O PROCESSO EPIDÊMICO 1. INTRODUÇÃO Uma determinada doença, em relação a uma população, que afete ou possa vir a afetar, pode ser caracterizada como: Presente em nível endêmico; Presente em nível epidêmico; Presente com casos esporádicos; Inexistente. Em um dado momento, o favorecimento de uma ou de outra dessas situações dependerá da confluência e conjunção sistêmica de inúmeros fatores relacionados à estrutura epidemiológica. Elevado número de casos de certas doenças em um determinado lugar não indica necessariamente a existência de uma epidemia. Por outro lado, um único caso autóctone poderá ser tido como epidêmico. 2. ENDEMIA 2.1 Conceito “Dá-se a denominação de endemia à ocorrência coletiva de uma determinada doença que, no decorrer de um largo período histórico, acometendo sistematicamente grupos humanos distribuídos em espaços delimitados e caracterizados, mantém sua incidência constante, permitidas as flutuações de valores, tais como as variações sazonais”. (Rouquayrol, 2003) Existem vários critérios para definir se, na atualidade, uma doença está presente em nível endêmico ou em nível epidêmico. O conceito atribuído à expressão “nível endêmico” é complexo e sua compreensão depende de uma série de conceitos que lhe são anteriores, tais como: Freqüência Média: “Denomina-se incidência mensal média para um determinado mês a média aritmética das incidências brutas ou trabalhadas, ocorridas nos meses de igual denominação, meses equivalentes, numa série de anos imediatamente anteriores”. Desvio-padrão: Para cada período mensal do ano, haverá além de uma média de valores, um desvio-padrão característico do conjunto. “Define-se desvio-padrão para o período t do ano como sendo o desvio-padrão St, calculado a partir das freqüências brutas ou trabalhadas, observadas no mesmo período do ano, numa série de anos imediatamente anteriores, e que, espera-se, sejam repetidos nos mesmos meses, nos anos vindouros”. Freqüência máxima esperada: Fmáx.P% t = Fméd.t + zSt Freqüência mínima esperada: Fmin.P% t = Fméd.t - zSt Intervalo de freqüência esperado: “Por intervalo de freqüência esperado com 95% de probabilidade, para um dado período do ano, entenda-se o intervalo delimitado por um valor máximo e mínimo, inclusive, dentro do qual caiam 95% das freqüências que já foram observadas e também, espera-se, das que venham a ser registradas”. Incidência Normal: “Incidência normal, com referência ao que foi observado na semana, no mês ou no ano que acabam de se encerrar, é a incidência que se iguala à que vinha sendo registrada em igual período de tempo, nos anos anteriores, respeitadas as flutuações de medidas”. - Limite Superior da Incidência Normal: conjunto formado pelas medidas de incidência mensais máximas, calculadas para todo um ciclo de variação e unidas, mês a mês, por uma linha poligonal. - Limite Inferior da Incidência Normal: conjunto formado pelas medidas de incidência mensais mínimas, calculadas para todo um ciclo de variação e unidas, mês a mês, por uma linha poligonal. - Faixa de Incidência Normal Esperada: faixa onde, mantida a estrutura epidemiológica sem alteração, se espera encontrar 95% dos coeficientes de incidência observáveis ao longo de um ciclo, incluindo os limites superior e inferior da incidência normal. Faixa Endêmica: “É o espaço nos limites do qual as medidas de incidência podem flutuar sem que delas se possa inferir ter havido qualquer alteração sistêmica na estrutura epidemiológica condicionante do processo saúde-doença considerado”. Nível de Incidência: “Expressão de ordem geral que se refere à incidência realmente observada da doença”. Nível Endêmico de Incidência: “É uma qualificação de ordem genérica atribuída às medidas de incidência cujos valores se situem abaixo do limite superior da faixa endêmica, qualquer que seja o patamar desta”. 2.2 Definição de Endemia “Qualquer doença espacialmente localizada, temporalmente ilimitada, habitualmente presente entre os membros de uma população e cujo nível de incidência se situe sistematicamente nos limites de uma faixa endêmica que foi previamente convencionada para uma determinada população e época determinadas”. 2.3 Diagrama de Controle “É um dispositivo gráfico destinado ao acompanhamento, no tempo, semana a semana, mês a mês, da evolução dos coeficientes de incidência, com o objetivo de se estabelecer e implementar medidas profiláticas que possam manter a doença sob controle”. 2.4 Endemicidade: “A intensidade do caráter endêmico de determinada doença, em determinados lugar e intervalo cronológico, é a endemicidade dessa doença no lugar e no tempo considerados”. Ex: valores hipoendêmicos, mesoendêmicos ou hiperendêmicos. Ou ainda “menor, igual ou maior endemicidade”. 3. EPIDEMIA Conceitos: Senso comum: é a ocorrência de doença em grande número de pessoas ao mesmo tempo. Operativo: é uma alteração, espacial e cronologicamente delimitada, do estado de saúdedoença de uma população, caracterizada por uma elevação progressivamente crescente, inesperada e descontrolada dos coeficientes de incidência de determinada doença, ultrapassando e reiterando valores acima do limiar epidêmico preestabelecido. Essa definição pressupõe que o estado saúdedoença da população deve estar permanentemente sob vigilância e controle. Implica na observação contínua, por pessoal habilitado, coleta e registro de dados bioestatísticos, propositura de um limiar epidêmico convencionado e acompanhamento permanente da incidência através de diagramas de controle. Limiar epidêmico = Limite superior endêmico Demarca o início de uma ocorrência que poderá ser epidêmica. As doenças de uma maneira geral podem ter seu nível de incidência classificado como endêmico ou epidêmico. A incidência de uma doença pode chegar ao nível epidêmico através de um dos seguintes mecanismos: a) Importação e incorporação de casos alóctones a populações formadas por grande número de pessoas suscetíveis, com as quais a transmissão seja uma possibilidade real; b) Ingresso de casos alóctones em áreas cujas condições ambientais são favoráveis à propagação da doença. c) Contato acidental com agentes infecciosos, toxinas ou produtos químicos, estando sujeitos grupos de indivíduos ou populações nas quais a incidência da doença permanecia nula até então. d) Modificações epidemiológica. ocorridas na estrutura 3.1 A Curva Epidêmica É a representação gráfica geral de uma situação epidêmica. Nesta curva genérica existem alguns aspectos que merecem ser destacados, são eles: Incremento Inicial de Casos: “Acontece nos eventos em que o processo saúdedoença passa de uma situação endêmica preexistente para uma situação epidêmica. Com a situação ainda em nível endêmico, observa-se um incremento do número de casos com o coeficiente de incidência tendendo para o limite superior endêmico”. Egressão: “Tem seu marco inicial no surgimento dos primeiros casos e termina quando a incidência for nula ou quando o processo se estabilizar num dado patamar de endemicidade, caracterizando uma endemia”. Progressão: “Estabelecida a epidemia, o crescimento progressivo da incidência caracteriza a fase inicial do processo. Esta primeira etapa, descrita pelo ramo ascendente da curva epidêmica, termina quando o processo epidêmico atinge seu clímax”. Regressão: É a última fase na evolução de uma epidemia. O processo de massa tende a: - retornar aos valores iniciais de incidência; - estabilizar-se em patamar endêmico, abaixo ou acima do patamar inicial; - regredir até incidência nula, incluída aí a erradicação. Decréscimo da Incidência Endêmica: “Quando o processo regride em nível endêmico e as ações de controle e vigilância continuam, a endemicidade pode ser levada a patamares bastante baixos, mais baixos do que aqueles vigentes antes da eclosão da ocorrência epidêmica; pode-se pensar inclusive na erradicação da doença”. 3.2 Duração das Epidemias Contrariamente à endemia, que é temporalmente ilimitada, a epidemia é restrita a um intervalo de tempo marcado por um começo e um fim, com retorno das medidas de incidência aos patamares endêmicos observados antes da ocorrência epidêmica. Este intervalo de tempo pode abranger umas poucas horas ou dias ou pode estender-se a anos ou mesmo décadas. Ex: A intoxicação alimentar é um evento extremamente curto; a febre tifóide é um evento intermediário e a AIDS um evento de longa duração. 3.3 Abrangência das Epidemias Surto Epidêmico: “Denomina-se surto epidêmico, ou simplesmente surto, uma ocorrência epidêmica restrita a um espaço extremamente delimitado: colégio, quartel, edifício de apartamentos, bairro, etc.” Pandemia: “Dá-se o nome de pandemia à ocorrência epidêmica caracterizada por uma larga distribuição espacial, atingindo várias nações”. 3.4 Aspectos Diferenciais das Epidemias Epidemia Explosiva: O critério diferenciador é a velocidade do processo na etapa de progressão. Epidemia explosiva é a que apresenta uma rápida progressão até atingir a incidência máxima num curto espaço de tempo. É também denominada epidemia maciça. Ex: intoxicações decorrentes da ingestão de água, leite ou outros alimentos contaminados. Epidemia Lenta: O critério diferenciador continua sendo a velocidade de progressão. A qualificação “lenta” refere-se á velocidade com que é atingida a incidência máxima. A velocidade é lenta, a ocorrência é gradualizada e progride durante um longo tempo. Pode ocorrer com as doenças cujos agentes apresentam baixa resistência o meio exterior ou para os quais a população seja altamente resistente. A epidemia terá também decurso lento quando os fatores de transmissão estiverem parcamente difundidos no meio. Ex: Epidemias decorrentes incubação (AIDS) de longo período de Epidemia Progressiva ou Propagada: O critério diferenciador é a existência de um mecanismo de transmissão de hospedeiro a hospedeiro. Na epidemia progressiva ou propagada a doença é difundida de pessoa a pessoa por via respiratória, anal, oral, genital, ou por vetores. A propagação se dá em cadeia, gerando verdadeira corrente de transmissão, de suscetível a suscetível, até o esgotamento destes ou sua diminuição abaixo do nível crítico. É também denominada epidemia de contato ou de contágio. Sua progressão é lenta. Ex: Epidemia de AIDS Epidemia por Fonte Comum: O critério diferenciador é a inexistência de um mecanismo de transmissão de hospedeiro a hospedeiro. Nesta epidemia, o fator extrínseco é veiculado pela água, alimento, ar ou introduzido por inoculação. Aqui não existe a propagação pessoa a pessoa: todos os afetados devem ter tido acesso direto ao veículo disseminador da doença. Tratase geralmente de uma epidemia explosiva e bastante localizada em relação às variáveis tempo, espaço e pessoa. Epidemia por Fonte Persistente: Nesta epidemia, a fonte tem existência dilatada, e a exposição da população prolonga-se por um largo lapso de tempo. Ex: Epidemias de febre tifóide devido à fonte hídrica, acidentalmente contaminada pela rede de esgoto. 3.5 Conglomerado Espacial Casos de doença de etiologia conhecida ou desconhecida, com doentes exibindo sinais e sintomas iguais, para os quais pode ser suspeitada ou evidenciada uma origem idêntica, ou mesmo comum, associada a algum fator, ou fatores, surgidos em um território circunscrito cujos limites possam ser perfeitamente definidos, constituem um conglomerado espacial de casos. Casos Autóctones: são os casos de doença que tiveram origem dentro dos limites do lugar em referência ou sob investigação. Casos Alóctones: são os casos importados; o doente, atualmente presente na área sob consideração, adquiriu o seu mal em outra região, de onde emigrou. Fatores Inerentes ao lugar: são os agentes etiológicos e as condições propiciatórias, ambos contribuintes na geração da doença, que, desde quando se saiba, sempre existiram nos limites da área em estudo. Fatores agregados: são fatores que, até então inexistentes na área, foram trazidos de outros lugares ou foram gerados na própria área, por modificação da estrutura epidemiológica. 3.6 Conglomerado Temporal Um grupo de casos para os quais se suspeita um fator comum e que ocorrem dentro dos limites de intervalos de tempo significativamente iguais, medidos a partir do evento que supostamente lhes deu origem, constitui um conglomerado temporal de casos. Ex: Pennsylvania, EUA, contaminação de um grupo de hóspedes do mesmo hotel pela bactéria Legionella pneumophila.