Normas para qualificação
dos devedores
FLÁVIO MAIA Fernandes dos Santos
• Mestre em Direito Comparado pela New
York University
• Professor de pós-graduação em Direito na
Fundação Getulio Vargas em S. Paulo
COLADE 18.09.2009
Sumário
I – Classificação no Brasil: Res. 2.682
II – A questão da convergência às
normas internacionais
III- Os cadastros (positivos e negativos)
como instrumentos para a classificação
I – No Brasil: “classificação das
operações de crédito” em vez de
“classificação ou qualificação dos
devedores”
Atualmente norma principal Res. CMN
2.682/99
Res. 2.682 pode ser grosso modo
dividida em 4 partes:
1) a denominação dos níveis de
classificação das operações de crédito
2) os critérios de classificação
3) as regras de revisão da classificação e
4) as regras de provisão em decorrência
da classificação
4) as regras de provisão em
decorrência da classificação
Obs.: relevância da classificação:
Determinam provisões para créditos :
maior item de despesa dos bancos nos
principais países do mundo
“Art. 1º ...as instituições financeiras ...devem
classificar as operações de crédito, em ordem
crescente de risco, nos seguintes níveis:
I - nível AA
II - nível A
III - nível B
IV - nível C
V - nível D
VI - nível E
VII - nível F
VIII - nível G
IX - nível H.”
Semelhança com algumas agências de rating (AAA,
AA, ...)
Os critérios de classificação se
assentam basicamente em três
aspectos:
1) capacidade de pagamento
2) estrutura da operação
3) garantias
“Art. 2º A classificação da operação no
nível de risco correspondente é de
responsabilidade da instituição
detentora do crédito e deve ser
efetuada com base em critérios
consistentes e verificáveis, amparada
por informações internas e externas,
contemplando, pelo menos, os
seguintes aspectos:
I - em relação ao devedor e seus
garantidores:
a) situação econômico-financeira
b) grau de endividamento
c) capacidade de geração de
resultados
d) fluxo de caixa
e) administração e qualidade de
controles
f) pontualidade e atrasos nos
pagamentos
g) contingências
h) setor de atividade econômica
i) limite de crédito
II - em relação à operação:
a) natureza e finalidade da transação
b) características das garantias,
particularmente quanto à
suficiência e liquidez
c) valor
Parágrafo único. A classificação das
operações de crédito de titularidade de
pessoas físicas deve levar em conta,
também, as situações de renda e de
patrimônio bem como outras informações
cadastrais do devedor
Embora no Brasil não se use a expressão
“qualificação ou classificação de
devedores”, as operações de um mesmo
devedor devem ter, via de regra, a mesma
classificação, como determina o art. 3º da
Resolução:
“Art. 3º A classificação das operações de
crédito de um mesmo cliente ou grupo
econômico deve ser definida considerando
aquela que apresentar maior risco,
admitindo-se excepcionalmente
classificação diversa para determinada
operação, observado o disposto no art. 2º,
inciso II.”
3ª parte da Res.: revisão da classificação
“Art. 4º A classificação da operação nos
níveis de risco de que trata o art. 1º deve
ser revista, no mínimo:
I - mensalmente, por ocasião dos
balancetes e balanços, em função de atraso
verificado no pagamento de parcela de
principal ou de encargos, devendo ser
observado o que segue:
a) atraso entre 15 e 30 dias: risco
nível B, no mínimo;
b) atraso entre 31 e 60 dias: risco
nível C, no mínimo;
c) atraso entre 61 e 90 dias: risco nível
D, no mínimo;
d) atraso entre 91 e 120 dias: risco
nível E, no mínimo;
e) atraso entre 121 e 150 dias: risco
nível F, no mínimo;
f) atraso entre 151 e 180 dias: risco
nível G, no mínimo;
g) atraso superior a 180 dias: risco
nível H;
[Obs. : § 2º Para as operações com prazo a
decorrer superior a 36 meses admite-se a
contagem em dobro desses prazos ]
II - com base nos critérios
estabelecidos nos arts. 2º e 3º:
a) a cada seis meses, para operações
de um mesmo cliente ou grupo econômico
cujo montante seja superior a 5% (cinco
por cento) do patrimônio líquido ajustado;
b) uma vez a cada doze meses, em
todas as situações, exceto na hipótese
prevista no art. 5º. [operações contratadas
com cliente com responsabilidade inferior a
R$ 50.000,00 : não há revisão periódica,
mas só a automática pelo atraso]
4ª parte da Res. : regras de provisão em
decorrência da classificação
“Art. 6º A provisão para fazer face aos
créditos de liquidação duvidosa deve ser
constituída mensalmente, não podendo ser
inferior ao somatório decorrente da
aplicação dos percentuais a seguir
mencionados, sem prejuízo da
responsabilidade dos administradores das
instituições pela constituição de provisão
em montantes suficientes para fazer face a
perdas prováveis na realização dos créditos:
I - 0,5% (meio por cento) sobre o valor das
operações classificadas como de risco nível A;
II - 1% (um por cento) sobre o valor das
operações classificadas como de risco nível B;
III - 3% (três por cento) sobre o valor das
operações classificadas como de risco nível C;
IV - 10% (dez por cento) sobre o valor das
operações classificados como de risco nível D;
V - 30% (trinta por cento) sobre o valor das
operações classificados como de risco nível E;
VI - 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor
das operações classificados como de risco nível
F;
VII - 70% (setenta por cento) sobre o valor das
operações classificados como de risco nível G;
VIII - 100% (cem por cento) sobre o valor das
operações classificadas como de risco nível H.
Art. 7º A operação classificada como de
risco nível H deve ser transferida para
conta de compensação, com o
correspondente débito em provisão,
após decorridos seis meses da sua
classificação nesse nível de risco, não
sendo admitido o registro em período
inferior.
Parágrafo único. A operação
classificada na forma do disposto no
caput deste artigo deve permanecer
registrada em conta de compensação
pelo prazo mínimo de cinco anos e
enquanto não esgotados todos os
procedimentos para cobrança.
Parte final da Res. : divulgação:
“Art. 11. Devem ser divulgadas em nota
explicativa às demonstrações financeiras
informações detalhadas sobre a composição
da carteira de operações de crédito, observado,
no mínimo:
I - distribuição das operações,
segregadas por tipo de cliente e atividade
econômica;
II - distribuição por faixa de vencimento;
III - montantes de operações
renegociadas, lançados contra prejuízo e de
operações recuperadas, no exercício.”
II – A questão da convergência às
normas internacionais
Tendência geral: padrão IFRS
(International Financial Reporting
Standards)
No Brasil : L. 11.638/07
Na área financeira: IASB
• IAS 39 : operações c/ instrumentos
financeiros
• aplicável a todas as entidades, não só
às financeiras
• emitido em 2000, tem sofrido revisões
Principais divergências entre IAS 39 e
normas brasileiras:
• Valor justo (fair value) e valor de
mercado : nem sempre coincidentes
www.bcb.gov.br/?IAS39ESCOPO
• Reclassificação entre categorias: IAS
39 menos flexível. Ex.:
a) permite que ativos mantidos até o
vencimento seja reclassificados
somente para a categoria disponíveis
para venda, e apenas em situações
específicas que, se não atendidas,
resultam em punição à entidade
b) proíbe que instrumentos
classificados como valor justo com
ajuste no resultado sejam
reclassificados para qualquer outra
categoria
• O IAS 39 não permite o
reconhecimento de perda
(impairment) com base em
evento futuro, o que não é
explicitamente vedado pelas
normas brasileiras
BIS : Guiding principles for the
replacement of IAS 39 (August,
2009)
• Accounting lessons from the
financial crisis
• Provisioning and impairment
related principles
www.bis.org/publ/bcbs161.pdf
Accounting lessons from the financial
crisis
The new standard should:
(a)reflect the need for earlier
recognition of loan losses to ensure
robust provisions;
(refletir a necessidade de
reconhecimento mais cedo de perdas
nos empréstimos para assegurar
provisões robustas)
(b) recognise that fair value is not
effective when markets became
dislocated or are illiquid;
(reconhecer que o valor justo não é
adequado quando os mercados
tenham sofrido perturbações ou
sejam ilíquidos)
(c) permit reclassifications from the fair
value to the amortised cost category; this
should be allowed in rare circumstances
following the occurrence of events having
clearly led to a change in the business
model;
(permitir reclassificação do valor justo para a
categoria de custo amortizado; isso deve
ser permitido em raras circunstâncias
seguindo a ocorrência de eventos que
claramente tenham levado a uma mudança
no modelo do negócio)
(d) promote a level playing field across
jurisdictions.
(promover condições de competições
justas através dos sistemas
normativos de todos os países)
• Provisioning and impairment related
principles
Loan loss provisioning should be robust
and based on sound methodologies that
reflect expected credit losses in the
banks’ existing loan portfolio over the
life of the portfolio.
(O provisionamento de perda em
empréstimo deve ser robusto e baseado
em metodologias sólidas que reflitam as
perdas esperadas em créditos no
portfolio de empréstimos existente dos
bancos no decorrer da vida do portfolio)
The provisioning approach should allow
for the exercise of professional
judgement while using leading
economic indicators
(o modo de tratar a provisão deve
permitir o exercício de julgamento
profissional com o uso de indicadores
econômicos consagrados )
The new standard should allow for
provisions for groups of loans with
similar risk characteristics
(o novo modelo deve permitir provisões
para grupos de empréstimos com
características similares de risco)
The new standard should utilise
approaches that draw from relevant
information in banks’ internal risk
management and capital adequacy
systems when possible
(o novo modelo deve permitir a
obtenção de informação relevante
dos sistemas internos dos bancos
de gestão de risco e de adequação
de capital, quando possível)
The approach should encourage
provisioning to address credit
losses across the entire range of
bank internal credit grades for loan
portfolios
(o tratamento deve estimular
provisionar perdas de crédito em
todos os níveis de classificação
interna do banco para o portfolio de
empréstimos)
The new standard should apply the
same impairment approach to all
financial assets measured using
amortised cost.
(o novo modelo deve aplicar o
mesmo tratamento de
reconhecimento de perda para
todos os ativos financeiros medidos
pelo custo amortizado)
III- Os cadastros (positivos e negativos)
como instrumentos para a classificação
Res. CMN 2.682 prevê entre os critérios para
a classificação das operações , em relação
ao devedor e seus garantidores:
• grau de endividamento
• pontualidade e atrasos nos pagamentos
• informações cadastrais do devedor p. física
• BCB pode determinar provisionamento
adicional, em função da responsabilidade
do devedor junto ao Sistema Financeiro
Nacional
Questões referentes a cadastros no Brasil
O § 2º do art. 43 da Lei 8.078/90, mais
conhecida como “Código de Defesa do
Consumidor”, determina que:
“§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e
dados pessoais e de consumo deverá ser
comunicada por escrito ao consumidor,
quando não solicitada por ele.”
No Brasil, há muitos anos, há prestadores de
serviços privados que constituem cadastros
de proteção ao crédito, sendo os mais
conhecidos o SPC (Serviço de Proteção ao
Crédito) e a SERASA.
São cadastros basicamente de inadimplentes
e servem a todo o comércio e prestadores
de serviços.
Custo da comunicação escrita encarece o
sistema
No sistema financeiro, necessidade de
cadastro negativo e positivo
Atualmente, acha-se em trâmite no
Congresso Nacional projeto de lei sobre o
cadastro positivo (para uso do comércio e
de prestadores de serviço em geral) e que
tem gerado bastante controvérsia
No âmbito específico do Sistema Financeiro
Brasileiro, foi criado há mais de dez anos o
cadastro (positivo e negativo) inicialmente
conhecido como Central de Risco de Crédito
(CRC), instituído pela Res. CMN 2.390, de
1997, posteriormente alterado pela Res.
CMN 2.724, de 2000, atualmente regido
pela Res. CMN 3.658, de 2008, com o nome
de Sistema de Informações de Crédito
(SCR).
Esse sistema tem como objetivo
principal:
Prover informações ao BCB para fins de
supervisão do risco de crédito a
que estão expostas as instituições
financeiras (Res. 3.658, art. 2º, I).
(Obs.: O envio desses dados para uso do
BCB independe de prévia comunicação
ao cliente, pois se trata de atividade
de fiscalização no âmbito do Direito
Administrativo.)
Esse sistema tem como subproduto:
Propiciar o intercâmbio de
informações, entre as instituições
financeiras, sobre o montante de
débitos e de responsabilidades de
clientes em operações de crédito (Res.
3.658, art. 2º, II).
A Res. 3.658 prevê que a instituição
que conceder o crédito deve
“comunicar previamente ao cliente o
registro dos seus dados no SCR,
exceto se houver autorização dele
para o registro” (art. 8º, II).
Por outro lado, a instituição que desejar
consultar dados no sistema deve
“obter autorização específica do
cliente, passível de comprovação,
para consultar as informações
constantes do SCR” (art. 8º, I).
Além disso, o cliente:
1) tem acesso a informação sobre suas
operações no sistema (art. 7º, II)
2) pode manifestar sua discordância
em relação a seus registros no
sistema (art. 7º, III)
3) tem acesso, na internet e nas
dependências das instituições
financeiras, a informações sobre o
funcionamento do SCR, “em
linguagem de fácil compreensão”
Note-se que atualmente só quando o
conjunto das operações do cliente
for igual ou superior a R$ 5.000,00 é
que há registro no SCR.
Há estudos para se criar uma central de
risco com limite mais baixo , de R$
100,00 , que seria operada
privadamente, como noticia a
imprensa (“Folha de São Paulo”,
10.08.2009, p. B7).
O sistema tem sofrido questionamentos
em algumas ações civis públicas no
judiciário brasileiro (exigência de
prévia comunicação escrita de cada
lançamento, o que torna inviável o
sistema)
No entanto:
a) não fere as regras de proteção ao
consumidor (ao contrário: ajuda a
evitar o superendividamento: nos
países com legislação mais avançada
sobre crédito responsável, como a
Suíça, por exemplo, os bancos são
obrigados a consultar cadastros
positivos e negativos)
b) é um instrumento precioso para a
correta classificação das operações
de crédito
Obrigado
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Os Juros no Novo Código Civil e a Taxa Selic