UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PROCESSO CAUTELAR
Por:
Maria Emidia Milhomem de Carvalho
Orientador
Prof. Dr. Jean Alves de Almeida Pereira
Rio de Janeiro - RJ
2007
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PROCESSO CAUTELAR
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Pos
Graduação Lato Sensu em DIREITO
PROCESSUAL CIVIL.
Por: . Maria Emidia Milhomem de Carvalho
9
“Eu digo a verdade, não tanto como devia, mas tanto quanto ouso, e vou sempre ousando
um pouquinho mais à medida que envelheço...”
Montaigne
AGRADECIMENTOS
10
As minhas irmãs Eneide e Maria, ao meu
namorado João e aos amigos.
11
DEDICATÓRIA
Em memória póstuma aos meus pais Adailton e
Raimunda.
12
RESUMO
O que se destaca como essência do processo cautelar é o seu caráter não satisfativo do
direito material. O processo cautelar objetiva evitar que o fator tempo prejudique o
processo principal, tornando-o inócuo, inútil ou ineficaz e tem como características
básicas, a sua instrumentalidade, autonomia, provisoriedade e revogabilidade. O processo
serve como instrumento da jurisdição. Porém, servindo o processo principal à tutela do
direito material, o processo cautelar servirá à tutela do processo principal, com o fito de
preservar determinada situação, garantindo o resultado útil do processo principal. A
providência cautelar é instrumental em segundo grau, constituindo-se em instrumento do
instrumento, posto que a cautelar é concedida sempre ante a hipótese de que aquele que a
pleiteia eventualmente tenha razão. É o arresto medida cautelar típica, preventiva e
provisória, que visa eliminar o perigo de dano jurídico e fático, a ensejar risco à execução
por quantia certa, apreendendo-se bens suficientes a garantir o crédito do autor.
1. INTRODUÇÃO
O trabalho em pauta, tem como alicerce analisar e comentar sobre o processo
cautelar, suas características e peculiaridades, bem como a sua devida importância no
direito brasileiro. O chamado processo cautelar, nada mais é, do que o instrumento de que
dispomos para obter proteção judicial, destinado a prevenir a realização de outros direitos
mesmo que de modo temporário. As medidas cautelares, se prestam a assegurar, a
pretensão das partes diante do perigo de demora de uma decisão de mérito. Surgiu como
meio eficaz e pronto para assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas,
coisas e provas, visto que sem o processo cautelar, a prestação jurisdicional correria o risco
de transformar-se em providência inócua.
Mesmo possuindo funções homogêneas, as medidas cautelares e antecipatórias,
são distintas, uma vez que, enquanto a primeira visa proteger o processo, a segunda tutela o
13
próprio direito. Apesar das diferenças, muitas eram as dúvidas quanto aos requisitos de
uma e de outra, uma vez que as suas interpretações se confundem, por exemplo, quanto à
exigência da prova inequívoca e da fumaça do bom direito. Diversos Magistrados negavam
a concessão da tutela antecipada, justificando a decisão, no fato de se tratar de provimento
cautelar. Agora estas decisões não mais se justificam.1
Admitida a possibilidade de solicitação da tutela cautelar na própria ação de
conhecimento, o legislador promoveu uma verdadeira revolução na concessão das
denominadas tutelas de urgência. Assim, não se justifica mais o ajuizamento de uma ação
cautelar incidental autônoma, uma vez que, a partir de agora, pode o autor cumular o
pedido principal e cautelar num único processo. Mediante essa mudança, qual o interesse
da parte a partir de agora, em ajuizar uma ação cautelar incidental autônoma, se poderá
pedir a tutela cautelar na ação principal? Não vejo nenhuma razão para tal medida, até
porque só lhe traria mais ônus, uma vez que teria de arcar com as despesas de honorários
advocatícios, custas, provas, etc.
A novidade na mencionada lei 10.444/02 confirma o que já vem sendo previsto
por todos: o fim do processo cautelar, que há muito tempo vem sendo desprestigiado.
Inúmeras decisões, tanto na Primeira Instância quanto nos Tribunais, vem concedendo a
tutela cautelar de forma satisfativa, embora, em regra, não se admita medida cautelar com
efeito satisfativo.
Visto que, a garantia constitucional de acesso à justiça deve incidir sobre a
estrutura técnica do processo de jure condendo e de jure condito, é dever do processualista
extrair das normas do sistema processual uma interpretação que permita a viabilização do
direito à tempestividade da tutela jurisdicional e do processo justo, compreendido como o
processo que atende aos valores constitucionais em uma perspectiva concreta e não
meramente formal.
O ordenamento pátrio comporta no direito processual civil três espécies de
processo: de conhecimento, de execução e cautelar. Em breve síntese, no de conhecimento,
como diz o próprio termo, conhece-se profundamente o conflito, a dilação probatória é a
mais completa possível, para ao final ser proferida a sentença, criando-se o título executivo
1
JESUS, José Alberto Araújo de. Será o fim do processo cautelar? Teresina, ano 8, n. 192, 14 jan. 2004.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4714 - acesso janeiro 2007
14
judicial. No processo de execução já existe o título executivo, judicial ou extrajudicial,
consubstanciando-se em atos expropriatórios de bens do devedor, através do Estado, já que
o direito não permite ao credor atos privativos de coerção para o cumprimento da
obrigação constante do título. O processo cautelar visa tão-só assegurar a tutela da eficácia
perquirida no processo principal, já que dele é sempre dependente, servindo ao processo de
conhecimento tanto quanto para o processo de execução, em caráter preparatório ou
incidental, desde que presentes a fumaça do bom direito e o perigo na demora, protegendo
o direito litigioso.
O fato é, que em decorrência de regras jurídicas e posicionamentos
doutrinários, o processo cautelar é autônomo, com princípios e procedimentos próprios.
Em suma, deve ser autuado em apenso quando incidental, com os mesmos requisitos da
petição inicial de processo de conhecimento. Quando preparatório deve a ação principal a
ele ser apensada. Há distribuição, pagamento de custas, condenação em honorários
advocatícios etc. O fato é que entendemos deva modificar-se a legislação a fim de que se
possa cumular processo de conhecimento com processo cautelar, nos mesmos autos, sendo
este último somente um dos pedidos daquele.
A proposta tem o cunho de dar celeridade e efetividade à prestação
jurisdicional. Passamos então a demonstrar e justificar o proposto. Quanto ao rito,
procedimento, unifica-se ao do processo de conhecimento, dando inclusive maior
elasticidade para a defesa. A instrução probatória pode ser num mesmo ato, já que, de
regra, a sentença nos dois processos quase sempre é conjunta e, na maioria das lides, o
fumus boni iuris é o próprio fundamento jurídico da ação principal, diferindo somente no
periculum in mora. De outro lado, mesmo que assim não se apresente, pode o julgador, na
assentada, colher depoimentos que englobem tanto o pedido cautelar como o principal. Em
casos excepcionais pode-se designar audiência de justificação prévia para apreciar o
pedido de liminar, seja na petição inicial ou no curso do processo, quando o pedido for
incidental.
É importante observar que praticamente o mesmo ocorre com a antecipação da
tutela. Assim, se o legislador previu, nos mesmos autos, antecipar a própria decisão de
mérito da lide, nada obsta que possa o magistrado deferir a liminar, apreciada como um
simples pedido do processo de conhecimento. Por que manter institutos processuais
arcaicos? Citamos um exemplo típico: uma pessoa alienou um veículo com vício de
15
vontade. Pelo nosso sistema, para evitar o perecimento do direito, deverá ajuizar ação
cautelar de busca e apreensão, a fim de que o veículo fique em depósito público, até o
julgamento da ação principal de nulidade de negócio jurídico.
Portanto, se procedente o pedido principal, o veículo é entregue ao autor. Se
perder a demanda, retornará o bem à outra parte, podendo pleitear perdas e danos pelo
infortúnio. Ocorre que pelo ordenamento atual, deverá o autor propor as duas ações, o que
é um contra-senso, eis que poderia a medida liminar ser apenas um ato decisório do
processo de conhecimento. E em sendo ato decisório, comportaria recurso de agravo. Para
que duas ações que, em realidade, possuem o mesmo objeto jurídico, qual seja, a
devolução do veículo?
Também não é óbice o fato de poder-se julgar procedente a ação cautelar e
improcedente a ação principal ou vice-versa, advinda da autonomia dos processos. Cite-se
por exemplo, no mandado de segurança, em que muitas vezes, após deferida a liminar,
denega-se a ordem e se a revoga, com efeitos retroativos. Se concedida a segurança, tornase a liminar definitiva. O mesmo ocorre nas ações possessórias que são processo de
conhecimento sob rito especial de jurisdição contenciosa. Na própria antecipação da tutela,
determina-se, caso ao final improcedente o pedido, retornem as coisas ao status quo ante.
De outro lado, de acordo com a presente proposta, cessa a autonomia do processo cautelar,
sendo apenas medida integrante do processo de conhecimento, tanto quanto o poder geral
de cautela já conferido pelo legislador ao juiz.
O fato de no processo cautelar não haver julgamento do mérito - salvo quando
acolher a prescrição ou decadência do direito do autor -, em nada diverge da tese esposada,
isto é, torna-se somente a liminar definitiva ou a decisão a revoga. Se deferida/indeferida
no curso do processo, sem o recurso cabível, opera-se a preclusão. Ad cautelam, pode-se
manter as garantias assecuratórias em concessão de certos pedidos de liminar que
impliquem levantamento de dinheiro, alienação do domínio etc.
Em verdade, com poucas alterações no Código de Processo Civil, pode-se
unificar os dois processos, libertando-os do excesso de formalismo, podendo ainda serem
ressalvados alguns casos no que se refere às liminares satisfativas, que podem
perfeitamente ser englobadas pela antecipação da tutela, assim como em relação ao
processo de execução, que não admite dilação probatória, estando o direito materializado
16
no título executivo, devendo ser a cautelar, repita-se, uma medida, não mais um processo,
sendo autuada em apenso, neste caso.
Finalmente, diminuir-se-ia também o acúmulo material de processos nos
tribunais, sendo mais um passo para a modernização e efetividade da Justiça. Para isso,
temos de estar com a mente e o espírito abertos às mudanças, que são imprescindíveis.
Para o cidadão interessa a prestação do direito material invocado, jamais óbices
instrumentais que só levam à extinção do processo sem a apreciação do mérito, ou ao
retardamento de seu julgamento. Busca ele a resposta a seu pedido, se tem ou não direito
ao bem material pretendido.
Segundo SILVA (1993),2 quanto maior é a duração do processo, mais ele se
presta a prejudicar o autor que tem razão e a premiar o réu que não a tem. O processo,
assim, afasta-se do devido processo legal na medida da sua duração. Recorde-se a lição de
Silva: O devido processo legal é um privilégio processual reconhecido apenas aos
demandados? Ou, ao contrário, também os autores terão direito a um processo igualmente
devido, capaz de assegurar-lhes a real e efetiva realização prática - não apenas teórica - de
suas pretensões? Um processo capenga, interminável em sua exasperante morosidade, deve
ser reconhecido como um devido processo legal, ao autor que somente depois de vários
anos logre uma sentença favorável, enquanto se assegura ao réu, sem direito nem mesmo
verossímil, que demanda em procedimento ordinário, o devido processo legal, com
plenitude de defesa?.
A demora do processo, como disse CAPPELLETTI (1988),3 no seu famoso
parecer iconoclástico sobre a reforma do processo civil italiano, conduz ao fenômeno da
fuga da justiça estatal. É imperioso que todos os operadores do direito, sem prejuízo de
obediência aos princípios norteadores da ciência, envidem esforços para a consecução e
materialização dos anseios sociais, colocando-se o processo como meio à efetivação
destes, para a busca da alcandorada efetividade do processo.
Conforme DINAMARCO (1986),
4
na lição dos mestres, é mister que o
processo tenha a sua dignidade e o seu valor dimensionados pela capacidade de propiciar a
2
SILVA, Ovídio Baptista da. A plenitude de defesa no processo civil, Saraiva, 1993, p.154
CAPPELLETTI, Mauro - Acesso à Justiça, trad. de Ellen Gracie Northfleet, safE, Porto Alegre, l988.
4
DINAMARCO, Candido Rangel - A Instrumentalidade Do Processo, Sao Paulo, Ed. Revista dos Tribunais,
1986
3
17
pacificação social, educar para o exercício e respeito aos direitos, garantir as liberdades e
servir de canal para a participação democrática.
O processo cautelar, objeto do presente estudo, a par do processo de
conhecimento, que se destina a conferir certeza jurídica às relações intersubjetivas, e do
processo de execução que visa à obtenção coativa de uma determinada prestação
descumprida pelo executado, objetiva evitar que o fator tempo prejudique o andamento do
processo principal (de conhecimento ou de execução), tornando-o inócuo e ineficaz.
2. O PROCESSO CAUTELAR
Conforme ARRUDA ALVIM (2000),5 a partir de 1868, com a edição da
famosa obra de Oskar Von Büllow, intitulada Teoria das Exceções Dilatórias e dos
Pressupostos Processuais, e com os estudos que se seguiram, concebeu-se que o processo
estava desvinculado do direito material, sendo apenas um instrumento de técnica jurídica,
cujo escopo principal é a aplicação da lei a um caso controvertido, não solucionado extraprocessualmente, e cuja solução é pretendida pelo autor.
O processo é, portanto, um instrumento do direito material. Sua finalidade é
propiciar condições para que prevaleça o direito substancial das partes, apesar da
existência do processo não estar atrelada à existência desse direito material.
O processo cautelar, por sua vez, é instrumento de outro processo (de
conhecimento ou executivo), denominado processo principal. O processo cautelar visa a
preservar a utilidade e a possibilidade da efetiva prestação da tutela jurisdicional, de modo
a evitar que os provimentos judiciais se tornem declarações sem alcance prático.
5
ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, vol. 1, 7ª ed, Ed. RT, 2000, pág. 103
18
Portanto, o processo cautelar possui uma característica notadamente
instrumental. Mas essa instrumentalidade é diferente daquela do processo de conhecimento
ou de execução, que mencionamos anteriormente, a qual se liga ao direito substancial. No
caso da ação cautelar, a instrumentalidade existe em relação a outro processo.
Utilizando-se de uma imagem matemática, CALAMANDREI (2000), distingue
com notável clareza a diferença da instrumentalidade existente nas duas espécies de
processo:
Se todos os procedimentos jurisdicionais são um
instrumento de direito substancial que, através destes, se cumpre, nos
procedimentos cautelares verifica-se uma instrumentalidade qualificada,
ou seja, elevada, por assim dizer, ao quadrado: estes são de fato,
infalivelmente, um meio predisposto para o melhor resultado do
procedimento definitivo, que por sua vez é um meio para a aplicação do
direito; são portanto, em relação à finalidade última da função
jurisdicional, instrumentos do instrumento.6
A instrumentalidade do processo cautelar, contudo, não lhe retira a autonomia
em relação ao processo principal, como pode parecer à primeira vista. A redação do art.
796 do Código de Processo Civil pode conduzir a uma interpretação equivocada sobre a
autonomia do processo cautelar, ao dispor:
O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no
curso do processo principal e deste é sempre dependente. Apesar da letra
da lei, verifica-se que a independência do processo cautelar em relação à
lide principal aparece quanto ao seu procedimento e seu objeto. De fato, o
julgamento de procedência ou improcedência do pedido formulado na
ação cautelar não pode prejudicar o julgamento da ação principal, e não
significa um prejulgamento. 7
Isto porque as medidas cautelares servem ao processo e não ao direito da
8
parte, bem como pelo fato de no processo cautelar só se discutirem providências de
6
CALAMANDREI, Piero Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares, Servanda, 2000,
pág. 42
7
TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DO PARANÁ, Ap. 910/84, 2ª Câm., j. 27.8.85, Rel. Juiz Franco
de Carvalho, v.u., citado por Arruda Alvim e Nelson Luiz Pinto, in Repertório de jurisprudência e doutrina
sobre processo cautelar, Ed. RT, 1991, pág. 124.
8
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA, Ap. 18.737, 1ª Câm., j. 29.4.92, Rel. Des. Pereira da
Silva, v.u.; Adcoas, 1993, n. 139.150 – citado por Alexandre de Paula, Código de processo civil anotado, 7ª
ed., Ed. RT, 1998, pág. 3232.
19
caráter processual, sendo defeso decidir-se qualquer questão vinculada ao mérito, objeto da
ação principal,9 salvo a decadência e a prescrição (art. 810, CPC).
Dessa forma, o preceito do art. 796 do CPC deve ser interpretado no sentido de
que não poderá haver um processo cautelar sem que haja um processo principal, o que vai
ao encontro da própria finalidade da ação cautelar. Com efeito, não há sentido a parte
ingressar com uma medida cujo escopo é assegurar o resultado prático de outra ação se
inexiste essa outra ação. A dependência, portanto, ocorre em relação à existência da
própria ação principal, pois sem ela não subsiste o provimento cautelar.10
Outro traço marcante da ação cautelar é sua provisoriedade que decorre de sua
instrumentalidade. A esse respeito, reza o art. 807 do CPC que "as medidas cautelares
conservam sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo
principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas". Percebe-se que o
legislador limitou o período de eficácia das medidas cautelares: enquanto forem úteis para
resguardar a efetividade do processo principal devem ser conservadas; caso não mais sejam
necessárias, podem ser revogadas pelo juiz, a qualquer momento.
Apesar de não haver identidade entre o objeto das ações cautelar e principal,
tem-se que deverá ser revogada a medida quando julgado improcedente o pedido do autor
na ação principal, pois não há mais o que se acautelar.
Para SILVA (2000),
11
poderá também ser revogada a medida caso sejam
alterados os pressupostos que ensejaram sua concessão. Daí decorre que as decisões
proferidas no processo cautelar não são cobertas pela coisa julgada material, salvo quando
decretada a decadência ou a prescrição.
Importante deixar claro, no entanto, que o aludido dispositivo não confere ao
juiz o poder de simplesmente mudar de opinião. Na verdade, para que possa ser revogada
ou modificada a medida é indispensável que tenha havido alteração no quadro fático
existente à época da sua concessão, ou novas provas carreadas aos autos, de forma a
9
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RMS 4.271-5-SP, 1ª T., DJ de 21.11.94, Rel. Min. Demócrito
Reinaldo, v.u. – citado por Alexandre de Paula, op. cit., pág. 3230.
10
Ressalvamos, porém, que em hipóteses excepcionalíssimas a ação cautelar pode se revestir de caráter
satisfativo, na exibição de documentos, sem que haja necessidade de propositura de ação principal.
11
SILVA, Ovídio Baptista da Curso de processo civil, 3ª ed., Ed. RT, 2000, pág. 205; Humberto Theodoro
Júnior, Processo cautelar, 13ª ed., Leud, 1992, pág. 158; TJSP
20
demonstrar a inexistência dos requisitos legais necessários à sua concessão. Fora essas
hipóteses, o juiz não poderá alterar sua decisão.12
Aspecto também interessante em relação ao art. 807 é que sua equivocada
redação dá a entender que a medida cautelar somente permanece válida enquanto estiver
em curso o processo principal. Mas essa idéia não condiz com a verdadeira face do
processo cautelar, posto que há casos em que a medida cautelar continua a produzir seus
efeitos mesmo após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo principal. De
acordo com ensinamentos de LOPES DA COSTA (1997),
13
se o processo findar por
sentença de mérito favorável - ao requerente -, a medida preventiva perdura até ser
substituída pelo ato processual que ela visa garantir.
É o caso, por exemplo, do arresto ou seqüestro concedido no curso do processo
de conhecimento que continuam em vigor até que, na fase executiva, a penhora os
substitua.
A sumariedade também deve ser destacada como uma das características da
tutela cautelar. Essa sumariedade do processo cautelar não diz respeito apenas ao rito
procedimental mais célere, mas principalmente ao grau de cognição do juiz. Isto porque,
aqui, o juiz não examina o próprio mérito da pretensão principal, mas tão-somente se há a
plausibilidade do direito alegado, ou seja, o fumus boni iuris. Com isso, no processo
cautelar a cognição judicial em relação ao direito alegado pela parte é superficial: não há
certeza quanto à existência ou não do direito, mas apenas uma possibilidade admitida pelo
juiz.
É de vital importância destacar que esse exame perfunctório realizado pelo juiz
não significa, absolutamente, que ele está dispensado de analisar atentamente as alegações
e provas produzidas nos autos. Ao contrário. Na cognição sumária o magistrado tem o
dever de verificar, com as provas colacionadas, se há ou não direito à tutela cautelar
pretendida. Ocorre que essas provas, na maioria das vezes, não são suficientes para
demonstrar a certeza quanto ao mérito da pretensão, até mesmo porque na maioria dos
casos a tutela cautelar (rectius: liminar) é concedida inaudita altera pars.
12
LUIZ PINTO, Nelson Considerações preliminares ao estudo do processo cautelar, in Repertório de
jurisprudência e doutrina sobre processo cautelar, pág. 10.
13
LOPES DA COSTA, Medidas preventivas, 3ª ed., Sugestões literárias, 1966, pág. 53. No mesmo sentido:
Sérgio Seiji Shimura, Arresto cautelar, 2ª ed., Ed. RT, 1997, pág. 329.
21
Mas pela urgência da providência o juiz tem de julgar sem instrução probatória
completa, que lhe propiciaria um juízo de certeza. Assim, nos casos de cognição sumária o
julgador deve conceder ou denegar a medida pleiteada analisando atentamente os
elementos de que dispõe, sem dilação probatória, o que acarreta ausência de elementos
para uma cognição exauriente.
Finalmente, o requisito mais típico da cautelar: a preventividade. A razão de
ser do processo cautelar é exatamente essa: resguardar, prevenir, evitar o perecimento da
futura tutela jurisdicional. Por essa razão, um dos requisitos para a concessão da medida
cautelar é a existência do periculum in mora.
Segundo ensina CALAMANDREI (pág. 37), o periculum in mora é a base das
medidas cautelares. Esse perigo na demora que dá ensejo às medidas cautelares se revela
na possibilidade de lesão grave ao direito do requerente de obter uma tutela jurisdicional
útil. Mas o que é urgente no processo cautelar não é a satisfação do direito, como ocorre na
antecipação da tutela, e sim a garantia preventiva que retire o risco da prestação
jurisdicional se tornar inútil (pág. 88). Como bem lembra Ovídio Batista,
"... em muitos casos, o perigo a que se acha exposto o pretendente à tutela
cautelar não ameaça propriamente a existência do direito, mas apenas
torna incerta ou precária sua efetiva realização prática".14
No que toca às diversas espécies de medidas cautelares que podem ser
concedidas, o Código de Processo Civil as tipifica nos artigos 813 a 889. Embora cada uma
delas tenha requisitos próprios para a concessão, em todas se pode encontrar as
características comuns descritas anteriormente.
Além das medidas nominadas, o CPC estabelece, no art. 798, o poder geral de
cautela do juiz, ao dispor: Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código
regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que
julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da
lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. A interpretação dessa
norma deve ser feita em sentido amplo, de forma a permitir que o juiz possa conceder a
medida que julgar mais adequada para a preservação do resultado útil da decisão final,
embora não prevista em lei.
14
BAPTISTA, Ovídio. Curso de processo civil, v. 3, pág. 62
22
Essa amplitude que a lei concede ao julgador decorre da impossibilidade de se
prever, abstratamente, todas as possibilidades da vida em que se faz necessária a utilização
de medidas cautelares. Com isso, o sistema não fecha as portas para a concessão de
medidas urgentes, permitindo que o juiz possa prestá-las de forma adequada ao caso
concreto.
Mas, por óbvio, o poder geral de cautela não é ilimitado. A medida a ser
concedida deve ter por escopo apenas assegurar o resultado útil do processo principal, tal
qual ocorre nas demais medidas cautelares. A esse respeito, sob a égide do CPC de 1939,
ensinava Lopes da Costa: A medida não deve transpor os limites que definem a sua
natureza provisória (pág. 21).
Igualmente precisas são as lições de OLIVEIRA JÚNIOR:
O juiz procurará aquilo que chamamos semelhança, neste
terreno; procurará adotar medidas que tenham semelhança com outras
medidas que, porventura, já tenham sido adotadas anteriormente, ou que
tenham semelhança com as nominadas. Portanto, o juiz não irá,
obviamente, adotar medidas esdrúxulas, absurdas, mas sempre medidas,
como diz a lei, adequadas à situação e que tenham semelhança com outras
mencionadas no estatuto processual ou com outras atípicas, mas que já
tenham sido utilizadas anteriormente.15
Conforme LACERDA (1994),16 o poder geral de cautela propicia ao juiz
complementar as hipóteses de cabimento das medidas cautelares previstas no ordenamento
jurídico (típicas), conforme a necessidade do caso concreto. Consideramos que não há
restrição para que, excepcionalmente, o juiz conceda medida cautelar atípica cuja
substância corresponda a de uma medida cautelar típica, se não preenchidos os requisitos
específicos da medida típica, mas presentes aqueles relacionados no art. 798 do CPC. Este
é, portanto, o panorama geral da tutela cautelar no processo civil brasileiro.
É bem verdade que a tendência do processo contemporâneo é a transformação
de medidas assecuratórias em satisfativas, quando existente forte probabilidade a favor
daquele que pede a tutela jurisdicional e perigo na demora da concessão. Assim, ao invés
de simplesmente trazer uma garantia para a efetividade da futura decisão judicial, a parte
usufrui, desde logo, os benefícios da provável decisão final.
15
OLIVEIRA JÚNIOR, Waldemar Mariz de Processo Cautelar. In O processo civil, Associação dos
Advogados de São Paulo, 1974, pág. 56
16
LACERDA, Galeno Comentários ao código de processo civil, vol. VIII, tomo I, 6ª ed., Forense, 1994, pág.
89
23
Apesar dessa atual disposição às tutelas satisfativas antecipatórias, não se pode
negar a relevância das medidas cautelares no direito processual, principalmente em
processos no qual se busca a efetividade e não cognição judicial. Consideramos, por isso,
que a medida cautelar é mecanismo essencial para a preservação da efetividade das
decisões judiciais, especialmente pela extrema lentidão que assola o Judiciário do Brasil e
de muitos outros países.
O processo cautelar é o meio ou a operação pela qual é pedida a prestação
jurisdicional do Estado, a fim de prevenir situações que podem causar danos à parte já em
litígio ou pretendam ingressar em juízo em defesa de seus direitos. Desse modo, o processo
cautelar pode ser instaurado como incidente ou preparatório.
Incidente, quando já em curso o processo principal, preparatório, quando a
pessoa necessitar ingressar em juízo para ajuizar o processo principal, mas, para isso, tiver
de prevenir situações que resguardem o objeto da ação ou reunir provas que possam
desaparecer ou tornar-se inoperantes, se não produzidas prontamente.
São as seguintes as medidas cautelares que constituem o processo cautelar:
arresto, seqüestro, caução, busca e apreensão, exibição de documentos, produção
antecipada de provas, alimentos provisionais, arrolamento de bens, justificação, protesto,
notificações e interpelações, homologação de penhor legal, posse em nome de nascituro,
atentado e protesto e apreensão de títulos.
Essas são as medidas cautelares cujos procedimentos específicos são previstos
no Código. O juiz face a necessidade momentânea em casos concretos pode adotar outras
medidas preventivas não previstas no Código, desde que haja fundado receio de que uma
parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grade e de difícil
reparação. Além de outras que se tornarem necessárias a critério do juiz, o Código, no art.
888, indica outras formas.
2.1 ARRESTO
O arresto é a apreensão e depósito judiciais de bens pertencentes ao devedor,
visando a garantir a obrigação por ele assumida e terá cabimento nos seguintes casos;
24
•
Quando o devedor sem domicílio certo intentar ausentar-se ou alienar bens que
possua, ou deixar de pagar certa obrigação no prazo estipulado.
•
Quando o devedor que tem domicilio certo: ausentar-se ou tentar furtivamente
ausentar-se; caindo em insolvência, alienar ou tentar alienar bens que possua;
contrair ou tentar contrair dívidas extraordinárias, puser ou tentar por seus bens em
nome de terceiros, ou tentar outro meio fraudulento, a fim de frustrar a execução ou
lesar credores.
•
Quando o devedor, que possuir bens de raiz, intenta-los aliena-los, hipoteca-los ou
dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembaraçados,
equivalentes a divida.
•
Nos demais casos expressos em lei.
O arresto tanto pode ser requerido como medida incidente, como preparatória,
e julgada procedente a ação principal em que a medida foi requerida, será ela transformada
em penhora. Requisito essencial para que a medida seja requerida é que haja prova literal
da divida. Havendo essa prova, o arresto pode ser requerido sobre quais quer bens do
devedor. Difere aí o seqüestro, que só pode recair na coisa litigiosa.
Os casos ensejados do arresto devem ser provados documentalmente, ou por
justificação prévia realizada em segredo e de plano pelo juiz, se não houver prova
documental. A medida será concedida, independentemente de justificação, quando o
requerida pela União, Estado ou Municípios, nos casos previstos em lei, e também quando
o credor prestar caução, no caso de alegar a necessidade da decretação da medida sem
previa do requerido.
2.2 MEDIDAS CAUTELARES
2.2.1 Relação entre o processo cautelar e o principal
O processo cautelar é sempre dependente de outro, chamado principal. Pode
ser preparatório ou incidente, conforme seja instaurado antes, ou no curso, do processo
principal (Cód. Proc. Civ., art. 796).
25
O processo cautelar preparatório é dependente de um processo principal que
ainda não existe e que, talvez, não sobrevenha nunca. Ora, dependência é uma relação
entre dois termos e, portanto, não pode existir havendo um só. Dir-se-á que a relação de
dependência se estabelece apenas no plano lógico, entre um processo cautelar preparatório
já existente e um outro processo que - segundo se espera - virá a existir. Ocorre, porém,
que o futuro depende do passado, mas o passado não depende do futuro.
3. O ARRESTO CAUTELAR
Através da atividade jurisdicional, o Estado assume, de modo exclusivo, a
função de aplicar a vontade da regra jurídica, prevista abstratamente no ordenamento, num
determinado caso concreto. Para que essa jurisdição se efetive, é necessário a existência de
um meio instrumental de aplicação do direito contido na vontade da regra jurídica. O
instrumento de que a jurisdição se vale chama-se processo.
A noção de processo é essencialmente teleológica, pois se caracteriza pela sua
finalidade de exercício do poder jurisdicional. Esse processo se constitui numa série de
atos, encadeados e coordenados, tendentes a uma decisão. A forma com que o processo se
exterioriza é o procedimento, que pode variar de acordo com o caso concreto, dependendo
da pretensão do autor, defesa do réu, tipo de prova, espécie de decisão, etc.
Essa pretensão da parte, se manifesta através do seu direito de ação, que é o
direito abstrato de provocar o julgamento do pedido pelo órgão jurisdicional estatal.
3.1 CONCEITOS
Conceitua-se o arresto como sendo a medida cautelar de garantia da futura
execução por quantia certa, através da qual apreende-se judicialmente bens indeterminados
do devedor. O arresto é medida cautelar típica, preventiva e provisória, que busca eliminar
o perigo de dano jurídico capaz de por em risco a execução por quantia certa, mediante a
26
constrição de bens suficientes do devedor sobre os quais incidirá a penhora (ou
arrecadação, se tratar-se de insolvência), apreendendo-se e depositando-se. 17
Para MIRANDA (1999),18 o arresto é processo de inibição (constrição) de bens
suficientes para segurança da dívida até que se decida a causa.
ROSEMBERG (1955),19 conceitua o arresto como um meio de assegurar uma
futura execução em dinheiro, acompanhado por Manuel Ortells Ramos que, em sua
conceituação, também faz alusão à obrigação pecuniária como pressuposto indispensável.20
3.2 PANORAMA HISTÓRICO
Ainda que sem as características de hoje, é certo que os romanos já conheciam
medidas assecuratórias capazes de contornar situações de perigo de dano. Embora não
tenham elaborado uma teoria do processo cautelar, os romanos conheciam várias medidas
acauteladoras de direito, aplicadas pelo pretor no exercício de suas funções típicas. Assim,
o sistema romano conferia ao pretor verdadeiro poder geral de cautela, onde o imperium do
pretor romano era a mais completa medida acautelatória do direito comparado, fonte do
atual contempt of court do direito inglês.
Na Lei das XII Tábuas, havia o nexum, meio de garantia da própria pessoa
diante do empréstimo de dinheiro. Se não pagasse, o devedor ficava, por ordem do
magistrado, à mercê do credor, que não se livrava do nexum enquanto não paga a quantia
devida. O devedor não se transformava em escravo do credor, porém, era-lhe exigida outra
garantia. Além disso, havia a pignoris capio, consistente na apreensão dos bens do
devedor, sem necessidade de ordem judicial, tendo o inconveniente de levar a pessoa à
miséria.
Posteriormente foi introduzida a missio in possessionem, pela qual o pretor
ordenava a entrega da coisa, objeto do litígio, a um dos litigantes ou a um curador. Tal
imissão não conferia uma posse jurídica, mas apenas uma custódia dos bens. Tal medida
consistia numa preparação para a execução por meio da venda dos bens, que se fazia pela
bonorum venditio.
17
SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto Cautelar. São Paulo: Ed. RT, 1993, p. 48
MIRANDA, Pontes de. História e Prática do Arresto ou Embargo. 1.ª ed., Campinas: Ed. Bookseller, 1999
19
ROSEMBERG, Leo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Trad. Espanhola, t. III, Buenos Aires, 1955
20
RAMOS, Manuel Ortells. El Embargo Preventivo. Libreria Bosch, Barcelona, 1984, p. 78
18
27
A missio in possessionem consistia em medida preventiva pela qual o pretor
ordenava a entrega da coisa litigiosa a um dos litigantes ou a terceiro, concedida se o
credor a requeresse com a alegação de situações que lhe atribuíam tal direito, tais como o
julgado, a confessio, a latitatio, a ausência e, em geral, a indefensio. E assim se justificava,
porque no sistema processual romano era indispensável a presença de ambas as partes para
a formação da relação jurídica processual, e a ocultação obstava a realização dos escopos
do processo.
Em remate, pode se afirmar que o direito romano não previu a figura do arresto
como hoje ela se estrutura. Tinha sim, medidas acautelatórias com alguns traços
semelhantes, como visto, mas que não influenciaram a estruturação processual atual do
arresto. Entretanto, é preciso se entender que também os romanos tiveram as medidas
acautelatórias que julgavam aptas, considerando a sua situação sócio-político-jurídica,
mesmo que sem as características específicas do arresto.
O império romano veio abaixo com a invasão bárbara, em conseqüência, dois
sistemas se confrontaram:
•
O romano que exigia uma ampla cognição para a execução;
•
O germânico que se iniciava pela execução contra o devedor que devia pagar ou
jurar, para depois defender-se.
Dos romanos surgiu o Direito Longobardo, prevendo a Penhora Arbitrária, que
consistia:
•
em princípio em mero ato extrajudicial de legítima defesa;
•
o juiz autorizava o credor a usar medidas coercitivas contra o devedor, por si
mesmo ou com o auxílio da autoridade pública;
•
após tal fase de evolução na Itália medieval, iniciou-se vida autônoma do processo
de arresto.
Dos alemães surgiu o Direito Carolíngio, que consistia:
•
estendeu-se o arresto, também, sobre os imóveis;
28
•
a propriedade era arrestada e o que sobrava iria para o fisco se o devedor não
cumprisse com as obrigações no prazo de um ano;
•
havia também o arresto do inimigo;
•
arresto de represália, no qual se a comunidade do devedor negasse a obrigação,
podia apreender qualquer dos seus membros;
•
arresto de sucessão, em que após a morte do devedor, era possível o arresto do
cadáver, que mais tarde, por influência da igreja, passou a ser sobre a herança.
As Ordenações Lusitanas deixava entrever a figura do arresto:
•
ao referir-se ao devedor como pessoa suspeita, por não possuir bens equivalentes à
dívida postulada;
•
ordenava ao devedor a dar garantia da dívida, sob pena de ser preso para evitar sua
ausência ou fuga.
No Brasil, o termo arresto surgiu com o Regulamento 737/1850 que assim
definia os seus pressupostos.
Art. 322 - Para a concessão do embargo é necessário:
§ 1º - Prova literal da dívida;
§ 2º - Prova literal ou justificação de algum dos casos de embargo referidos no artigo
antecedente.
Os Códigos Estaduais passaram a exigir os requisitos da certeza e liquidez da
dívida. O Código de 1939, primeiro Código republicano federal, unificou o regime
processual e tinha como principais características:
•
continuou a exigir a certeza e liquidez do crédito;
•
deixou de enumerar taxativamente as causae arresti;
29
•
previu como regra geral a provável ocorrência de fatos capazes de causar lesões de
difícil ou incerta reparação;
•
com isso aboliu o casuísmo que as legislações estaduais e imperial previam.
Segundo SEIJI SHIMURA (p. 58), o atual Código de 1973 restabeleceu o rol
das causas, fechando de certo modo a maleabilidade que o legislador de 1939 previu para
as situações emergenciais que reclamavam a tutela preventiva, no que foi considerado
retrógrado. Os princípios regentes do arresto entram em conflito com as normas que
informam a tutela cautelar genérica e com os fundamentos do poder geral de cautela.
No direito comparado, o arresto corresponde atualmente ao seqüestro
conservativo do direito italiano, à penhora de segurança (saisie conservatoire) do direito
francês, ao dinglische arrest do direito alemão, ao embargo preventivo do direito espanhol
e em Portugal, como cá, recebe a mesma denominação de arresto.
3.3 BENS ARRESTÁVEIS
Para LOPES DA COSTA,21 objeto do arresto são os bens do devedor, móveis
ou imóveis, desde que satisfeito o requisito da penhorabilidade, porquanto seu fim é
converter-se, posteriormente, em penhora.
O critério é de total paridade entre o arresto e a penhora, isto é, são arrestáveis
todos os bens penhoráveis, pois o arresto não tem outra finalidade senão a de tornar viável
uma futura penhora.22
São penhoráveis e, portanto, arrestáveis, os bens economicamente apreciáveis e
excluídos pelo art. 649, CPC, sejam corpóreos (móveis e imóveis) ou incorpóreos
(créditos, direitos e ações)
No que tange ao limite da arrestabilidade, arrestam-se tantos bens quantos
bastem ao pagamento do principal, juros, honorários advocatícios.
Como as regras
pertinentes à penhora são aplicáveis ao arresto (art. 821), pode haver excesso de arresto,
21
22
THEODORO JúNIOR (Apud), Humberto. Processo Cautelar. 17.ª ed., São Paulo: Leud, 1998, p. 205.
CONIGLIO, Antonino. Il Sequestro giudiziario e Conservativo, 3ª ed., p. 110
30
como ocorre no excesso de penhora ou de execução. Somente é possível o arresto em bens
suscetíveis de penhora, vez que nesta é convolada.23
3.4 PODER CAUTELAR GERAL
O Código de Processo Civil divide os procedimentos cautelares em específicos
e inespecíficos. São procedimentos cautelares específicos: o arresto, o seqüestro, a caução,
a busca e apreensão, a exibição, a produção antecipada de provas, os alimentos
provisionais, o arrolamento de bens, a justificação, os protestos, notificações e
interpelações, a homologação de penhor legal, a posse em nome do nascituro, o atentado,
bem como o protesto e a apreensão de títulos.
A esses procedimentos cautelares específicos aplicam-se as disposições gerais
(art. 812). São também procedimentos cautelares específicos as outras medidas
provisionais (art. 888), às quais não se aplicam as disposições gerais (argumento do art.
889), salvo se couber.
Além dos procedimentos cautelares específicos, o juiz pode determinar as
medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma
parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil
reparação (art. 798), caso em que pode autorizar ou vedar a prática de determinados atos,
ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução (art.
799).
Assim, se empresa de energia elétrica faz passar perto de uma janela de
sobrado, ao alcance da mão ou de instrumento pouco longo, um condutor de alta tensão, o
juiz pode vedar a ligação da corrente, enquanto a causa não se decide.24
Pode o juiz proibir a realização de espetáculo ou representação.
A vedação à prática de determinados atos é medida de
alcance incalculável, que pode tolher todos os atos contra direito e que,
bem aplicada, virá resolver o problema cautelar para as mutações das
situações jurídicas, dentro dos limites impostos pela nossa legislação. 25
23
SATTA, Salvattore. Comentários ao CPC, Borsoi, 1973, p. 182
LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo, Medidas Preventivas, 2a ed., Belo Horizonte, Bernardo Álvares,
1958, pág. 23
25
VILLLAR, Willard de Castro, Medidas Cautelares, São Paulo, Ed. Rev. dos Tribs., 1971, pág. 78
24
31
Alcance não menor tem a autorização. O juiz pode determinar o seqüestro,
nomear depositário o autor e autorizá-lo a usar o bem seqüestrado. Pode o juiz, enquanto
não se decide sobre os frutos pendentes, autorizar que o adquirente da fazenda os colha, se
lhe foi entregue, ou que os colha o alienante, se
recusou a entregá-los, ou, em
circunstâncias especialíssimas, que, ali, os colha o alienante, ou, aqui, o adquirente.26
Pode o juiz nomear administrador provisório para pessoa jurídica acéfala e, em
casos de extrema gravidade, pode mesmo suspender administrador do exercício de suas
funções, porque não é taxativa a enumeração dos arts. 798 e 799, tanto que, no art. 1.197, é
prevista outra medida cautelar, não contida nessa enumeração: a nomeação de tutor ou
curador interino substituto.
A Lei não tolera as gargalhadas do vencido, competindo ao juiz prevenir e
reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça (art. 125, III). Se uma das partes
pratica ou tenta praticar atos capazes de tornar inútil e risível a vitória da outra, impõe-se a
concessão da medida cautelar adequada.
Como pode o juiz cruzar as mãos nas hipóteses que a Lei não previu
expressamente, se tem o dever legal de até mesmo suprir as lacunas da Lei?
Sem dúvida, há de ser prudente o juiz, rigoroso na apreciação da probabilidade
da existência do direito ameaçado e do perigo da ineficácia prática da sentença definitiva;
há de sopesar os danos que a concessão da medida poderá causar com os danos que
poderão resultar de sua denegação; poderá exigir caução; mas não deve rejeitar o pedido
sob o fundamento de que o legislador não previu a medida solicitada: adequar a Lei ao
caso concreto é função do juiz também quando se trata de pretensão à segurança.
3.5 MEDIDAS CAUTELARES
3.5.1
Classificação
Se é que a doutrina processual civil já conseguiu caracterizar perfeitamente as
medidas cautelares, distinguindo-as das demais, os resultados porventura alcançados não se
refletiram no Código de Processo Civil, porque a enumeração legal das medidas cautelares
26
PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, 2a ed., Rio, Forense, 1959, t. 8o, pág.
390
32
não obedece a um critério científico. Para tanto, seria necessário que o Livro Terceiro do
Código enfeixasse todas as medidas cautelares e, principalmente, só medidas cautelares, o
que de forma alguma acontece.
Sob o nome de medidas cautelares, o legislador enfeixa coisas tão díspares
como o seqüestro e a produção antecipada de provas. E é patente que a liminar nas ações
possessórias (art. 928, que ele não inclui entre as medidas cautelares, aproxima-se muito
mais do seqüestro do que a produção antecipada de provas. Há mais elementos comuns
entre a liminar em ação de nunciação de obra nova (art. 937) e os alimentos provisionais,
do que entre estes e a justificação.
Dentre as medidas cautelares, as mais caracteristicamente cautelares cabem
dentro do conceito de litisregulação. Algumas nem sequer são cautelares. São medidas que
a Lei considera cautelares, para a aplicação, no que couber, das normas que regem as
medidas cautelares. Outras são atinentes à prova, ou constituem forma de prova. Daí a
seguinte classificação:
a) medidas cautelares litisreguladoras;
b) medidas submetidas ao regime das cautelares;
c) medidas cautelares probatórias.
3.5.2 Litisreguladoras
Muitas meditações tendentes a isolar o vírus das medidas cautelares me
levaram a concluir:
•
que o conceito de cautela é demasiadamente amplo e genérico, para que seja útil o
tratamento comum de todas as medidas tendentes a acautelar direitos;
•
que o lugar próprio das medidas cautelares probatórias é o da prova, e não o das
medidas cautelares; e
•
que, nas medidas usualmente consideradas como tipicamente cautelares, o que mais
importa não é a cautela, mas a litisregulação.
33
CARNELUTTI (1944),27 viu, nas medidas cautelares, uma regulação
provisória da lide. Posteriormente, abandonou essa idéia, por não explicar como e porque a
composição provisória da lide poderia ser útil à sua composição definitiva.28
O que Carnelutti não viu é que há sempre regulação provisória da lide, ainda
que ninguém pretenda cautela. A idéia de litisregulação aponta para essa realidade de duas
faces: quando, para determinado caso, a Lei prevê o seqüestro, há regulação provisória da
lide; mas também há regulação provisória da lide, se a Lei nega o seqüestro. A
litisregulação não existe por ser útil. Existe, porque não poderia deixar de existir: na ação
de alimentos, existe litisregulação, quer sejam, quer não sejam, devidos os alimentos
provisionais. Para que não houvesse litisregulação, seria necessário que esses alimentos
fossem, ao mesmo tempo, devidos e não devidos.
Ao juiz incumbe aplicar a norma jurídica de direito material que incidiu, pois o
processo não é senão um instrumento de realização do direito material. Com a aplicação do
direito material, extingue-se o processo; a viagem acaba, quando se chega ao destino. A
incidência foi no passado. A aplicação será no futuro. No presente, o que se tem é o
processo, a carregar em seu bojo a lide.
Dos dois sujeitos, um que exige e outro que resiste, apenas um tem razão,
porque o direito material não admite atos contraditórios, pois quer a paz e não a guerra. O
juiz, todavia, que deve julgar a lide segundo o direito material, ignora quem tem razão. Se
soubesse, poderia ser testemunha, mas não juiz. Representa-se a Justiça com uma venda
nos olhos, porque só aquele que não viu é que pode julgar.
A mesma ordem jurídica, que veda a defesa privada e entrega ao juiz o poder
de julgar as lides, também estabelece a proibição de inovar e outorga ao juiz o poder de
regular as lides pendentes.
A proibição de inovar está contida, em última análise, na vedação da defesa
privada. Da mesma forma, o poder de dizer como deve ficar a lide, enquanto o julgamento
não sobrevém, está contido, de certa forma, no poder de julgar a lide.
27
28
CARNELUTTI, Francisco, Sistema de derecho procesal civil, Buenos Aires, Uteha, 1944, págs. 243-52
CARNELUTTI, Francesco, Diritto e processo, Napoli, Morano, 1958, pág. 356
34
Assim, não se poderia, de forma alguma, negar o caráter jurisdicional aos atos
pelos quais o juiz regula a lide enquanto lide. A diferença, porém, é que ao regular a lide
pendente, o juiz não aplica o direito material, já que ignora a sua incidência. Esse direito,
que o juiz aplica para servir ao processo, enquanto pende o processo, não poderia senão ser
processual.
Há todo um conjunto de normas processuais que regulam, enquanto sub judice,
as mesmas relações já reguladas pelo direito material. A esse conjunto de normas é que
denomino de litisregulação.
A norma litisreguladora se superpõe à norma de direito material que acaso
incida sobre a mesma relação, suspendendo-lhe temporariamente a eficácia. Como norma
jurídica que é, supõe a existência de uma relação interpessoal que, por sofrer a incidência
de norma jurídica, constitui uma relação jurídica em sentido amplo. Também implica na
existência de relação jurídica num sentido mais restrito, isto é, na existência de uma
relação interpessoal, qualificada pelo fato de o Direito atribuir a uma delas (sujeito ativo)
algum poder jurídico a que corresponde a sujeição jurídica da outra (sujeito passivo).
A norma litisreguladora geral é a que estabelece a proibição de inovar.
Atentado é o ato ilícito que contravém à proibição. Constitui atentado o ato praticado por
uma das partes, na pendência da lide, que importe em violação da proibição de inovar. A
ação de atentado visa a reposição no estado anterior (Cód. Proc. Civ., art. 881).
A proibição de inovar decorre da litigiosidade da coisa, estabelecida pela
citação válida (art. 219). Por coisa litigiosa não se entenda apenas bem material; é qualquer
objeto de direito sobre o qual se litigue.
Não há atentado antes da citação, porque, sem ela, não há
pendência da lide. Pode haver atentado depois da conclusão do feito,
desde que antes do trânsito em julgado da sentença; se foi ordenado,
noutro processo de medida preventiva, o seqüestro da coisa, ou o arresto,
ou outra medida, esse processo basta para que se componha a figura da
coisa litigiosa; o dever de não inovar é processual.29
A proibição de inovar impede até mesmo a realização de obras de conservação
na coisa litigiosa ou judicialmente apreendida (art. 888, 1). Entretanto, o juiz tem o poder
29
PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, 2a ed., Rio, Forense, 1959, t. 8o, pág.
377; t. 9., págs. 105 e 107
35
de autorizá-las, ou mesmo de determinar a sua realização, porque lhe incumbe regular a
lide, a fim de que a demora do processo não agrave os danos.
Se a lide decorre do fato de que uma das partes pretende impedir que a outra
faça alguma coisa, somente a sentença pode tornar efetiva a proibição. Aquele que resiste
conserva a sua liberdade, no curso do processo. Pode praticar os atos que o pretensor quer
impedir, porque o estado de fato que o processo encontrou foi o da liberdade.
Todavia, tal não acontece na nunciação de obra nova, ação que é especial
exatamente em virtude da necessidade que o legislador sentiu de regular diferentemente a
lide, admitindo que o juiz conceda o embargo liminarmente, ou após justificação prévia
(art. 937). A infração ao mandado judicial importa, então, em atentado (art. 879).
O réu também conserva a sua liberdade, no curso do processo, se a lide decorre
do fato de pretender o autor que ele faça alguma coisa. Entretanto, pode o juiz determinar a
imediata interdição, ou mesmo a demolição de prédio, para resguardar a saúde, a
segurança, ou outro interesse público (art. 888, VIII). A interdição é provisória, porque
eficaz apenas enquanto pender o processo para decidir se o réu tem ou não a obrigação de
demolir. A demolição é medida definitiva. Em um e outro caso, porém, o juiz, fundado em
norma processual, ordena que o réu pratique ato, ainda que possa ocorrer que o direito
material lhe assegure o direito de não fazer.
A maioria das pretensões visam à prestação de quantia em dinheiro, líquida ou
ilíquida; de coisa certa ou em espécie, móvel ou imóvel; ou mesmo de pessoa, como, por
exemplo, a pretensão dos pais que reclamam o filho de quem ilegalmente o detenha (Cód.
Civ., art. 384).
Também há pretensões que visam à prestação de declaração de vontade e, até
mesmo, a decretação de inconstitucionalidade em tese de lei ou ato normativo federal ou
estadual (Emenda Constitucional n. 1, art. 119, I, 1).
A litisregulação responde principalmente às seguintes indagações:
•
Enquanto se ignora se o réu deve o dinheiro, a coisa ou a pessoa exigida pelo autor,
deve o objeto da prestação permanecer com o réu, ser entregue ao demandante ou
ficar em poder do Estado?
36
•
Enquanto se ignora se foram ou não satisfeitos os pressupostos de criação,
modificação ou extinção de relação jurídica (ou de eficácia de norma jurídica)
como deve ela ser havida?
•
Pode omitir-se o réu, enquanto se ignora se ele deve o ato exigido pelo
demandante? Pode o réu praticar o ato cuja abstenção é exigida pelo autor,
enquanto se ignora quem tem razão?
A regra geral, ainda que não expressa em texto de lei, é que o mundo fático
somente deve sofrer alteração, em decorrência de processo, após o trânsito em julgado da
sentença nele proferida. Sua aplicação não apresenta dificuldades, porque independe de
qualquer ato, resultando simplesmente da inércia.
As demais hipóteses são excepcionais. Por isso mesmo, exigem norma
expressa (ainda que geral). Também exigem ato: ou do próprio demandante (justiça de mão
própria); ou do detentor ou possuidor do objeto da prestação, que o pratique atendendo a
um ônus processual, ou a dever imposto por sentença; ou do juiz (sentença executiva lato
sensu).
Litisregulação por ato do demandante ocorre, por exemplo, quando o credor, ao
qual a Lei defere pretensão à constituição de penhor (Cód. Civ., art. 776), havendo perigo
na demora, faz efetivo o penhor, antes de recorrer à autoridade judiciária (Cód. Civ., art.
779). A constituição do penhor depende de ato judicial (sentença constitutiva, com eficácia
ex tunc) e, embora se ignore se procede ou não a pretensão, permite a Lei que o credor se
aposse da coisa. O Código de Processo Civil concebe a homologação de penhor legal como
medida cautelar (Cód. Proc. Civ., art. 874), provavelmente preparatória, donde a
conseqüência: desconstitui-se o penhor, não sendo proposta a ação principal no prazo de
trinta dias (art. 808, I).
Às vezes, o próprio demandado entrega o objeto da prestação ao Estado, ou
mesmo ao demandante, atendendo a dever, ou a ônus, decorrente de norma processual
litisreguladora.
É o que ocorre, por exemplo, quando o réu paga alimentos provisionais. A ação
de alimentos provisionais (arts. 852/854) tem nítido caráter litisregulador, porque visa
37
obter uma condenação eficaz apenas durante o período em que se ignora o quantum dos
alimentos devidos ou mesmo a existência da obrigação de prestá-los.
É o que também ocorre quando o réu deposita o título ou seu valor, na ação de
apreensão de título. Em princípio, essa ação é executiva e não-cautelar. Há pretensão à
restituição de titulo, satisfeita pelo juiz mediante sua busca, apreensão e entrega ao
possuidor esbulhado. A prisão é meio coercitivo que atende à necessidade de cooperação
do réu. Sua inclusão entre as ações cautelares atende a uma alternativa que configura nítida
hipótese de litisregulação: o réu pode obstar à prisão exibindo o título para ser levado a
depósito (art. 886, I), bem como com o depósito de seu valor e das despesas feitas. Tal
depósito somente cessa quando transita em julgado a sentença na ação declaratória ou de
cobrança do título (art. 887).
O exame da ação de caução mostra o quanto é insatisfatória
a idéia de cautela para explicar as medidas cautelares. Efetivamente, certa
preventividade, implícita no étimo caução, é ineliminável do conceito.
Em toda caução, ainda convencional, ela aparece. Não obstante, existe a
ação de caução não cautelar. 30
Elimina-se essa contradição, que consiste em afirmar que há medidas que
acautelam sem serem cautelares, com a observação de que toda caução é cautelar, mas nem
toda caução é litisreguladora.
A observação é necessária, porque o procedimento da ação de caução é o
mesmo, num e noutro caso, mas os efeitos jurídicos não são idênticos. Suponha-se que um
contrato contenha cláusula de prestação de caução. Aquele que é obrigado a dar caução
pode requerer a citação da pessoa a favor de quem tiver de ser prestada (art. 829), a fim de
que aceite a caução (art. 831), ou conteste o pedido. Constituída a caução, sua eficácia não
cessa por não se propor a ação principal, no prazo de trinta dias (art. 808, 1), pela simples
razão de que não há ação principal a ser proposta. A situação é bastante diferente, por
exemplo, da caução prestada para obstar à execução de arresto (art. 819, II).
Quando alguém presta caução para garantir a exeqüibilidade de eventual
condenação, há litisregulação por ato do demandado, que é autor, na ação de caução (art.
829).
30
PONTEs DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, 2a ed., Rio, Forense, 1959, t. 8o, págs.
455 e 459.
38
Também há litisregulação, mas por ato do demandante, no depósito
preparatório de ação, que é regido pelo art. 829 do Código de Processo Civil, pois é
modalidade de caução.
A ação para exigir caução (art. 830) é ação cominatória, eventualmente
cautelar, como na hipótese de se exigir a prestação de caução, sob pena de seqüestro. Mais
comumente, porém, tratar-se-á de medida meramente submetida ao regime das cautelares,
cujas regras se lhe aplicarão apenas no que couber, por se tratar de ação autônoma.
Também pode ocorrer que, em obediência à norma litisreguladora, o juiz se
aposse do objeto da prestação, através de ato do oficial de justiça, seja para entregá-lo a
depositário (posse indireta do Estado), seja para entregá-lo ao demandante.
O apossamento, pelo juiz, nem sempre importa em se tirar fisicamente a coisa
das mãos do demandado, que pode permanecer como possuidor direto, a título de depósito.
O que sempre ocorre é que se restringe a posse do demandado. Sempre que há restrição à
posse, eficaz enquanto existe litispendência, há litisregulação.
O ato pelo qual o juiz restringe a posse do demandado para, posteriormente, no
mesmo processo, satisfazer a pretensão do demandante, em lugar do demandado, é dito
executivo. É cautelar quando constitui objeto específico de processo cautelar, sem que se
possa negar a natureza executiva do ato. (Pontes de Miranda considera-o mandamental,
porque restringe o conceito de execução. O ato de restrição da posse é executivo apenas
quando tem por fito a satisfação, e não mero acautelamento.)
Quando é dinheiro o objeto da prestação do demandado, o ato pelo qual o juiz
lhe restringe a posse de tantos bens quantos necessários para o pagamento chama-se
penhora, se executivo (art. 659) e arresto, se cautelar (art. 813).
Quando é coisa certa o objeto da prestação, a imissão na posse, tratando-se de
coisa imóvel, e a busca e apreensão, tratando-se de coisa móvel, são atos executivos (art.
625). A medida cautelar correspondente é o seqüestro. A medida cautelar denominada
busca e apreensão (art. 839) é modalidade de seqüestro.
Modalidade de seqüestro é também, agora, o arrolamento cautelar de bens (art.
855), pois que se nomeia depositário (art. 858). É seqüestro de uma universalidade de bens.
39
O processo civil tem se preocupado predominantemente com os bens,
esquecido de que as pessoas são mais importantes do que as coisas. Daí a marcada
insuficiência, no Código de Processo Civil, das normas atinentes às relações regidas pelo
Direito de Família. Há uma secção para o seqüestro; a posse provisória dos filhos mereceu
apenas um inciso de um artigo. Há uma secção para o arresto; o direito de visita está
regulado na parte final de um inciso. Trata-se a busca e apreensão de pessoa da mesma
forma que a busca e apreensão de coisa. Os alimentos provisionais, sim, estão regulados
em secção própria, porque, enfim, é de dinheiro que aí se trata. Reflete-se, assim, no
Código de Processo Civil, a escala de valores de nossa civilização.
A litisregulação de pessoas, que se contrapõe à litisregulação de bens,
compreende: o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal (art. 888,
VI), os provimentos judiciais referentes à posse provisória dos filhos (art. 888, III), à sua
guarda e educação, e ao exercício do direito de visita (art. 888, VII); o depósito de
incapazes (art. 888, V) e a busca e apreensão de pessoas (art. 839).
O casamento obriga ao debitum conjugale, à comunidade de residência, à
assistência de um cônjuge ao outro e, à guarda e educação dos filhos. Se uma das partes vai
propor, ou já propôs, ação de desquite, de nulidade ou anulação de casamento, ou
declaratória de sua inexistência, surge o problema de se determinar em que pé ficam essas
relações, enquanto o juiz não julga (litisregulação). Pode, então, o juiz impor a um dos
cônjuges o afastamento temporário da morada do casal (art. 888, VI), dispor sobre a posse
provisória dos filhos (art. 888, III), ou sobre sua guarda e educação, bem como regular o
exercício do direito de visita (art. 888, VII). A respeito da assistência interconjugal durante
a separação dispõe a sentença que fixa os alimentos provisionais.
Se o juiz defere provisoriamente a guarda de incapaz a quem não é nem pai,
nem mãe, nem tutor ou curador, compõe-se a figura do depósito de incapaz (art. 888, V). A
ação principal é, geralmente, a de destituição do pátrio poder ou a de remoção de tutor ou
curador.
A busca e apreensão de incapaz pode constituir ato de execução de decisão
cautelar ou definitiva. Assim, por exemplo, se o juiz defere a um dos cônjuges a posse
provisória dos filhos ou decide entregá-los a terceiro, em caráter definitivo, executa-se a
40
decisão mediante mandado de busca e apreensão, que constitui, então, ato de execução,
lato sensu, inconfundível com a medida cautelar de busca e apreensão.
Pode também ocorrer que se proponha ação para obter em definitivo a posse de
incapaz (ação de busca e apreensão) sem caráter cautelar. Tem-se, então, o que Pontes de
Miranda chama de ação de vindicação, que não se identifica com a de reivindicação,
porque incapazes são pessoas e não coisas. Ação de vindicação, sem ser ação de
reivindicação, para a qual é legitimado ativamente só quem alega e prova ser o titular do
pátrio poder, ou o tutor, ou o curador, ou quem tem a guarda de incapaz. 31
Trata-se, aí, de medida meramente submetida ao regime das cautelares.
Suponha-se, por exemplo, que alguém, à força, ou furtivamente, subtraia dos pais ou do
tutor o filho ou tutelado. Seria demasia exigir a propositura de duas ações: a cautelar, para
reavê-lo incontinenti, e a principal, para que o juiz decidisse definitivamente sobre a
guarda do incapaz. Tal não é necessário, porque nas medidas submetidas ao regime das
cautelares há o aproveita-mento do rito sumário das medidas cautelares para a obtenção de
fins não cautelares, o que exclui a incidência das normas que supõem litisregulação.
Havendo lide de não casados pela posse dos filhos comuns, bem como de
casados e separados de fato que não queiram desconstituir a sociedade conjugal, o
interessado em obter a posse do incapaz tem de propor ação ordinária, para que o juiz
disponha definitivamente a respeito. Mas, para obter imediatamente a posse, tem de
propor, preparatória ou incidentemente, a ação cautelar de busca e apreensão, medida
tipicamente litisreguladora. Ai, é a proteção da pessoa do incapaz que afasta a cega
aplicação de algumas normas processuais. Assim, por exemplo, se o juiz concedeu a busca
e apreensão, porque provado que o menor correria risco de vida em mãos da parte
contrária, o simples decurso do prazo de trinta dias (art. 808, I) não é razão bastante para
que se tenha por ineficaz a medida.
3.6 MEDIDAS SUBMETIDAS
Tais medidas não são cautelares, embora tenham por fundamento o perigo de
dano. São medidas que o Código de Processo Civil submete ao regime das cautelares,
principalmente para o aproveitamento do rito sumário das medidas cautelares. Tal
31
MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil, 2a ed., Rio, Forense, 1959, t. 8o , pág. 356
41
submissão é necessariamente parcial, porque sua natureza exclui a incidência de certas
normas que regem as medidas cautelares, notadamente as que limitam sua eficácia ao
período de litispendência (art. 808, I e II). Na verdade, as medidas cautelares propriamente
ditas são litisreguladoras e é por isso que têm sua duração limitada ao período de tempo
que vai da emanação do ato cautelar ao definitivo.
As medidas cautelares, diz Calamandrei, não são apenas temporárias. São
provisórias. Temporário é simplesmente aquilo que não dura sempre. Provisório é aquilo
que se destina a durar até que sobrevenha um evento posterior, em vista e à espera do qual
permanece, entrementes, o estado de provisoriedade. Das medidas cautelares se diz que são
provisórias, porque seus efeitos jurídicos não são meramente temporários, mas têm sua
duração limitada àquele período de tempo que vai da emanação do ato cautelar ao
definitivo. Nem basta a provisoriedade para distinguir as medidas cautelares, porque nem
tudo o que é provisório é cautelar.
De outro lado, continua Calamandrei, é preciso não confundir tutela preventiva
com tutela cautelar. Em certos casos, o Direito admite que se possa invocar a tutela
jurisdicional antes da lesão de um direito subjetivo, pelo só fato de que a lesão se anuncie
próxima e provável. Fala-se, então, em tutela preventiva, em oposição à tutela repressiva.
Aqui, porém, nos encontramos diante de casos de tutela ordinária, com efeitos definitivos.
Tutela cautelar há somente quando, através de uma medida judicial, se afasta o
periculum in mora, isto é, não o genérico perigo de dano que, em certos casos, se pode
obviar com a tutela ordinária (preventiva), mas o perigo daquele ulterior dano marginal que
poderia derivar da demora do procedimento ordinário, da medida definitiva. É a demora
desta que se procura tornar inócua com uma medida cautelar que lhes antecipe
provisoriamente os efeitos.
Nisto, pois, está a essência das medidas cautelares: antecipação provisória de
certos efeitos da medida definitiva (principal), com o fim de prevenir o dano que poderia
decorrer da demora da mesma. 32
Não são, portanto, cautelares, ainda que submetidas (parcialmente) ao regime
das cautelares, aquelas medidas que não têm sua eficácia condicionada resolutivamente ao
32
CALAMANDREI, Piero, Introduzione alio studio sistemático dei provedimenti cautelari, Padova, Cedam,
1986
42
advento de outra medida. Assim, por exemplo, as cauções constituídas para assegurar o
cumprimento de contrato, cuja eficácia permanece até a extinção do contrato, e não até que
cesse a litispendência. Assim também a busca e apreensão de menor obtida pelo pai contra
o raptor, já que seria absurdo exigir-se, no caso, a propositura de outra ação, principal.
Também entram nessa categoria a entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e
dos filhos (art. 888, II), o afastamento de menor autorizado a contrair casamento contra a
vontade dos pais (art. 888, IV), e a posse em nome do nascituro (art. 877).
O cônjuge e os filhos têm direito à posse dos bens de uso pessoal, qualquer que
seja o resultado da ação principal. A medida é, pois, definitiva. A eficácia da sentença que
determina o afastamento de menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos
pais permanece até a realização da cerimônia nupcial. Não está condicionada
resolutivamente ao advento de outra sentença.
A posse em nome do nascituro cessa com o nascimento. A incerteza é quanto
ao nascimento com vida, e não quanto ao conteúdo de outra sentença. A tutela é preventiva
e provisória, mas não há ação principal a ser proposta, porque não há litisregulação.
Ao contrário, a demolição de prédio é litisreguladora, pelo menos quando
determinada liminarmente, porque se procede à demolição, enquanto se ignora se procede
ou não a pretensão do autor à demolição. Julgada improcedente a ação, o autor deverá
reconstruir ou indenizar.
3.7 PROBATÓRIAS - MEDIDAS CAUTELARES
O lugar próprio dessas medidas é o da prova, motivo por que me limitarei,
aqui, a fazer algumas ligeiras observações. Das medidas probatórias, umas são atinentes à
prova, a saber: a exibição de coisa (Cód. Proc. Civ., art. 844), a produção antecipada de
provas (art. 846) e a justificação (art. 861).
Outras são forma de prova, a saber: os protestos, notificações e interpelações
(art. 867) e o protesto de títulos (art. 882). A colocação dessas medidas entre as cautelares
provoca problemas que só encontram solução com o afastamento da incidência de normas
contidas nas disposições gerais das medidas cautelares, notadamente a do art. 808.
43
Parece evidente, por exemplo, que a eficácia do protesto interruptivo da
prescrição não cessa, por não se propor a ação de cobrança no prazo de trinta dias.
Também parece evidente que a prova constituída antecipadamente não se desconstitui por
não se propor a ação principal no prazo de trinta dias. Efeito da interpelação é constituir o
devedor em mora e parece evidente que a mora não desaparece pelo fato de não ser
proposta a ação principal no prazo de trinta dias. Também parece evidente que a denúncia
de contrato. comunicada à parte contrária por notificação judicial não deixa de produzir seu
efeito extintivo, por não se propor a ação principal, no prazo de trinta dias. Tampouco se
pode afirmar que perde o direito de regresso, por não propor a ação principal no prazo de
trinta dias, o credor que tempestivamente protestou o título.
Na verdade, não se pode regular adequadamente um conjunto heterogêneo de
institutos, tais como os que são atualmente englobados sob a denominação comum de
medidas cautelares, motivo por que concluo o presente trabalho com a afirmação de que a
idéia de cautela deve ser substituída pela de litisregulação, o que importará na colocação
das medidas cautelares probatórias no seu devido lugar, que é o da prova.
3.8 REVOGAÇÃO
Modificação é a substituição de uma medida por outra, ou a conversão em
outra, como sucede quando o juiz substitui o arresto por caução, ou quando o arresto se
convola em seqüestro, ou o depósito em arresto.
Revogação importa na subtração total da eficácia da medida, por não mais
subsistirem as razões que, de início, a determinaram. É a retirada da voz da cautelar.
(Theodoro Junior, p. 161-162)
O arresto concedido liminarmente ou em sentença final cautelar pode ser
revogado ou modificado conforme alterem o periculum in mora ou o fumus boni juris
autorizadores que foram da medida concedida. Desde que alterados os fatos em que se
apoiou a medida provisória, por sua natureza, nada há a impedir a modificação no curso do
processo.
Arruda Alvim, à respeito da viabilidade da revogação antes da sentença, afirma
que é possível, bastando que o juiz entenda que não compareciam, quando concedera a
44
medida cautelar ou que não mais estão presentes, atualmente, os pressupostos que se
fizeram necessários à respectiva concessão.33
3.9 SUCUMBÊNCIA
No arresto, sendo ação, havendo lide e jurisdicionalidade, é aplicável o ônus da
sucumbência. No entanto, a condenação em honorários e despesas pode padecer da
transitoriedade peculiar às medidas cautelares, conforme o conteúdo e natureza da lide.
CALMON DE PASSOS (1984),34 afirma que, antes de receber e depois ter
que devolver, o mais lógico é submeter o vencedor aos preceitos da execução provisória.
3.10 RECURSOS
Segundo NERY JUNIOR (1990),35 uma vez concedida a liminar, o réu poderá
interpor agravo desta decisão. A ele interessa a revogação imediata da liminar. Qual o seu
interesse, em ver rejulgada a questão da liminar, quando os autos chegarem no tribunal, por
ocasião da futura apelação? Semelhante situação ocorre se a liminar é denegada. De nada
adianta a reapreciação por ocasião do julgamento da apelação, quando os efeitos danosos já
terão ocorrido.
Também a apelação é oponível contra a sentença cautelar, sem efeito
suspensivo. Daí o inconveniente de se julgar conjuntamente, num só ato, a ação cautelar e
a principal em face da disparidade dos efeitos distintos, de modo a não conferir efeito
suspensivo ao recurso contra a cautelar.
Cabem igualmente embargos declaratórios e infringentes, conforme sejam para
suprir omissões, contradições ou obscuridades, ou em caso de acórdão com votação não
unânime.
33
ARRUDA ALVIM, José Manoel. Revogação da Medida Liminar em Mandado de Segurança,
11/19
34
CALMON DE PASSOS, J. J. Comentários ao Código de Processo Civil, Ed. RT, 1984
35
NERY JUNIOR. Nelson, Teoria Geral dos Recursos, Ed. RT, 1990, p. 72/73
Repro
45
3.11 COISA JULGADA
Segundo ALVIM (1977),
36
doutrinariamente, a coisa julgada pode se
apresentar de duas formas: coisa julgada formal, que constitui a imutabilidade da decisão
final, como fato processual que é, dentro do mesmo processo em que foi proferida; e coisa
julgada material, significando a imutabilidade dessa mesma decisão fora do âmbito do
processo, sendo uma qualidade dos efeitos da sentença.
Conquanto a opinião da maioria dos doutrinadores, para os quais não existe
coisa julgada no processo cautelar, se o arresto foi cassado, ou julgado improcedente, esta
decisão vincula e cerceia a renovação da ação cautelar, envolvendo, é claro, as mesmas
partes, mesmo objeto e idêntica causa de pedir (idêntica lide cautelar). Este efeito
vinculativo, é expressão do que denominamos coisa julgada material.
Propor uma nova demanda cautelar de arresto com esteio em fatos existentes à
época, mas não alegados na anterior ação cautelar malograda, ou ingressar com outra ação
com fundamento em fatos posteriores, nestas hipóteses, constitui outra ação, diferenciada
da anterior, seja com base em nova causa de pedir, seja com base em outro pedido, mais ou
menos abrangente.
MARQUES (1981),37 admite, pelo menos, a coisa julgada formal, afirmando
que a sentença que concede medida cautelar é decisão rebus sic stantibus, uma vez que
pode ser modificada ou revogada a qualquer tempo. Mas a decisão que nega a medida
cautelar, ou a declara ineficaz, produz coisa julgada formal (a suma preclusão), porquanto,
no processo em que foi proferida, são imutáveis os seus efeitos.
3.12 CONVOLAÇÃO DO ARRESTO EM PENHORA
Conforme enuncia o art. 818, julgada procedente a ação principal, o arresto se
resolve em penhora. Mais acertada é a posição doutrinária de RAMOS (1984),38 segundo a
qual, somente após o início da execução forçada, definitiva ou provisória, quando o
devedor é intimado a pagar em 24 horas a dívida em dinheiro e não solve o débito, é que
haverá a conversão do arresto em penhora, pois inconcebível penhora sem execução.
36
ALVIM, Thereza Celina Arruda. Questões Prévias e os Limites Objetivos da Coisa Julgada., Ed RT,
1977, p. 43
37
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil, Ed. Saraiva, 1981, p. 392
38
RAMOS, Manuel Ortells. El embargo preventivo, Libreria Bosch, 1984, p. 288
46
No espirituoso exemplo de BATISTA (1986),39 no fundo, não há conversão do
arresto em penhora, como uma metamorfose em que o arresto seria larva. Sucede que,
quando da penhora, a constrição recai sobre os mesmos bens arrestados. Vale ressaltar que,
quando da convolação do arresto em penhora, ao devedor é permitido, antes, nomear
outros bens que estejam em grau superior na listagem do art. 655, considerando que na
execução vige o princípio da menor onerosidade ao executado devedor (art. 620).
Na prática, o arresto não se converte em penhora, apenas esta sucede ao
primeiro. A recepção do arresto em penhora não é mais do que o aproveitamento da
constrição cautelar para início da constrição executiva, de modo que não há continuidade:
cessa uma, à decretação da outra. A penhora se faz com os elementos que haviam servido
ao arresto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após percorrermos o intrincado tema doutrinário e jurisprudencial, percebe-se
a existência de plausíveis fundamentações em ambas as correntes, mas como
demonstramos a razão orienta ao respeito e observância de orientações que estão
sistematicamente sob a égide de nosso ordenamento jurídico.
Com a chamada crise do processo fez-se necessário e imperativo a busca por
mecanismos ágeis na prestação jurisdicional, e, principalmente, dos seus efeitos. A
sociedade moderna passou a discutir meios alternativos para solução de seus conflitos, em
face da impossibilidade de o Estado, por si só, resolvê-los. Assim, no intuito de agilizar a
tutela jurisdicional, visto que até o final julgamento da lide o detentor do direito poderá ter
seu interesse violado, sofrendo danos irreparáveis, tornando inócua a tutela pleiteada, ou
postergando o exercício de um direito latente, o legislador ordinário introduziu na seara
jurídica nacional o instituto da antecipação de tutela, a qual veio somar-se as medidas
cautelares.
39
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., Ed.Lejur, 1986
47
Para a consecução da atividade jurisdicional o Estado mantém estruturado
órgãos, no estudo em pauta o judiciário. Além dos órgãos de julgamento, integram o poder
judiciário outros que têm por objetivo resguardar direitos do cidadão. Dentre estes
encontram-se os tabelionatos e os serviços registrais que, por delegação do Poder Público
desempenham tarefas notariais e de registro garantidores de publicidade, autenticidade,
segurança e eficácia dos atos jurídicos.
É fato conhecido que os especialistas não vêm se entendendo quanto a necessária e
fundamental distinção entre tutela propriamente cautelar e antecipação de tutela que
ordinariamente se conteria na sentença de mérito a ser proferida em processo de
conhecimento.
O fenômeno preocupante, porém, não se passa na esfera doutrinária, sem
repercussões mais importantes no dia-a-dia da atividade jurisdicional. O que de mais sério
se passa é que a tutela genericamente dita diferenciada vem sendo usualmente tratada no
Foro com a mais completa despreocupação relativamente ao correto enquadramento das
medidas que ela comporta na sua exata categoria, como se nada importasse a diferença
entre cautela, liminar e tutela antecipada, ou como se essa diferenciação fosse destituída de
reflexos préticos. Como resolver então, o problema do devedor que teve lavrado contra si
protesto indevido?
Com o desenvolvimento deste trabalho observamos vários efeitos (funções) que o
protesto gera, e concluímos que são estes efeitos que trazem prejuízo para o demandante.
O efeito publicidade, principalmente. No dizer de Serpa Lopes40 um dos efeitos do
protesto é a publicidade, que consiste em tornar conhecidas certas relações jurídicas,
principalmente quando refletem interesses de terceiros. É válido ressaltar que o crédito é
um bem jurídico inestimável na sociedade de massas e consumo em que vivemos e que ter
título protestado impõe ao devedor a fama de mau pagador, trazendo prejuízos às relações
que venha a manter com terceiros.
Atualmente, à luz dos valores e das necessidades contemporâneas, se entende
que o direito à prestação jurisdicional é o direito a uma prestação efetiva e eficaz, não
importando se tenha sido concedida por meio de sentença transitada em julgado ou
sentença interlocutória.
40
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Tratado dos registros públicos, 2a.ed. Vol. 2 Rio de Janeiro, 1978, p.73
48
É possível afirmar que em sentido amplo, o arresto pode ser conceituado como
uma medida cautelar nominada ou típica, concedida pelo ordenamento jurídico para
garantir a efetividade de futura ação destinada à cobrança de dívida (notadamente, em se
tratando execução por quantia certa), mediante a preventiva e provisória constrição de bens
do devedor em quantidade suficiente para que o débito possa ser saldado.
As hipóteses gerais de cabimento de referida tutela cautelar encontram-se
consubstanciadas no artigo 813 do Código de Processo Civil brasileiro, consistindo, em
apertada síntese, na configuração de situações em que, no intuito de furtar-se ao pagamento
de suas dívidas, o devedor intenta ausentar-se de seu domicílio civil ou intenta praticar atos
de alienação de bens, despojando-se do patrimônio necessário para o adimplemento de
seus deveres.
Ainda em linhas gerais, o artigo 814 do Código de Processo Civil, estabelece
os requisitos necessários para que o juiz, ao analisar a medida cautelar de arresto, conceda
a cautela pretendida:
i) prova literal de dívida líquida e certa; e
ii) prova de alguma da hipóteses de cabimento previstas pelo artigo 813 acima
citado, quer produzida documentalmente, quer produzida mediante a realização de uma
audiência, destinada especificamente a esse fim, a qual pode ser suprimida mediante a
prestação de caução pelo credor, nos termos do artigo 816, inciso II.
Podemos observar que, nos termos do parágrafo único do mencionado artigo
814 do Código de Processo Civil, é equiparada à prova líquida e certa da existência de uma
dívida a sentença ou a decisão arbitral que condene o devedor ao pagamento de dívida em
dinheiro, ou de prestação que possa ser convertida em dinheiro. Vale observar, entretanto,
que, em se tratando de sentença ou de decisão arbitral proferidos no estrangeiro, a fim de
que possam produzir efeitos no Brasil, é necessária sua prévia homologação pelo Supremo
Tribunal Federal.
49
REFERÊNCIAS
ALVIM, Thereza Celina Arruda.
Julgada., Ed RT, 1977, p. 43
Questões Prévias e os Limites Objetivos da Coisa
ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, vol. 1, 7ª ed, Ed. RT, 2000, pág.
103
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Comentários ao Código de Processo Civil,
Ed.Lejur, 1986
2ª ed.,
CALAMANDREI, Piero Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares,
Servanda, 2000, pág. 42
CALAMANDREI, Piero, Introduzione alio studio sistemático dei provedimenti cautelari,
Padova, Cedam, 1986
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mesmo sentido: Sérgio Seiji Shimura, Arresto cautelar, 2ª ed., Ed. RT, 1997, pág. 329.
50
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MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil, Ed. Saraiva, 1981, p.
392
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Bookseller, 1999
___________________. Comentários ao Código de Processo Civil, 2a ed., Rio, Forense,
1959, t. 8o , pág. 356
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OLIVEIRA JÚNIOR, Waldemar Mariz de Processo Cautelar. In O processo civil,
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78
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Humberto Theodoro Júnior, Processo cautelar, 13ª ed., Leud, 1992, pág. 158; TJSP
_______________. A plenitude de defesa no processo civil, Saraiva, 1993, p.154
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RMS 4.271-5-SP, 1ª T., DJ de 21.11.94, Rel.
Min. Demócrito Reinaldo, v.u. – citado por Alexandre de Paula, op. cit., pág. 3230.
THEODORO JÚNIOR (Apud), Humberto. Processo Cautelar. 17.ª ed., São Paulo: Leud,
1998, p. 205.
TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DO PARANÁ, Ap. 910/84, 2ª Câm., j. 27.8.85,
Rel. Juiz Franco de Carvalho, v.u., citado por Arruda Alvim e Nelson Luiz Pinto, in
Repertório de jurisprudência e doutrina sobre processo cautelar, Ed. RT, 1991, pág. 124.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA, Ap. 18.737, 1ª Câm., j. 29.4.92,
Rel. Des. Pereira da Silva, v.u.; Adcoas, 1993, n. 139.150 – citado por Alexandre de Paula,
Código de processo civil anotado, 7ª ed., Ed. RT, 1998, pág. 3232.
VILLLAR, Willard de Castro, Medidas Cautelares, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais.,
1971, pág. 78
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Maria Emidia Milhomem de Carvalho