Os trabalhadores do campo
• A historiografia brasileira, nos últimos tempos, percorreu
temas e sujeitos variados, do período colonial à história
mais recente do país, o que supôs redefinir as balizas dos
estudos e, também, os personagens da história do país
edificada para a glorificação das elites.
• É nesse contexto que os estudos sobre o período
republicano e o papel dos segmentos populares nesse
processo ganham relevância, evidenciando as dificuldades
enfrentadas por tais segmentos — do campo e da cidade —
para expressar os seus interesses e descontentamentos,
mesmo no decurso da República, que continuou tratando as
suas demandas, com a mesma intolerância e violência dos
períodos anteriores.
Os trabalhadores do campo
• Sem canais legitimados nas próprias instituições
republicanas para expressar tais interesses, quando o
fizeram foram interpretados como elementos
destruidores da ordem pública, já que a própria carta
republicana estabelecia a distinção entre cidadãos
ativos e passivos, o que definia uma clara hierarquia
para a plenitude dessa atuação, indicando a não
superação de concepções que continuavam reiterando
a ausência de um “povo”, na base da sociedade
brasileira. Tal compreensão pautava-se pelos
parâmetros definidos para a nação, a partir do modelo
liberal à moda americana, que se apoiava no
entendimento do preceito de liberdade, que nos
cânones modernos, significava o direito privado de ir e
vir.
Os trabalhadores do campo
• Assim, ao longo da República os segmentos populares
questionaram a partir de ações diversas os limites
dessa República, como a guerra entre as Forças
Armadas e os seguidores de Antonio Conselheiro, no
sertão da Bahia, entre os anos de 1894 a 1896, a
revolta da vacina, em 1904, na própria capital federal,
a guerra de Contestado, greves, saques, etc.
• Canudos colocou em xeque os limites dessa República
autoritária que se instituía. Mesmo assim, sua
ausência da historiografia foi significativa por muito
tempo. Quando foi lembrado ficou circunscrito a uma
rápida menção nas análises mais gerais sobre esses
anos.
Os trabalhadores do campo
• Lembra Marco Antonio Villa, (Canudos. O campo em
chamas) que Canudos é um tema quase esquecido da
História do Brasil; quando é citado, aplica-se a ele a
categoria de “messianismo”, epíteto que desqualifica
a luta de milhares de sertanejos na defesa de uma
nova ordem social. Explica o autor que cem anos
depois de serem exterminados pelo Exército
Brasileiro, Antonio Conselheiro — Antonio Vicente
Mendes Maciel — e os principais líderes de Belo
Monte, ainda são considerados fanáticos e loucos.
• VILLA, Marco A. Canudos.O campo em chamas. São
Paulo: Brasilienese, 1982
Os trabalhadores do campo
Imagem negativa do brasileiro
• Ajudou nessa construção, de país sem “povo”, o
processo que levou a substituição do escravo pelo
trabalhador livre, impondo uma dupla
representação: da desqualificação do nacional
(associado ao trabalhador do campo) e do elogio ao
imigrante europeu.
• Essa imagem difusa do “trabalhador nacional” ou
“caipira” se impôs por bastante tempo, enquanto
catalisadora dos sentimentos em relação aos
trabalhadores nacionais. Porém, ela não foi a única
representação do homem do campo, sempre
qualificado como incapaz politicamente.
Os trabalhadores do campo
• Diria que homem do campo, além dessa
“incapacidade natural” para a inclusão,
também apareceu como um ser desnaturado,
ora violento, como os cangaceiros, ora
alienado e exacerbado em suas crenças
religiosas, como os beatos. Enfim, propensos
a se manterem em um mundo à parte, tal qual
o arcaísmo das estruturas as quais estavam
subordinados.
Os trabalhadores do campo
• Mas, no seu dia a dia não foi isso o que ocorreu. As
inquietações do campo não cessaram. Nas décadas de
1950/1960 esses sujeitos aparecem em cena de forma
organizada em associações que ficaram conhecidas
como “Ligas Camponesas”, primeiramente na região do
Centro Oeste e, posteriormente, em Pernambuco,
Minas, no Paraná, no Rio Grande do Sul, reivindicando
reforma agrária e também organizando-se em
sindicatos. Mas, a insatisfação e reivindicações eram
mais generalizadas pelo país afora; a região Sul viveu
intensamente esse processo com concentração da
propriedade decorrente de mudanças no campo.
Os trabalhadores do campo
• SIMULTANEAMENTE, ÀS REIVINDICAÇÕES POR TERRAS, TAMBÉM
APARECERAM AS REIVINDICAÇÕES POR MELHORES SALÁRIOS,
JORNADAS DE TRABALHO E A EXTENSÃO DOS DIREITOS
TRABALHISTAS PARA OS TRABALHADORES DO CAMPO.
• ESSAS REIVINDICAÇÕES, DIZ JOSÉ GRAZIANO DA SILVA*,
POLARIZARAM O DEBATE POR MUITO TEMPO EM TORNO DA
QUESTÃO: QUAL SERIA A REIVINDICAÇÃO PRINCIPAL DOS
TRABALHADORES RURAIS: SE SERIA A REFORMA AGRÁRIA OU
APENAS A REIVINDICAÇÃO POR MELHORES SALÁRIOS?
• ENTENDE O AUTOR QUE A LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA FEZ E
AINDA HOJE FAZ PARTE DAS DEMANDAS DOS PEQUENOS
PROPRIETÁRIOS, POSSEIROS, PARCEIROS E PEQUENOS
ARRENDATÁRIOS.
• -------------------------------------------------------------------• *SILVA, José Graziano – O que é questão agrária. São Paulo:
Brasiliense, 1996, p. 93
OS TRABALHADORES DO CAMPO: A LUTA PELA
TERRA NO PRÉ 1964
• NAQUELA CONJUNTURA DOS ANOS 1950, OS
PALCOS DAS DISPUTAS FORAM DIVERSOS E
OCORRERAM NO CENTRO OESTE, NORDESTE, SUL E
SUDESTE, MARCADOS POR CONFLITOS ACIRRADOS
EM TORNO DA QUESTÃO DA TERRA.
• NA REGIÃO DO VALE DO RIO DOCE AS DISPUTAS
OCORRERAM DE FORMA INTENSA, COMO NOS
INFORMA MARIA ELIZA LINHARES BORGES NO
TEXTO REPRESENTAÇÕES DO UNIVERSO RURAL E
LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NO LESTE DE MINAS
GERAIS.
A luta pela reforma agrária
• O DO TEXTO, porém, são AS DISPUTAS QUE
OCORRERAM EM GOVERNADOR VALADARES E SE
ACIRRARAM PASSO A PASSO, MARCADAS POR
VIOLÊNCIA EXPLÍCITA DOS PROPRIETÁRIOS QUE SE
ARMARAM PARA EVITAR A OCUPAÇÃO DE
FAZENDAS, estimulados pelas FALAS de seus
oponentes EM TORNO DA “REFORMA AGRÁRIA NA
MARRA”, DISCURSO PROFERIDO PELAS
“LIDERANÇAS CAMPONESAS”, VIA DE REGRA
POUCO OBEDIENTES AS ORIENTAÇÕES DOS
PARTIDOS DE ESQUERDA. ESSA Inquietação de lado
a lado ALASTRA-SE PARA OUTRAS REGIÕES.
A luta pela reforma agrária
• SEGUNDO BORGES a cidade DE Governador Valadares
ficou dividida:
• “De um lado estavam os proprietários rurais e seus
familiares, a Igreja e o poder público local; de outro, os
quase dois mil membros do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, constituído não apenas por
meeiros, parceiros e assalariados do campo, mas
também por moradores das favelas de Governador
Valadares, quase todos egressos das áreas rurais.
Enquanto a liderança patronal congregava a classe na
sede da Associação Rural de Governador Valadares, as
ruas do centro da cidade iam se transformando numa
espécie de extensão do espaço privado e religioso dos
lares latifundistas” (RBH, vol. 24, n.47,p. 304).
Os trabalhadores do campo: aluta pela
reforma agrária
• Na interpretação da autora, ESSA MOVIMENTAÇÃO INTEGROU UM
CONTEXTO HISTÓRICO MARCADO, EXTERNAMENTE, PELA GUERRA
FRIA E, INTERNAMENTE, POR UMA INTENSA MOBILIZAÇÃO
POLÍTICO-IDEOLÓGICA EM TORNO DAS CHAMADAS REFORMAS DE
BASE DO GOVERNO DO PRESIDENTE JOÃO GOULART.
• 1. PARA UNS, A REALIZAÇÃO DESSAS REFORMAS INAUGURARIA
UMA NOVA ERA, GERIDA POR UM GOVERNO DEMOCRÁTICO E
POPULAR, CONDIÇÃO PARA A DEFLAGRAÇÃO DA REVOLUÇÃO
SOCIALISTA.
• 2. PARA OUTROS, AS TAIS REFORMAS ERAM SINAL DE UM TEMPO
DE ANARQUIA MORAL, SOCIAL E POLÍTICA. PARA AMBOS, A
MOBILIZAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DOS DIFERENTES
SETORES DA SOCIEDADE ERA CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA
GARANTIR O FUTURO SEGUNDO AS PREVISÕES DE CADA
• GRUPO.
A luta pela terra
• A VISÃO DOS PROTAGONISTAS CERTAMENTE
EXPRESSAM ASPECTOS PARTICULARES, QUE
DEIXAM A MARGEM A COMPLEXIDADE DO
PRÓPRIO FENÔMENO QUE SE DISTANCIA DE
VISÕES DE ALGUNS DOS ENVOLVIDOS NO
PROCESSO, COMO O PRÓPRIO PCB E AP, SOBRE O
CAMINHO DA PRÓPRIA LUTA.
• Nesse sentido, a autora explicita sua proposta que
pretende trazer outros aspectos diferentes das
interpretações dos envolvidos, sobre o acontecido,
em direção à recuperação das “representações do
mundo camponês e suas utopias”.
Os conflitos antigos e novos
• As palavras da autora esclarece a proposta de sua análise,
qual seja:
• “Mais que analisar os diferentes ângulos do processo de
mobilização político-ideológica que fez de Governador
Valadares uma das regiões mais aguerridas de Minas Gerais
no pré-golpe de 1964, interessa-nos, neste artigo, entender as
razões histórico-culturais que fizeram do movimento de
sindicalização rural um meio de luta pela retomada de um
modus vivendi próprio da representação de mundo dos
camponeses. Como se verá mais adiante, essa singularidade
da luta sindical das regiões do Vale do Rio Doce, certamente
ocorrida em outros lugares, não apenas entrava em choque
com os interesses fundiários, como também se distanciava da
visão que as lideranças do PCB e da AP tinham dos sindicatos
na luta política do período” (p.305).
Os conflitos antigos e novos
• Porém, os conflitos na região não começaram nessa
conjuntura. Eles são seculares, pois a região do Vale do Rio
Doce (região correspondente aos Vales do Jequitinhonha, do
Mucuri e do Rio Doce ) > era habitada pelos Botocudos . No
período colonial foi incentivada sua ocupação, sem muito
sucesso e, também, após a independência, sempre
desconsiderando as populações que já habitavam a região.
• “Segundo alguns estudiosos, enquanto durou a concessão de
sesmarias na região (período colonial e imperial),muitas
foram as lutas entre os novos donos da terra, os sesmeiros, e
os que lá já se achavam instalados e não detinham título de
propriedade.Mais de um século depois, a região do Vale do
Rio Doce, embora já incorporada ao mundo chamado
civilizado, ainda continuaria a ser palco de disputas entre
posseiros e proprietários fundiários” (p.306).
Os conflitos antigos e novos
• Ao invés da luta entre pobres livres e sesmeiros,
marca do período imperial, a partir da década de
1930 e sobretudo da de 40, o casamento entre
latifúndio e indústria (siderurgia) garantiria aos
proprietários rurais uma sobeja vantagem no
conflito com os posseiros da região.
• Até os anos 40, aproximadamente, a região do Vale
do Rio Doce produziu café, cana-de-açúcar, fumo e
algodão, além de plantar mandioca, batata, arroz,
milho e feijão, oriundos quase sempre da economia
de subsistência a cargo dos posseiros locais.
Característica da região
• Daí em diante, a região foi se tornando uma das principais
áreas da pecuária bovina de corte, além de sediar a
instalação de empresas de capital nacional e estrangeiro —
como as siderúrgicas Belgo-Mineira, Acesita, Companhia
Vale do Rio Doce e outras destinadas à extração e à
exploração da mica e do berilo.
• A construção da ferrovia abriu outra frente de conflitos,
com a chegada de imigrantes/migrantes à região. Nas
décadas seguintes, além da ferrovia Vitória–Minas, a
construção da rodovia Rio–Bahia (BR-116), nas décadas de
1950 e 60,muito contribuiu para a chegada dos migrantes
que, com ou sem capital, fizeram da região uma imensa
fronteira em movimento, regida pela ideologia da terra
como um bem ilimitado.
Uma Região de fronteira...muitos sonhos
• Ao “acolher” sonhos tão diferenciados, as terras do
Vale do Rio Doce foram se constituindo em locus da
implantação de diferentes fronteiras socioculturais,
veiculadora, cada uma delas, de utopias também
distintas. Essa variabilidade de percepção de mundo
contava com um limite muito forte: o casamento
entre latifúndio e indústria, chancelado pelo Estado.
Era esse enlace que regia a correlação de forças,
claramente desigual, ali existente.
Uma região de “fronteira”...sem terras
• No alvorecer dos anos 60, praticamente inexistiam
terras devolutas e/ou por serem ocupadas na
região. Os posseiros que não migraram para as
cidades vizinhas nem se assalariaram nas indústrias
siderúrgicas foram incorporados aos latifúndios
como vaqueiros, meeiros e parceiros. Apenas uma
pequena parcela logrou resistir à escalada da
concentração da propriedade fundiária e ainda
conseguia manter suas pequenas glebas de terras.
Resignificação dos sindicatos...para a luta
da reforma agrária
• Diante da impossibilidade de fazer o tempo retroceder,
a única alternativa que os ex-camponeses visualizaram
naquele momento foi aderir aos Sindicatos de
Trabalhadores Rurais e transformá-los em lugar de luta
pela Reforma Agrária.Mesmo que as lideranças do PCB
e da AP explicassem que esta não constituía a
finalidade da luta sindical, os sindicalizados faziam
ouvidos “moucos” e ressignificavam os sindicatos.
Faziam deles um espaço de execução das propostas
que moviam a ação das Ligas Camponesas.
• Essa ambigüidade da luta política dos setores
subalternos do campo, verificada na região do Vale do
Rio Doce, foi, a um só tempo, sua força e
• seu obstáculo diz a autora.
A reforma agrária....na pauta dos
movimentos dos trabalhadores do campo
• Sabe-se que movimentos como os dessa região
também existiram no Paraná, nas áreas próximas à
barragem do Três Marias, onde sob a liderança da
POLOP foi criada a Liga Camponesa de Três Marias,
mas que eram hegemônicos no interior dos estados
nordestinos e o norte do país, onde tudo indica que
havia a maior concentração de camponeses. No Rio
Grande do Sul, o governador Leonel Brizola apoiara
o movimento dos pequenos proprietários rurais,
cuja tradição remontava aos tempos do Império.
A luta pela reforma agrária....
• O acirramento das disputas em relação a reforma
agrária passou a ser o campo de luta, marcado por atos
e contra atos daqueles que se colocavam a favor e
contra. No centro desse embate estava o Presidente da
República, hostilizado pelas elites e pressionado pelas
mobilizações do campo para que a reforma agrária
fosse sancionada. Finalmente , no dia 13 de março de
1964, durante o famoso comício da Cinelândia, o
presidente Goulart declarava diante de cerca de 200 mil
pessoas a assinatura do decreto de desapropriação das
terras localizadas nas margens dos açudes, das rodovias
e ferrovias, bem como dos latifúndios com área
superior a 500 hectares.
A reforma agrária de Goulart
• Após o comício de João Goulart, em 31 de março, foi
preparado em Governador Valadares ato público em que
seriam entregues aos sindicalizados os títulos de terras
correspondentes às fazendas do Ministério, da Anglo e da
Grã-Duquesa ocupadas pelos trabalhadores. Além de
representantes dos governos estadual e federal, já haviam
confirmado presença vários políticos, lideranças do CGT e
sindicalistas locais.
• Para os posseiros, assalariados agrícolas e demais excamponeses, esse decreto, o apoio dos demais
representantes dos setores subalternos, bem como o próprio
crescimento dos demais sindicatos rurais da região,
simbolizavam a reinstalação da fronteira como bem ilimitado
e, conseqüentemente, a possibilidade de concretização da
utopia camponesa.
O contragolpe...
• Para os proprietários fundiários, toda aquela
movimentação representava o fim do modo latifundista
de viver e, conseqüentemente, o término de um pacto
secular entre Estado e latifúndio. Diante da
possibilidade de perdas tão significativas, com os
ânimos por demais exaltados à espera dos
paraquedistas que não vinham; os ouvidos atordoados
com o movimento de alto-falantes rondando a cidade e
conclamando a todos para o comício de entrega de
títulos de terras aos camponeses; apreensivos com os
boatos sobre novas invasões de terras em Galiléia, em
Nanuque e em Carlos Chagas, a liderança dos
proprietários rurais não mais se conteve.
O contragolpe
• Em 30 de março, esses proprietários fundiários que
também eram médicos, advogados, comerciantes e
delegados de polícia reformados dirigiram-se para o
bairro Santa Terezinha, local onde funcionava a
sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, dirigido
pelo camponês-sapateiro, e abriram fogo sobre os
que ali se encontravam.
• Anteciparam, assim, em dois dias o golpe de 1964.
Download

Apresentação - Os trabalhadores do campo.