso maior que 25 kg e 600.000 U para crianças com peso até 25 kg. Duração da profilaxia secundária: Pacientes que não apresentaram cardite – a profilaxia deve durar até os 18 anos de idade ou até cinco anos após o último episódio, em caso de recidivas. A opção que durar mais. Pacientes que apresentaram cardite – a profilaxia deve durar até os 40 anos de idade ou até 10 anos após o último episódio, em caso de recidivas. A opção que durar mais Referências bibliográficas LOPES, A.C.; Tratado de Clínica Médica. In: Kiss, MHB. Febre Reumática. São Paulo: Roca, 2009. v.I, p. 1616 – 1623. PEREIRA B.A.F.; Sociedade Brasileira de Pediatria. Projeto Diretrizes – Febre Reumática. 2002. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_ diretrizes/051.pdf Obrigado