Caso Clínico: Febre reumática Internato - ESCS Alessandra Lopes Braga 6° Ano – ESCS Internato em Pediatria – HRAS Coordenação: Dra Sueli Falcão Brasília – 31 de janeiro de /2011 www.paulomargotto.com.br História Clínica 9 anos, ♂, 44kg, natural de Taguatinga, procedente de Candangolândia. Informante (Mãe) QP: Febre há 7 dias + Dor articular HDA: Mãe relata febre diária 39°C há 7 dias com melhora parcial após paracetamol 750mg,associada a mialgia, astenia e palidez. Procurou o HRAS por duas vezes no período, sendo prescrito amoxicilinaclavulanato, usando a medicação há 3 dias, sem melhora. Associado refere dor articular, migratória (joelho D → Tornozelo E → joelho E → pé D), assimétrica (mais intensa à D), que piora durante deambulação e sem sinais flogísticos. Nega outras queixas. História Clínica Antecedentes Fisiológicos: Mãe realizou pré-natal, com gestação sem intercorrências. Parto normal, a termo, P=3.400g Est=48cm, chorou ao nascer. LME e desmame aos 3 meses. DNPM normal. Vacinação atualizada. Antecedentes Patológicos: Mãe refere amigdalite de repetição, mas nega amigdalite recente (última há 2 meses). Refere ferimento perfuro-cortante em pé E há 1 mês. Duas internações anteriores, ambas aos 4 anos, uma devido à celulite periorbitária e a outra devido a acidente de carro (hematoma em couro cabeludo). Nega cirurgias, transfusão e alergias. História Clínica Antecedentes Familiares: Avô, cardiopatia. Pai, 30 anos, saudável. Mãe, 26 anos, saudável. Mãe é filha adotiva e não sabe história da família biológica. Na família paterna, nega morte súbita e malformações congênitas. Hábitos de Vida: Dieta equilibrada. Exame Físico BEG, afebril, eupnéico, hipocorado (2+/4+), hidratado, acianótico, anictérico. Amígdalas hipertrofiadas; ponto com crosta em arcada dentária superior D. AC: RCR em 2T com BNF sem sopros. FC: 80bpm. AR: MVF sem RA. FR: 20irpm. ABD: normotenso, RHA +, sem VMG. Ext: discreto edema em joelhos e dificuldade em flexão dos joelhos, sem eritema local. SN: sem sinais meníngeos. Evolução Evoluiu, após medicações, sem febre e com melhora da dor articular. No 2° DIH, o exame cardíaco demonstrou discreto sopro, após descrito no 11° DIH como sopro diastólico (3+/6+) em foco aórtico acessório e sopro sistólico (+/6+) em foco mitral. Hipóteses Diagnósticas? Que exames você solicitaria? Conduta? Hipóteses Diagnósticas3 Febre Reumática Lupus Eritematoso Sistêmico Leucemia Linfoblástica Aguda Artrite, pericardite e eventualmente coréia. Sopro anêmico, artrite. Artrites Reativas Pós-infecciosas, virais ou bacterianas Artrite, miocardite. Hipóteses Diagnósticas8 Resultados de Exames Hb Ht Leu Seg 07/07/08 11,1 33,4 16,4 70 11/07/08 10,2 30,7 17,6 77 12/07/08 10,0 31,1 17,5 77 07/07/08 Baso Linf Mono Eos Bast Plq 18 04 01 07 205 02 15 06 00 326 02 15 06 00 287 Gli Ur Creat TGO TGP Na K Cl CK-MB 87 139 3,8 103 06 139 3,8 101 12/07/08 19 0,7 11 08 24 0,4 Dens pH Prot CED Leu Hem Cilindro FB Muco Nitrito 07/07/08 1025 6,0 + Raros Raros - - escassa - - 12/07/08 1015 5,0 - 3/cp Raros - - escassa ++ Resultados de Exames Valor de Referência 07/07 11/07 18,4 12/07 15/07 04/08 08/08 26,7 <0,32 <0,32 958,00 863,00 PCR (mg/dl) 00-0,5 ASLO (UI/ml) 0-200 1.000 Fator Reumatóide (UI/ml) 00-15 <10,9 Alfa glicoproteínas Até 120 ácidas (mg/dl) VHS (mm/hora) 58 60 <10,90 390 110,00 103,00 60 36 25 C3 (mg/dl) 90-180 197,0 C4 (mg/dl) 10-40 43,2 Hemocultura (12/07/08) Negativa PPD (21/07/08) Não Reator Exames de Imagem Radiografias: Tórax e SAF (07/07): normal Joelho Direito (12/07): normal Exames de Imagem - ECG D1 aVR D2 D3 V1 aVL aVF V4 V2 V3 V5 V6 Exames de Imagem Ecocardiograma (21/07): Insuficiência mitral de grau discreto com folheto posterior com diminuição da mobilidade e insuficiência aórtica de grau moderado. As cavidades esquerdas apresentam dilatação moderada, com boa função sistólica biventricular. Ausência de derrame pericárdico. Conclusão: insuficiência mitral discreta e insuficiência aórtica moderada. Exames de Imagem Cintilografia miocárdica com gálio (21/07/08): Observa-se distribuição fisiológica do 67-gálio em área cardíaca (índice = 110%). Conclusão: exame negativo para cardite ativa. Condutas Penicilina Benzatina 1.200.000 UI + Despacilina 400.000 UI IM. Corticoterapia após ecocardiograma: prednisona 50mg/dia (D7) inicialmente e depois 60mg/dia (até D15) e após iniciado desmame. Captopril 25mg 12/12h. Calcium sandoz 500mg VO. Seguimento Ambulatorial Exame Cardíaco: (09/09/08): Pulsos periféricos de amplitude aumentada. Tórax levemente hiperdinâmico. Batimento em pescoço e fúrcula bem visíveis. Ictus no 4° EIC medindo 2 polpas digitais, na linha hemiclavicular. RCR em 2T, BNF, SD 2+/6+ em FAoAc e mais suave em FAo. (10/03/09): Pulsos periféricos normais. Tórax calmo. RCR em 2T BNF B2 com desdobramento fisiológico, SS 2+/6+ em FAo e fúrcula. Seguimento Ambulatorial Exame Cardíaco (25/01/11): Pulsos periféricos algo aumentados, melhor observado em MMII. Ictus no 4° EIC LHC. RCR em 2T, BNF, SD 2+/6+ em FAo e FAoAc. PA: 110x20mmHg. Manteve assintomático e mantém uso regular de penicilina benzatina de 21/21dias e captopril (12,5mg de 8/8h). Exames do seguimento ambulatorial Ecocardiograma (de 2010): FEj = 73,34%. Insuficiência aórtica de grau moderado / acentuado. Válva aórtica com folhetos espessados e regurgitação aórtica central em grau moderado / acentuado. Presença de fluxo reverso holodiastólico em aorta descentente. Febre Reumática Introdução Sequela tardia e não-supurativa de IVAS pelos estreptococos do grupo A (EBHGA)1. Multissitêmica: afetados transitoriamente, exceto coração2. Cardite reumática: doença cardiovascular adquirida mais frequente e importante na infância e na adolescência2. Epidemiologia Idêntica à da IVAS por EBHGA1,3,4. Universal1: prevalência: ↓ desenvolvidos e comuns no Brasil3. 5-15anos1,2,4; ♀; raça não-caucasóide2. Epidemiologia1 Fatores que ↑ risco de FR após faringoamigdalite: História prévia de FR (*Cardite reumática); ↑ títulos de ASO; Intensidade clínica do processo infeccioso. Etiopatogenia6 Etiopatogenia Sempre após infecção de orofaringe pelo EBHGA3,4. Fatores: Do hospedeiro → suscetibilidade genética2,3. Do EBHGA → sorotipos “reumatogênicos” (M1, M3, M5, M6 e M18) 2,3. Resposta Imune → reação cruzada (ou mimetismo molecular2,3. Ambientais → frio e umidade1,2, desnutrição, falta de higiene, ambientes fechados, conglomerados e dificuldade de acesso médico2,3. Etiopatogenia5 Reação Cruzada3 Histopatologia Nos tecidos lesados pela FR não são encontrados EBHGA3. Nódulos de Aschoff: Lesão patognomônica; Edema e fragmentação de fibras colágenas e degeneração fibrinóide em miocárdio e/ou valvar1,3. Miócitos de Anitschkow1,2 Histopatologia6 FIGURA 12-24 Cardiopatia reumática aguda e crônica. A, Valvulite mitral aguda, sobreposta à cardiopatia reumática crônica. Pequenas vegetações (verrugas) são visíveis ao longo da linha de fechamento do folheto da valva mitral (setas). Episódios prévios de valvulite reumática causaram espessamento fibroso e fusão das cordas tendíneas. B, aspecto microscópico do nódulo de Aschoff em um paciente com cardite reumática aguda. O interstício do miocárdio apresenta uma coleção circunscrita de células inflamatórias mononucleares, inclusive alguns histiócitos grandes com nucléolos proeminentes e um histiócito binucleado bem nítido, e necrose central. C e D, Estenose mitral com espessamento fibroso difuso e deformidade dos folhetos valvares, fusão das comissuras (setas) e espessamento e encurtamento das cordas tendíneas. É possível observar uma acentuada dilatação do átrio esquerdo na vista a partir do átrio esquerdo (C). D, Valva aberta. Observe a neovascularização do folheto mitral anterior (seta). E, Peça de estenose aórtica reumática removida cirurgicamente e que mostra o espessamento e deformidade das cúspides acompanhados de fusão das comissuras (E, reproduzido por Schoen FJ, St. John-Sutton M: Contemporary issues in the patology of valvular heart disease, Human Pathol 18:568, 1967. Quadro Clínico Muito variável1. Após 1 a 5 semanas do aparecimento de infecção estreptocócica da orofaringe2. Quadro Clínico1,2,3,4 Critérios Maiores: 1) Poliartrite; 2) Cardite; 3) Coréia de Sydenham; 4) Eritema Marginado; 5) Nódulos Subcutâneos. Critérios Menores: Artralgia, febre e certos achados laboratoriais. Poliartrite Migratória Manifestação mais frequente e menos específica2,3. Grandes articulações (* tornozelos, joelhos, cotovelos e punhos) 1,2,3,4. Extremamente dolorosa2,3,4. Migratória, fugaz e autolimitada2. Dura 2 a 3 dias em cada articulação e 2 a 3 semanas no total, regredindo sem sequelas2. Cardite Mais grave2. 1 dos 4:1 Cardite Válvulas atingidas: Insuficiência mitral: Mitral, aórtica, tricúspide e pulmonar2,3,4. Sopro sistólico apical, sem variar com posição ou movimentos respiratórios, irradiando para axila ou dorso2. Insuficiência aórtica: Sopro diastólico em foco aórtico geralmente discreto2. Cardite Endocardite: Miocardite: Mais frequente, assintomática ou sopro cardíaco2. QC de insuficiência cardíaca, raro2,3. Pericardite: Quase sempre associado a pancardite3. Cardite – Classificação8 Coréia de Sydenham Coréia minor, “dança de São Guido”1 Período de latência variável1,3,4. Forma “pura”1. ♀3 Coréia de Sydenham Diagnóstico de exclusão4: Movimentos rápidos, involuntários, sem propósitos, mais notáveis em membros e face1,2,3; Desaparecem com sono1,2,3; Podem ser unilaterais (hemicoréia) 1,3; Fraqueza muscular2,3; Coréia de Sydenham Fala espasmódica1; “Língua em saco de vermes”1; “Mão de ordenha”1; Contrações pendulares do joelho1; Sensibilidade e nervos cranianos normais1; Labilidade emocional1,2,3; Associação com distúrbios obsessivocompulsivo2,3. Não deixa sequela2,3. Eritema Marginado Raras, autolimitadas2,3,4; Mácula ou pápula eritematosa1; Coalescem: padrões circinados ou serpiginosos1,3; Não pruriginosa, nem endurecidas1,3; Pálidas à pressão1; Tronco e parte proximal dos membros1,3; Caráter migratório1,3; Não deixam cicatriz1; Maioria acompanha cardite e nódulos SC1. Nódulos Subcutâneos Raras, autolimitadas2,3,4. Lesões SC indolores, de consistência firme, tamanho de mm a cm1,3; Pele sobre eles é móvel e sem sinais flogísticos1; Lesões agrupadas em proeminências ósseas ou tendões1,3; Associação com cardite1,3,4. Outras Manifestações2 Artralgia, Dor abdominal2,3, Epistaxe2,3, Pneumonite, Pleurite, Encefalite, Glomerulonefrite. Exames Laboratoriais Hemograma1,2 Leucocitose com neutrofilia e anemia leve a moderada. Infecção estreptocócica1,3,4 Cultura de orofaringe positiva ↑ anticorpos específicos (ASLO,...) Exames Laboratoriais Provas de Fase Aguda VHS e PCR elevam-se:1,2,3 Não específicas3 Alterações em todos, exceto na coréia pura2,3 e no eritema marginado3 Importância: controle evolutivo (suprimidas pelos AINES)2,3 Alfa-glicoproteína ácida aumentada e alfa-2globulina eleva-se2: Não sofrem influência da medicação antiinflamatória2, Utilizadas para monitorar a atividade inflamatória da FR2. Exames Laboratoriais Avaliação do comprometimento cardíaco3 ECG: Alargamento do espaço P-R3 (BAV de 1º grau) 1 e do espaço Q-T2 Rx tórax:3 Aumento da área cardíaca2 EcoDoppler:3 Avaliar desempenho cardíaco; auxílio no diagnóstico de valvulopatias, disfunção miocárdica e pericardite; seguimento2 Cintilografia cardíaca com gálio-67 Detectar processos inflamatórios do coração Exames Laboratoriais5 Critérios de Jones – 19921,2,3,4 MAIORES • • • • • MENORES Poliartrite • Artralgia Cardite • Febre Coréia de Sydenham • Exames Complementares Eritema Marginado VHS Nódulos Subcutâneos Proteína C reativa • Intervalo PR prolongado Evidências de Infecção Estreptocócica Passada • Cultura, ASLO, anti-DNase B Prognóstico Fator determinante: Cardite Reumática1! Tratamento Erradicação do Estreptococo8: Objetivo é reduzir a exposição antigênica do paciente ao estreptococo e impedir a propagação de cepas reumatogênicas na comunidade8. Tratamento7 Profilaxia Primária8 Profilaxia Secundária8 Duração da profilaxia8 Referências Bibliográficas: 1) Goldman, L. & Bennett, J.C. – Cecil Tratado de Medicina Interna. 21 ed., Editora Guanabara Koogan, 2001. 2) LOPEZ, FA –Tratado de Pediatria – Sociedade Brasileira de Pediatria – 1ª ed.; Ed. Manole. 3) Febre Reumática – Cap 4 - Maria Helena B. Kiss 4) Braunwald, E; Fauci, A.S.; Kasper, D.L.; Hauser, S.L.; Longo, D.L.; Jameson, J.L. – Harrison Medicina Interna. 15 ed., McGraw Hill, 2002. 5) Fauci, Braunwald, et al., HARRISON Medicina Interna, 17a. edição, 2008, vol I e II, McGrawHill. 6) Robbins e Cotran. Patologia: bases patológicas das doenças. 7 th Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005 7) Febre Reumática - Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005. Acessado no site: http://www.socesp.org.br/revistasocesp/edicoes/volume15/pdf/n01.pdf no dia 31/01/2011 às 18:53h. 8) Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, tratamento e prevenção da febre reumática - Arq Bras Cardiol 2009; 93(3 supl.4): 1-18 . Acessado no site: http://publicacoes.cardiol.br/consenso/2009/diretriz_febrereumatica_93supl04.pdf no dia 03/02/11 às 20:12h e o pocketbook no site: http://publicacoes.cardiol.br/consenso/pocketbook/2005-2009/10-fr.pdf no dia 03/02/11 às 20:15h.