PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PROCESSO Nº 2002.70.03.01876-5 RELATOR: JUIZ FEDERAL MARCELO MESQUITA SARAIVA RECORRENTE: LÍDIA FERREIRA DOS SANTOS RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS ORIGEM: SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ I. RELATÓRIO O SENHOR JUIZ FEDERAL MARCELO MESQUITA SARAIVA: Cuida-se de pedido de uniformização de interpretação de lei federal interposto com fulcro no artigo 14, parágrafo 2º da Lei nº 10.259/01, em face de acórdão que indeferiu a concessão de aposentadoria por idade da autora ao argumento de que para comprovar o labor rural em regime de economia familiar, seria necessário o início de prova material em nome do próprio requerente. A ação foi julgada procedente, tendo a Turma Recursal dado provimento ao recurso do INSS, vencido o relator. Inconformado, a requerente Lídia Ferreira dos Santos requereu pedido de uniformização em face a decisão da Turma Recursal, propugnando que a Corte Superior (STJ) adota entendimento diverso no sentido de que a condição de segurado especial em regime de economia familiar pode ser comprovada através de qualquer documento que indique a condição de lavrador de um dos membros da entidade familiar, em especial, o cônjuge. O pedido de uniformização de interpretação de lei federal foi admitido às fls. 180. É o relatório. Peço dia para julgamento. 1 PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS II. VOTO De início, constato restar demonstrada a divergência entre a decisão proferida pela egrégia Turma Recursal do Paraná e a jurisprudência dominante do colendo Superior Tribunal de Justiça, valendo lembrar os Embargos de Divergência nº 104.312, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 3ª Seção do STJ, votação unânime, publicada no DJU de 14.04.97, pág. 12.776, assim como com relação à decisão proferida pela Turma Recursal de Santa Catarina, no processo nº 2002.72.02.050159-9, julgado em Sessão de 24/09/2002, conforme enunciado C. 12 daquela Turma. Passando-se ao exame do pedido de uniformização de jurisprudência propriamente dito, mister se faz constatar que a recorrente colacionou vários documentos de maneira a comprovar a alegada atividade rural exercida em regime de economia familiar, anteriormente à edição da Lei nº 8.213/91. Com efeito, a recorrente postulou reconhecimento de atividade rural em regime de economia familiar exercida até 1975, data em que se mudou para o centro urbano de Maringá, calcada nos seguintes documentos: • Certidão de Casamento (fls. 19), assentada em 1956, onde consta sua profissão como doméstica e seu marido como lavrador; • Escritura Pública, em nome de seu marido, contendo a transcrição do imóvel rural onde residiu com sua família, assentado em 08/05/1974; • Certificados de Cadastro de Imóvel Rural emitidas pelo INCRA, datados de 1977 e 1978, em nome do marido da recorrida; • Notas Fiscais de venda de produtos agrícolas em nome do marido da recorrida (1973 e 1975); 2 PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS • Certidões de Nascimento de seus nove filhos, onde consta a profissão do marido como lavrador, assentados de 1958 a 1973; Tais documentos, segundo o acórdão da egrégia Turma Recursal do Juizado Especial do Paraná, não serviram para comprovar a condição de segurada especial da recorrente por estarem em nome de seu marido, ou seja, não se prestariam a demonstrar o início razoável de prova material de maneira a evidenciar a condição de trabalhadora rural da recorrente. Porém, não é essa a melhor solução para o deslinde da questão, senão vejamos. À época em que a autora alega ter trabalhado como rurícola, juntamente com sua família, sequer estava em vigor qualquer legislação concernente à aposentadoria rural da esposa do chefe da família cujos membros trabalhavam em regime de economia familiar; posteriormente entrou em vigor a Lei Complementar nº 11, de 25/05/1971, com as alterações dadas pela Lei Complementar nº 16, de 30/10/1973, por força da qual foi instituído o Programa de Assistência do Trabalhador Rural (PRO-RURAL) e estabelecidas outras providências, dentre as quais conceituar o trabalho na atividade rural em regime de economia familiar como “o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração” (artigo 3º, § 1º, “b”). Além do mais, enquadrou como dependente do produtor rural, proprietário ou não, a sua esposa (artigo 3º, § 2º), a par de restringir a percepção da aposentadoria por velhice apenas ao chefe da unidade familiar (artigo 4º, § único). 3 PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Em assim sendo, impossível exigir-se da recorrente que a mesma tivesse declarado expressamente a sua condição de rurícola, enquanto profissão, seja por ocasião de seu casamento, seja a de nascimento de seus filhos. Em outras palavras, por inexistência de disposição legal a respeito, não poderia afirmar o que não era reconhecido, qual seja, a sua profissão como trabalhadora rural, enquanto exercida em regime de economia familiar. Desse modo, fica quase impossível à esposa que tenha exercido trabalho rural em regime de economia familiar a produção de prova documental nesse sentido, havendo de prevalecer o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “as atividades desenvolvidas em regime de economia familiar podem ser comprovadas através de documento em nome do pai de família, que conta com a colaboração efetiva da esposa e filhos no trabalho rural” ( RESP nº 386538/RS, 5ª Turma, relator Min. Jorge Scartezzini, DJU 07/04/2003, pág. 00310), tal como ocorre na espécie. No tocante à admissibilidade de comprovação da condição de rurícola por meio de certidão de casamento, onde consta a profissão de trabalhador rural do marido da beneficiária, em face do regime de economia familiar, forçoso render-se ao entendimento já consagrado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça neste sentido, objeto dos Embargos de Divergência nº 104312/SP e de inúmeros outros acórdãos, valendo lembrar os de nºs EERESP 270747, AGA 351.175/SP, RESP 317277/RS, RESP 386.538/RS, RESP 440.504/SC, AR 1418/SP, RESP 354.596/SP. Sucede, no entanto, como bem alertou o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em suas contra-razões de recurso, que a Jurisprudência carreada para fundamento do presente incidente, não se presta como caso de 4 PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS divergência, posto que nenhuma delas se baseia em testemunho único, tal como ocorreu na espécie. A esse respeito, não se pode olvidar que o objeto de divergência não é o fato de haver uma única testemunha de maneira a comprovar a atividade rural, mas sim que essa possa ser comprovada por documentos em nome do pai de família pela esposa que tenha colaborado de forma efetiva com o trabalho rural, ou se tais documentos se prestam como início de prova material à comprovação da condição de rurícola por parte mesma. Especificamente com relação ao testemunho único, há que se atentar que o mesmo foi colhido e reconhecido como hábil a comprovar a condição de rurícola da recorrente pelo MM. Juiz Federal de 1º Grau. Via de conseqüência, haverá de ser homenageado o princípio da imediatidade, uma vez que somente o Juiz de 1º Grau entrou em contato direto com a testemunha e a ouviu pessoalmente, cabendo a ele, com mais razão de ser, atribuir o valor que a aludida prova mereceu, isolada ou em cotejo com as demais provas produzidas, tudo em obediência ao princípio da livre apreciação da prova pelo Juiz, inserto no artigo 131 da Lei Processual. Assim sendo, há como se considerar válido o período de tempo em que a recorrente alega ter trabalhado como rurícola em regime de economia familiar até o ano de 1975, por força da documentação que trouxe aos autos, a qual fica caracterizada como início de prova material exigido no artigo 55, § 3º da Lei nº 8.213/91. 5 PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Por força disso, enquadra-se como segurada especial, coberta pela Previdência Social Rural em época anterior a 27/04/1991, inserindo-se na regra de transição trazida pelo artigo 142 da Lei nº 8.213/91. Em atendimento ao referido dispositivo legal, a recorrente soube comprovar o recolhimento de 108 (cento e oito) contribuições de maneira a atender a carência da almejada aposentadoria por idade. Do exposto, reconheço a divergência e acolho o incidente para conhecer do pedido de uniformização suscitado por Lídia Ferreira dos Santos no sentido de reformar o acórdão recorrido, de maneira a conceder em favor da recorrente o benefício de aposentadoria por idade, com base nas contribuições como autônoma, a partir do requerimento administrativo, em 01/02/2002, bem como para condenar o INSS no pagamento das parcelas atrasadas, com juros e correção monetária pelos índices da Previdência, e ainda ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10%(dez por cento) do valor da condenação. Outrossim, peço uniformização de jurisprudência com a feitura de súmula de maneira a consagrar o entendimento no sentido da possibilidade da comprovação da condição de rurícola por meio de certidão de casamento , onde consta a profissão do trabalhador rural da beneficiária em face do regime de economia familiar. Brasília, 10 de junho de 2003. MARCELO MESQUITA SARAIVA JUIZ FEDERAL 6 PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS CERTIDÃO DE JULGAMENTO SÉTIMA SESSÃO ORDINÁRIA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO Relator: Exmo. Juiz Federal Marcelo Mesquita Presidentes da Sessão: Ministro Cesar Asfor Rocha Sub-Procurador Geral da República: Dr. Moacir Guimarães Morais Filho Secretária: Glória Lopes Trindade PROCESSO: 2002.70.03.001876-5 REQUERENTE: PROC./ADV.: LIDIA FERREIRA DOS SANTOS MARIA ISABEL WATANABE DE PAULA REQUERIDO: PROC./ADV.: INSS LUIZ ROBERTO PEREIRA CERTIDÃO Certifico que a Egrégia Turma de Uniformização, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: “A Turma de Uniformização, por unanimidade, conheceu do Recurso e deu provimento, nos termos do voto do Juiz Relator”. Participaram do julgamento, os Srs. Juízes e Sras. Juízas Federais: Dr. Vladimir Carvalho, Dr. Barros Dias, Dr. Leomar Amorim, Dr. Guilherme Calmon, Dra. Liliane Roriz, Dr.Ricardo do Valle Pereira, Dra. Vivian Caminha e Dr. Renato Toniasso. Brasília, 10 de junho de 2003. Glória Lopes Trindade Secretária 7 PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Pedido de Uniformização n° 2002.70.03.001876-5 Recorrente: LÍDIA FERREIRA DOS SANTOS Recorrido(a/s): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Relator(a): MARCELO MESQUITA SARAIVA Origem: SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ EMENTA PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. RURÍCULA. REGRA DE TRANSIÇÃO DO ARTIGO 142 DA LEI Nº 8.213/91. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. UNIFORMIZAÇÃO. 1. Configurada divergência entre o julgado da Turma Recursal e a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, é cabível o pedido de uniformização jurisprudencial, nos termos do art. 14, § 2°, da Lei n° 10.259/2001. 2. As atividades desenvolvidas em regime de economia familiar posem ser comprovadas através de documento em nome do pai da família, que conta com a colaboração efetiva da esposa e filhos no trabalho. 3. Possibilidade de comprovação da condição de rurícola por meio de certidão de casamento, onde consta a profissão de trabalhador rural do marido da benefíciária, em face do regime de economia familiar. 4. Embora haja testemunho único, cabe ao Juiz de 1º Grau atribuir o valor da aludida prova. Pedido conhecido e acolhido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Turma de Uniformização das Decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, por unanimidade, conhecer e acolher o pedido de 8 PODER JUDICIÁRIO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS uniformização, nos termos do voto do Relator. Participaram do julgamento os Juízes Francisco Barros Dias, Vladimir Souza Carvalho, Leomar Barros Amorim de Sousa, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Liliane do Espírito Santo Roriz de Almeida, Renato Toniasso, Vivian Caminha e Ricardo Teixeira do Valle Pereira. Brasília, 10 de junho de 2003. Marcelo Mesquita Saraiva Juiz Federal Relator Cesar Asfor Rocha Ministro - Presidente 9